Ao final do terceiro colegial antes de completar os dezoito anos eu já era uma moça. Tinha corpo de uma moça bonita. E minha voz estava fina. Não tinha mais como eu disfarçar. E meu pai sempre desconfiado me disse para eu marcar o horário no cirurgião plástico pois finalmente eu poderia fazer a cirurgia de remoção de meus seios. Dois anos antes ele já tinha tentado me fazer voltar na médica para eu tomar a testosterona que me deixaria mais másculo e preparado para a cirurgia. E eu alegando que de qualquer forma teria que fazer a cirurgia, consegui não ir. Mas a desconfiança dele e de minha mãe tinham aumentado muito e acho que ele até já tinha percebido que eu não seria o filho que ele queria que eu fosse. Felizmente ele tinha a cabeça aberta e não me forçava a nada e continuava a me tratar como um pai carinhoso que sempre foi. Mas ele não deixava de tentar. Foi por esse motivo que ele falou de minha cirurgia quando completei os dezoito anos. Para tentar uma última vez. O que não funcionou novamente. Eu evitava entrar em atrito e lhe disse que logo iria, mas minha prioridade naquele momento era o vestibular para o curso de Administração, que eu faria para agradá-lo pois eu queria jornalismo. Dado por vencido ele não teve o que fazer e a partir daquele dia não falou mais no assunto, ciente de minha condição, somente esperando o dia que eu iria me abrir com ele e minha mãe. Porém, como eu já tinha dezoito anos quis ir fazer uma consulta pessoalmente com a endócrino que me receitava os hormônios. Nos conhecemos e ela me examinou sempre me elogiando e dizendo que me acompanhava de longe pois meu professor sempre relatava a ela o que acontecia comigo e ela também me acompanhava por fotos que ele mandava. No final perguntou se eu tinha certeza de que queria continuar com aquele tratamento. Respondi com toda certeza do mundo que sim. E ela me passou as novas receitas pedindo para voltar lá periodicamente.
No final, com muita ajuda de meu professor que queria me ver formada e independente, passei no vestibular em Floripa. Aproveitaria para morar na nossa casa de praia que era próxima a faculdade e minha mãe contratou a senhora que fazia a limpeza semanal da casa para que fosse todo dia de manhã fazer uma limpeza e arrumação da casa. E para minha alegria, no período da tarde eu estaria livre para ser a Renata, porém no final de semana eu teria que tomar cuidado pois meus pais costumavam chegar de surpresa. O mais importante foi eu encontrar um esconderijo seguro para todas minhas roupas de Renata, algumas que eu havia ganhado de meu namorado e outras que eu compraria com certeza para fazer surpresas a ele. E eu encontrei um lugar perfeito em um fundo falso de meu armário. Dava um pouco de trabalho, mas era seguro.
Nesse primeiro ano eu fui muito feliz. Frequentava a faculdade onde haviam mais pessoas como eu e finalmente o bullying acabou. Uma vez por semana meu namorado ia me visitar durante à tarde e eu sempre o recebia já como Renata e ele não nunca me via mais como Renato o que me agradava. Agora eu era somente sua namorada. E ele querendo que todos admirassem sua linda namorada me levava passear em cidades vizinhas. Quantas vezes sonhamos com isso em nossos encontros. Tomávamos sorvete, passeávamos de mão dada pela orla e eu sentia muitos olhares de cobiça em mim que vestia aqueles vestidinhos de paria floridos e justos que eu amava. Após o passeio voltávamos para minha casa e tínhamos momentos inesquecíveis de sexo. E dormíamos juntos, que era outro sonho meu pois em sua casa nunca havíamos conseguido. Eu dormia de camisola e lingerie e fizemos muitas vezes sexo sem que ele tirasse minha camisola, como eu preferia. Entretanto ele tinha que ter o cuidado de sair bem cedo para que Dona Joana, não o pegasse ou desconfiasse de alguma coisa e contasse para minha mãe. Deu certo porque minha mãe nunca ficou sabendo de nada, mas não acredito que Dona Joana não desconfiasse que eu levasse alguém para dormir comigo. Talvez ela somente não soubesse que era um namorado e não namorada.
