Daniel tem 23 anos e adora a sensação de banho recém-tomado. Daniel adora seus rituais de higiene e se pudesse ficar horas a fio tomando uma ducha o faria. Ele coleciona colônias, perfumes, óleos corporais e sabonetes dos mais diversos. Daniel gosta de passar um bom tempo escolhendo suas roupas nas lojas de departamento. O provador é quase sua segunda casa e seu guarda-roupa é recheado de roupas coordenadas por cor. Daniel tem fixação em estar sempre bem apresentado e cheiroso. Sempre carrega na bolsa balas de hortelã e um enxaguante bucal em miniatura. Nas manhãs antes de trabalhar como recepcionista em um hotel, ele acorda sorridente e adora receber elogios pelo seu aroma ou como sempre parece estar bem polido.
Bruno tem 28 anos e detesta o amanhecer. Ele sabe que assim que ouve o despertador o que mais gosta (dormir) é encerrado e ele tem que encarar mais um dia de sua rotina como gerente em uma concessionária. Ao seu lado, sua mulher desliga o despertador e permanece deitada. Ele observa a silhueta dela entre os lençóis e a inveja. Tinha sido demitida de seu emprego de secretária, mas dispunha da ajuda do pai que custeava sua faculdade (ela cursava direito). Bruno não dispunha de tal privilégio. Agora, como o único provedor da casa, sentia-se ainda mais responsável pela esposa e sufocado por tanta responsabilidade. Talvez ele tivesse se casado cedo demais. Talvez ele não gostasse tanto assim dela.
Daniel dança ao caminhar para a área dos funcionários, em seu horário de almoço. Ele passa pelo porteiro do hotel que costumava flertar com ele, mas Daniel levava na esportiva. Daniel tinha perdido a virgindade de uma forma menos romântica do que premeditara. Um motorista de aplicativo, ele tinha tido o súbito de perguntar se podia masturbá-lo, ele aceitou, mas quando Daniel colocou a camisinha e sentiu aquele homem que parecia mais feio de perto o penetrar, misturado com a dor da primeira vez, ele prometeu a si mesmo que merecia ter transas mais decentes dali em diante.
Bruno é bonito e sabe disso. Quando ele dirige até o trabalho sabe que desperta olhares por onde passa. Mulheres o observam por vezes indiscretas, homens também. Bruno soube que era belo quando tinha completado doze anos. Haveria uma peça na escola e ele tinha sido escolhido o príncipe por uma votação unânime. No ano seguinte, uma garota mais velha tinha feito sexo oral nele no auditório da escola. No ensino médio ele já namorava e colecionava amantes até de outros colégios. Ele era irresistível, apesar de reconhecer não ser o homem mais inteligente ou mais interessante quando se analisasse além do físico.
Daniel nunca foi bonito. Sabia que não chegava a ser feio, ainda assim não era belo. Daniel sonhava com o dia em que se tornasse adolescente. Era assim com todos os famosos: aquela modelo era chamada de saco de ossos até chegar a adolescência e ser notada por um olheiro. Aquele ator era o gordinho da sala até emagrecer no ensino médio e depois virar galã. Daniel esperou ansiosamente por esse milagre divino cair sobre ele, mas nunca de fato se concretizou. Ele almejou com todas as forças que os hormônios transformassem sua estrutura óssea e sua mandíbula fosse tal qual esculpida por um artista. Que seu semblante lembrasse a de um ídolo teen e que caso dissesse que era modelo as pessoas não duvidariam, afinal, ele seria estonteante de lindo. Mas Daniel nunca foi como seu melhor amigo, o Mauro. O Mauro sim, era lindo. As mulheres flertavam com ele mesmo quando ele passasse máscara de cílios e falasse com voz fina. Os héteros invejavam sua beleza e agradeciam a natureza por ele ter nascido gay e ser menos um concorrente pras mulheres. O máximo que Daniel ouvia das pessoas era o quanto seu cabelo brilhava e que até suas fezes deviam cheirar bem, o tanto que ele exalava frescor e limpeza. Mas... bonito mesmo, Daniel sabia que não era.
