Esse conto foi publicado aqui há seis anos.
Hoje encontrei com a Patrícia e a Marcela, pois é quase impossível encontrar uma sem a outra e quando voltei para casa, fui reler o arquivo e achei alguns erros de digitação e pensei que seria uma boa ideia publicá-lo novamente, corrigido, inteiro e de uma vez.
Peço que comentem sobre o conto. É sempre muito gratificante saber a opinião de vocês.
Boa leitura.
Como uma pessoa sabe que está apaixonada?
Como sabe que encontrou o grande amor da sua vida?
Sinceramente, nunca pensei nessas questões com muita seriedade, nem mesmo quando era adolescente.
Fui criada numa família relativamente normal, meus pais são as pessoas mais sossegadas e tranqüilas que conheço, e me criaram, bem como a meus irmãos, para que interagisse com qualquer pessoa com respeito e educação, sempre nos encheram de carinho e se desdobravam para que nada nos faltasse, nos apoiavam, mas também cobraram boas notas e bons modos, nunca me proibiram de sair com minhas amiguinhas de colégio, ficar até tarde na casa delas ou mesmo namorar quando estava no auge da adolescência. Era bem assim: se eu fizesse a minha parte no “acordo” e tirasse notas boas e não aprontasse nada muito fora do comum, poderia fazer quase tudo que quisesse.
Com meu pai aprendi a valorizar a beleza das coisas, bons livros, boa música e com minha mãe aprendi a ser metódica e organizada com tudo, estudos, trabalho e vida pessoal, mas também me mostrou que toda mulher é, de uma forma ou de outra, uma manipuladora. Eu odiava aquilo, achava que alcançaria meus objetivos por minha capacidade e não fazendo joguinhos.
Aos quinze anos tive meu primeiro namorado, envolvimento motivado mais pela curiosidade que pela paixão, na época ainda tinha aquelas besteiras de sair com os meninos mais bonitos e despertar inveja nas colegas; depois dele vieram mais uns quatro ou cinco – não me lembro o nome de nenhum deles – antes de, aos dezessete anos perder, a virgindade, nessa época vivia apaixonada pela ideia de estar apaixonada e estava encantada por receber as atenções de um homem quinze anos mais velho, inteligente e em boa forma, porém casado, mas que soube muito bem mostrar os caminhos longos e os atalhos para o prazer, aprendi tudo que ele tinha para me ensinar a respeito de sexo, me diverti muito, mas rapidamente me cansei dele e daquele tipo de relação, pois não nasci para ser reserva.
Como sempre fui boa aluna, apliquei o mesmo empenho em relação ao sexo, uma vez que tomei gosto pela coisa pesquisei, estudei e me aprimorei para dar e receber o máximo de prazer.
Sempre acreditei que seria advogada e foquei nisso minha atenção de tal forma que, nos anos seguintes acumulei conquistas que iam do primeiro lugar no vestibular ao convite para ingressar numa empresa de advocacia bem-conceituada, antes mesmo de terminar o curso. E na faculdade o que mais se encontrava era sexo casual, mesmo que para os homens eu pudesse parecer fácil, escolhia os parceiros com cuidado, logicamente acabei ficando com alguns idiotas, mas a maioria era homem de verdade, apesar de, naqueles dias, os meninos serem apenas meninos, mas alguns mostravam grande potencial.
Por causa desse meu jeito quase obsessivo, antes dos trinta anos tinha comprado meu próprio apartamento num bairro bem localizado em São Paulo, andava de carro novo e tinha dinheiro aplicado; no lado pessoal me considerava uma pessoa simpática e de fácil convívio, tinha um grupo de amigos, na maioria advogados do mesmo escritório ou funcionários do mesmo prédio, com quem saía para conversar, beber, ir ao cinema ou teatro;
Adoro sexo e para ser totalmente sincera por mim transaria todos os dias, mas o problema é ter de vir o homem junto. Não me entendam mal, eu sempre achei os homens fascinantes, mas meus ídolos eram músicos, escritores e artistas plásticos que se sofressem uma decepção amorosa escrevia uma música, um livro ou pintavam um quadro e na noite seguinte estavam na cama com outra. Os homens comuns são comuns demais, usam o ego para tentar disfarçava a insegurança e a carência, desconhecem o básico do mundo feminino e são falsos até consigo mesmos.
Por isso passei a preferir os canalhas.
Um canalha chega, faz o que quer e se você não perguntar, nem te diz o próprio nome, mas sempre te deixam na manhã seguinte plenamente satisfeita. Por mais difícil que fosse encontrar um homem que despertasse o meu lado emocional, que me faria suspirar e sonhar acordada, mesmo assim nunca nem pensei, juro, nunca me passou pela cabeça que um dia poderia me sentir atraída por uma mulher.
Trabalhava como uma louca e estudava como se ainda estivesse na faculdade, mas fazia o que me dava prazer e ganhava muito bem para fazê-lo, o problema era que não sobrava muito tempo para a diversão. Visitava meus pais pelo menos uma vez por mês e quanto a homens eu sempre preferia correr o risco na balada, mas quando a noite não dava em nada, lançava mão da habilidade de um prestador de serviços muito eficiente e inteligente – formado em letras e física – que me fazia gozar até eu pedir para parar, por um preço bastante justo.
Prefiro pagar com a garantia de ter um exemplar bonito, perfumado e eficiente na minha cama a me deitar com uma criatura infame qualquer. Eu me amo o suficiente para pensar em mim mesma como merecedora de alguém que, no mínimo, se cuide tanto quanto eu e, provavelmente, nada é mais frustrante que fazer sexo com quem não entende nada do assunto.
Sempre fui bonita de rosto, meu bisavô era indiano e com as miscigenações as características étnicas se dissolveram bastante, mas eu nasci com a pele morena clara quase jambo, lábios cheios e sedutores, olhos pretos um pouco puxados, cílios longos e cabelo abundante, liso que mantinha sempre cumprido, quase a cintura, mas havia um problema, meu corpo não era muito amigo das máquinas fotográficas.
Eu vivia um pouco acima do peso até entrar para a faculdade, onde descobri que, por mais que odiasse manipulações, a beleza ajudaria muito no meu trabalho. Passei então, a cuidar do meu corpo como de uma ferramenta, por que ser bonita exige cuidado constante e uma boa dose de sofrimento – quem acredita que a vida é um permanente Natal e que basta ser bonzinho para ganhar aquilo que quer, vai quebrar a cara continuamente até aprender – desde então, me dedico a uma hora de corrida todos os dias e pego pesado na academia ao menos quarto vezes por semana, muitas vezes de madrugada, pois durante muito tempo foi o único horário disponível na agenda, com isso perdi peso e ganhei formas, uma cirurgia colocou os seios onde deveriam estar – sem próteses.
Da minha mãe herdei a boa estatura, tenho um metro e setenta, tenho seios médio, quadril que parecem largos devido a finura da cintura, medidas conquistadas a base de muito esforço e exercícios abdominais, barriga lisa, mas sem aquela doideira de músculos evidente e coxas trabalhadas por infinitas horas na bicicleta, me tornei a tão famosa “falsa magra”. Essa combinação tornava indiferente o fato do meu bumbum ser apenas um pouco maior que o mínimo aceitável. Procurava ser discreta, mas com roupa de academia eu sabia que deixava muito marmanjo babando, além do que, adorava despertar o tesão nos homens.
Além disso, procurava me alimentar direito e praticamente não bebia, meu único hábito deplorável é o cigarro e meus vícios são os sapatos e os perfumes.
Eu gastava e ainda gasto uma pequena fortuna em perfumes, ou melhor, corrigindo, perfume, já que uso apenas Chanel Allure. E não imagino que tipo de mulher não se sinta muito mais poderosa no alto de um par de Scarpins Casadei, bem-vestida e perfumada.
Como disse, nunca me interessei por mulheres, invejava a bunda de uma, o cabelo de outra, mas considerava apenas como uma coisa naturalmente feminina, na academia tomava banho naqueles boxes sem porta, sem que isso significasse grande coisa e às vezes acontecia até de me pedirem para comparar meus seios com de alguma colega siliconada.
Já tinha visto milhares de seios, bundas, pernas e tudo mais que uma mulher possa exibir e nunca, jamais senti uma só centelha de atração, mas como nunca se pode dar nada como certo nessa vida, um dia o inesperado “literalmente” bateu em mim.
Sexta-feira, fim de tarde na Marginal Tietê, o dia fora um desastre e tudo que poderia dar errado aconteceu, meu sapato mais adorado quebrou o salto, uma amiga comissária de bordo não trouxe meu perfume como encomendado, um dos meus melhores clientes estava em crise no casamento e criando todo tipo de dificuldade, incluindo ser preso por dirigir embriagado, eu estava a duas semanas sem sexo, então o saldo do dia era uma dor de cabeça fenomenal e uma vontade de chorar que eu não sabia de onde vinha – deduzi que provavelmente eram meus hormônios brincando comigo – e o trânsito lento tornava tudo um verdadeiro purgatório.