Minha recusa de ir à praia nos finais de semana quando meus pais estavam na casa, só mantinha a desconfiança deles. Eu nem dava mais a desculpas e já pensava como iria contar para eles quem eu era. Já era a hora em respeito a tudo que eles me proporcionavam. Minha única certeza era que eu jamais poderia lhes apresentar meu professor como meu namorado pois eles certamente teriam certeza que nossa relação acontecia há muito tempo o que poderia lhe causar problemas. E isso me deixava triste. Eu havia tido sorte de nuca ser descoberta, muito provavelmente porque sempre fui muito discreta e o fato de ter o relacionamento com uma única pessoa ajudava muito.
Quando completei meus dezenove anos eu era há seis anos a Renata, namorada de meu professor. Foram tantas as aventuras como Renatinha me tornando lentamente a mulher que eu desejei ser quando vesti pela primeira a vez a calcinha de minha irmã. E foi nesse momento muito feliz de minha vida que tudo começou a mudar e desmoronar. Primeiro foi meu namorado que uma manhã após uma noite de sexo falou que tinha algo a me dizer – Renata, recebi uma proposta muito interessante em Brasília para desenvolver um novo método de ensino de inglês pela internet e ser sócio nessa empreitada. É uma grande oportunidade e não posso desperdiçar. Comecei a chorar e me senti muito triste pois sabia que não poderia ir com ele e o perderia e não tinha o que eu poderia fazer porque poderia estragar sua vida. Eu o amava com aquele amor ainda quase adolescente e pelos seis anos que ficamos juntos eu sentiria demais o fim de nossa relação. O que me ajudou um pouco a diminuir o sentimento ruim daquela notícia foi que eu, de um tempo tinha comigo, sem ele nunca tivesse me dado sinais disso, que por ter a evidente preferência por meninas novinhas, uma hora ou outra ele iria me deixar pois eu já não me adequava mais às suas fantasias. Então, apesar de toda a minha tristeza, seria melhor ser deixada por aquele motivo e acreditar que havia sido mesmo por aquele motivo. Se eu não acreditasse em sua preferência por meninas mais jovens eu até poderia tentar transferir meu curso para Brasília para ficarmos juntos, mas minha convicção sobre sua preferência me fez ver que aquele era o final de nossa história. Ainda mantivemos o contato por telefone por algum tempo, mas ele foi se perdendo e nós nunca mais nos falamos. E ele virou uma gostosa lembrança e é uma das pessoas mais importantes em minha vida.
Seis meses após eu ainda estava mal e não conseguia me imaginar com outra pessoa. E então para piorar de vez, quando meus pais vinham vindo para um final de semana em Floripa para ficarem comigo, eles foram atingidos por um caminhão e os três faleceram. E com a morte deles meu mundo ruiu. Fiquei com muito remorso por nunca ter contado a eles sobre a Renata e quem eu era verdadeiramente. E comecei a largar tudo. Fiquei com raiva da Renata e a abandonei e destruí todas suas roupas. Parei de tomar os hormônios sem saber o que aconteceria com meu corpo pois eu sempre me senti uma menina. E a voz foi a primeira coisa que começou a voltar ao normal e se masculinizar. E com toda essa raiva da Renta, tomei a decisão de que queria ser homem. A faculdade eu não frequentava mais. Felizmente meu pai tinha um braço direito que o ajudou a expandir nossa empresa e em uma das poucas vezes que voltei a Lages, lhe propus passar 30% da empresa e seríamos sócios, ele teria seu salário mantido e eu e ele participaríamos dos lucros na proporção de cada um. Foi uma ótima decisão e merecida, toda com a orientação de um advogado que também era muito amigo de meu pai. Essa decisão me proporcionaria tranquilidade financeira pelo resto da vida. Mas não me alegrou pois eu jamais teria de volta a alegria de ter minha família comigo, ainda mais porque eles eram minha única família. Minha mãe não tinha irmãos e seus pais tinham falecido. Meu pai tinha um irmão que morava no Ceará e por divergências não se viam há mais de vinte anos. E seus pais também haviam falecidos. Então eu estava sozinho no mundo naquele momento.