Bruno termina de atender um cliente. Conseguiu finalizar uma venda e apesar da estabilidade do trabalho ele se sente sufocado. Ele anda mal humorado e briga constantemente com a mulher em casa. Ele só quer uma válvula de escape, alguma forma de fugir da sua realidade nem que momentaneamente. Mas ele não é chegado a bebida e nem drogas. Seus amigos tem todas suas respectivas rotinas e não é do feitio deles esse lance de desabafar, reclamar da vida. Ele já era homem feito e era isso o que homens feitos faziam. Casavam, trabalhavam. Agora Bruno era um desses homens feitos, e até podia ser, mas sentia um vazio dentro de si. Bruno gostava de assistir pornografia gay de vez em quando. Não era que ele fosse gay, assim ele falava pra si mesmo, era só uma tara. Não é como se ele fosse dar a bunda ou qualquer coisa, ele era muito macho e gostava de mulher. Bruno era muito macho, era muito homem e ele não beijaria nunca outro homem na boca. Mas o pensamento de pegar um homem por trás e penetrá-lo com força... isso o excitava. Enfiar o pênis na bunda de outro homem e observar enquanto o outro gemia, sentindo o macho que ele era. E então Bruno gozava e então batia a vergonha. E ele prometia que não voltaria a ver mais vídeos como aquele, e logo apagava o histórico do celular. Ele tinha senha, mas nunca se sabe.
É noite e de repente uma chuva torrencial surge do nada. Daniel até tenta se manter seco, mas a parada de ônibus não é o melhor abrigo e o vento traz os pingos de chuva até ele, como uma mangueira. Daniel pouco a pouco começa a ficar encharcado e se odeia por ter gastado todo o restante de seu salário em um kit de perfume e loção hidratante. Agora lá ele estava, cheirando a baunilha e tremendo de frio. Abriu a carteira já sabendo que não haveria nada ali na esperança de poder acionar um aplicativo de motorista, em vão. Um carro passa a toda velocidade e joga uma enxurrada de água em sua direção e mesmo se encolhendo, a água o atinge em cheio. Daniel grita um palavrão, em fúria.
No carro, no caminho pra casa, Bruno se sente contemplativo ao observar os pingos de chuva escorrerem pelo vidro do carro. Os limpadores do automóvel dançam de um lado pro outro e ele sente um cansaço mental tomar conta. Até que do seu lado direito ele avista uma pobre criatura tentando se proteger da água, mesmo que estivesse em uma parada de ônibus. O ponto de ônibus consistia num abrigo falho, aos pedaços, que não serviria nem mesmo para dias ensolarados quanto mais aquela tempestade que seguia. Tomado pela empatia, Bruno encosta o carro e sinaliza para a pobre alma adentrar o veículo.
Na escuridão e entre os pingos de chuva, Daniel tenta enxergar quem dirige o carro. Mesmo que estivesse completamente molhado e com frio, não podia simplesmente aceitar carona de um estranho sem saber quem se encontrava ali. Mas um carro buzinou logo atrás e o trânsito começava a se formar devido ao horário. Vencido pelo frio e pela água, Daniel decidiu entrar. Fechou a porta do carro e sentiu o aconchego do banco e a segurança de não poder se molhar ainda mais. Sentiu vergonha por estar tão úmido e imaginou que deixaria o assento bem molhado quando saísse, quando virou para pedir desculpas pela inconveniência e sentiu as coisas pararem por um instante. Ali, ao seu lado, um homem simplesmente lindo dirigia o carro tranquilamente e Daniel piscou duas vezes, como para se assegurar de que o que via era verdade. Sentiu o rosto ruborizar e uma efervescência de sentimentos dentro do peito. O motorista solícito parecia alheio a seu abobalhamento e dirigia como se nada houvesse, em silêncio.
Bruno sabia que aquele garoto o olhava com surpresa, mesmo que não precisasse vê-lo pra isso. Ele sabia o que causava nas pessoas e pelo jeito daquele garoto ele devia ser gay. Pra ele, era como se o próprio Bruno tivesse entrado no carro de uma gostosona e estivesse surpreso por isso. A chuva parecia não diminuir e por mais estranho que parecesse, era bom poder se desligar um pouco de si mesmo e oferecer uma carona. Mesmo que fosse para um garotinho abobalhado e completamente embasbacado com sua beleza.
Continua...