Uma semana inteira havia passado desde quando instalamos os grampos no galpão, e acabei por não contar a Lola e André o plano que havia escutado no dia. Essa semana de avaliações da faculdade tomou todo nosso tempo livre, e preferi focar nos estudos, porque afinal de contas eu também precisava me formar, mesmo tendo uma possível ameaça de morte em andamento.
Sábado pela manhã, assim que desço para tomar um café da manhã, minha campainha toca, me detenho a abrir a porta e encontro parados André e Lola que entram em seguida. Fomos todos para a cozinha, pois ainda estava com fome, e hoje contaria tudo que aconteceu no galpão para eles inclusive o plano maléfico dos ataques da outra matilha a minha família.
- Bom dia, migous. - falei os cumprimentando enquanto sentávamos.
- Bom dia, xus. - disse Lola. - Você não precisa fazer cerimônia e pode falando tudo sobre a ida ao galpão. - completou.
- Bom dia, migou. - disse André. - E sim, pode falar as coisas aí.
- Então, a gente chegou lá bem cedo, e procuramos os postes para instalar os aparelhos, a gente até encontrou uma tampa da concessionária, mas não conseguimos abrir. Daí a gente instalou no poste mesmo. - falei.
- Até porque acho que não valeria a pena você tentar tirar a tampa à força, já que a concessionária deve fazer manutenção recorrente, e aí notariam a tampa danificada e lá se vai o grampo. - disse André.
- Exatamente. Mas enfim, o mais interessante foi depois disso. - comecei. - Acabou que eu ouvi uma conversa dentro do galpão, tinham uns três homens falando sobre algumas coisas. A primeira foi que aquele cara, Ivan Norantes, lembram? - perguntei e eles acenaram positivamente com a cabeça. - Ele é aparentemente olheiro da matilha dos Cardoso.
“Nisso, eu sei um homem lá parabenizou ele pelas informações que ele levou, e ainda sugeriu que a minha matilha tem aliança com os caçadores, já que o Nicolas tem despistado os locais das luas cheias, eles acharam que ou essa tal aliança existe, ou que tem traidores dentro do grupo dos caçadores.” - expliquei a ambos.
“Depois disso, ele ainda disse que eles precisavam proteger uma tal de Flávia, que parece que o apelido dela é “Vinha”, acho que de “Flavinha”, um negócio assim...” - terminei.
- Quais outras informações o Ivan passou pra esses dois homens? - perguntou Lola.
- Habilidades e afins, tanto nossas quanto dos Bragança. - falei.
- Hum... entendi. Bom, por hora, acho que precisamos focar em pegar as informações que já recebemos dos e-mails e dos telefonemas. - disse André. - Não que isso possa virar uma batalha, tipo Tróia. - disse rindo.
- MEU DEUS! - exclamei. - Esqueci da parte mais importante, eles querem nos atacar na próxima lua cheia... turu pom? - disse fazendo bico e sinal de vê com os dedos das mãos.
- Muito que bem, então precisamos nos apressar mais ainda. - disse Lola já pegando o notebook para pesquisar alguma coisa.
André a seguiu com o telefone mesmo, eu já estava na escrivaninha abrindo os e-mails no computador, precisávamos conferir todas as informações, ou pelo menos a maioria delas, que conseguimos e tentar traçar um plano para impedir o tal ataque, ou mesmo minimizar ao máximo possíveis consequências que esse plano traria para minha família, e até mesmo os Bragança.
A gente analisou as informações recebidas, que por incrível que pareça, não eram tantas assim. Planos de como a matilha se deslocaria para minha cidade, informações do local onde seria a próxima lua cheia, até mesmo onde os caçadores estariam. Algumas ligações repassando essas informações, e outras perguntando sobre Flávia, que classificamos como importantes.
Lola e André acharam e reuniram também e-mails sobre a Flávia, e decidimos juntar eles para analisar juntos. Os e-mails falavam, de forma geral, sobre o reforço da segurança onde Flávia se encontrava, aparentemente, e diziam também a respeito da condição que ela estava, o que não ficou claro.
- Ué, gente. Como assim uma doença? Condição? - perguntei.
- Deve haver alguma coisa relacionada com essa tal de Flávia, de repente ela tá doente, sei lá. - palpitou André. - Se bem que ele disse “condição”, o que abre margem para várias interpretações. - disse.