Completamente sozinho e deprimido eu ia à faculdade em raras ocasiões e em uma delas após ficar meses sem ir, conheci Camila, a nova aluna de nossa classe. Não a conheci propriamente dito, pois eu a vi no fundo da sala e me sentei, como sempre, também no fundo não distante dela. Ela era uma mulher exuberante em seus 19 anos, loira e com olhos verdes como os meus, mas tinha um ar de tristeza profunda. Naquele primeiro dia não a vi interagir com ninguém e não sei por qual o motivo me interessei por ela. Talvez para saber mais do porquê daquela tristeza. Era como se ela pudesse ser a parceira em minha tristeza. Então comecei a frequentar as aulas e me sentar sempre próximo a ela. E somente após uns dez dias quando ela se virou para ver quem estava chegando, aproveitei a oportunidade e dei um olá para ela. E ela respondeu com um olá e voltou a seu mundo. Aquele seu desinteresse por tudo me deixou inquieto e a cada aula eu dizia algo mais e ela era obrigada a responder, sempre com poucas palavras.
No intervalo ela nunca saia de seu lugar e quase um mês depois de vê-la pela primeira vez, durante o tempo do intervalo forcei a barra e me sentei do lado dela – Oi. Estamos aqui na mesma classe e eu ainda não sei seu nome. Prazer, meu nome é Renato. Qual é o seu? – Camila. Prazer. E mais nada. E como imaginei que sua tristeza poderia ser a chave para uma conversa eu usei a minha tristeza para tentar me aproximar. – Te vejo aqui há quase um mês, mas sou aluno antigo. Não sei a quanto tempo você está aqui, pois eu não estava frequentando porque estou completamente arrasado por ter perdido minha família inteira em um acidente. Então, pela primeira vez ela se virou para mim com interesse. – Eu lamento muito por sua família. – Obrigado. Estou tentando me recuperar. Então ela finalmente continuou a conversa: – Deve ser muito difícil. Nem posso imaginar. – Sim, é muito difícil mesmo pois eu amava meus pais e minha irmã e estou tendo muitos problemas. Sou introvertido e tímido e não tenho amigos e tinha uma namorada de muito tempo que me deixou faz não muito tempo. Fiz uma pequena mudança no sexo da namorada para não a assustar na primeira conversa. Estou bem arrasado e sem ninguém lamentando-me, mas era tudo verdade com exceção da namorada. A partir de minha revelação ela realmente se interessou por minha história e começou a fazer perguntas sobre minha vida e eu respondia o que podia sem dar nenhuma bandeira sobre a Renata. Porém chegou um momento que eu dei um jeito e interrompi suas perguntas. – E você Camila? Você parece bem triste também, como eu. O que aconteceu? – Sim, também tenho uma história muito triste e horrível, porém é muito pessoal. Talvez um dia eu te conte, mas não gostaria de falar disso agora. Respeitei, mas fiquei curioso e emendei uma brincadeira para ver se via seu sorriso. – Difícil imaginar que uma mulher linda como você tenha algum problema. Ela finalmente deu um pequeno sorriso e me agradeceu o elogio, mas deu uma resposta enigmática. – É, as vezes beleza demais só atrapalha. E foi então que fiquei mais curioso ainda.
Após aquele episódio nos tornamos amigos e já sentávamos lado a lado e o tempo foi passando e nossa amizade estava ajudando os dois a sair das tristezas de nossas vidas. E me ajudando a retomar a faculdade, pois Camila me ajudava a estudar e rever o que eu havia perdido em minha ausência. Também voltei a dar mais atenção a meu visual como Renato. Eu não tinha como parecer muito mais masculino pois meus seios, agora somente levemente menores sem os hormônios ainda estavam lá como sempre estiveram e meu quadril também tinha reduzido muito pouco com minha bunda ainda grandinha como eu sempre tive. Fiquei parecendo um rapaz mais delicado. Percebi que ela também começou a se vestir com mais cores e vestidos mais leves e sensuais mostrando toda sua beleza.