Sinalizei que faria a conversão para a direita na saída da ponte da Casa Verde, conferi duas vezes no retrovisor e mesmo assim, quando mudo de faixa, sinto uma pancada na traseira do carro. Continuei até um posto de gasolina mais a frente e o outro carro me seguiu. Quando saio do meu para conferir o estrago, fiquei bem arrasada.
Ao levantar a cabeça para olhar o desgraçado que eu processaria até o último dia da vida dele – ou último centavo, o que chegasse primeiro – vejo sair do carro uma moça, baixinha – um metro e meio no máximo – toda delicada, pele clara, de corpo perfeito e com uma abundância absurda de cabelos crespos e castanhos, parecia uma adolescente, mas se estava dirigindo deveria ter, pelo menos, dezoito anos e estava se debulhando em lágrimas.
Quando se é obrigado a lidar com pessoas uma das primeiras coisas a aprender é reconhecer o tipo de lágrima que molha o rosto da sofredora e eu era muito boa nisso, conseguia perceber uma lágrima de crocodilo a quilômetros de distância. E aquele choro não fora provocado pelo acidente, ela claramente já vinha chorando antes e muito provavelmente aquilo causara a colisão.
No momento fiquei completamente sem ação, não sabia se chegava dando esporro, se esperava até a menina se acalmar ou se a abraçava e levava para a loja de conveniência para que não ficasse tão exposta. Escolhi a última opção e pegando em seu braço levei-a para dentro. No caminho dei as chaves para o frentista estacionar os carros num lugar que causasse menos transtorno e nos sentamos em volta de uma mesinha de café. A moça ainda soluçava, mas parecia mais calma.
Até hoje não sei de onde surgiram as palavras que escaparam da minha boca:
— Meu bem, não precisa ficar assim. O carro é segurado e mesmo que o do seu pai, não seja também não é o fim do mundo.
Ela me olhou por um segundo e quando meus olhos encontraram os dela foi como se alguma coisa em mim, algo que eu nem sabia que existia e que não sabia identificar, se levantasse e exigisse atenção, o tempo passou e só percebi que prendia a respiração quando meu corpo exigiu que puxasse ar para dentro dos pulmões, minha pulsação estava estranha e eu sentia um calor ainda mais estranho.
Não conseguia parar de olhar para aqueles olhos que de tão vermelhos só dava para perceber que poderiam ser verdes ou castanhos. Ela voltou a chorar sem controle e eu achei melhor deixá-la sozinha por um tempo, mas quando levantei me deu uma coisa que parecia medo.
Mas medo de que?
Aquela criaturinha nãos era capaz de assustar ninguém. Mesmo que eu estivesse errada e aquilo fosse apenas teatro, quem mora em São Paulo se acostuma a acidentes de carro e se ela quisesse fugir teria de deixar o carro para trás, mesmo sem entender a razão daquela sensação fui ao balcão pedi duas águas e dois cafés, voltei para a mesa onde ela continuava sentada e chorando com as mãos escondendo o rosto.
— Me desculpe pelo inconveniente, dona. O seguro vai cuidar do carro e a senhora não precisa se preocupar. E me perdoe também por chorar como uma louca desse jeito…
Ela ficou quieta olhando para as próprias mãos e para meu assombro eu queria que ela continuasse falando, a voz dela de alguma forma, apesar de me chamar de dona e de senhora, parecia me encantar, mas como percebi que ela não continuaria por vontade própria, tentei um incentivo.
— Quer me contar o que aconteceu?
— A senhora vai me achar uma idiota…
— Claro que não, vamos, fale, de repente melhora.
Ela ainda respirou fundo algumas vezes antes de voltar a falar.
— Acabei de levar meu cachorro para ser eutanasiado. Eu ganhei o Elvis quando tinha oito anos… eu sei que para qualquer pessoa um cachorro é só um cachorro, mas o Elvis era a criatura que eu mais amei na vida.
Como não conseguia estabelecer nenhuma empatia pela morte de um cachorro, na verdade nem me lembrava da última vez que notei um, tive de imaginar que seria a mesma coisa que perder um primo de segundo grau ou um colega de trabalho. Eu mesma nunca enterrei ninguém a quem amasse, mas aquela criatura dentro de mim exigia estabelecer um vínculo com a menina, o que me obrigava a falar.
—- Não existe palavra que sirva de real consolo nessas horas. Nunca precisei passar por uma situação assim então… apenas acho que não tem do que se envergonhar, se amava o Elvis de verdade tem todo o direito de chorar o quanto quiser.
E então ela sorriu para mim. Tinha dentes perfeitos, lábios de Amanda Seyfried, nariz pequeno, olhos grandes, sobrancelhas grossas e aquela quantidade absurda de cabelo crespo, solto e lindo. Ela disse num sussurro.
— A senhora não é muito boa nessa coisa de consolar as pessoas… - mas ela disse aquilo de maneira tão gentil que nem consegui me sentir ofendida.
— Posso te pedir um favorzinho? Pare de me chamar de dona e de senhora, se não daqui a pouco eu é que começo a chorar. Meu nome é Patrícia e devo ter, no máximo, uns sete anos mais de experiência que você.
Jamais alguém me ouvirá dizer que sou velha, nem para comparar.
Ela claramente me avaliou da cabeça aos pés e imaginei que eu deveria estar num daqueles dias em que pareço mais séria que o normal. Quando voltou a olhar nos meus olhos parecia espantada, então, num gesto para deixá-la mais à vontade, apesar de ser ousado demais e uma pura falta de bom senso, afinal ela tinha destruído meu carro, tirei os óculos de sol, soltei o cabelo, tirei o terninho e abri dois botões da camisa que coloquei por fora da saia. Ela acompanhava meus movimentos com a boca aberta e os olhos esbugalhados, talvez imaginado que eu tiraria o resto da roupa ali mesmo.
Depois de uns segundos pareceu se dar conta da situação e tentou olhar novamente para as próprias mãos, no que pareceu um gesto automático para quando ficava nervosa ou constrangida.
— Pareço menos senhora agora? – a menina voltou a me olhar e seus olhos estavam novamente ameaçando transbordar e rapidamente eu continuei falando – Não chora não, por favor. Vamos ligar para a seguradora e ver quanto tempo precisam para mandar um táxi ou um carro extra. – pareceu dar certo, pois ela engoliu o choro e pegou a carteira na bolsa.
A coitada tremia tanto que fiquei penalizada, tirei dela o cartão da seguradora, era a mesma que eu usava e a seguradora era cliente do escritório em que eu trabalhava. Só assim descobri que seu nome era Marcela. E para meu espanto o carro era dela e estava a poucos dias de completar vinte e um anos, quase enfartei. Como ela conseguia ter aquela cara de criança? Tudo foi resolvido em menos de quinze minutos e dali a pouco teria um carro reserva para usar enquanto o meu estivesse no concerto.
Com tudo acertado e depois de eu prometer não processá-la e nem nada do tipo ficou mais relaxada e mesmo que ainda triste se soltou um pouco e conseguimos conversar. Fiquei sabendo que ela estava no último ano da faculdade de administração, viveu três anos na Inglaterra, trabalhava como tradutora para uma firma de logística em Barueri e era solteira.
Esse último detalhe por algum misterioso motivo amenizou o medo que me acompanhava.
Fomos tirar as coisas dos carros quando o guincho do seguro veio para buscar o meu, mas insisti que levasse o dela também. Resolveria os detalhes depois. Quando o carro reserva chegou, apesar de seus protestos, levei-a para casa. Ela morava ali perto, com a avó, logo atrás do prédio de uma universidade localizada próximo ao terminal da Barra Funda.
Fomos conversando e ela falando do seu cotidiano, da família e da saudade que sentia do Elvis e de como se sentiria solitária sem ele, pois tinha poucos amigos por ser muito tímida e por achar as pessoas da sua idade fúteis, preguiçosas e com péssimo gosto musical, falamos de música e descobri que tínhamos muito em comum nessa área.
Nos despedimos e fui para casa.
Cheguei e como de hábito me joguei no sofá. Tentava entender o motivo de aquela menina mexer tanto comigo, pensava nela e estava realmente preocupada em como ficaria, pois por mais absurdo que fosse, para mim pelo menos, ela parecia mesmo gostar muito do cachorro, mas algo me dizia que não podia ser só isso. Pensando nela cochilei e acordei depois de meia hora, tomei um banho e como bateu o cansaço, talvez por conta do estresse com o acidente e as loucuras que vinha sentindo por Marcela, me preparei para dormir, desisti depois de revirar na cama durante um tempo.
A Marcela não me saía dos pensamentos e junto vinha uma espécie de angústia que eu ainda não havia experimentado. Não conseguia entender o que havia comigo, normalmente eu não sou do tipo que se preocupa com quase desconhecidas que saem por aí batendo no meu carro, mas num impulso sentei encostada na cabeceira da cama e liguei para ela. Enquanto o telefone chamava percebi que sentia uma necessidade quase física de ouvir a voz dela novamente, minhas mãos tremiam e minha pulsação estava acelerada.
— Alô? – apenas ouvir aquela palavra já me deixou mais calma e consegui falar sem gaguejar.
