[LGBTQ+] PANDEMIC LOVE - DIÁRIO DE UMA QUARENTENA / 6 - SINCERAMENTE

Um conto erótico de EscrevoAmor
Categoria: Gay
Contém 2616 palavras
Data: 28/07/2020 23:03:39
Última revisão: 28/07/2020 23:11:20

Como ensinar uma pessoa analfabeta?

Ensinar um adolescente a ler.

Como ser um bom professor de português.

Socorro Google!

Essas foram algumas coisas que pesquisei naquela manhã. Quase não dormi, parecia um zumbi. Como eu fiz uma promessa dessas? Eu nunca tinha ensinado ninguém na vida. Eu estava lascadinho. Desci e tomei três xícaras de café. Achei um artigo bem interessante sobre o analfabetismo no Brasil.

De acordo com uma professora do Pará, o primeiro passo era mostrar as letras do alfabeto para a pessoa. Eu ia precisar de uma lousa, então, percorri toda a fazenda. Encontrei a Rêh, acordada antes das 12h. Ela conversava com um dos funcionários, com certeza, queria algum favor. Essa quando desejava algo, sabia todos os meios e caminhos de conseguir seus objetivos.

— Com licença, Ronaldo? — Pedi atrapalhando o flerte da Rêh.

— Pois não, senhor. — Ele disse ficando vermelho.

— Você sabe se existe um quadro negro. O seu Nestor falou que estava na casa de máquinas, mas não achei. — Expliquei para ele, tentando não manter contato visual com a Rêh.

— Ah, está no escritório. Ali na esquerda. — Ronaldo apontou para uma porta verde. — Está aberta. — Completou.

— Valeu. — Disse indo em direção a sala.

— Então, voltando ao nosso assunto, Ronaldozinho. — Soltou Rêh. — Eu preciso que você entregue até sexta— feira...

Peguei o quadro e me mandei. Não queria ver a minha irmã armando o bote em alguém. Antes de ir ao celeiro, passei no meu quarto e peguei um antigo livro de gramática. Quando estava para sair, Quintino, apareceu, inclusive, ele surge nos momentos mais inapropriados. Tive que inventar uma desculpa qualquer e falei que depois conversaríamos.

Cara, nunca me imaginei ensinando outro ser humano. Tentava lembrar das aulas de português, mas a professora era uma verdadeira bruxa, ela mais traumatizava os alunos que de fato educava. Olhei alguns vídeos na internet, bastante para falar a verdade, por um instante, até esqueci da caça ao tesouro.

Trancado no meu quarto quase o dia todo, recebi a visita da Rosa. Ela trouxe um sanduíche e suco para o lanche. Como sempre, a Rosa sentou na cama e ficamos conversando. Sempre tive facilidade em conversar com ela, diferente da minha mãe, por exemplo, que se preocupava mais em decorar textos.

Absorvi todo conhecimento que pude em menos de dez horas. Estava um verdadeiro professor, qual seria a minha personalidade? Seria o professor divertido, aquele que faz piadas e deixa o clima na classe mais leve, ou aquele sério, concentrado, que passa um milhão de slides. Só queria ensinar algo relevante para o André.

Após o jantar, peguei meu material e segui para o celeiro, o nosso lugar secreto. Ele já estava esperando, de novo com a mesma regata e bermuda, num frio absurdo. Expliquei um pouco sobre a dinâmica das aulas, assim como ele, ainda tinha coisas para aprender, porém ensinaria tudo que estivesse ao meu alcance.

Escrevi todo o alfabeto no quadro negro, tive dificuldade, por que o espaço era limitado, e a minha letra não ajudava muito, sério, me esforcei de verdade. Depois, em um caderno separei as consoantes das vogais. E mais uma vez, expliquei sobre o assunto, sempre embasado nos livros que havia pesquisado nas últimas horas.

Eu via nos olhos do André, a vontade de aprender, não houve espaço para brincadeiras ou piadas. Acho que ele precisava, realmente, de apenas uma oportunidade. Naquela hora, senti que fazia a diferença na vida de alguém, e esse sentimento, Doutora, é indescritível. Será que a senhora se sente assim também?

Olhei no relógio, me assustei, já passavam das 23h. Estudamos quase quatro horas direto. Passei um exercício para o André, e ainda coloquei TAREFA PARA CASA. Depois, sentamos no chão, infelizmente, a lua estava escondida, mas a nossa conversa fluiu de maneira bacana.