Contudo, teve um dia depois de quase um ano que nos conhecemos que percebi logo que me sentei ao seu lado que ela estava muito triste e logo emendei – O que foi Camila? Hoje estou muito triste pois é aniversário do dia que deixei minha família. Preciso muito desabafar. Se você quiser me ajudar e me ouvir, vou te contar tudo, mas não aqui. – Camila, pode ser após a aula em minha casa, o que você acha? – Ótimo Renato. Lá te conto tudo e quem sabe isso me ajuda a deixar minha tristeza para trás. Fiquei bem intrigado e não via a hora de nos encontrarmos para conhecer seu segredo.
Durante aquele quase um ano de nossa amizade, já tínhamos saído juntos muitas vezes. As vezes em algum restaurante, barzinho ou cinema que nós dois adorávamos. E as vezes ela em minha casa, mas sempre para bater papo. Nunca houve nada além disso de minha parte e nem da parte dela. Parecia que éramos os dois travados. Eu com certeza era. Eu jamais havia sido o homem de um relacionamento. E mesmo quando tomávamos uma garrafa de vinho, que era a bebida que nos dois preferíamos, ainda assim nada ia além do bate-papo e cada um conseguia guardar seus segredos mais profundos. E por sua insistência em ir à praia comigo, um dia tive que explicar a ela os traumas de meu corpo. Que eu sempre tive muita vergonha de tirar minha camiseta pois meu corpo parecia feminino e meus amigos sempre foram muito cruéis e faziam chacota comigo por esse motivo. E ela me disse no dia que lhe fiz essa revelação: –Seu bobo. Não ligue para o que os outros pensam. Curta sua vida. Respondi que não seria fácil e talvez algum dia operaria para tirar meus seios para diminuir minha vergonha. É claro que eu ainda gostava de meus seios e meu corpo feminino, mas como eu estava tentando ser homem para Camila, contei essa história da cirurgia. –Não sem antes você mostrar para mim e eu dar minha opinião se realmente é necessário. – Está bem, eu respondi. Faremos assim. – Então fica combinado Renato. Vamos a praia de qualquer jeito e você pode ficar de camiseta. – Tudo bem, desse jeito eu aceito. E começamos a frequentar as praias lindas de Floripa e quando ela tirava sua saída de banho seu corpo me desconcertava. Não sei se porque lá dentro de mim eu queria ter um corpo igual ao dela ou se porque eu estava sentido alguma atração masculina por ela. Sua barriga era chapada. Seu bumbum redondo e arrebitado e seus seios bem maiores do que os meus no auge dos hormônios. Era impossível não ficar lá admirando, ainda que não soubesse direito o motivo daquela admiração. Às vezes, ela me pegava olhando, mas não comentava nada. O que eu não entendia era como que ela tendo aquele corpo escultural nunca usava biquinis pequenos. Então um dia lhe perguntei e ela respondeu que um dia eu iria entender.
