Nos jogos, os finais sempre são recompensadores, quer dizer, em sua maioria. Alguns deixam uma ponta para uma possível sequência, já outros são fechados e encerram o ciclo no primeiro jogo. No LOL, por exemplo, não existe um fim, apenas aquela sensação de dever cumprido, principalmente, quando destruímos o nexos do inimigo. Eu, Doutora, me sentia indestrutível.
Aquela semana passou voando. Graças a Deus, Rosinha se recuperou, aos poucos, mas não corria risco. Precisaria passar por uma sessão de fisioterapia, além de receber uma equipe médica toda semana. No tempo que tivemos para conversar, atualizei a Rosa sobre todas as fofocas mais quente, como o vovô que saiu do armário, do além, meu relacionamento indefinido com o André, e claro, o resultado da caça ao tesouro.
— Fico feliz, Higor. Seu avô era um grande homem, sempre nos ajudou em tudo. — Ela disse, enquanto caminhava ao meu lado pela fazenda.
— Sim. Ele merecia mais, sabe. Estava pensando em fazer alguma obra para homenagear o seu Aroldo. - Revelei para a Rosa, olhando para o meu relógio. — Já caminhamos por 30 minutos. Você precisa tomar os remédios.
— Olha, quem diria, você cuidando de mim, Higor. — Ela soltou rindo.
— Sempre. Você é minha mãe do coração. Moveria céus e terras para te ver feliz. — Falei a abraçando.
— Puxa, perdi vários dias de estudo. Depois que tomar os medicamentos vou ler um pouco.
— Nem se preocupa. Pelo o que vejo, o Enem vai ser cancelado. Essa pandemia não terminará tão cedo, infelizmente. Agora, larga de conversa e vamos tomar o remédio. — Pedi.
O André e eu. Eu e o André. Nossa, nem acredito que a gente se resolveu. A nossa atração é magnética, não consigo passar um minuto longe de seus lábios. Nós aproveitávamos qualquer folga dele para nos beijarmos. Sei, Doutora, pode parecer estranho enviar esse tipo de informação, mas isso me deixa muito feliz.
Certo dia, eu ajudava o meu crush na organização do estábulo, quer dizer, pelo menos tentava. Só que, como expliquei, a boca do André era um ímã irresistível, não tinha como ir contra. Ele me pressionou contra a parede, começou a explorar meu corpo com as mãos, mas uma sombra chamou minha atenção. Tentei tirar o André de perto, só que não consegui, depois de tentar bastante, ele se afastou.
— Pa.. pai... — Gaguejei, quase sem voz e com as pernas trêmulas.
— Seu Otávio. — Soltou André, ficando pálido e abotoando a camisa.
— Vim deixar... o... o... balde de feno. - Ele falou, aparentemente, constrangido e deixando o balde no chão. — Higor, o almoço já vai sair. Termina tudo por aí e vem para casa, com licença. - Saindo do celeiro.
Puta merda. Que flagra. O André olhou para mim, tentando achar palavras para me acalentar, mas ele estava tão nervoso quanto eu. Terminamos de arrumar o celeiro, então, teria que enfrentar o julgamento do meu pai. Afinal, uma coisa é assumir minha sexualidade para ele, outra é ser flagrado me pegando com outro homem. Sei que não deve ser fácil, para mim não foi.
Entrei em casa e encontrei meus irmãos conversando sobre o resultado da live feita na semana anterior. Duas gravadoras ficaram interessadas em contratar o Lukas. O Quintino admirava um dos seus relógios novos que herdou na caça ao tesouro. Tentei chamar a sua atenção, em vão, o traste estava hipnotizado pelo brilho do relógio. Queria desabafar com outra pessoa, mas ninguém olhava para mim.
A mamãe entrou carregando uma bandeja de lasanha, por coincidência, bolonhesa, a minha favorita. Começamos a comer e nada do papai aparecer. Ele devia estar muito fulo da vida, ver o filho dele sugando a boca do caseiro. Quase nem consegui comer, a Rêh até comentou, mas consegui desconversar. Todos os meus neurônios entraram em parafuso.
— Está calado, Higor. — Disse minha mãe, servindo mais uma fatia de lasanha para si.
— Não fui eu. — Respondi assustado e ficando em pé, recebendo um olhar de desconfiança de todos os meus parentes, dando um riso nervoso e sentando novamente.
