O Alex estava muito bêbado, e por esse motivo o levei para dentro de casa. Com um pouco de dificuldade, caminhei com ele até o meu quarto. Chegando lá, tirei seus sapatos e o deitei em minha cama. Cuidei para deixá-lo confortável, então saí. Iria dormir no sofá. Durante o caminho de volta para casa, não pude deixar de ficar repetindo a cena do nosso beijo em minha cabeça repetidas vezes. Não podia negar que aquilo havia mexido comigo. Um misto de sentimentos, de culpa e euforia tomava conta de mim. Por que isso tinha de acontecer logo agora que eu e o Pedro, parecíamos, nos encaminhar? Droga!
Ali deitado naquela sofá, adormeci, pensando em quantas confusões a mais, eu iria me enfiar. Acordei no outro dia com a claridade que atravessava as frestas da janela da sala. Minha cabeça e pescoço doíam um pouco, por conta dá má posição em que dormi. Alongo-me um pouco afim de diminuir as dores, e então me ponho de pé. Vou até o banheiro próximo a cozinha, que quase nunca era usado, para me aliviar e passar uma água no rosto. Logo percebo que havia dormido com o celular no bolso, então pego-o e checo se há mensagens ou até mesmo ligações, mas percebo que não há nenhuma notificação.
Na cozinha, procuro por algo para que eu e o Alex pudesse comer, catando pela geladeira, encontrei um bolo pela metade, uns pães doces e leite de garrafa. Agradeci aos céus por não precisar preparar nada, adorava quando tinha comida pronta na geladeira.
— Oi filho! Bom dia coisa cheirosa da mãe! - disse minha velha me surpreendendo, me beijando por trás, enquanto eu tirava as coisas da geladeira. — Saiu ontem foi? Tá de calças!
— Saí sim! Com o Alex! - digo.
— Alex? Quem é Alex? Novo namorado? - meu coração palpitou com aquela pergunta, me senti um pouco constrangido.
— Mãe, não! Ele é primo do Pedro, filho do Sr. Omar! Lembra dele? - explico.
— Omar... Omar... Ah, é aquele coroa gato irmão do pai do Pedro, né? Sei quem é ele, mas não conheço o filho dele.
— Coroa gato? Deixa só o papai ouvir isso! - digo sorrindo. — Ele tá lá em cima, daqui a pouco a senhora vai conhecê-lo. - ela me olha meio desconfiada.
— Lá em cima? Hmmmm - comenta maldosamente com um sorrisinho.
— Mãe, para! Para sua informação eu dormi na sala. Não aconteceu absolutamente nada! - repreendi-a.
— Porque é besta! O menino solteiro, em vez de curtir a vida, fica nessa!
— Aí, é que tá!
— Então tem alguém? Olha aí, me surpreendeu! Muito bem putinha! - completou terminado de tomar um copo d'água. Rio do seu comentário. Como eu podia ter uma mãe tão doida?
Era por volta de oito horas quando o Alex se acordou. Ele estava meio perdido, como se quisesse localizar onde estava, quando eu entrei no quarto e o vi.
— Bom dia! - digo amigável.
— Oli? Bom dia! - retribuiu confuso. — Aqui é sua casa?
— É sim! Não tinha condições de eu te deixar voltar sozinho do jeito que você estava. - respondi.
— Aaaa. Obrigado! - ele parou um pouco e pareceu pensar. — Que hora é?
— São oito, por aí... Tá com fome?
— Na verdade, um pouco enjoado. Não devia ter bebido tanto! - reclama. — Por falar nisso, me desculpa por qualquer coisa.
— Não precisa se preocupar quanto a isso. Nada mudou! - tranquilizo-o. — Vem, vamos descer! Minha mãe quer te conhecer! - digo me dirigindo a porta do quarto. Percebo que ele se levanta.
— Sério? - pergunta ficando de pé. — Deixa eu só, ir no banheiro antes. Ficar apresentável. - diz sorrindo — É aquela porta ali? - pergunta.