— Oi, Marcela. É Patrícia. Te acordei?
— Que bom que ligou, estava pensando em você… – lá estava de novo o choro na voz dela e aquilo me apertou o coração.
— Menina, não chora, por favor. – eu sentia que lágrimas estava se formando nos meus olhos e aquilo me deixou apavorada… não entendia o que estava acontecendo comigo!
— Me perdoa por chorar tanto, mas minha avó foi para um evento em Santos e volta só na semana que vem e essa casa parece tão grande sem o Elvis… Desculpa Paty, você está sendo tão legal comigo e a única coisa que eu faço e te obrigar a agüentar meus dramas. - ela parou bruscamente e quando voltou a falar estava constrangida – Você não se importa que te chame de Paty, se importa? Patrícia parece sério demais, não combina.
— Não me importo de forma alguma. Tem alguma coisa que eu possa fazer por você? Sei que acabamos de nos conhecer, mas me incomoda imaginá-la aí sozinha num momento como esse.
— Fico agradecida e até envaidecida com isso, mas vou ficar bem, não se preocupe. Afinal posso não parecer, mas sou adulta… – ela pareceu respirar fundo e quando falou o fez num sussurro tão baixo e tão rápido que quase nem consegui entender – E além do mais eu não teria coragem de pedir que viesse ficar comigo, uma por que seria muito abuso e depois por que você, com certeza, tem coisa melhor para fazer.
Tentei não me deixar afetar pela súplica na voz dela, porém uma ideia começou a brotar e deixei que se formasse, enquanto isso tratei de continuar a conversa perguntando como trabalharia na semana seguinte e ela nem deu importância dizendo que iria de trem. Enquanto Marcela falava, já mais tranqüila a ideia gerada momentos antes, recebia os acabamentos finais e aquilo me deixou excitada e assustada ao mesmo tempo.
— Você gosta de sorvete? - perguntei como quem apenas puxa conversa.
— Baunilha… adoro. Por quê?
— Por nada, apenas me deu vontade de comer algo doce. - ela parecia mais calma e gostei de pensar que eu tinha alguma coisa com isso – Olha… eu preciso desligar, mas quando eu era criança e não conseguia dormir a minha mãe me dava um copo de leite morno com uma colher de mel. Por que não tenta?
— Não gosto tanto assim de leite, mas… vou experimentar.
— Então tá. Qualquer coisa me liga. Beijo.
Desliguei antes de ouvi-la dizer qualquer coisa e levantei da cama num pulo. Não era todo dia que eu tinha a oportunidade de alegrar a vida de alguém então, não perderia aquela.
De repente minha louca interior, um personagem que eu inventei para ter aquelas conversas que todo mundo tem consigo mesmo, apareceu e perguntou:
— Desde quando você se preocupa em alegrar a vida de alguém, Patrícia?
— Desde hoje! – respondi não querendo pensar no que aquela mudança significava.
Coloquei uma calça jeans rasgadas – pelo uso – uma camiseta do meu time do coração, calcei sapatilhas, passei meu perfume, pois jamais saio de casa sem ele, coloquei meu kit emergencial na bolsa e sai como uma louca porta afora. No caminho liguei para um amigo dono de uma sorveteria na Oscar Freire e quando ele disse que estava fechando eu implorei que ele esperasse mais quinze minutos até eu chegar lá. Cheguei, comprei um pote enorme de sorvete de baunilha que eles vendem com outro nome e fui para a casa da Marcela.
Do portão liguei no celular dela que atendeu no primeiro toque.
— Ainda bem que você ligou! – ela chorava desesperada e os soluços eram de cortar o coração – estava quase ligando para você… por favor… vem pra cá… sei que estou parecendo uma louca… e você… deve estar pensando… em chamar aqueles caras… com camisas de força… mas eu não agüento mais… ficar sozinha aqui…
— Então, vem abrir o portão. – ouvi o celular caindo no chão e os passos dela correndo.
O muro e o portão são daqueles antigos, baixinhos e fiquei ainda mais preocupada com a ideia de ela sozinha numa casa que qualquer um poderia invadir facilmente. Quando Marcela abriu a porta e veio correndo com a mesma roupa que usava quando a deixei, coloquei o pote no muro e do jeito que ela abriu o portão no mesmo movimento caiu nos meus braços chorando. Parecia realmente uma criança, soluçava baixinho, mas parecia aliviada. Depois de um tempo ela me soltou e envergonhada pediu desculpas.
— Eu juro que num dia normal eu não sou assim. Me perdoe, por favor, eu não sou essa criatura desequilibrada que pareço.
— Meu bem, o sorvete esta derretendo… – disse apontando para o pote.
Ela pegou a sacola com o pote numa mão, segurou meu pulso com a outra e me arrastou para dentro da casa. Fomos para a cozinha e sentamos em volta da mesa com o pote na nossa frente, Marcela me deu uma colher e tomou outra para si, abriu o pote e começou a comer, sem a menor delicadeza, direto nele. Em segundos os lábios dela estavam borrados de sorvete e era uma visão tão bonita que fiquei perdida olhando ela comer, me perguntando se aqueles lábios com gosto de baunilha seriam tão gostosos como pareciam.
Quando me dei conta da linha de pensamento minha louca já estava gritando irritada:
— Será que é tão gostoso, Patrícia? É isso mesmo que você está pensando enquanto olha esta menina tomar sorvete? Perdeu de vez o juízo?
Fiquei muda de susto, de medo e de alegria ao vê-la sorrindo para mim enquanto pegava outra colher cheia de sorvete e colocava na minha boca.
— Será um absurdo tão grande assim admirar a beleza de uma menina que fica feliz por tomar seu sorvete predileto? – perguntei para mim mesma.
— Absurdo é você encontrar conotações sexuais nisso, sua retardada! – respondeu a minha louca.
Mas então resolvi que queria curtir aquela sensação deliciosa, embora inominável desperta em mim por Marcela e afundei minha colher no pote e comi mais sorvete naquela noite que durante toda a minha vida adulta. E além do mais, com certeza aquele desejo que ameaçava brotar era só alguma sacanagem hormonal que a natureza estava fazendo comigo, ou um distúrbio neurológico passageiro, mas poderia ser carência, ou crise causada pela abstinência de sexo ou… sei lá o quê.
— Você deve ser uma pessoa muito especial, Paty. – disse ela me olhando nos olhos depois de comermos quase a metade do sorvete – Sempre fui muito “pé atrás” com todo mundo, ainda mais aqui no Brasil, no entanto com você, sei lá se foi pela situação ou o que foi, mas é como se tivesse gostado de você logo de cara, mas de um jeito que estou até um pouco assustada. Eu não sou de me afeiçoar a qualquer pessoa, talvez por que meu pai me arrastava pra todo canto e nem dava tempo de fazer amizade direito. Fico meio na neura de achar que todos que eu gosto acabará me abandonando.
Eu queria dizer a ela que não pretendia ir a lugar algum por um bom tempo, mas como Marcela estava com o “modo falante” ligado e eu saquei que não acontecia sempre, apenas sorri e deixei que falasse.
— Esse prazer que sua companhia me dá é algo muito novo para mim. Minha terapeuta diz que tenho de aprender a confiar mais nas pessoas e que mesmo que elas me decepcionem isso faz parte da vida… Eu tenho feito um esforço muito grande para confiar nas pessoas e aí eu bato no seu carro, choro como uma destemperada na sua frente e do nada me vejo implorando para você vir me salvar da minha própria loucura. Esse lance do Elvis tá sendo difícil e pode até ser que num outro momento eu conseguiria processar o lance do acidente com facilidade e não ficaria desse jeito te perturbando, nem foi a primeira vez que me envolvi em algo assim… mas a verdade é que de uns dias para cá tenho me sentido muito frágil, parece que a qualquer momento vou bater o pé no chão e me estilhaçar inteira e… sei lá. Acho que precisava de colo e de alguém que me ajudasse a acreditar que tudo ficará bem.
— Eu não posso prometer nada, sou meio workaholic, nem sempre tenho tempo para as pessoas que gosto ou que gostam de mim. Mas eu também simpatizei muito com você, de um jeito, que nem entendo direito, mas se você quiser e aceitar o meu jeito doido, podemos ser amigas, com certeza. Mas esse lance do colo… eu nem sei como te ajudar com isso. Você não está sendo literal, está?
Ela riu sua primeira gargalhada comigo – se eu fosse do tipo romântica, diria que senti borboletas no estômago – e continuou falando.
— Me dar colo é isso que você fez, sair da sua casa e me fazer companhia, sem contar o sorvete mais maravilhoso que já provei na vida. É o tipo de coisa que a gente faz para quem representa alguma coisa. E mesmo que amanhã você não tenha mais tempo para mim, o que você está fazendo hoje é algo que nunca vou esquecer.