— Vish. Só essa frase já revela sua culpa, querido primo. — Brincou Quintino, balançando o relógio que estava na mão direita.
— Deve ser a puberdade. — Soltou Lukas sorrindo de forma maliciosa.
— Idiota. — Resmunguei, fechando a cara e revirando os olhos.
Não conseguia manter contato visual com meu pai. Ele também evitava olhar na minha direção. Durante o almoço, meus familiares conversavam bastante, mas meu coração palpitava em um ritmo diferente. A quarentena quase nos separou, mas nos mantivemos unidos, cada um do seu jeito, claro.
O Quintino, o primo dos infernos, sempre falador e soltando suas informações sobre qualquer assunto. A Rêh causando intriga na internet em uma página para saber a melhor apresentadora de 2020. O Lukas com seus planos para a carreira solo, mesmo tendo uma luta interna gigantesca. A mamãe mostrando o esquema de gravação que seus chefes planejavam.
Sim. Eles podem não ser perfeitos, na verdade, longe disso, mas durante o momento mais caótico do país, a gente se uniu e conseguiu vencer a primeira etapa do vírus. Como se fossemos personagens de RPG (sigla em inglês para role-playing game, um gênero de jogo), conseguimos evoluir e conseguir experiência o suficiente para enfrentar outros problemas.
Estava reflexivo. A quarentena conseguiu tirar o melhor e pior de mim. Perdido em meus pensamentos, nem ouvi quando o papai fez uma pergunta. Só reparei que todos ficaram calados, a mamãe quase engasgou com um pedaço de lasanha. Só consegui ouvir pela segunda vez, e o questionamento me trouxe de volta para a realidade.
— Qual o seu envolvimento com o André? — Papai perguntou novamente, dessa vez deixando os talheres sob a mesa e olhando para mim.
— Querido... — Mamãe tentou intervir, mas eu a cortei.
— Pai. O André e eu. Nós estamos nos conhecendo. Eu sei que não é a coisa correta a fazer, mas eu gosto muito dele... — Fiquei emocionado, pois, não sabia de onde tirei coragem de confrontar o meu pai.
— Pai, o André é muito respeitoso. — Soltou Lukas.
— Sim, tio. O André sempre nos ajudou. E visitou o Higor todas as noites, mesmo que a distância. — Quintino revelou.
— O André é um bom amigo e faz bem para o meu irmão. — disse Rêh. — E desculpa, Higor. Eu fui imatura, agi errado ao entregar essa história para o Léo Meses. Sinto muito mesmo.
— Eita. O André tem um fã-clube dentro desta casa? — Papai questionou coçando a cabeça. — Ok. Eu me rendo. — Ele brincou levantando as mãos. — Filho, essa é sua primeira relação, desculpa trazer à tona na mesa do almoço, mas para mim você ainda é um menino. Uma criança catarrenta, chata e pedante.
— Ei, pai. É pra elogiar ou ofender? — Brinquei rindo sem graça.
Amo minha família, Doutora. Amo nossos erros e acertos. É engraçado o nosso estranho jeito de amar, desde a relação conturbada entre a Rêh e o Lukas, até os meus pais que vivem para o trabalho, mas sabem que nunca faltou nada em casa. O dia correu sem mais surpresas, graças a Deus. Acho que meu coração frágil não aguentaria outra "revelação".
No fim da tarde, encontrei o André na frente do lago. Nos últimos dias, aquele se tornou uma espécie de refúgio. Era tranquilo, um pouco distante da casa e possuíamos uma bela vista. Engraçado quando estamos com uma pessoa especial, o assunto flui de forma orgânica. Ao lado do André, o mundo ganhava novas cores e contornos.
Passei uma lista de exercícios para ele fazer. No meio tempo, tirei algumas fotos. Doutora, o André fica sexy de qualquer jeito, mas quando está concentrado, não sei explicar. O maxilar dele fica tenso, as covinhas do seu rosto somem e suas sobrancelhas ficam arqueadas. Adorava aqueles pequenos momentos tão únicos. Ficar apaixonado é tão bom.
— Terminei, mas tenho uma proposta. — André sugeriu dando um sorriso tímido e colocando o caderno na frente do rosto.
— Fala. Estou curioso.
