Eu estava na Vila ( ver episódio anterior). Enquanto dormia, vi Regina, minha belíssima esposa entrando pela janela, dizendo que tinha ordens de Waite para me eliminar.
Ela ergueu um punhal, vi o reflexo da lâmina.
Era o meu fim.
Acordei suando frio, tinha sido um enorme pesadelo! Eu ainda estava no quarto, no Castelo da Agência, e Regina ressonava ao meu lado, nua, ainda abraçada em mim. Felizmente, não gritei ou me agitei no sonho, ou ela poderia ter acordado.
Ela estava linda como sempre, e me doía muito saber que seus sentimentos mais profundos haviam sido extraídos e aprisionados em uma esfera espelhada, lacrada com um sigilo.
Eu teria que arrumar outro quarto, seria difícil. Mas eu esperava que meu plano pudesse dar certo, ainda era uma esperança.
De manhã cedo, levantei e coloquei a túnica. Eu havia prometido que de manhã iria procurar um quarto.
“- Levantando cedo?”
“- Eu sempre levanto cedo...”
“- Ah, mas o café é até as dez...”
“- Chafé, você quer dizer. Lembra daquela cafeteria famosa em Londres, que você quis ir, e que eu falei que era ‘chafé?’ Aguado e morno...”
“- Claro que lembro. Naquele dia andamos muito, umas 8 horas. E cansamos, mas foi legal.”
“- Preciso ir agora, prometi que ia achar um quarto”
Ela ficou quieta, me olhando.
“- Olha...não precisa tanta pressa...”
“- Mas eu não quero incomodar você, você disse que tem que estudar e meditar, e eu não quero atrapalhar você.”
“- Mas não tem que sair correndo. Vamos comer primeiro.”
“- Certeza? Ontem você foi meio dura...”
Ela me olhou nos olhos. Parecia que procurava algo e não achava.
“- Alguma coisa está incomodando você, posso ver.” Eu falei.
“- É que Waite me dá nos nervos. Já tive vontade de voar no pescoço dele, só não fiz porque ele é o chefe.”
Regina nunca havia falado desse jeito. A máquina, tirando algumas coisas, aumentou outras.
“- E eu realmente estou indecisa. Não sei se realmente quero que você vá para outro lugar, aí eu fico sozinha e o Waite pode achar que estou facilitando para ele. E eu não quero isso.”
“- E o que você acha que dá para fazer, então?”
“- Olha... talvez... Acho que daria perfeitamente para você dar uma passeada, se eu quiser estudar e meditar. E acho que você pode continuar neste quarto.”
“- Mas por que isso? Ontem você foi tão incisiva...”
“- Ontem foi ontem, hoje é hoje. E gostei de sua massagem nos pés e de você estar aqui de madrugada quando eu precisei. Vamos tomar o ‘chafé’?”
E agora? Esta Regina talvez estivesse gostando de mim., de outro jeito. Parecia uma realidade alternativa... AH NÃO!!! E se...E se...
E se esta Regina não fosse mesmo a “minha” Regina? E se a MINHA Regina inteira estivesse presa naquela esfera, e esta fosse a Regina de uma realidade alternativa???
Lembrei de um episódio, lá na Irmandade, onde estávamos indo de carro , e vimos a nós mesmos a cavalo, na direção contrária... Depois, as duas realidades se fundiram.
E se a máquina abriu um “buraco” entre duas realidades? E se a teoria de Eldon e Waite estivessem erradas? Será que isto explicaria Diana e Drake? Ou seria a questão de “Realidades Complementares”, “Mundos em Espelho”? Um mundo complementa o outro, um não vive sem o outro... se falta algo em um, vem a complementação do outro.
Então, ao extrair o “Ágape” de minha esposa, algo estaria fluindo de outro Universo paralelo para preencher o vácuo criado no primeiro.
Ela estaria, lentamente, voltando a sentir por mim algo parecido com o que sentia antes. Ela mesma me disse que não foi amor à primeira vista, quando nos conhecemos, diferente de mim. Que foi crescendo...até chegar a uma intensidade enorme.
Mas eu não podia esperar três anos, como antes. E não queria arriscar algo diferente. E, muito provavelmente, Waite acharia um jeito de atrapalhar algum possível “novo” relacionamento , principalmente com Regina tendo um ódio crescente por ele.
De qualquer maneira, eu não estava achando tão ruim. Claro que sentia falta das declarações de amor diárias de minha esposa, mas era como se estivéssemos começando a namorar de novo, com os benefícios do sexo.
No entanto, “esta” Regina seguia as regras estritas da Irmandade.
Como ela sugeriu, fomos tomar café. Eu tinha que tomar cuidado, ela estava sem a coleira e tornozeleira, e após três dias e três noites, ela iria passar mal. Eu esperava que Waite permitisse que ela recolocasse antes disso. Ou o motivo real era para não mostrar o Grau honorário dela na Ordem de Bernard?