A noite estava quente e sentamos num banco de madeira no jardim aos fundos da casa, quando bocejei Marcela sentou na ponta do banco e disse para eu deitar e usar as coxas dela com travesseiro. Fiz como sugerido e com isso pude olhar para de um ângulo novo e mesmo assim ela continuava muito bonita, ela falava sobre sua infância andando por muitos lugares, por que seu pai era militar e perguntou se podia mexer no meu cabelo e com a minha concordância passou a fazer trancinhas frouxas que se desmanchavam logo que escapavam de suas mãos.
Marcela tinha dedos minúsculos de pontas rosadas e unhas bem-feitas.
Eu estava numa mistura muito estranha de sentimentos e sensações, me percebi sensível a qualquer toque de seus dedos, arrepios deslizavam por minha pele e estava ficando difícil respirar. Pensei em sair dali, ir para a calçada e acender um cigarro, mas queria ficar o tempo que pudesse perto dela, mas, ao mesmo tempo, tinha medo do dia seguinte, de me afeiçoar a ela e quando aquela fase passasse e ela se sentisse mais inteira e mais forte emocionalmente, perdesse o interesse por mim.
— Você está com medo que ela perca o interesse por você Patrícia? Que droga é essa que colocaram no seu café hoje de manhã, criatura? – me ironizou minha louca interior.
Ignorei aquele questionamento, pois apesar de tanta confusão, me sentia feliz de um jeito totalmente novo. Nunca pensei que um dia me encontraria numa situação em que estaria tão confortável com uma mulher, pois sejamos sinceros, ela podia até ter cara de novinha, mas com aquele corpo, aquela boca e aquele cabelo…
— Que merda Patrícia! – gritou a louca na minha cabeça – Só faltava mesmo você se apaixonar por uma mulher.
— E se estiver me apaixonando, qual o problema? – continuei naquele diálogo insano.
— Como assim qual problema? – minha louca parecia querer me esmurrar – Já esqueceu que ela não tem aquela coisinha que balança entre as pernas e quando está dura te dá orgasmos?
— Tenho certeza que deve haver meios…
— Você ficou louca!!!!
E eu sentia que estava mesmo ficando maluca, mas o contato com as coxas dela, o toque de seus dedos em meus cabelos e sua voz que me acalmava de um jeito viciante eram argumentos difíceis de rebater naquele momento. Resolvi que precisava de um tempo, aquela situação e os questionamentos na minha cabeça estavam me deixando com os nervos à flor da pele e os carinhos dela na minha cabeça não estava ajudando. Pedi licença e levantei, na cozinha peguei minha bolsa e dela tirei meu maço de cigarros, estava na porta de saída quando ela me alcançou.
— Aonde vai? - perguntou alarmada.
Mostrei o maço de cigarros.
— E porque imagina que tem de fumar na rua?
— As pessoas parecem pensar nos fumantes como criminosos…
— Você é minha amiga e não precisa nem sair de perto de mim pra fumar, volte para o jardim comigo, agora, não quero você na rua! Sabe-se lá que tipo de pessoa anda por aí há essas horas.
E obediente como nem sempre fui, permiti que ela me tomasse pela mão e voltei para o banco no jardim. Parecia haver apenas perguntas em minha cabeça, a maioria eu não queria nem reconhecer, mas, mesmo assim, com ela sentada ao meu lado fui me acalmando, o cigarro queimou quase todo sozinho, esquecido entre meus dedos e me permiti deitar novamente, usando suas pernas como travesseiro.
Como explicar que ela me deixava nervosa? Como dizer para aquela criaturinha que quando me abraçava eu conseguia encostar meu queixo no alto da sua cabeça, que tinha medo dela e das coisas que eu sentia quando ela me tocava, como dizer que tinha medo do desejo que me assaltava quando eu olhava para o corpo dela? Até mesmo da calma que sentia quando ouvia sua voz eu estava com medo. Tinha medo de ir embora, pois não imaginava um meio de justificar a volta.
Não sei de onde ela puxou uma almofada e enquanto trocava sua coxa por ela, Marcela levantou e foi para a cozinha e depois de alguns minutos voltou com duas xícaras de café. Sentei e tomando uma das xícaras de sua mão provei um pequeno gole, pois estava bem quente, o aroma era delicioso, forte e encorpado, tinha uma camada de creme e uma carinha sorridente feita com canela.
— Minha avó Cecília também fuma, se bem que ela aproveita melhor o cigarro… e adora o café do jeito que eu faço. Queria que você experimentasse. Você toma café, não toma? Eu sempre acho que todo fumante adora café, mas se você não gosta, não precisa tomar.
Falava com um tom de ansiedade, que tentava esconder. Era como uma criança tentando agradar.
— Você deveria ser barista. Este é o melhor café que já tomei. – e não estava mentindo, era de longe o melhor café que já havia experimentado.
— Meu tio cultiva esse tipo de café no sítio dele em Minas. Aqui a gente só toma dele.
A proximidade do corpo dela ao meu lado no banco, mesmo que ela estivesse, aparentemente, mais interessada em beber o café – que bebemos em silêncio – que em mim, me deixava ansiosa e tensa. Percebi que, na verdade, não queria que aquilo que me atraia nela fosse desejo, não queria me sentir assim em relação a ela, mas principalmente, não queria as mudanças que aquilo traria para a minha vida.
— Você pode dormir aqui, se quiser. - disse ela – Vai trabalhar amanhã?
— Não… – minha voz saiu triste da minha boca e sentia lágrimas em meus olhos.
— Não quer dormir aqui ou não vai trabalhar amanhã?
— Marcela, você não entende… – e quando vi estava chorando abertamente.
— Ai meu Deus!!!! O que foi que eu fiz, por que está chorando?
— Eu não posso ficar perto de você… mas o que eu mais quero agora é ficar do seu lado… eu… estou sentindo coisas que não entendo.
Levantei bruscamente, mas quando me virei para sair ela estava na minha frente segurando meus braços. E ela era bem mais forte do que eu imaginava.
— Eu é que não entendo. – disse Marcela assombrada – Se quiser ficar aqui, não tem problema, pode dormir no meu quarto, mas se não quiser pode dormir no quarto de hóspedes…
Ela parecia realmente não entender ou estava curtindo com a minha cara, de qualquer forma, não seria eu quem explicaria, principalmente por não ter como explicar algo que eu mesma não entendia.
— Acho que não podemos ser amigas… – falei mais comigo que com ela.
— Que conversa estranha é essa? Queira você ou não, já somos amigas. Eu dividi com você um dos momentos mais difíceis da minha vida e você trouxe sorvete e ficou comigo quando achei que o mundo fosse desabar na minha cabeça… - depois descobri que paciência não era muito o forte dela, pois o grito que deu na minha cara, foi um sinal claro de que não esperaria muito tempo por uma explicação — QUE PORRA ESTÁ ACONTECENDO AQUI, PATRÍCIA???
Eu apenas chorava e ela me fez sentar novamente e segurou minhas mãos. Me olhava com aqueles olhos arregalados, realmente preocupada. Eu não conseguia parar de chorar, Marcela se afastou um pouco e puxou minha cabeça para deitar em seu ombro e minhas pernas sobre as suas, sempre segurando minhas mãos. Depois de um tempo consegui me controlar e desistindo de tudo abri a boca e as palavras saíram simples, verdadeiras, mais verdadeiras que qualquer coisa que eu tenha dita a um homem.
— Sabe quando tudo que você acredita desaparece de uma hora para outra? Marcela eu gosto de homem, sempre gostei… mas você está mexendo com a minha cabeça.
Marcela não respondeu por um tempo. Depois me fez apoiar as costas no banco e levantou, foi na direção da cozinha e voltou com um copo d’água para mim. Eu aceitei e bebi um pouco. Ela tirou o copo das minhas mãos trêmulas – suas próprias mãos não estavam assim tão firmes também – e colocou-o no chão, voltou a segurar minhas mãos, mas agora carinhosamente.
Quando voltou a sentar ao meu lado ela, também tremia apesar do calor da noite e da proximidade de nossos corpos.
Ficamos em silêncio até ela dizer num sussurro ainda sem olhar para mim.
— Será que se apaixonar é isso, então? Essa vontade de estar perto, de tocar a pessoa o tempo todo como se precisasse disso para acreditar que é real, de querer vê-la sorrindo, de contar sua vida inteira e torcer para que ela goste de você do jeito que você é? Será que gostar alguém é sofrer quando a outra pessoa está triste e desejar ser a criatura mais poderosa do universo para impedir que qualquer coisa magoe a pessoa que você gosta?
Ela passou o braço pelas minhas costas e me puxou para junto dela, me abraçou e colocou a cabeça no meu peito, meu coração ainda estava descompassado e eu apoiei o queixo em sua cabeça. Marcela mudou a cabeça de lugar e passou a me olhar nos olhos. Quando começou a falar eu só queria que não parasse nunca, a voz dela me hipnotizava e seus olhos lindos pareciam prender os meus.