— Eu me superei desta vez. Então, que tal se para cada resposta certa eu ganhasse um beijo? — ele questionou ainda com o caderno sob o rosto.
— Vamos ver. — falei pegando o caderno e verificando as respostas.
Realmente. O André estava se superando, e no fundo, Doutora, aquilo me amedrontava. Um dia, ele seria bom o suficiente para não depender mais de mim. Talvez, eu esteja sendo dramático ou, simplesmente, egoísta, mas eu queria que aquele momento durasse para sempre.
10 de 10. Ele acertou todas as questões, e deixou o professor muito orgulhoso. Ele não ganhou apenas 10 beijos, mas muito mais que isso. O frio de São Paulo deu uma forcinha para o casal apaixonado, o André conseguia me surpreender a cada dia. Como dizem: "Os quietinhos são os piores".
Entre beijos e carícias, finalmente, tomei uma decisão sobre o próximo passo da nossa relação. Eu não queria mais esperar para sentir o André em sua totalidade. Não estava a fim de me arrepender igual ao vovô. O mundo gira rápido demais, e me acostumei a isso. Abri o meu coração naquela noite fria.
— Você tem certeza? Eu não quero fazer nada sem o seu consentimento. — André parecia mais nervoso do que eu.
— Estou. Eu não sou idiota, André. Sei que as coisas podem mudar em um estalar de dedos. Assisti "Vingadores - Guerra Infinita".
— Hum... — Soltou André coçando a cabeça.
— Estou pronto. Eu quero que você seja o meu primeiro. — Falei levantando, andando em direção ao lago e gritando. — André Rangel, quer ser o meu primeiro?
— Higor. — Ele disse, levantando e indo para perto de mim. — Alguém pode ouvir. — Me abraçando por trás. — E a resposta é sim. — beijando o meu pescoço.
André. Como pode despertar um lado meu que nunca pensei que existia? Marquei o grande dia no calendário. Sim, sou desses. Comecei a pesquisar na internet algumas maneiras de ser sexy. Eu sei, isso é ridículo, mas nunca fiquei com ninguém, seja homem ou mulher. Conselhos do Quintino estavam fora de cogitação, muito menos do meu pai. Então, achei a luz no fim do túnel.
Encontrei meu irmão cortando algumas ervas daninhas do terreno. Como sempre, ele parecia ator de filme adulto, apenas usando uma bermuda de jogador de futebol e botas brancas. Cheguei perto, fiquei o observando, então, o escroto perguntou qual o favor eu precisava.
Mesmo revoltado com a audácia do Lukas Duarte. Fechei os olhos e expliquei os meus planos com o André. O Lukas parou de capinar as plantas, virou e começou a fazer um drama desnecessário. Ainda bem que ele não herdou os dotes artísticos dos nossos pais, a música já estava de bom tamanho.
Fiquei bravo e andei de volta para casa. O Lukas me alcançou, pegou em meu braço e me levou para o jardim. Sentamos de frente um para o outro. No início, não conseguia encarar o Lukas, tenho certeza que ele também não. Acho que não deve ser fácil começar um diálogo sobre sexo, deve ser por esse motivo que existem tantas jovens grávidas ou garotos doentes.
— Higor, o sexo é algo muito pessoal. Sei que muitas pessoas acabam banalizando o ato. — Lukas começou a transpirar mais que o normal. — Eu só quero que você tenha cuidado. Use preservativo, lubrificante também ajuda.
— Vish. Eu não tenho nada disso. E, agora? — Perguntei tentando não entrar em pânico.
— Podemos comprar. — Ele falou se aproximando, fazendo uma cara de safado e arqueando a sobrancelha direita. — Você vai ficar por cima ou baixo?
Merda. Eu não pensei sobre isso. Ok, Higor. Sem pressão. Subi para o quarto, tranquei a porta e comecei a pesquisar algumas cenas de filmes eróticos. Caramba, Doutora, a pornografia é um caminho sem volta. Nunca pensei muito em sexo ou perder a virgindade, então, filmes adultos não me chamavam a atenção.
Fora que durante muito tempo, a Rosa dormia no meu quarto. Eu não conseguia dormir sozinho, sempre tive pesadelos e chegava até a chorar durante à noite. A companhia da Rosa se tornou algo normal. Será que acabei reprimindo meus desejos adolescentes? Não sei. Só sabia de uma coisa: tinha muito para aprender em dois dias.
