Oi me chamo Fome. Com ajuda de minha namorada estou escrevendo vários contos curtos que unidos espero que formem um romance de cavalaria, mas com enredo muito diferente. Em vez de cavaleiro andante temos uma motoqueira sedentária. Sedentária porque tem um endereço fixo não porque passa o dia todo parada. Na verdade ela passa muitas horas no mesmo lugar cuidando remotamente da rede de computadores do pai dela. Mas mesmo enquanto olha o computador ela se exercita de muitas formas mantendo um corpo tão saudável quanto dos cavaleiros dos romances de cavalaria.
Como os cavaleiros das histórias ela também tem a guerra no sangue, o pai dela serviu na Legião Estrangeira da França por vinte anos. Ele é brasileiro. A mãe é francesa, mas descendente de senegaleses. A Lanche como gosta de ser chamada não fala quase nada de francês. Ela diz que sua própria mãe não se deu ao trabalho de ensinar sua língua quando ela era bebê não vai se dar ao trabalho de aprender sozinha também. Ao em vez disso ela se tornou fluente em inglês e italiano. Ainda não entendi bem a questão da Lanche e sua mãe e talvez nunca entenda.
Ente tantas coisas que ela faz e me força a fazer estamos jogando RPG. Ela é muito criativa e eu gostaria de ver ela mestrando para outras pessoas e com muito cuidado eu fiz essa proposta. A Lanche mora e trabalha em uma quitinete que ela chama de nave e que fica em um prédio enorme que pertence a família dela e que eles chamam de frota. Lanche trabalha de técnica de rede durante 6 horas em dias úteis e em uma escala de 12 horas trabalhando por 36 horas folgando em sábados e feriados. Antes de entrar na nave da Lanche preciso tirar toda minha roupa. Quando ela está de folga me visita em outra nave que fica ao lado da dela. E nessas oportunidades é ela que tira a roupa. Inicialmente eu acreditava que o melhor momento para fazer perguntas constrangedoras era quando ela estava nua mas agora vou tentar o contrário.
— Minha Suserana!
— O que é?
— A senhora não gosta de encontrar outras pessoas?
Ela me olhou com uma cara pensativa e eu fiquei com medo. Depois de um tempo ela voltou a falar.
— Gosto de encontrar meu pai e gosto de judiar de você, e não me importo de passar por minha mãe ou pelas outras pessoas que trabalham aqui. A escola é horrível.
Eu desisti da proposta que ia fazer. Ele ficou me olhando um tempo depois voltou a falar.
“Porque você perguntou isso?”
— Por nada.
Ela segurou minha orelha e puxou com bastante força. Encostou a boca perto do meu ouvido e falou.
— Porque você perguntou isso?
— Porque eu queria entender como você vê as outras pessoas e porque eu queria que você mestrasse RPG pra uns colegas. MAS EU DESISTI.
Ela segurou minha mão de uma forma carinhosa e falou em um tom suave muito diferente do que estava usando antes.
— Desistiu porque?
— Não posso pedir a minha suserana que faça o que não quer.
— Pode sim. Esse joguinho é só nosso. Não vou lhe bater na frente das outras pessoas. Por mais que você me irrite posso esperar chegarmos em casa.
— Então você vai mestrar pra mim e meus amigos.
— Não.
— Ok.
— Você vai mestrar pra mim e seus amigos.
— Mas...
— Sem mais. Organize para minha próxima folga. Podemos usar uma sala de reunião desse prédio. Você sabe que não deixo ninguém entrar aqui.
— Se dá algum problema que um pedreiro e encanador precise vir como você faz.
— Me mudo pra uma nave operacional antes da manutenção vir.
— E se for um problema no computador.
— Troco o computador.
E foi assim que “convenci” a Lanche a interagir com mais pessoas. A gente as vezes joga basquete em uma quadra perto da minha casa ou corre na rua mas um jogo mental como RPG é diferente. Mas antes de jogar mestrar para os caras vamos adiantar nossa campanha soloSou uma aluna do primeiro ano do Ensino Médio. As aulas ainda não começaram, mas já tive que me envolver com atividades embaraçosas. Preciso usar uma coleira o tempo todo, essa coleira me conecta a uma inteligência artificial que tem a missão de me vigiar mas também me ajuda no que eu preciso. Tenho que carregar um ursinho de pelúcia de quatro quilos que não pode se afastar a mais que 50 metros de mim. E preciso carregar uma pílula termômetro que examina meu corpo por dentro o tempo todo. E por causa dessa pílula preciso fazer cocô na frente de funcionários do laboratório que administra as pílulas. Esse sofrimento acabou de me dar a primeira recompensa.