— Você é a mulher mais linda que eu já conheci Paty. Posso reconhecer isso independente da situação. No começo era até difícil ficar te olhando, pois não parecia certo olhar para uma pessoa tão linda, quando você saiu do seu carro achei que bateria em mim, seus olhos estavam tão cheios de ódio, mas depois… quando cuidou de mim daquele jeito tão… não sei explicar… eu me senti especial… e quando conversamos eu senti que poderia te dizer tudo, da minha vida, dos meus sonhos, meus desejos… tenho vontade de te contar coisa que nunca contei nem para minha vó, para o meu pai ou os namorados que tive… a forma como você parece entender o que eu penso, o que eu sinto… você me acalma. Quando desligou o telefone na minha cara, eu achei que nunca mais saberia de você, estava conformada com isso, mas, ao mesmo tempo, tudo que eu conseguia pensar era em te chamar, por que eu precisava de você perto de mim. Não posso dizer que isso não me assusta, pois não seria verdade, nem posso dizer que um dia imaginei que me sentiria atraída por uma mulher. Mas como alguém com sangue correndo nas veias, seja homem ou mulher consegue não ser atraído por você? E se quer saber, estou morrendo de medo, estou literalmente apavorada, pois no pouco que te conheço, percebo que me envolver com você é quase certeza que vou sofrer. Não sou tão forte, nem tão experiente ou bonita e, com certeza, se cansará muito rápido de mim…
— Eu quero ficar com você, mas não sei como… – e disse num sussurro.
— Nunca beijei uma mulher antes, Paty, eu nunca desejei beijar uma mulher antes. – disse ela.
Naquele momento, como dizia meu pai: a bola estava no meu campo.
Eu tinha de fazer alguma coisa.
Negar que eu também queria beijá-la seria criminoso, rejeitá-la estava fora de questão, mas como seria depois?
Foi quando a minha louca interior apareceu em cena para me salvar.
— Você já está encantada com ela desde que a viu, então, para com a frescura e beija logo essa menina, Patrícia!!!!
E então me rendi.
Mesmo depois de tanto tempo eu ainda lembro dos menores detalhes de tudo que aconteceu depois. Minha mão subiu por suas costas bem devagar até chegar em sua nuca, a outra mão eu coloquei sobre as dela, abaixei minha cabeça lentamente e a vi fechando os olhos, senti o aroma de baunilha ainda misturado no do café e pousei meus lábios nos dela.
Meu corpo todo, inteiro se arrepiou, como minha pele respondesse automaticamente ao calor e a suavidade dos lábios de Marcela, que arfou levemente e forçou um pouco mais os lábios nos meus, dando início ao melhor beijo que já dei e recebi na vida.
Seus lábios se abriram para receber minha língua e ela me apertou mais firmemente em seu abraço e me beijou de volta, parecia que tínhamos feito aquilo a vida inteira, o beijo era suave, mas, ao mesmo tempo, intenso, forte, despertando meu corpo todo para um prazer tão inebriante que me impedia de afastar minha boca da dela, de afastar suas mãos que foram para meus cabelos e me puxavam como se quisesse nos fundir numa coisa só. Não sei quanto tempo durou aquele beijo, sei apenas que me senti estranha e uma espécie de tontura me ameaçava, foi quando percebi que me faltava ar. Me afastei dela para recuperar o fôlego, respirava como se tivesse numa crise de asma e como eu imaginava, mudou tudo, por que aquele não foi apenas o melhor beijo da história da humanidade, mas principalmente, por que ao abrir os olhos vi assombro nas expressões dela.
— Caramba!!! – disse ela numa voz incrédula – Que. Beijo. Foi. Esse?????????????????
Sem perceber eu estava rindo, como se nenhuma das conquistas que tive anteriormente, graduação, mestrado, casos difíceis que ganhei… era como se nada tivesse significado, como se apenas a alegria daquela mulher com cara de menina importasse realmente.
Encostei minha testa na dela e ficamos assim, ela impressionada e eu maravilhada.
A diferença de tamanho estava dificultando as coisas então, puxei-a para sentar no meu colo e voltamos a nos beijar, eu acariciava seu rosto, sua nuca, suas costas e ela me segurava o rosto como se tivesse medo de me perder. Passamos a noite ali entre sussurros ao pé do ouvido, carinhos e beijos, falei sobre coisas que sem saber, pareciam guardadas em meu coração esperando a pessoa certa para ouvi-las, sussurrei indecências ao seu ouvido provocando gargalhadas deliciosas com vestígios de timidez.
Ela ria e deitava a cabeça no meu ombro me permitindo abrir meu coração, sempre acariciando meu rosto. Marcela ainda se espantava com o desejo com que nos beijávamos, mas correspondia a altura e muitas vezes tomava iniciativa de tornar o beijo ainda mais sensual com mordidas nos lábios, beijava meu pescoço e sussurrava o quanto me achava bonita ao meu ouvido.
Nunca até então me senti tão excitada e aquilo ao mesmo tempo que era delicioso, me enchia de medo, pois em algum momento teríamos de nos separar e cuidar das nossas vidas e eu não sabia como seria voltar ao “mundo real” depois de uma experiência como aquela.
Não fizemos declarações de amor, aquela história estava apenas começando, mas eu tinha certeza que dali para frente minha vida mudaria completamente, pois faria o que pudesse para ficar com ela o tempo todo.
Quando subimos para o quarto dela, o sábado já amanhecia, ela tomara um banho e colocara um pijama tão fofo e que por mais surpreendente que fosse deixava-a ainda mais gostosa com a barriga de fora e os seios firmes, sem sutiã, marcados pelo tecido fino, o cabelo úmido parecia mais comportado, mas me ofereci para trançá-lo imaginando que se ela dormisse com ele molhado e solto no outro dia seria uma guerra apaziguá-lo e então, fui para o banheiro me arrumar.
Como vivia indo de um lado para outro por conta do trabalho, carregava no carro uma maleta com bermudas e regatas para o calor, conjunto de saia, camisa e casaco se tivesse de participar de algum evento profissional não agendado, um vestido versátil que poderia servir para ao ar livre, bem como para uma noite informal e uma roupa sexy para uma eventualidade feliz, carregava também tênis, sapatilha, sapato de salto alto e chinelo, dessa maleta peguei uma regata e uma bermuda e me troquei no banheiro, no meu kit emergencial eu carregava tudo que pudesse precisar numa situação inesperada, tudo em frascos pequenos para caber na bolsa sem problema, tinha lá calcinha e sutiã novos, xampu e condicionador, sabonete, escova de dente, absorventes, preservativos, perfume e maquiagem.
Enquanto me arrumava percebi que estava com vergonha de trocar de roupa na frente dela, vesti uma bermuda legging e a regata, escovei os dentes e quando voltei para o quarto ela já estava deitada. Marcela me convidou para deitar a seu lado e ficamos conversando até que ela adormeceu com o rosto virado para mim e segurando minha mão, fiquei pensando ainda um pouco em tudo que havia acontecido, e mesmo no escuro que apenas a luz que entrava pela janela diminuía, olhava para o rosto dela e não cansava de me encantar. Tinha a impressão de nunca antes ter reparado direito na beleza feminina.
— Será assim com todas as mulheres quando se apaixonam por outra mulher?
Não me lembro de outro pensamento e no próximo abrir de olhos já passava das onze da manhã e estava sozinha na cama. Então pude observar o quarto com um pouco mais de atenção. Estantes repletas de livros e discos, alguns pôsteres de bandas, de filmes das décadas de 70 e 80, bichos de pelúcia jogados no chão, uma penteadeira antiga cheia de produtos de beleza, um guarda-roupas antigo combinando com a penteadeira, uma escrivaninha repleta de cadernos, livros e centenas de canetas, lápis e artigos de papelaria, um notebook cheio de adesivos e um fone de ouvido, no chão além dos bichos de pelúcia um carpete gasto, um tapete bonito, uma poltrona no mesmo estilo dos outros móveis e uma sapateira que estava entre aberta e me permitiu ver sapatos lindos. A imagem que tinha de Marcela combinava com perfeição ao quarto, uma pessoa inteligente, de bom gosto, vaidosa e ainda um pouco criança, mas, sem dúvida, nada imatura.
Quando veio ao quarto e me viu acordada, me convidou para tomar café da manhã ou almoçar, dependendo da minha fome. Ela usava um short curtinho, mas não indecente e uma camiseta branca que moldava suas curvas com uma sensualidade que me fez pensar se realmente ela estava sexy ou se era eu que não conseguia vê-la de outra forma. Peguei minha bolsa e fui ao banheiro, tomei um banho e troquei de roupa, escovei os dentes, passei um pente nos cabelos, maquiagem leve, perfume e encontrei-a sentada na poltrona lendo um livro, que assim que entrei no quarto ela colocou de lado e veio me abraçar.
Segurei sua nuca e a fiz virar a cabeça para que eu pudesse beijá-la. Aquele gesto me pareceu natural e necessário, pois desde que abrira os olhos só pensava em ter seus lábios nos meus de novo. Sem parar o beijo desfiz sua trança, pois gostava do cabelo dela solto, apertei seu corpo contra o meu e não consegui reprimir um gemido. Olhamos uma para a outra e caímos na risada.
— Está quente aqui… – disse ela com a respiração alterada.
— Muito… – respondi tão fora do normal quanto ela.