Contei um pouco sobre como é ser filho de pais famosos, o mundo de glamour e festas, que no fundo parece ser vazio. Ele por outro lado, falou da infância e das coisas que aprontava na fazenda. Lembrou a rixa que teve com as crianças da região, que conseguiu subir no pau de sebo, durante a festa junina e ganhou cem reais.

É muito difícil encontrar alguém assim, que eu possa confiar e ser normal. André ria das minhas piadas ruins, gostava de ouvir minhas histórias/fofocas de celebridades. Mostrei os clipes do Lukas junto à Fusion, e também do programa da Rêh. Nesse momento, os nossos rostos ficaram próximos, conseguia sentir a respiração dele, mas um estrondo nos trouxe de volta.

Levantamos e vimos uma fumaça vindo da área da piscina. Corremos para averiguar, quando chegamos lá, a Rêh estava coberta de fuligem. Ao que parece, ela tentou ligar a hidromassagem e o motor explodiu na cara dela. Nenhum machucado, apenas o drama de sempre. A minha família toda desceu para verificar o barulho.

— Minha filha. — Disse mamãe abraçando Rêh. — Você poderia ter se machucado.

— Eu procurei o André, mas seu Nestor falou que ele não estava. Tentei ligar sozinha. — Rêh fingiu uma fragilidade excessiva.

— Vamos tomar um banho! — Pediu Rosa, amparando a minha irmã.

— Onde você estava meu jovem? — Perguntou meu pai, fechando o roupão por causa do frio.

— Eu... eu...

— Pai, o André estava comigo. Pedi para ele me ensinar a montar no Nescau. O senhor sabe como sou ruim em montaria. — Falei para evitar que o André saísse prejudicado.

— Pior que é mesmo, Tio. O senhor tinha que ver o Higor montando ontem. Dava pena. Até eu, um homem do conhecimento, consegui domar a besta fera. — Soltou Quintino.

Passado o susto, entramos e minha noite foi arruinada pela Regina. Qual é, quem estou enganando? Eu não sou gay, muito menos o André. Eu não ia estragar nossa amizade por causa de uma vontade.

Deitei na cama, liguei a minha playlist e dormi durante a música "Pais e Filhos", do Legião Urbana. Novamente, tive o sonho com a fazenda, que mais parecia um cenário de filme de terror. Aquela névoa me dava nos nervos. As crianças passaram correndo por mim, mas dessa vez, tomei coragem e comecei a segui-la. Elas entram na casa e são abordadas pelo meu avô.

— Higor e André, o vovô precisa sair agora. Vocês se comportem e obedeçam a Rosa, por favor. — Ele diz pegando na cabeça das crianças. — Eu vou trazer um doce para cada um.

— Ebaaa! — Grita a minha versão mirim.

— Eu quero chocolate, vovô! — Grita André. — Higor, vamos brincar no lago?

— Vamos!

Acordei com o Quintino me cutucando, no susto, acabei chutando ele. Revoltado, o meu primo começou a reclamar, dizendo, que eu era grosso e estúpido. O meu dia mal começou e já estava levando bronca do meu primo de 15 anos. Esse mundo está acabado!

Descemos para o café, e fiquei estranhando os meus pais acordados tão cedo. Eles explicaram que precisariam voltar para o Rio de Janeiro, algum problema com o contrato da mamãe na Rede Mundo, afinal, ela estava no meio de uma novela quando a pandemia se alastrou pelo país.

Eles explicaram que precisariam voltar para o Rio de Janeiro, algum problema com o contrato da mamãe na Rede Mundo, afinal, ela estava no meio de uma novela quando a pandemia se alastrou pelo país

Como a gente sabia o paradeiro da última pista, decidimos dar prioridade a construção da estrutura para a sala secreta. Conseguimos telhas, madeira e os materiais necessários para o projeto, me senti um dos irmãos Scott do programa "Irmãos à Obra", o preferido da Rosa, já maratonamos todas as temporadas.

André descolou uma carroça para levarmos tudo com facilidade. Já a Rosa, preparou um verdadeiro banquete, quase a beijei. Caprichosa, a Rosinha colocou tudo numa cesta de piquenique. O Lukas se convidou, mas quando ficou sabendo que teria trabalho braçal pulou fora, babaca!

Seguimos em direção à sala secreta, claro que levei a minha caixa de som, liguei a playlist e forcei os meninos a escutarem Cartola, Coldplay, e músicas do Hércules, meu desenho favorito no mundo inteirinho. No trajeto, André nos ensinou como guiar os cavalos na carraça, como sempre, o exibido do Quintino aprendeu perfeitamente, tive dificuldade para tirar os animais do lugar.