— Sim! Fica à vontade! - digo. Espero por ele durante alguns minutos, encostado na porta. Embora eu tenha dito que nada mudou, estava me sentindo estranho em relação ao que aconteceu ontem. Uma parte de mim me acusava de traidor, mas outra havia gostado do que aconteceu, e fazia eu me sentir ainda mais culpado.
— Vamos?! - disse o Alex, ao sair do banheiro.
— Vamos! - ele me acompanhou e juntos descemos a escada, e logo de cara, encontramos nossa mãe na sala. — Olha minha mãe aí! - comento apontando para ela que estava sentada no sofá, tomando uma xícara de café. — Oli, essa é a Dra. Carmen, mas conhecida como minha mãe! - ela se levanta para cumprimentar o Alex, com um abraço.
— Prazer, sou Alex. Amigo do Oli e primo do Pedro! - diz ele gentiu. Minha mãe sorri e o examina dos pés a cabeça.
— O prazer é meu! É uma honra ter um homem tão bonito aqui dentro de casa. - diz ela. Alex sorri sem graça.
— Tudo bem! Vamos pra cozinha! - completo arrastando meu amigo, antes que minha dissesse algo que não pudesse ser dito.
— Sua mãe é muito jovem! Não parece ser mãe de um homão que nem você! - comenta enquanto sentava-se no balcão. — Com todo o respeito, é claro... - ele baixo a cabeça, pensando no que acabara de dizer.
— Alex, fica tranquilo! Já falei! - acariciei seu ombro rapidamente, como forma de demonstrar que não estava desconfortável, enquanto colocava no balcão, os pães e o bolo que estavam na mesa. — Fica à vontade, ouviu?
— Tá certo! - responde. Meio que timidamente ele começa a se servir. Minha mãe que estava no outro cômodo, apareceu onde estávamos e sem mais, nem menos, começou a interrogar o garoto. Conhecendo-a como conheço bem, ela estava plantando verde, para colher maduro.
Ela perguntava detalhes pessoais da vida do Alex. Se estudava, se trabalhava, como era a relação dele com os pais deles, onde morava, até que na cara de pau, perguntou que tipo de relação ele tinha comigo. Minha reação foi de querer enfiar minha cara em um buraco. Como minha própria genitora poderia me humilhar tanto assim?
— Mãe, pelo amor de deus!!! - repreendi-a. — Deixa o Alex em paz, por favor!
— Fique na sua! Estou falando com o garoto aqui! - diz me ignorando. — Estou perguntando a você, Alex, porque esse daí é cínico. Não me conta nada. Você acredita que ele contou primeiro que era gay pro pai dele, do que pra mim? Um absurdo!
— Lá vem essa história de novo! Faz mal guardar ressentimentos, viu? - repreendi-a novamente. — Não dá corda pra essa não, Alex! Nem responde!
— Por que ele não vai me responder? - questiona-me — Está vendo? Como vou confiar nele depois? - diz pro Alex, que em seguida logo a responde.
— Olha, dona Carmen... Seria uma honra ter algo com seu filho, mas infelizmente, somos apenas amigos. - ele me encara brevemente e sorri, virando o rosto logo depois. Fico desconsertado, e em uma manobra desesperada para sair daquela situação, digo que vou ao banheiro.
— Vocês me dão licença que vou lá em cima, rapidinho! - digo me levantando, ouvindo da minha mãe um sonoro "foge". Entro no meu quarto, e de fato me encaminho para o banheiro. Precisava de um banho! Já estava preparado para entrar no box, quando ouço meu celular tocar. Um número que eu não tinha salvo. Sempre ficava com um pé atrás para atender números desconhecidos, mas o DDD daquele em específico, me chamou atenção. Será que era quem eu estava pensando?
— Alô, Oli? - disse a voz do outro lado. Meu coração palpitou, e um súbito de alívio e um pouco de irritação me preencheu!
— Pedro, porra! Por que você sumiu? O que está acontecendo? - pergunto um pouco alterado.