- Isso foi uma ligação? - perguntei. - Ah foi, repassa ela alto pra gente escutar. Lola aumentou o alto-falante e pudemos ouvir:
“Oi, olha já recebeu todas as instruções né?” - um homem disse.
“Sim, e o reforço da segurança já foi colocado. Mas a gente não pode chegar muito perto, não se esquece da condição dela.” - outro homem respondeu.
“Eu entendo, melhor para manter a proteção de vocês e da Vinha.” - disse o primeiro.
“Okay, mas você sabe o que eu penso, era para isso ter acabado com aquela velha. O marido dela já tinha ido pro saco.” - respondeu.
“O erro não foi esse, o erro foi ter expulsado aquele presidiário da cidade. Ele deveria ter sido apagado, mas deixa estar. Vou desligar, tchau.” - se despediu o primeiro.
- Bom gente, ficou bem claro que a Flávia tem alguma coisa, e eles não podem chegar perto dela... Isso é bem estranho. - falei.
- Vou procurar aqui sobre essa mulher. Vou colocar com o sobrenome Cardoso, de repente ela é da família. - disse Lola.
- Tá faz isso. - incentivei. - Fora que se ela for Cardoso, a gente pode cruzar as informações sobre ela com todas as informações que a gente já tem. - completei aguardando Lola.
- Olha, ela é Cardoso sim, e isso pode significar que ela é lobisomem também né? - disse Lola.
- Realmente, isso pode ser bem verdade. - respondi. - Que tal a gente cruzar as informações dela com todas as que já temos? - falei já começando a fazer isso.
Nós pegamos os dados da Flávia Cardoso, que não eram tantos, o que já deixava tudo mais suspeito, ela não tinha nem conta em banco, nem um cartão de crédito. Joguei o CPF dela no banco de dados da secretaria de saúde, e encontrei o cartão de vacinação dela, este indicava que ela tinha por volta de 78 anos, eu fiquei muito surpreso com a idade dela.
- Gente, aqui no cartão de vacina, que foi a única coisa que eu achei dela, diz que ela tem 78 anos, porque ela nasceu em 1942. E eu não estou entendendo mais nada. - falei com os olhos arregalados.
- Nossa, espera, naquelas investigações a data que o Getúlio morreu foi 10 anos depois que ele tinha iniciado as investigações, não foi? - perguntou Lola.
- Foi sim, 1958, e ela tinha desaparecido com cinco anos de idade. - respondeu André. - Pelas minhas contas é isso mesmo gente, tá certo. - disse.
- Que esquizofrenia... - franzi a testa. - Ela tem 78 anos, e desapareceu com cinco, e na verdade ela estava sendo “protegida” por ter alguma espécie de condição especial, fora de ser uma lobisomem, que a gente não sabe. - falei. - Na verdade isso parece mais cárcere privado, do que proteção. - terminei.
- Então, é isso gente, deciframos... “deciframos” a investigação que tanto o Getúlio, quanto o tio Rodolfo, do Nicolas, estavam procurando. - disse Lola. - A gente só precisa saber agora o motivo específico pra isso. - completou.
- Repassa o áudio. - pediu André, e repassamos. - Ah então é isso, um dos caras menciona tanto a Roboalda como o Getúlio e suas mortes, achando que teria dado fim ao aparente problema de encontrarem o paradeiro e a identidade dessa tal loba aí. - explicou André.
- Porém, Rodolfo Bragança deveria saber o paradeiro e, portanto, ele deveria ter sido morto, mas não foi. Ele acabou sendo preso antes disso. - completei. - Inclusive o Nicolas, falou comigo que o tio dele não voltou a trabalhar como detetive depois que saiu da prisão não, ele foi fazer outra coisa da vida. - continuei. - E faz todo sentido, já que ele sabia muito bem que seria alvo da matilha ainda. - conclui fechando as explicações.
- Com um exército de caçadores, ele ficou bem protegido esse tempo todo. - comentou rindo Lola. - De qualquer forma, a gente precisa do principal, o paradeiro dessa mulher... - apertou os olhos. - Eu sinto que a gente tá deixando passar alguma coisa. - disse Lola.
- Bom, você tem sexto sentido pra essas coisas, eu sugiro a gente repassar as informações mais uma vez. Só pra garantir. - sugeri a eles.
Repassamos todas as informações novamente, e dessa vez fui coletando todos os endereços que tínhamos juntado nesses arquivos todos. Algum deles deveria fazer sentido, ou até mesmo nos levar a uma conclusão sobre onde estaria localizada Flávia Cardoso. Poderíamos usar isso a nosso favor, e até mesmo como arma a fim de parar o ataque que aguardávamos.