Sentamos juntos à mesa, ela repousou a mão na minha coxa, sorrindo. Mas qualquer casal que está junto há anos sabe a diferença... Coloquei minha mão sobre a dela, acariciando. Não resisti, e beijei de leve os lábios dela. Ela abriu levemente a boca, e fiz uma carícia com minha língua na dela. A sensação era muito estranha.
Waite chegou em seguida, e sentou à nossa frente, com ar muito sério.
“- Estão namorando?”
“- Não...não é...da sua conta” Ela respondeu, relutante. Ela mesma pareceu surpresa com a resposta que deu.
Waite me olhou , zangado.
“- Já arrumou um quarto, Um?” Ele perguntou.
Regina não me deu tempo para responder, e já foi gritando: .
“- NÃO DEU TEMPO, SE-NHO-RRRR!” Ninguém teria tempo de arrumar uma PORRA de um quarto em tão pouco tempo!”
Esta resposta foi, no mínimo, inusitada. E o olhar dela era furioso.
“- Regina! Controle-se!” Ele ordenou.
“- Senhor... eu mudei de ideia. Ele pode continuar lá, e vamos combinar horários para que ele saia enquanto eu estudo e medito.”
Waite me olhou com uma cara de ódio.
“- Então vamos fazer diferente. Ele fica no outro quarto , e eu e você dividimos os horários, como você sugeriu.”
“- Senhor...eu...discordo...”
“- Não! Eu estou determinando assim!”
“- ENTÃO FODA-SE, CRETINO !!!”
Regina , num ímpeto de fúria, se levantou e pulou, por cima da mesa, em cima dele, furiosa. Ela arranhou a cara dele, derrubou-o no chão e chutou as bolas dele no meio das pernas.
Eu olhei pra ela, e a abracei.
“- Regina...querida....pense...”
“- Eu não consigo pensar!! VÃO PRA PUTA QUE PARIU, TODOS VOCÊS!!!”
Ela me largou, e saiu correndo. Fui correndo atrás dela. Algo havia acontecido de muito errado com a máquina maldita.
Cheguei ao quarto, ela estava chorando. Tornei a abraçá-la, mas ela me afastou.
“- Por que você está me segurando?”
“- Porque eu amo você, amo você mais do que tudo na vida!”
“- Mas por que eu não consigo sentir o que eu quero sentir, só consigo sentir ódio dele???Um ódio mortal, eu quero MATAR esse cara!!!”
Então, precisei falar a verdade:
“- Preste atenção, meu amor... aquela máquina extrai a capacidade de amar verdadeiramente, pelo menos foi isso que o Doutor Eldon falou...e eles prendem em esferas, com sigilos. Como o Vibrião”
“- Mas se você sabia disso, POR QUE não me contou? POR QUE?”
“- Porque na vez anterior você quase morreu quando Eldon retirou o dispositivo. E eu preferia você viva, mesmo não me amando , do que morta”
“- Você seria capaz disso? De se sacrificar desse jeito? Mesmo se eu não gostasse nada de você?”
“- Eu fui capaz disso. Mas você pode ficar com Waite, com quem você quiser, se quiser continuar na Agência.”
“- Eu NÃO QUERO Waite! Não QUERO continuar na Agência. Eu não quero NADA! Não sei o que eu quero. Mas eu gosto de você. E acredito em você. Só que não consigo... Parece que tem um buraco negro dentro de mim...”
Waite chegou em seguida, mancando ( pelo chute nas bolas) e surtando:
“- MAS O QUE ESTÁ ACONTECENDO?”
Eu respondi:
“- Você retirou o Amor com a máquina, mas isto, como consequência, amplificou imensamente o Ódio. E o Ódio dela, inconscientemente, se voltou contra quem a colocou nessa situação.” Pronto, falei.
Waite sangrava pelos arranhões que ela havia dado. Ele só faltava espumar.
Regina pulou de novo em cima dele, jogando-o pela porta do quarto e gritando :
“- ONDE VOCÊ COLOCOU? ONDE COLOCOU O QUE TIROU DE MIM???”
“- Vocês nunca vão saber!!
Ela socava Waite, sem medir a força. Então, uma névoa escura começou a encher o quarto, parecia o oposto da névoa rosada. Esta era gerada pelo ódio.
Waite começou a se assustar, arregalando os olhos. Era provável que fosse assassinado por Regina. Tentei entrar na mente dele.
Com Regina, eu conseguira estabelecer um link telepático.