De uma forma bem paciente, André, pegou na minha mão direita e pediu para eu puxar levemente a guia, fiz e devagar os cavalos começaram a trotar. Ele seguiu tocando na minha mão pelo resto do caminho, o meu coração acelerava a cada minuto. "Que merda, Higor", pensava comigo mesmo.

Amarramos os cavalos, deixei dois baldes de água e feno. Na noite anterior, após a aula, o André conseguiu fazer um esquema para cobrir o buraco, um melhor que o meu, achei bem detalhado.

As folhas de bananeira estavam intactas. Dei uma missão para o Quintino, encontrar a chave escondida. Ele reclamou, como sempre, mas acatou a ordem.

Eu não sou bom em trabalhos manuais, nos primeiros minutos, consegui martelar minha mão e cortar o dedo. André me deu um par de luvas, elas dificultavam o trabalho, mas não me machucavam. Eu comecei a observar as mãos dele, haviam vários calos, e as pontas dos dedos sujas, pensei que acharia isso nojento, porém, não foi o caso.

— Coloque esse prego, ele não tá saindo. — Reclamei olhando para André com uma feição de desespero no rosto.

— Calma. — Ele pediu, vindo por trás, pegando o martelo da minha mão e tirando o prego com um único movimento. — Não precisa de força, precisa de jeito.

O André usava apenas uma calça comprida e bota. Eu por outro lado, vestia uma camisa xadrez com um macacão jeans, quase o fazendeiro da semana. Graças a Deus que não estava calor, a temperatura beirava os 23 graus. Em três horas, conseguimos fazer parte da estrutura. O mais difícil foi pregar a telha de acrílico na madeira.

Depois de um bom tempo, Quintino voltou com a chave, não sei se ele teve trabalho ou apenas enrolou. Ele chegou na frente do alçapão de ferro e o abriu. Fiquei impressionado com a engenhosidade do vovó, ninguém sabia sobre aquela sala. Por que ele construiria algo assim?

Entramos para investigar mais o espaço, a telha de acrílico deixava a luminosidade entrar. O meu primo deu a ideia de transformar o lugar no nosso Quartel General. Começamos a pensar em maneiras de deixar a sala mais prática. Listei os móveis que poderíamos "emprestar" de casa. O André estava ao meu lado, e consegui ouvir ele falando as vogais bem baixinho.

O Quintino, folgado como sempre, ficou entre a gente, um braço escorado no André, o outro em mim, e começou a falar sobre a irmandade dos machos. Sério, queria matar aquele garoto, não me importaria se ele caísse em outro buraco.

— Somos machos alfas. Devemos deixar esse espaço com a nossa cara, ressaltar nossas qualidades, sabe.. — Ele disse como estivesse entregando o discurso de sua vida.

— Um espaço fedido, rabugento e egocêntrico. Por que, querido primo, é assim que você está agora. — Brinquei e me desvencilhei dos braços dele.

— Eita, essa doeu. — Soltou André.

— Homem do campo. Preciso ressaltar o seu belo trabalho. — Quintino disse fingindo analisar o telhado. — Sem você, o Higor ainda estava tirando os materiais da carroça.

— Tá bom. Falou a pessoa que passou três horas para encontrar uma chave.

— Vocês são engraçados. Ei, vamos comer algo? — Sugeriu André.

Ter amigos é isso, né? É provocar, contar piadas, mas sem ofender ou machucar. Nunca pensei que encontraria em Quintino um amigo, muito menos, no André. A Rosa caprichou no almoço, preparou panquecas de carne, nós comemos tão rápido que a barriga doeu. Ficamos deitados na grama, o vento soprava e as nuvens passavam rápido no céu.

— Vou sentir saudades quando vocês forem embora. — Confessou André.

— Cara, do jeito que as coisas estão indo. O isolamento social vai durar muito tempo. — Revelou Quintino. — São milhares de infectados, e cada dia, o número de mortos aumentam. Nunca pensei viver algo parecido.

— Ainda bem que estamos isolados, e a cidade fica há quilômetros. Isso me deixa mais confortável. Sei lá, tento não pensar muito nisso. Fica muito estranho quando a gente se dá conta que os números são pessoas.

— Eu também me sinto seguro aqui. E todo mundo está respeitando o isolamento, quer dizer, menos o tio e a tia. — Comentou Quintino.

— Eles só foram na emissora e voltam para cá. Viu que a mamãe foi de turbante? Por nada, que ela perde esse papel. Parece a maluca do álcool em gel. — Critiquei mamãe, fazendo o André rir.