À tarde já em minha casa, nos acomodamos eu em frente a ela no sofá e percebi que lágrimas caiam de seus olhos, então ela começou a contar sua história – Como eu te respondi no dia que você me falou que eu era bonita, ser bonita demais atrapalha e desde que nasci fui um bebe bonito. Depois virei uma menina muito bonita de olhos verdes e cabelos loiros lisos. Era o que todos diziam, inclusive insistiam com minha mãe que ela deveria me levar para ser modelo de publicidade. Eu estava quieto e curioso para ver onde aquela história ia levar. – Então quando eu tinha uns cinco anos, meu pai começou umas brincadeiras estranhas comigo enquanto minha mãe não estava em casa. No princípio, ele apenas me punha em seu colo e me acariciava dizendo como eu era linda. Quando terminava sempre pedia para eu não contar nada para minha mãe pois seria nosso segredo. Com o tempo, quando eu estava de vestido ele o levantava e me acariciava entras pernas passando a mão no meio delas. Quando ela falou isso, me olhou com a cara de muito envergonhada – Continua Camila. Jamais vou contar isso a ninguém, pode confiar. – Então quando eu tinha uns sete anos ele começou a tirar minha calcinha e me esfregava seu dedo lá embaixo e começou a me ensinar a beijar dizendo que eu seria sua namorada. Eu não sentia nada, mas como eu o amava, aceitava sua atenção e seus carinhos. Não havia ainda repulsa de minha parte, pois ele não tinha feito nada ainda que me causasse dor. Mas eu fui crescendo e devagar ele começou a me obrigar a masturba-lo, depois que eu ficasse na cama e ele se esfregava em mim tentando me penetrar. Eu era já era maiorzinha e quando ele forçava eu reclamava de dor. Depois começou a ser mais violento e me ameaçava com todo tipo de punição. Eu com medo de meu pai que parecia uma pessoa diferente fui aguentando até que ele conseguiu o que queria quando eu tinha onze anos. E não parou mais me obrigando a fazer tudo com ele. Como é constrangedor te contar tudo isso, mas sei que você é meu amigo e é sensível e pode me ajudar. – Camila, estou entendendo agora sua tristeza. Não é por menos. E quero te ajudar como puder. – Por mais de uma vez ele me machucou e me deixou roxa e eu sempre tive que dar desculpas à minha mãe. Quando fiz treze anos, pelas conversas com as amigas e também pelo relacionamento que elas tinham com seus pais, vi que aquilo que meu pai fazia comigo, além de não ser normal, poderia também fazer ele ser preso. Então eu comecei a me revoltar e um dia ameacei a contar tudo à minha mãe. Ele sem dó me deu um tapa tão forte que mais pareceu um soco e falou que se eu contasse ele me mataria e também minha mãe. Fiquei apavorada e assustada com sua ameaça pois ele se mostrou muito violento e para tentar explicar meu olho roxo para minha mãe ele disse que eu havia sido má educada com ele e mereci o castigo. Então entendi melhor porque mamãe também parecia ter medo dele. Muito provavelmente ele a agredia também. E o pior é que ele sempre fazia fotos abusando de mim desde que eu era novinha e eu tinha muito medo que minha mãe e amigas vissem aquelas fotos.
E sob terror que ele me impunha continuei sendo abusada até pouco tempo antes de vir para a faculdade. Ele não queria me deixar sair de casa, então o ameacei e contei tudo a minha mãe. Ela não acreditou em mim ou por medo ela fingiu não acreditar e muito decepcionada com ela resolvi que iria sair de casa de qualquer jeito. Só se ele me matasse ele iria me impedir. Sorte que minha mãe tinha uma herança que havia herdado de meus avós e para diminuir seu sentimento de culpa por sua omissão, transferiu tudo para mim, que é o suficiente para até o fim da faculdade. E me mandou ir embora e nunca mais voltar para casa para o meu bem e o dela. Nesse momento Camila chorava intensamente. Não sei se pelo desabafo ou por sentir falta de sua mãe ou por ambos. Como eu, ela também havia ficado sozinha sem os pais. Todos os avós por parte da mãe dela já tinham falecido e a única tia era por parte de pai e ela nunca fora gentil com Camila e por esse motivo ela nem queria vê-la mais.
Sua história me deixou muito triste e emocionado por tudo que ela havia sofrido com seu pai. Para conforta-la me aproximei e com carinho a puxei em meu peito para conforta-la enquanto ela chorava. Não falei nada pois era um assunto difícil até para comentar sem piorar sua dor. Só pensei que eu tinha quase abandonado de viver por tristeza, sem jamais ter passado pela humilhação que ela passou. Eu jamais sofri violência de meus pais ou de meu professor. Fui seduzido bem novinho, mas eu quis ser e me sentia feliz. E não era meu pai que havia me seduzido, o que seria muito diferente. Naquele momento entendi que nossa amizade estava se transformando em algo mais para mim. E talvez também para ela, ou ela nunca teria me contado algo assim tão íntimo e doloroso.