— Ativo, passivo ou versátil. Quando se trata de sexo, não há regras. Faça o que te dê prazer. — Li parte de um artigo na internet.
Dúvidas. Dúvidas. Dúvidas. Aproveitei a bondade do Lukas que me levou para o Centro de Borá, uma das menores cidade do Brasil com 836 habitantes. Doutora, que lugar fofo e acolhedor. O nosso carro se destacou pelas ruas de Borá. Paramos em uma farmácia e o traste do meu irmão pediu para eu ir sozinho.
Com as pernas trêmulas, desci e segui em direção a farmácia. Percebi que a maioria das pessoas transitando nas ruas eram idosos. Nem fiquei surpreso ao ver que a atendente tinha pelo menos uns 80 anos. A mulher tinha um cabelo grisalho, usava óculos de grau (estilo fundo de garrafa) e um jaleco com o nome da farmácia.
Procurei pelo lubrificante e camisinha. Me senti o Tom Cruise em Missão Impossível. Haviam poucos clientes fazendo compras, então, uma fila se formou. Achei meus preciosos itens e aguardei minha vez. Uma coisa que percebi é que idosos adoram puxar assunto. Em menos de dois minutos, fiquei melhor amigo da Dona Adelaide. Ela foi comprar remédio para o reumatismo do esposo.
Peguei outros produtos para não entregar apenas itens de sexo. No jaleco da atendente estava escrito Conceição. Ela atendia na mesma velocidade de um bicho preguiça. Comecei a suar frio, quando vagarosamente, a Dona Conceição passou meus itens na máquina registradora. Erro no código de barra do lubrificante.
— Só um minuto. — Pediu a idosa pegando um microfone e chamando um dos funcionários. — Adamastor. Preciso de você aqui no caixa. Quanto tá o preço do lubrificante "Delicias da Noite". É o de 200 gramas e sabor Morango Selvagem. — Enquanto olhava para o produto.
— É o lubrificante de sabor, né?! — gritou Adamastor de dentro da sala de vacina.
— Isso. É de morango, então, o sabor deve ser uma delícia. — Ressaltou a vendedora.
Eu quis morrer, Doutora. Todos os idosos me olharam como se eu tivesse cometido um crime capital. Fiquei tão nervoso que nem conferi o troco. Entrei no carro e pedi para o Lukas sair dali. A sorte que estava de máscara, ou seja, ninguém reconheceria o meu belo rosto.
Na volta para a fazenda, o Lukas colocou alguns de seus maiores sucessos. O meu irmão tinha o dom de escrever e criar belas canções. Eu gostava daquela versão do Lukas. Aquela que contava piadas, que possuía o sorriso fácil e sempre estava ao meu lado. No trajeto, contei o mico da farmácia. Isso vai ficar registrado no livro da minha primeira transa.
Ao chegar, corri para o quarto e voltei para a sessão de pesquisa sexual. Queria estar ciente de tudo o que poderia acontecer naquela noite.
"O que ser na primeira vez?"
"Ativo ou Passivo"
"Dicas da primeira vez gay"
"Como dar prazer ao parceiro gay"
"Socorro google"
Minhas pesquisas no Google ficavam cada vez mais estranhas. Ainda bem que ninguém tinha acesso ao meu notebook. Do nada, o traste do Quintino entra no quarto e começa a fazer várias perguntas.
— Higor. Você vai transar é? — Ele perguntou, enquanto fazia massagem no meu ombro.
— Você está louco, Quintino. Vai pro teu quarto. — Tentei desconversar, mas meu primo foi mais rápido.
— Por acaso, querido primo, você saiu. E, por acaso, o seu notebook ficou aberto em cima da sua mesa...
— Quintino...
— Calma. Eu vi o artigo que estava aberto, mas baixei a tela antes da Rosa entrar. Eu merecia o prêmio de melhor primo do mundo, né?
— Isso pode piorar? — Perguntei para mim mesmo.
— E aí? Ativo ou passivo?
Odeio o Quintino, mas acabei me abrindo com ele. Sim, o fundo do poço existe. A gente conversou bastante, expliquei todos os meus medos e inseguranças. A gente acabou ligando para o Luís, nos últimos dias, o grupo Aliança Gay e Hétero estava parado.