— Mas nem pense que acontecerá alguma coisa nessa casa enquanto a senhorita não se alimentar. – ela desfez o abraço sem soltar minha mão e respirou fundo para se controlar.
Fomos para a cozinha onde a mesa posta tinha de tudo, frutas, pães, bolos, ovos, sucos, café, leite, queijo e uma série de potinhos que não soube identificar.
— Você é meio exagerada… não é não, Marcela?
— Acostume-se, eu nunca tenho tempo de tomar café como eu gosto então, quando posso, gosto da mesa bem-arrumada. Coma à vontade.
Então comi, até por que, vê-la comendo era uma coisa espantosa. Como uma pessoa daquele tamanho conseguia comer tanto e manter um corpo tão bonito.
Marcela tinha realmente um metro e meio, além dos cabelos crespos, longos e armados, a pele clarinha, macia, sedosa e deveria usar algum creme que eu não conhecia, pois o perfume dela era inebriante e tudo parecia dar a seus olhos castanhos uma mistura de encanto ingênuo e sedução impossível de resistir, ainda mais quando sorria para mim com aquela boca de lábios deliciosos – agora eu podia falar com conhecimento de causa – tinha coxas roliças, bunda do tamanho exato para encher qualquer ser humano de luxúria e quadris arredondados, cintura fina e barriga lisinha, seios que para alguém da altura dela seriam grandes, mãos bem cuidadas, unhas cumpridas e bem pintadas e pés perfeitos, pequenos e harmoniosos, nada de um dedo absurdamente mais cumprido que os outros.
Dar-me conta da intensidade do meu desejo por Marcela me deixava tonta, amedrontada e exultante, triste, feliz… tudo ao mesmo tempo e aquilo era delicioso, eu me sentia empolgada, poderosa, como se fosse capaz de qualquer coisa se ela continuasse comigo. Era como se estivesse totalmente viva pela primeira vez e além disso, me sentia tão privilegiada, tão completamente feliz que comecei a chorar e rir que nem uma louca segurando a xícara de café.
E aquele foi o tom que regeu todo o sábado, por qualquer coisinha besta riamos como duas alucinadas, falamos de fases das nossas vidas, dos relacionamentos, família, carreiras profissionais, das coisas que gostamos e que odiamos, soube que ela nunca deu atenção para times de futebol e prometi levá-la ao Palestra Itália assim que inaugurasse – sou sócia desde os dezoito anos – e num momento de empolgação convidei-a para passearmos no shopping, Marcela aceitou desde que fôssemos a noite.
Queria comprar para ela uma camisa do Palmeiras e aproveitar a oportunidade para convertê-la na mais nova e linda Palmeirense da cidade.
Antes que alguém diga alguma coisa, eu sou do tipo que se recusa a infernizar torcedores de outros times, por qualquer que seja o motivo, mesmo que me provoquem.
Ajudei a limpar a cozinha, sempre entrei beijos e carinhos, às vezes com desejo e às vezes apenas por que parecia impossível ficar muito tempo longe da boca uma da outra. Por mim já teria arrancado a roupa dela e levado-a para a cama, mas não sabia como funcionava e tinha medo de me precipitar e estragar o clima perfeito. Porém, quando finalizamos a limpeza, nos deitamos no sofá para vermos um filme – com direito a pipoca cheia de manteiga e refrigerante – comecei a entender que quando a gente gosta de alguém, acha o jeito de fazer as coisas.
Reconheço que quando o assunto é sexo, comigo, a carne é fraca, não faço graça, não resisto. Eu estava muito, muito, muito atraída por ela e estava adorando aquela descoberta, mas ainda tinha medo do que os outros pensariam de mim, tinha medo até do que eu mesma pensaria de mim. Só que, no momento em que nos deitamos no sofá e senti sua pele encostando na minha, nossas pernas se entrelaçando, ela pegando minha mão e me obrigando a abraçá-la, esqueci, no mesmo segundo, o medo e todas as conseqüências, tudo foi substituído pela sensação de felicidade plena que nunca tinha experimentado.
Em algum momento ela virou de frente para me beijar. Quando senti sua pelve se encaixando na minha, não resisti e comecei a movimentar meu corpo, descaradamente esfregando nossas “amigas” e mesmo ainda vestidas, aquilo foi talvez a preliminar mais tesuda em que estive envolvida.
Marcela participava ativamente e numa sincronia perfeita permitia o melhor encaixe e respirava forte com os olhos fechado. Tentei ficar apenas naquilo, mas quando dou por mim, duas mãozinhas perfeitas entram por baixo da minha camiseta e tomam posse dos meus seios, alisando, apertando, beliscando os mamilos me causando uma dor que não era dor, arrepios que me subiam pela espinha e sem dar por mim, me vejo gemendo como se nunca antes tivesse sentido tanto prazer em ter alguém manipulando meus peitos, mas aquilo que eu achava perfeito ficou ainda melhor quando ela parou de se esfregar em mim, pois eu nessa altura dos acontecimentos estava totalmente à mercê de suas vontades e tirando minha camiseta caiu de boca nos meus peitos.
Peitos meninas, naquele momento eu não pensava mais neles como seios e sim como peitos, como objeto de desejo de uma boca muito gostosa que parecia ter nascido para dar prazer.
Eu nunca fui de apenas receber, eu gostava de posições que eu pudesse dar prazer ao parceiro enquanto ele me fazia o mesmo, mas naquele momento eu parecia sem forças e tudo o que eu sabia fazer era gemer, pois até os movimentos do meu corpo eram involuntários.
Com o perdão da expressão, mas VÁ TOMAR NO CÚ!!!! COMO AQUILO ERA (e ainda é) BOM!!!! Nunca imaginei que meus peitos pudessem ser tão sensíveis. Mas Marcela estava a fim de explorar meu corpo e desceu para a minha barriga acariciando com a ponta das unhas a região perto do meu umbigo me fazendo sentir uma aflição desgraçada, descendo pelas laterais e voltando para o meio, seus lábios e língua vinham logo atrás e aquilo estava a ponto de me levar à loucura, eu não sabia mais se gemia, se me contorcia, se apertava sua cabeça para explorar com mais força algum ponto mais sensível, sentia minha “amiga” molhada e implorando para ser tocada, mas, mesmo assim, fiquei apreensiva quando ela começou a puxar minha bermuda, ela levantou a cabeça e me olhou nos olhos, como se pedisse permissão para continuar e eu juro por tudo quanto é mais agrado na minha vida, não havia nada nesse mundo que me obrigaria a impedi-la de continuar.
Marcela sorriu um sorriso meio sacana e meio tímido e puxou minha bermuda e calcinha juntas, mas apenas o suficiente para descobrir um pedaço da minha pelve, mesmo eu levantando o bumbum para ajudar ela não o fez, voltando a explorar aquele novo pedaço de pele exposta às suas unhas e boca. E do nada ela fez o caminho de volta aos meus peitos, depois deitou em cima de mim e ficou me olhando.
— Paty. - disse ela que, apesar da respiração ofegante, agia como se ali não estivesse acontecendo a experiência sexual mais louca da minha vida – Você é muito gostosa, sua pele é a coisa mais deliciosa que meus lábios já provaram, mas… A gente não ia assistir a um filme?
Respirei fundo tentando controlar minha ansiedade.
— Marcelinha, meu bem, você realmente está pensando em parar de fazer o que estava fazendo para ver a merda de um filme?
Ela então soltou a mais deliciosa e estrondosa gargalhada que já tive o prazer de ouvir e do jeito que ela estava novamente encaixada entre as minhas pernas, a medida que seu corpo todo balançava com as gargalhadas, ela fazia movimentos em minha pelve e aquilo me deixou novamente alucinada, com a respiração difícil e resolvi que era hora de partir para a ação.
Enrosquei meus dedos e seus cabelos e puxei-a para um beijo que, modéstia a parte, foi capaz de acabar com qualquer vestígio de gargalhada. Se ela achava que podia brincar comigo, veria do que sou capaz, eu também tenho boca e mãos e ela tem um par de peitos lindos num corpo divino. E assim que tirei-lhe a camiseta e o sutiã, antes mesmo de ela perceber o que estava acontecendo, retribui o carinho com tal fome e desejo que ela perdeu o fôlego rapidinho, cada mamilo em minha boca era uma descoberta, como se, naquela carícia pudesse sentir tanto prazer fazendo, quanto sentira recebendo.
Mas estava a fim de torturá-la e a virei, e enquanto acariciava seus mamilos com as unhas, beijava sua nuca, mordia suas costas e descia até sua lombar, voltando para a nuca e voltando a colocá-la de frente para mim, beijava sua boca com desespero, descia para os seios novamente e chegando no short que ela usava passava a mão em sua “amiga” e rapidamente acariciava e lambia e chupava suas coxas, pernas e pés, subia pelas costas até chegar no bumbum e aí não resisti e deixei-a nua.
Me afastei para admirar aquela obra de arte e vi o rubor colorir suas faces, mas ela me pegou pela mão e me desnudou as peças que ainda restavam e voltei a me deitar sobre ela. O suor nos molhava e nenhum som inteligível saia de nossas bocas, eram apenas gemidos e o som do ar sendo puxado com força para dentro dos pulmões.