Mesmo sob aquela tensão, entrei nele. Agora Regina estava sobre mim, me socando. Mas não era isso que eu queria. Procurei a memória do dia anterior. Ele havia saído da sala, com Regina, mas sem talvez com a esfera no bolso. Depois, foi ao seu escritório, onde colocou a esfera de vidro espelhado em uma estante, junto com livros e uma outra esfera. Pareciam enfeites. Saí da mente dele. Entrei no gato mais próximo e corri até a sala deWaite, a porta estava encostada, bastou abrir. O gato pulou, e derrubou o objeto, as esferas se quebraram.
Mas NADA ACONTECEU.
Dois guardiões tentaram segurar Regina, mas ela prendeu um com uma chave de pernas, enquanto agarrava o outro pelo pescoço, derrubando os dois.
Os guardiões foram vindo, mesmo apavorados pela névoa escura, e ela, explodindo em fúria, derrubava um a um.
Eu não tinha saída. A distância era grande para o que eu ia fazer, mas eu havia conseguido entrar na mente de Snake lá do apartamento de Diana, então , como eu já havia tido contato íntimo com ela, projetei minha mente na da Espiã Britânica.
Diana estava entrando – por sorte – na sala de Drake, para uma reunião. Havia outros agentes lá. Eu me apressei para chegar perto dele.
“- Diana, o que houve? Você parece nervosa!”
Eu não sabia se os outros eram confiáveis, puxei Drake para uma saleta ao lado.
“- Venha, é urgente!”
“- Mas o que foi, Diana?”
“- Sou o Número Um!!! Temos uma emergência!!”
“- O que?? Como??”
“- Drake, estou na mente de Diana! Regina pode ser morta, ou matar alguém ! Waite usou a máquina maldita nela, e ela está ...”
“- Entendi! Precisarei do Jato da Agência ! Vá cuidar da sua esposa, eu vou com Diana!”
Voltei para meu corpo, a situação estava feia. E o Jato da Agência, se estivéssemos perto de Glasgow, demoraria mais de uma hora.
Regina já havia derrubado cinco. Agora, vinham os reforços. Os guardiões do Castelo não tinham armas, elas só eram acionadas em casos de emergência. Se não resolvessem no braço, passavam para os Tasers. Armas de fogo, só no final.
Três homens uniformizados, com Tasers. Três ao mesmo tempo em lugares diferentes ao redor dela... como eu iria resolver isso?
Regina estava esperando , no meio da névoa escura. Eu via apenas os seus olhos verdes, brilhando como dois fachos de luz.
Quando o primeiro fez um leve movimento, entrei na mente dele, fazendo-o apontar para o segundo, que caiu tremendo inteiro pelo efeito da arma. Pulei para o terceiro, apontando para o próprio corpo, que caiu. Não havia sentido em apontar para o primeiro, pois ele já havia disparado a arma. Regina pulou em cima dele, derrubando-o. Como estavam inconscientes, deduzi que a névoa escura estava fazendo isso. Mas, curiosamente, eu estava bem. Talvez ela, nesse estado, controlasse o efeito da névoa.
“- Regina...amor....você está bem?”
“- Não, não estou bem. Por que você deixou fazerem isso comigo?”
Ela não estava raciocinando direito. Eu havia explicado...
“- Querida...lembra do Buraco Negro? Você quase morreu!”
“- Mas você podia ter entrado no Waite e feito ele parar.”
“- Regina, se eu fizesse isso ele iria tentar outra coisa, depois outra... e ele fez isso com mais pessoas!”
“- Mas...”
“- Eu prefiro você viva, mesmo desse jeito, do que morta, entende?”
Ela parou, como se estivesse tentando entender.
Então vieram mais homens, vários, agora com armas. Eles estavam apenas defendendo a Agência contra uma ameaça desconhecida. Será que eu teria coragem de matar alguém nesse momento?
Para salvar a vida de Regina, sim. O que quer que fosse.
O primeiro homem mirou com o rifle. Fiz com que ele baleasse o ombro do agente do outro lado. Os outros, como reflexo, achando que ele seria um traidor, apontaram para ele. Fui entrando em um após o outro, perdi a conta de quantos, desviando os tiros quando possível.
A névoa escura ficou mais espessa, e Regina deve ter fechado os olhos, porque sumiu de vista.
Eles não sabiam onde apontar, e, um a um, foram desmaiando, sob o efeito da neblina escura.
De repente, senti alguém me segurando por trás, e tentando torcer o meu pescoço.
Eu não conseguia ver quem era, mas era maior e mais forte, com certeza. E não conseguia projetar minha mente.
Então, era isso... eu não esperava que fosse acabar assim.
Pensei que, quebrando as esferas, Regina fosse voltar ao normal imediatamente. Mas não aconteceu. Talvez Eldon estivesse mentindo, como Waite, como tantos outros antes. Como Regina uma vez havia dito: “Há véus sobre véus sobre véus”
Então, tudo começou a escurecer.
FIM......?