Por mais incrível que pareça, a partir daquele momento, fiquei mais relaxado. O Luís conseguiu sanar algumas dúvidas e deu várias dicas legais. Até o Quintino ficou surpreso com a diversidade sexual.
Anotei alguns dos conselhos, afinal, queria dar à noite perfeita para o André. Não queria que nada desse errado. Pedi licença do meu primo para fazer mais algumas perguntas específicas ao Luís.
Foram duas horas de uma conversa maravilhosa. É tão bom ter com quem se abrir. Na minha vida, não dei muito espaço para que as pessoas se aproximassem. Antes, tal fato não fazia diferença, hoje vejo que é primordial, ainda mais quando se trata de sexo. Um tema considerado tabu para muitos.
Quase não vi o André. Será que ele estava nervoso? Acho que não. Aquela era a minha primeira vez, o André já tinha certa experiência. Só não queria decepcioná-lo. O sexo é algo que faz parte do ser humano, seja ele hétero ou não, mas porque é tão complicado?
À noite não conseguia dormir. Um barulho na janela me faz congelar a alma, mas era apenas o André. Ele estava usando um moletom preto e uma bermuda azul. Ficamos conversando na varanda. Pelo visto, nenhum de nós dois conseguia pregar o olho.
— Higor. Eu sei que você está nervoso. Eu também estou. Por isso, escolhi o local perfeito para a nossa primeira vez. — Ele anunciou, enquanto estava apoiado na varanda e olhando para o céu.
— Eu confio em você, André. Estou muito ansioso para amanhã.
Merda. Outro dia que passou rápido. Olhei no relógio e já eram 18h. O céu estava laranja e algumas aves passavam cantando. Tudo normal, mas dentro do meu peito, uma escola de samba desfilava e me fazia tremer. Tomei um banho demorado e aparei o que deveria aparar. Umas horas antes, havia roubado algumas comidas e bebidas.
Vinho tinto (obrigado maioridade), ovos de codorna, banana, tangerina, chocolate, morangos e semente de girassol. Graças ao Google consegui uma variedade de produtos afrodisíacos, nesse departamento estava pronto. Às 20h, encontrei o André no estábulo. Ele usava roupas novas, os cabelos penteados e, até mesmo, perfume. Toda aquela produção para mim.
Perguntei para onde a gente ia, mas o André permaneceu misterioso. Ele tirou o Nescau do estábulo e pegou uma mochila de camping. Guiamos o cavalo por um tempo. O André não queria que alguém notasse a nossa escapada. Ficamos em silêncio, o nervosismo estacionou entre nós.
Depois de alguns metros, o André subiu no Nescau e me ofereceu a mão. Por sorte, subi direito, sem cair ou tropeçar, ou seja, pontos para o Higor. O caminho estava escuro, mas ele conhecia aquela região como a palma da mão. Fui todo o trajeto abraçado no André, nem ligava para o sexo, poderia ficar ali por horas e horas.
Conseguia sentir a respiração dele. O coração acelerado igual ao meu. O aroma adocicado que saia dele me deixou encantado. Não sei onde ele comprou o perfume, mas queria que usasse todos os dias. Não que eu me importe. Uma vez, li que o cheiro marca a pessoa de forma positiva ou negativa, mas isso nunca se aplicou ao André.
— Chegamos. — Ele anunciou trotando com o Nescau.
Que rápido. Apesar de escuro, notei que aquele lugar era conhecido. Estávamos na biblioteca do vovô. O André desceu, tirou a mochila e a bolsa térmica, e em seguida, me ajudou a descer do cavalo. A gente ficou frente a frente e um beijo foi inevitável. Os únicos sons que conseguíamos ouvir eram dos grilos e nossos corações em harmonia.
Abrimos o alçapão e fiquei surpreso com a decoração. O André colocou luzes de LED, arrumou velas e incensos. O lugar estava perfeito, não imaginava que ele podia ficar tão bonito. Deixei a bolsa térmica na mesa e tirei as taças. Abri o vinho e servi. Enquanto isso, o André colocou o Nescau em um lugar mais confortável.
Levei minha caixa de som e conectei ao celular. Coloquei na "Playlist do Amor". Escolhi cada música minuciosamente. Quando estava colocando os alimentos na bandeja, sinto um toque no meu ombro e um beijo no pescoço. Quem diria. Eu, Higor Duarte, apaixonado e sendo correspondido.