Ela novamente tomou a iniciativa e me puxou pela mão em direção ao quarto, lá chegando me deitou com suavidade e deitou sobre mim me beijando, seus seios esmagando os meus, suas pernas roçando as minhas, nossas “amigas” se encontrando e se cumprimentando com calor, mas ela tinha outra intenção e parou de me beijar para fazer o caminho rápido em direção a minha pelve chegando lá afastou a cabeça e seus olhos se encheram de algo que me pareceu encantamento, um sorriso de criança ocupou seus lábios e ela com os dedos me tocou com delicadeza sem igual e separou os grandes lábios passando a língua em toda a extensão da minha “amiga” me fazendo gritar de prazer, fez aquilo algumas vezes até depositar um beijo suave no meu clitóris. Aquilo me calou e me imobilizou, pois não havia reação provável para aquilo que senti. Marcela passava a língua e alternava com beijos e chupadas que fez subir um calor absurdo, uma mistura de medo e ansiedade sem tamanho.
Meu corpo todo reagiu ao mesmo tempo e pela primeira vez na vida tive plena consciência de cada molécula que me formava e que naquele momento formigava e entrava em espasmos como se não conseguisse processar aquela inundação de sensações, meu corpo inteiro se contraiu com se minha vagina tivesse se tornado o centro de todo meu corpo e em dois minutos quando gozei foi uma liberação de energia, de tal maneira que gritei e à medida que meu grito diminuía, eu perdi os sentidos por alguns segundos.
Quando voltei a abrir os olhos ela me olhava com satisfação, mas assim que senti ter novamente domínio sobre mim mesma, não perdi tempo e me joguei sobre ela beijei e sua boca ainda com o meu gosto.
— Este está decretado como o melhor orgasmo que já tive na vida!
E sem demora voltei aos seios dela – na hora pensei em como até então seios eram apenas seios para mim e ali olhando para eles, me pareciam as coisas mais lindas que já tinha visto – e comecei tudo desde o começo, agora conseguindo notar melhor as reações que cada carícia provocava. Marcela certamente gostava muito de ter seus seios acariciados, mas quando me concentrava nos mamilos ela se contorcia como se quisesse fugir e ao mesmo tempo implorasse para continuar apertando minha cabeça, o abdome dela era sensível e cada vez que minhas unhas traçavam o caminho ela se arrepiava, mas quando era com a minha boca, e quando encontrava um ponto particularmente mais prazeroso ela enfiava os dedos nos meus cabelos e tentava me manter ali, quando cheguei onde queria e vi sua “amiga” com poucos pelinhos e inchadinha como de uma mocinha, fechada e molhada, resolvi usar a mesma técnica que ela usou em mim, até mesmo por não saber o que mais poderia fazer, pelo menos por enquanto – a partir dali assistiria filmes lésbicos com mais atenção – com os dedos toquei-a e ouvi um sussurro implorar.
— Mete em mim…
Com isso atiçou minha curiosidade e procurei colocar um dedos nela, quando mais o dedo entrava mais alto ficava o gemido estrangulado e quase choroso, quando estava com o indicado inteiro dentro dela, com o polegar comecei a acariciar seu clitóris e em pouco tempo os gemidos se transformaram em gritos e aquilo me deu um tesão louco, uma vontade de estar inteira dentro dela e com um desejo imenso tirei o dedo indicado e no mesmo ritmo penetrar dois dedos de uma vez, o corpo de Marcela se arqueou e tombou na cama batendo como se tivesse levando um choque elétrico, o grito veio alto, misturando sofrimento e alívio, aquele gozo escorreu por minha mão e molhou o lençol.
Marcela ficava ainda mais linda enquanto gozava, revirava os olhos e tudo, seu coração foi a mil por hora e ela lutava para respirar. Uma cena digna de registro. Eu queria sentir seu gosto e assim que sua respiração voltou mais ou menos ao normal comecei a chupá-la, quando minha língua sentiu seu gosto quase fui a loucura, lambia sua vagina inteira, lambia e tentava colocar ao máximo minha língua dentro dela, queria me inundar naquele sabor delicioso, acariciava levemente seu clitóris com o polegar até que passei a chupá-lo e sem soltar dos meus lábios passava a língua nele. O orgasmo dessa vez veio rápido, mais forte que o primeiro e ao final estávamos as duas cansadas, molhadas de suor e arfando, lado a lado na cama e olhando com um sorriso para os olhos da outra.
Só então me ocorreu que em nenhum momento comparei-a com qualquer um dos homens com quem me deitei, mas havia uma clara diferença e não era na forma como o orgasmo foi conquistado ou na intensidade deliciosa com que aconteceu, mas nos sentimentos que brotaram quando ela deitou sua cabeça em meu peito, enroscou suas pernas nas minhas e ficou fazendo desenhos em minha barriga com a ponta das unhas. Soube naquele momento que não conseguiria ficar sem ela, se aquilo era tesão ou amor eu ainda não conseguia definir, mas sabia com a toda a certeza que curtiria aquela relação ao máximo.
O banho foi uma experiência fascinante, a qual pretendia tornar um hábito frequente entre nós, ríamos como duas crianças e entre carícias e muitos beijos – nunca imaginei que viciaria em beijar alguém daquela forma – nos amamos novamente em pé no boxe e quando, por fim, voltamos para o quarto estávamos encontrando dificuldades para andar direito, eu, pelo menos, tinha as pernas tão bambas que achei que cairia de cara no chão. Trocamos o lençol e nos deitamos nuas.
— Tenho a impressão – disse ela – que consigo me acostumar com isso muito facilmente.
— Se eu disser que tenho sérias intenções de fazer isso muitas vezes, você topa participar?
— Com prazer. - respondeu ela rindo e se aninhando no meu peito, como parecia ter se tornado sua posição predileta, dormiu.
Relaxei tão fácil ainda sentindo aquela sensação de empoderamento que parecia me tornar uma mulher tão foda que nada poderia me incomodar ou diminuir a felicidade que sentia, e dormi também. Acordei quando ela levantou a cabeça do meu peito, me vendo acordada, sorriu, beijou meu mamilo, como se tivesse feito aquilo a vida inteira e aquilo me trouxe um sorriso e gemi gostoso – se bem que depois daquela sessão de sexo vespertina, não tinha cabimento haver qualquer constrangimento entre nós – ela saiu da cama e foi ao banheiro dando pulinhos. De lá gritou sobre irmos ao shopping e no mesmo tom confirmei que precisávamos ir.
— Se vamos para algum lugar, acho melhor você se arrumar, já são quase sete e meia.
Levantei, vesti a mesma roupa que usei na noite anterior e fui até meu carro, que em algum momento Marcela colocou na garagem e da maleta tirei um vestido florido que combinava com as sapatilhas e uma calcinha e um sutiã limpos. Subi e Marcela ainda estava no banheiro, troquei de roupa e da minha bolsa tirei os apetrechos para me arrumar. Marcela saiu do banheiro e vestiu uma calça jeans clara, justíssima de cintura baixa que a deixava exalando sensualidade, sandália elegante, regata justa e branca deixando uma pequena faixa da barriga à mostra e, para variar, os cabelos soltos, a maquiagem simples apenas batom nos lábios e lápis nos olhos, mas, apesar disso, demorou quase tanto quanto eu e quando vimos havia passado quase uma hora.
Devido ao horário escolhi levá-la ao shopping Ibirapuera onde conhecia um quiosque oficial do Palmeiras. Pela Avenida Nove de Julho levamos apenas meia hora para chegar. Quando a apresentei ao Glorioso Alviverde, ela ficou encantada e me permitiu, com alguma resistência, presenteá-la com uma camisa oficial e uma camiseta feminina verde de decote baixo e com o escudo do lado, que para variar ficaram lindas nela. Eu estava que não me agüentava, nunca pensei que pudesse ser feliz daquele jeito, e o sorriso permanente no rosto da Marcela me servia de confirmação de ela estar tão feliz quanto.
Fomos para a praça de alimentação e quando nos sentamos ela foi ao banheiro, voltou vestindo a camiseta que lhe dera momentos antes e sorria, como se me ver emocionada fosse o motivo da sua alegria. E eu tive de me esforçar para não abrir o berreiro ali mesmo, no meio daquela gente toda. Ela sentou ao meu lado, passou a mão em minha perna fazendo um carinho, apertou minha coxa bem perto da minha “amiga” e sussurrou ao meu ouvido.
— Espero que tenha descansado bastante Paty… por que essa noite você não dorme… - e terminou com uma leve mordidinha na minha orelha.
Eu podia sentir minha calcinha encharcada, minha respiração desregulou totalmente e meu batimento cardíaco chegou perigosamente perto do limite, minha pele arrepiava ao sentir sua respiração na minha orelha, sentia um calor absurdo, mas com muito esforço apoiei os braços sobre a mesa para não agarrá-la ali mesmo, na frente de todo mundo e avisei.