Depois de um tempo em meu peito em que eu passava a mão em seus cabelos para conforta-la ela se levanta e enxugando os olhos ainda mais verdes me agradeceu por ouvi-la e que ela estava se sentindo muito mais aliviada e certamente ajudaria diminuir sua dor. E o fato de eu ser um amigo tão especial fazia com que ela acreditasse que seu futuro seria bem melhor. Respondi que sentia muito pelo que ela havia passado e que eu estaria lá ao lado dela sempre que ela precisasse. E senti dentro de mim que eu estava amando aquela pessoa. Nada sexual, mas amando de querer bem de mais alguém e querer estar sempre com ela. E estar com ela também estava me ajudando muito a superar a minha tragédia.
Começamos a tentar mudar de assunto e a conversar banalidades, porém ela se lembrou da pergunta que fiz a ela na praia sobre o biquini. – Você se lembra quando me perguntou na praia o porquê de eu usar somente biquinis grandes? – Claro que me lembro. – Então, é que meu pai vivia comprando biquinis minúsculos e me obrigando a usa-los e por esse motivo não gosto de usa-los. E existem tantas outras coisas que fui obrigada a fazer e não quero fazer mais que é impossível contar. Com nossa amizade, talvez você vai ficar sabendo delas com o tempo. Com tantos traumas eu não podia errar em minha resposta e falei algo que a deixou feliz –Com esse corpo lido que você tem, pode usar até um macacão lunar que vai estar bonita. E ela finalmente deu um sorriso quebrando aquele clima pesado e agradeceu.
Já era tarde eu não poderia deixa-la ir para seu apartamento naquele estado. Eu tinha algumas coisas na geladeira e ofereci a ela que aceitou. Ficamos sentadas no sofá comendo os petiscos e tomando nosso vinho até que ficamos alegrinhas. Em um dos momentos descontraídos, ela para, olha fixo para mim e diz – Acho que estou me apaixonado por você Renato. Aquele foi um soco em meu estomago e fiquei paralisado por um instante. Eu a estava amando, mas não sabia se tinha algo sexual até porque sempre pensei que nunca teria um relacionamento com uma mulher e nem se conseguiria ter ereção para fazer sexo com uma após todo o hormônio que eu havia tomado. Porém naquela situação em que eu jamais a magoaria após tudo que ela me contou, eu apenas respondi: – Eu acho que eu também Camila. Porém eu sabia que teríamos que conversar muito sobre isso. Com minha resposta ela veio chegando pertinho de mim e me beijou. Foi um beijo gostoso pelo amor verdadeiro que eu sentia por ela. Gostei de sentir sua boca e seus seios em meus braços. Quando paramos ela falou que pensou que jamais conseguiria ter algo com um homem devido aos traumas que carregava pelos abusos de seu pai, mas que por eu ser um homem completamente diferente dos outros e gentil e carinhoso com ela, estava mudando de ideia. Contudo advertiu que teríamos que superar seus traumas juntos, com calma e com muita conversa. E confessou que ainda bem que ela estava superando seus traumas pois definitivamente não era lésbica apesar de tanta violência masculina que sofreu. E enquanto ela falava eu ficava imaginando que ela não fazia ideia da quantidade de traumas, também meus, que teríamos que resolver para ficar juntos. Eu nem sabia se conseguiria ser um homem de verdade para ela.
Naquela noite ela, para meu alivio, não tentou nada além de beijos e trocas de carinho e a levei para dormir no outro quarto. Quando ela se foi pela manhã, eu pensava em todos os problemas que eu teria para sair daquelas duvidas, mas eu decidi que jamais lhe contaria meus segredos pois eu não estaria preparado para sua reação. Seria melhor perde-la por outros motivos do que por ela descobrir sobre a Renata. Porém decidi que faria uma visita urgente a minha médica. Chegamos os dois mais tarde à faculdade, e assim que me sentei a seu lado, ela logo me dá um selinho e um sorriso lindo. Estava muito diferente da cara tristonha do dia anterior. E me dei conta que ela já me considerava seu namorado mesmo sem termos conversado mais sobre isso. Decidi levar as coisas como ela queria, mas após alguns dias disse a ela precisaríamos conversar pois eu tinha muitos receios que poderia nos afetar. E naquele dia partimos para uma outra conversa que realmente me assustava, mas eu não tinha escapatória. Ou teríamos aquela conversa ou tudo poderia terminar de uma forma muito dolorosa para nós dois. E o que mais me chateava é que eu teria que contar algumas mentiras.