***
Confusão pairando sobre mim.
Pensei estar escrito, começo, meio e o fim
apareceu você sentido contra mão.
Tornando inevitável, essa oscilação.
Eu faço muitos planos para o meu futuro
***
Nunca me imaginei sendo amado. Quando adolescente, observava meus irmãos e seus namorados/namoradas. Eu não conseguia entender o motivo de sentir indiferença sobre o assunto. Mas tudo mudou no dia em que conheci o André.
Shakespeare uma vez disse: as viagens terminam com o encontro dos apaixonados. Então, o André era o meu porto seguro. Aquilo que eu nunca pensei que fosse precisar. Ele é forte, gentil, humilde, companheiro e amoroso.
— Higor, eu não quero fazer nada que você não queira fazer. — André disse olhando dentro dos meus olhos.
— Eu quero. — Falei tirando a camisa.
As mãos trêmulas do André tocaram o meu dorso. Fechei os olhos e apenas me entreguei àquele momento. Queria experimentar o amor em toda sua plenitude. Desabotoei a blusa do André, eu também tremia, não sabia o que fazer, mas ele me guiou em cada passo.
Pela primeira vez, os nossos corpos se encontraram. Senti algo tão bom, o medo foi passando, dando lugar ao entusiasmo. O André era perfeito, não ligava para as suas falhas, pois, elas faziam parte do pacote.
***
Eu sempre quis viver um grande amor.
E nunca me senti seguro.
Agora tudo é diferente.
Nada me impede de tentar.
De ser feliz no meu presente.
E pra você me entregar
***
Foi incrível. O André foi maravilhoso. Chorei, mas não porque doeu nem nada disso. Chorei porque minha primeira vez foi com um homem maravilhoso. Ele limpou minhas lágrimas, ficou preocupado. Tive que dizer várias vezes que estava tudo bem. Dormimos pelados e abraçado, apenas um cobertor nos cobria. O meu amor e eu.
Acordei e quase não acreditei, o garoto mais lindo do mundo ali, dormindo ao meu lado. Acariciei os cabeços do André. Ele dormindo parecia uma criança, inocente e sincera. Aquilo trazia paz ao meu coração.
— Bom dia. — Disse André de olhos fechados. — Não olha para mim. Estou horrível, além de bafudo.
— André. Eu amo o melhor e pior de você. — Tentei usar toda a sinceridade que existia dentro de mim, pois, eu o amava de verdade.
— Você gostou de ontem? Eu te machuquei? — André perguntou abrindo os olhos e tocando no meu rosto.
— Foi uma experiência fantástica e inesquecível. Obrigado.
— Pena que a gente precisa voltar para a realidade. — Lamentou.
***
Meu coração está em suas mãos.
Cabe a você fazer valer minha decisão.
Procuro então segurar minha mão.
Me amar como sou e provar seu amor
***
Decidimos ir andando. Queríamos aproveitar para conversar e relembrar tudo o que vivemos na noite anterior. O Nescau nos acompanhava mais atrás. Com certeza, iria experimentar e explorar mais o corpo do André. Estava completamente entregue àquela relação.
Quem diria que no meio de uma pandemia, o amor bateria em minha porta. Queria gritar para o mundo meu amor pelo André. Acho que nunca tinha sido tão feliz. Por um instante, me senti invencível e inabalável.
— Higor, a gente vai fazer de novo? — Ele questionou fazendo uma carinha safada.
— André. — O repreendi fingindo estar chocado. — Com certeza. — Soltei rindo.
— Não acredito. — André parou e soltou a guia do Nescau.
Por um instante, apenas por um instante, me senti invencível. Mas ao olhar para os lados, o castelo de cartas que ergui foi derrubado pelo vento. Os olhos do André ficaram vermelhos e lágrimas escorreram pelo seu rosto. Ele andou em direção a uma mulher magra e lhe deu um abraço apertado. Peguei a guia do Nescau e fui em direção aos dois.
— Tá, tudo bem? — Questionei.
— Higor. — Ele falou chorando.
— Calma. — Pediu a mulher enxugando as lágrimas do André.
— Higor. Essa é a minha mãe.
***
"Abri as portas do meu mundo pra você entrar.
Fica aqui, amor, me envolva e me faça muito feliz"
(RIZZIH)