— É verdade. Ontem, ela fez eu lavar minhas mãos, depois passar álcool e colocar uma luva. Nestor falou que eles trancaram os portões de entrada.

Infelizmente, as regras estão mudando. O mundo sentiu o impacto da pandemia, e as pessoas, em sua maioria, se tornaram mais cautelosas. Os meus pais podem ser ausentes, mas entendem a magnitude dessa doença. Após divagar sobre o corona vírus, decidimos voltar para a fazenda, e começar o planejamento de resgate da próxima dica.

Sério, Doutora, a fazenda tem o melhor ângulo do pôr do sol, as colinas de São Paulo são maravilhosas, sempre me sinto em um dos filmes que os meus pais participam, onde a fotografia sempre destaca a beleza do lugar. Os olhos castanhos de André, ganhavam uma cor de mel, os cabelos grudados em sua testa, eu conseguia reparar nos detalhes que o faziam especial para mim. Que loucura, não é?

Em certa parte do caminho, começamos a ouvir uma música alta vindo da casa. Estranhei, pois Rosa detesta qualquer coisa que faça barulho. Deixamos os cavalos no estábulo, ajudei André a descer o material e seguimos para a área da piscina.

Meus olhos viram, mas o meu cérebro não conseguia acreditar. Tinha uma festa rolando. Uma festa! Fiquei procurando alguém conhecido, mas não consegui. A minha ira aumentou quando vi a Rosa servindo salgadinho para algumas garotas.

— Que merda é essa? — Perguntei puto da vida.

— É uma reuniãozinha que a Rêh fez. — Explicou Rosa entregando o prato para as garotas.

— Reuniãozinha?

De repente, o meu lado hipocondríaco falou mais alto

De repente, o meu lado hipocondríaco falou mais alto. Um cara fazia o serviço de DJ, roubei o microfone das mãos dele e comecei a esculhambar com todo mundo. Não lembro as palavras direitos, mas era algo sobre mortes, doença e irresponsabilidade. Pedi para o Quintino levar a Rosa para dentro, e a Rêh chegou tentando falar alto.

— Regina, cala a boca. Manda esse pessoal ir embora agora. Você sabe como está a situação do país? Cara, tu quase se deu mal por participar de uma festa. Agora imagina, imagina se vaza uma foto da fazenda? Você quer destruir tudo o que os nossos pais construíram? Gente, desculpa a grosseria, mas vocês tem dez minutos para partirem. — Falei com o meu coração acelerado.

Quando entro em conflito, o meu corpo todo reage, e não de uma forma legal. Fiquei tremendo de raiva. Eu, um adolescente de 17 anos tendo que ser o único com consciência e responsabilidade. Pedi para o André colocar uma máscara e acompanhar o pessoal até a saída. Passei pela Rêh, e queria estrangulá-la.

Comecei a procurar Lukas, ele não se encontrava em lugar algum. Entrei no quarto e nada, apenas ouvi alguma coisa vindo do banheiro dele. Abri a porta e encontrei meu irmão se drogando. Ele usava um espelho e um cartão para cheirar uma espécie de pó branco. No susto, Lukas deixou o espelho cair no chão e se cortou.

— Lukas. — Falei horrorizado. — Eu.... Eu...

— Higor, irmão. Não é, não é o que você está pensando!

****

"Sinceramente, você pode se abrir comigo

Honestamente, eu só quero te dizer

Que eu acertei o pulo quando te encontrei

Acertei o pulo quando te encontrei

E então o nosso mundo girou"

(Cachorro Grande)

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Comentários

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Que família. Estou adorando. Posta logo o próximo.

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Há séculos não entro com meu login - que perdi, precisei de criar outra conta, sinta-se prestigiado por isso (não a sério, brinco) -, mas senti a necessidade de fazê-lo. Não sei se autoral, não sei se já publicado em qualquer outro sítio, mas, de todo modo, tu me cativaste com a história e, por ver uma falta de manifestações alheias, creio que me precise dar o esforço de comentar. Não que seja uma tarefa complexa, teu conto é fantástico, mas eu tergiverso demais em o que quer que escreva, enfim... Queria-te parabenizar. Apesar de não haver sexo até o momento - o que talvez faça deixarem-no de lado, não sei... o sítio tem esse fito, mas teu estilo me apraz, gosto de romances. Penso que irei acompanhar pelo Wattpad, acho a plataforma mais agradável. Por fim, queria agradecer pelo conto, muito bem redigido e elaborado. Fico no aguardo por mais capítulos! Parabéns pelo trabalho.

Att,

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