Assim que chegamos em minha casa, ela estava muito ansiosa e logo quis saber do que se tratava. – Vem Renato. Fale o que você quer falar. Estou assustada. E eu não poderia dizer que ela não deveria ficar assustada pois eu também estava. – Camila, parece que nós nos amamos, mas como você mesmo falou alguns dias atrás, nós precisaríamos conversar muito sobre seus traumas para nosso relacionamento desse certo. A questão é que eu também tenho alguns traumas e receios e também tenho medo que isso possa atrapalhar algo entre nós. – Traumas Renato? Quais? – Já te falei que tive uma namorada. – O que não te contei ainda é que eu e ela dificilmente nos relacionávamos sexualmente. Tive vergonha de contar antes, mas agora preciso contar se queremos ficar juntos. Lembra-se de quando te contei o motivo pelo qual não gosto de ir à praia? – Sim, me lembro. Por causa daquele trauma meus pais me levaram a uma médica endocrinologista e após vários exames o diagnóstico foi que meu corpo produz muito estrógeno, quase tanto como uma mulher. Eu evidentemente não contaria sobre os hormônios a mais que tomei pois o que contei já era verdade. É por esse motivo que tenho meus peitos parecidos com os seios das mulheres, meu corpo tem formas de corpo de mulher e o pior e mais difícil de te contar é que eu tinha muita dificuldade de ter e manter uma ereção, falei com a cabeça baixa. E continuei explicando: – Essa é minha preocupação para os problemas e as cobranças que poderão vir no futuro de nosso relacionamento. Eu quis passar a ela a pior situação caso minha tentativa de ser homem não desse certo. Eu tinha algumas ereções quando me masturbava, mas não sabia se conseguiria manter uma ereção duradoura quando estivesse com Camila, já que minha preferência sempre havia sido de ser a mulher. Eu mostrei a ela que estava bastante constrangido com meus problemas e minha insegurança, mas infelizmente ela não levou muito a sério minhas considerações. – Renato. Em primeiro lugar estou apaixonada pela pessoa que você é. E como eu já te disse, o fato de você ter essa aparência mais frágil foi o que nos aproximou, pois eu não quero nem chegar perto desses homens másculos que me fazem lembrar de você sabe quem. Outra coisa, sexo para mim nesse momento não é nenhum pouco importante. Fiz muito sexo contra a vontade e agora só quero fazer sexo se os dois tiverem a fim. Para nenhum de nós ficarmos assustados por causa de nossos traumas, podemos às vezes só brincarmos e nos acariciarmos, quem sabe até nus, para conhecermos o corpo de outro e curtir o momento. Sem pressão. E se em algum momento tentarmos e você não conseguir, vou entender a situação por tudo que você me explicou. Porém, como nos amamos, acho que juntos conseguiremos enfrentar nossos traumas e problemas e sermos felizes. – O que você acha? E o que eu poderia responder? Tinha dúvidas se daria certo, mas pelo que estava sentindo por Camila, precisaria tentar. – Tudo bem, mas sei que muitas vezes você poderá ficar triste comigo por eu não ser o que você vai querer que eu seja. – Eu não acho, ela me disse. E se não tentarmos como vamos descobrir? E ela tinha razão. Eu me esforçaria para conseguir ser um bom companheiro para ela em todos os sentidos.
Na mesma semana, em uma tarde fui visitar a minha médica que ficava um pouco longe de Floripa. Contei a Camila que faria a consulta, para ver se a doutora tinha como me ajudar no meu problema que eu tinha contado e ela entendeu na hora do que eu falava. Eu só não queria me masculinizar pois se minha vida com Camila não desse certo eu queria deixar a possibilidade aberta de me tornar Renata para sempre. E aquela minha tentativa com Camila, seria a única tentativa que eu faria com uma mulher. E seria por amor.