- Gente, todos os endereços que temos até agora. - mostrei um papel que havia escrito para eles dois.
- Deixa eu jogar no google maps, de repente a gente fecha numa área. – disse André.
- Eu acho que tá bem óbvio na verdade que a área deve ser a cidade do galpão deles. - disse Lola.
E realmente ela estava certa, a maioria dos endereços se referiam ao local do galpão, e arredores. Até mesmo os endereços de outras cidades sempre tinham ligação com o galpão da antiga madeireira. Se eles estivessem com um local muito distante, ou bem escondido, não precisariam aumentar a segurança, manteriam somente os alertas mais apurados.
- Gente, eu ouvi naquela conversa que eles aumentariam a segurança no “galpão da raça 43”. - disse. - Eu sei que eles tem outros galpões em outras cidades, mas não sei o que pode significar “da raça 43”. - falei por fim.
- Tá na cara que é um código, mas será que isso indica alguma espécie de árvore, ou até uma raça específica de lobo? - palpitou André.
- Eu acho que tu tá maluco! - falamos Lola e eu juntos. - Acho que isso pode ser o nome de uma rua, na real. - palpitou Lola. - Deve ter alguma rua com esse nome não? Joga ai. - pediu Lola a André.
- Hum, os endereços assim caem em outros lugares aleatórios e muito longe. Deixa me dar uma olhada na cidade mesmo, e nas ruas ao redor do galpão da Cardoso, de repente ache algo. - disse André.
- Faz isso, e gente, eu acho que vou convocar uma reunião com todo mundo da matilha, e explanar isso tudo, a gente não tem muito tempo. E precisamos nos proteger. - falei meio receoso.
- Eric, a gente vai estar do seu lado o tempo todo, a gente vai junto com você nessa reunião. - disse Lola abrindo um sorriso terno.
- E a gente vai nessa reunião com a localização da Flávia Cardoso. - disse André muito certo de si com uma euforia crescente na voz. - GENTE, “galpão da raça 43” é um anagrama para “rua da graça opala 34”. - completou André com satisfação.
- Meu Deus, você é mesmo muito mestre das palavras! - disse muito animado. - E olha onde fica a localização no maps. - apontei pra tela. - É a entrada de uma espécie de sítio, ou chácara. Bom, concluídas nossas investigações pelo visto, muito obrigado pelo esforço e companheirismo de vocês dois, e eu amo muito vocês! - exclamei com visível emoção.
- Ah amigo, a gente te ama muito também. - falou Lola e nos abraçamos os três. - Agora já sabe o que vamos fazer! - disse Lola bem confiante.
- Sei sim, vamos lá pra baixo e falar com o pessoal, e vou ligar pro Nicolas vir também, a gente precisa dos caçadores, até porque eles são alvos também desse plano. - falei por fim.
Descemos os três juntos, e na sala encontrei meus pais, pedi para eles chamarem todos os lobos para uma reunião urgente, e que o assunto era muito delicado. Eles não entenderam muito bem, mas fizeram como eu pedi, enquanto eu ligava pra Nicolas vir também, e pedi pra ele trazer a prima dele, pois seria importante outra pessoa ouvir o que tínhamos a dizer.
Com toda matilha na sala, chegaram por fim Nicolas, seguido de uma jovem mulher de cabelos encaracolados dourados, sua prima tinha aceitado vir junto. Todos estavam com dúvidas e semblantes desconfiados, afinal de contas reuniões como aquelas quase sempre não traziam notícias muito boas, e mais uma vez se repetia a situação desconfortável.
- Bom gente, eu chamei todos aqui, inclusive Nicolas e sua prima, porque preciso dizer algo muito importante e sério. - comecei falando, com André e Lola ao lado me dando apoio. - Lobisomens e caçadores... - hesitei um instante com meu corpo ficando quente, mas continuei. - Nós estamos sob ameaça de ataque de outra matilha... - terminei a fala apreensivo.
Logo em seguida, todos ficaram mais tensos ainda, e começaram os pedidos de explicação, não tinha mais volta, e precisaria explicar todas as coisas para todos que estavam ali. Olhei André e Lola como um pedido de ajuda, e ambos se levantaram para ficar ao meu lado, e dessa forma explanaríamos todas as coisas que havíamos descoberto até o momento.