— Não me provoque menina…
Ela me olhou com um sorriso maravilhoso e seus olhos pareciam brilhar, mas, de repente, ficou séria e durante os segundos que ficou em silêncio olhando para mim, fiquei preocupada que tivesse lembrado de alguma coisa ou tivesse se dado conta da loucura que estávamos fazendo. E quando voltou a falar sua voz parecia triste e aquilo fez meu coração parar de bater, de tanto medo que senti.
— Esqueci de te dizer uma coisa…
Eu nem respirava, esperando.
Ela apoiou as mãos nos meus ombros, me olhou nos olhos com os olhos tristes e foi aproximando a boca da minha orelha, quando seus lábios quase saiam do meu campo de visão, vi que sorria e fiquei confusa, mas quando sussurrou no meu ouvido…
— O seu gosto é uma delícia.
Quase convulsionei na hora, me subiu um alívio e um calor que parecia vir diretamente da minha vagina. Esperei até conseguir me acalmar um pouco e olhando-a nos olhos perguntei.
— É impressão minha ou está tentando me seduzir?
— Supondo que esteja… - respondeu ela – você diria que está dando certo?
— Você me deixa maluca… se continuar assim não respondo por mim.
Ela me olhou e fez a cara de surpresa mais falsa do planeta e disse.
— Não sei do que está falando… achei que estivéssemos apenas conversando.
Fiz um carinho no rosto dela com a mensagem “me aguarde menina” no olhar. Levantei e fui ao restaurante, fiz meu prato de salada e quando voltei ela levantou e saiu toda rebolando, algum tempo depois voltou com a bandeja transbordando de coisas.
— Como você esqueceu, eu trouxe comida de verdade para nós. E nem pense em fazer graça!
O que tinha de baixinha Marcela tinha de mandona. Comi como um estivador, já imaginando o quanto teria de malhar para acabar com tanta caloria, mas fui obrigada a reconhecer que estava realmente com fome.
Terminamos de comer e ingenuamente perguntei se ela queria ver um filme. Ela riu, me envolveu a cintura passando discretamente a mão no meu bumbum e disse que aceitaria apenas se fosse o mesmo filme que tentamos ver naquela tarde. Era impressionante como tudo para ela era motivo para uma insinuação, uma cantada ou uma piadinha de duplo sentido. Estava encantada com o jeito delicado como ela me surpreendia, num momento era a criança pedindo colo e depois virava uma ditadora que me obrigava a comer, tinha jeito de menina ingênua e ficava falando sacanagem no meu ouvido numa praça de alimentação, tomava sorvete com a mesma fome que me fazia ter orgasmos alucinantes.
Era delicioso não saber o que esperar, pois tudo que vinha dela era acompanhado por um sorriso, um carinho e aquela mensagem silenciosa de felicidade que a fazia andar aos pulinhos.
No carro a convidei para conhecer meu apartamento e para lá fomos. Ela elogiou a localização, o tamanho e a decoração do lugar, mas deixou implícito que não dava muito valor àquilo.
Quando percebeu que eu esperava reação diferente ela rapidamente explicou.
— Adorei o lugar por ser confortável e bem localizado, mas principalmente por ser seu, Paty, fico muito orgulhosa de você ter conquistado tudo isso, mas ficaria com você em qualquer lugar, nos Jardins ou em Itapecerica, estou mais interessada em você, na pessoa que você é… e obviamente no seu corpo nu na cama junto comigo, me fazendo gozar a noite inteira. Então para de fazer bico e vem me beijar.
Marcela estava realmente disposta a me fazer apaixonada por ela.
E estava sendo muito bem-sucedida naquilo.
Fomos direto para o quarto e ela disse que tomaria um banho, tirou a regata e dobrou-a com respeito e colocou no encosto da poltrona, sentou para tirar a calça jeans e como sou uma pessoa muito solícita fui ajudá-la. A pele dela era uma coisa sem igual, suave, sedosa e cheirosa, perfeita e delicada e ela ficou de calcinha e sutiã na minha frente e sem esperar convite passou as mãos por baixo do meu vestido e foi tirando-o pela cabeça. Eu simplesmente não conseguia parar de admirar sua pele, suas formas, sua cintura que fazia uma curva linda quando começava os quadris, sua barriga lisa – que depois ela me disse manter graças a horas de academia – os seios firmes – sério, já vi muito peito siliconado menos firmes que os dela – de aureolas rosadinhas e bicos protuberantes… ela era perfeita, simplesmente, totalmente, completamente perfeita. Ainda mais quando ficava com vergonha de ser olhada.
— Olha aqui pra mim – disse pegando gentilmente seu queixo e fazendo com que me olhasse nos olhos – Eu gosto muito de olhar para você inteira, por que você é linda de um jeito que me fascina, não quero e não vou parar de admirar a sua beleza então, acostume-se. - ela deu um daqueles sorrisos que misturavam timidez e sacanagem e eu continuei falando – Acho que você não tem noção do quanto é linda… - eu estava já com a respiração ofegante, passando o braço em sua cintura, juntando nossas pelves e com o tronco afastado para continuarmos conversando.
— Nunca pensei em mim – disse ela – como uma pessoa bonita desse jeito, não que me ache feia, mas não pensava em mim como alguém que pudesse despertar o desejo de alguém como você Paty, não por ser mulher, mas por ser essa pessoa deliciosa que você é. Tive meus namoradinhos, mas nada se compara com o que você desperta em mim e imaginar que você sente algo parecido… me deixa louca de felicidade, de tesão e com vontade de grudar em você como uma tatuagem. Não quero me adiantar e sair por aí dizendo que te amo, mas nunca senti nada tão intenso por ninguém. E só de imaginar que em algum momento terei de te ver se afastando de mim… me dá uma dor no peito e uma vontade de chorar. Tenho medo de não conseguir respirar sem você por perto.
— Meu bem, eu também não sei como vou conseguir voltar para o trabalho na segunda-feira ou mesmo viver como antes com você longe de mim. Sinto um ciúme tão ridículo só de imaginar que alguém possa se meter a besta com você…
— Sou toda sua, Paty, inteirinha, mesmo não sendo muito, cada pedacinho meu só reconhece o seu toque. Minha boca parece implorar a todo instante para te beijar e seu corpo é irresistível, como se ter o privilégio de vê-lo e tocá-lo e senti-lo em meus lábios fosse aquele tipo de coisa que a vida inteira a gente sente falta sem saber o que é. Nunca me senti tão viva como desde que nos beijamos e quero te beijar o tempo todo e não tenho vergonha nenhuma disso, muito pelo contrário, nunca me senti tão importante fazendo alguma coisa como me sinto ao perceber que você sente prazer com minhas carícias e que gosta dos meus beijos.
Marcela então apoiou a testa no meu peito e começou a chorar, eu voltei novamente seu rosto para mim e então, éramos as duas chorando de alegria. Quando abri a boca para dizer alguma coisa ela me beijou com carinho, voltou a afastar o rosto do meu e disse.
— E se quer saber mais uma coisa, eu vou falar e quero se foda… EU. AMO. VOCÊ. PATRÍCIA!!!!
E naquele momento, depois daquele discurso eu só consegui chorar e responder.
— Eu também te amo. Não quero mais nada, apenas ficar com você. Tenho medo disso tudo, mas apaixonar-se parece ser isso, correr o risco de ser feliz. Nunca me apaixonei antes e é meu o privilégio de amar você, de estar em sua companhia, de aprender com você e de ser feliz, pois hoje é o dia mais feliz da minha vida.
PS: Na época essa história foi escrita a pedido da Patrícia. Esse ano elas completaram doze anos juntas. Casaram dois anos depois do final de semana narrado e segundo reza a lenda não passaram um dia separadas desde então. Adotaram um casal de crianças lindas e maravilhosas e tem um cachorro a quem deram o nome de Bob Dylan.
Para mim foi uma honra e um privilégio contar essa história e deixo para vocês a mensagem que a Patrícia escreveu quando esse conto foi publicado originalmente seis anos atrás.
Em janeiro (de 2014) completamos seis anos vivendo como mulher e mulher, tivemos de brigar com unhas e dentes por cada pequena conquista que tivemos, inclusive nos casarmos oficialmente e como dizia Renato Russo: “nós já comemoramos juntas e também brigamos juntas tantas vezes depois, mas todo mundo diz que ela me completa e vice-versa, que nem feijão com arroz…”
Muito obrigada a todas e todos que tiveram paciência de ler nossa história, muito obrigada ao Maverick por contá-la de forma tão bonita e para finalizar queria apenas deixar uma mensagem para o grande e único amor da minha vida:
Marcela, meu bem, você é meu tudo, meus sorrisos e minhas lágrimas, minha força e minha coragem, é com você que eu me sinto completa, é em que você encontro os melhores motivos para querer ser uma pessoa melhor a cada dia, e se tem uma coisa, uma única coisa que peço a Deus em todas as minhas orações é que me permita passar cada dia da minha vida a seu lado, pois minha tarefa nessa existência é fazer o que eu puder para torná-la a mulher mais feliz do mundo. Obrigada por existir e por me encontrar, por me permitir amá-la e por me amar desse seu jeito tão delicioso.