Ao adentrar em seu consultório ela me recebeu educadamente como sempre, mas com um pouco de malicia. – Há quanto tempo não te vejo Renata. Ou devo chamar de Renato pelas roupas que você está vestindo. – Pode me chamar de Renato. E estou aqui porque preciso de sua ajuda. Nas poucas vezes que fui pessoalmente a seu consultório após completar os dezoito anos ela sempre me ajudou demais. Sendo entendendo e apoiando minha decisão ou como conselheira quando eu lhe pedia um conselho. E ela sempre me aconselhara da melhor forma possível. – Então Doutora. E contei toda minha história com Camila e meu receio de não conseguir ter relações normais com ela. E como sempre seus conselhos foram ótimos e seriam muito importantes para mim no futuro. – Renato, em primeiro lugar existem aqueles que gostam de fazer sexo com pessoas do sexo oposto e aqueles que gostam de fazer sexo com as pessoas do mesmo sexo. E tem aqueles que gostam de fazer com os dois sexos. Mesmo você sendo geneticamente homem, o relacionamento que você teve foi praticamente um relacionamento heterossexual, pois você sempre se viu e se comportou como mulher e teve relacionamento com um homem. E pelo que me disse em nossas consultas jamais quis fazer sexo estando como menino. Então psicologicamente você foi heterossexual. Você nunca se considerou um Homossexual. Mas como saber se você não é bissexual? – Você nunca pensou de estar com uma mulher, nem em suas fantasias, mas como garantir que quando você estiver com uma você não sentirá atração por ela. E se surpreenda por isso. Então, somente tentando é que você vai descobrir se também gosta de mulher ou não. Entendeu? Respondi que tinha sim entendido pois seu raciocínio tinha lógica e aquilo meu deu esperanças. E ela voltou a falar: – Quanto a ereção e seu medo de não conseguir talvez não seja como você pensa. – Você mesmo me disse que tem ereções para se masturbar, então você consegue ter ereção e isso é o importante. Veja que se você estiver em uma situação de maior excitação, você certamente não terá problemas mesmo com todo o hormônio que tomou por tanto tempo. Pense nas travestis. Existem milhões de fotos delas na internet. Mesmo tomando hormônio direto para manter seus corpos femininos, muito mais do que você tomou, muitas delas tem ereções gigantescas, disse rindo de sua observação. E eu ri também concordando com sua observação, pois era mesmo verdade e a esperança de que eu conseguiria também aumentou ainda mais. Porém o mais importante dos conselhos ela deu por último. – Renato. Uma relação sexual deve ser curtida apenas como uma relação prazerosa. Deve se curtir as caricias e carinhos do momento com aquela pessoa. Não se deve pôr em uma única relação a história de sua vida, seus sonhos e traumas. Se deve aproveitar o momento. Pensar no quanto aquilo está gostoso. E então nada vai importar além daquele momento especial e se fizer isso terá prazer com estiver a seu lado, seja ela de que sexo for. Se você chegou até lá é porque você tem ligações profundas com aquela pessoa. Então como dizem por aí, relaxa e goza. Ri de suas últimas palavras, mas senti dentro de mim o que ela quis dizer e como era profundo e verdadeiro. Eu, com certeza gostaria muito de ter momentos de carinho e intimidade com Camila. Depois de agradecer pela consulta e pelos conselhos, ao me despedir, ela fez uma última pergunta – E como está aquele nosso amigo? Tem notícias dele? – Eu soube que foi para Brasília. Respondi que mantivemos contato por uns dois meses, mas depois nos desligamos e assim era melhor. E ela me respondeu que também achava o mesmo que eu – É a vida que segue Renato. Boa sorte.
Voltei muito mais leve para Floripa e a partir daquele dia comecei uma nova vida com Camila e veria no que iria dar. Contei a ela sobre como a consulta havia sido importante para minha autoconfiança sem contar detalhes. Ela ficou bem curiosa, mas evitou invadir minha privacidade e nada perguntou.