— Me desculpa, Oli! Teve um problema aqui na fazenda e... - ele faz uma pequena pausa, mas desconversa — Eu estou voltando hoje, na verdade já estou no aeroporto. Esse celular que eu tô ligando é de uma... uma pessoa que também vai pegar o vôo. Eu vou te explicar tudo quando eu chegar, só me promete que vai me ouvir?
— O que? Eu não estou entendendo nada, Pedro! No que você está envolvido? Cara...
— O melhor é conversarmos pessoalmente. Eu vou passar em casa quando chegar e no começo da tarde eu passo aí! - falou ele. — agora tenho que desligar pois preciso fazer o check in. Até logo! - despediu-se abruptamente.
— Espera, Pedro? - chamei, mas ele já tinha desligado. Imediatamente comecei a pensar mil coisas. Minha ansiedade não me manteria vivo até o começo da tarde. Tratei logo de me aprontar, tomei um banho, me troquei e desci para sala. Como a viagem não era muito longa de Goiás até a nossa cidade - coisa de no máximo uma hora e meia - trataria eu mesmo de ir até a casa do Pedro antes que ele viesse até mim.
Era pouco mais de 10 horas quando o Alex manifestou interesse em ir embora e eu claro, pedi para ele aguardar mais um pouco e ofereci carona até a casa de sua tia. Pelo horário que o Pedro havia falado comigo por telefone e pelo tempo de vôo, eu calculei que por volta das 11 horas ele estaria em casa. E um tempo depois que o relógio marcou esse horário, saímos. No percurso, fui o tempo todo apreensivo, mas em alguns momentos o Alex me distraia com suas histórias. Na maior parte do tempo, o dava atenção, poderia até ter dado mais se eu não estivesse criando mil coisas e situações na minha cabeça. Queria saber logo o que estava acontecendo.
Não demorei muito e logo já estava encostando o carro do papai na calçada daquela casa que eu já conhecia tão bem. Parei, desliguei o motor e então o Alex desafivela seu cinto.
— Oli, muito obrigado pela carona! Na verdade, obrigado por tudo! Também me desculpa por qualquer coisa! - disse ele, que estava ao meu lado no banco de passageiro.
— Alex, já falei que está tudo bem! - tranquilizo-o pela quarta vez naquele dia. — Você não fez nada de errado. Agora vamos lá, vou entrar com você! Quero dar um beijo na tia Isa. - digo também tirando meu cinto. Ele sorri e então saímos do carro.
A um passo da porta sinto meu coração gelar. Não se ouvia um barulho. Olhei para os lados na intenção de ver a caminhonete do Pedro, mas, provavelmente ela deveria estar na garagem, já que ele havia viajado. O Alex abre a porta imensa e então grita por sua tia.
— Tia Isa? - falou em um tom alto. Entro, e percebo que na sala de estar não havia ninguém. — Tia, cheguei! Olá? - gritou mais uma vez. Até ela responder.
— Oi, Alex! Aqui na cozinha! - respondeu ela. E então rapidamente nós encaminhamos para lá.
— A senhora não sabe quem está aqui! - disse ele sorrindo enquanto já estávamos perto. Mas antes que ele anunciasse meu nome, eu a vi. Não só ela, como também ele. E pior ainda, vi também, a última pessoa que eu imaginaria ver na face da terra. Sorri para tia Isa, que me abraçou e veio me perguntando como eu estava, que fazia tempo que não me via. Tentei forçar controle emocional, mas estava realmente difícil. O encarei, seu semblante pálido e estático, e o dela, de puro desprezo. Ali eu entendi que estava sobrando.
— Meu filho, você já conhece a Carla? Ela e o Pedro estão grávidos. - disse ela sorrindo. Não era sua intenção me machucar, porém, ouvir aquilo foi como um baque. Minhas pernas tremeram, minha voz falhou, mas consegui me manter firme. Só que no fundo, parecia que eu estava sendo arremessado do décimo andar de um prédio e o chão era logo ali.
— Mãe!!! - repreendeu seu filho. Mas qualquer coisa que ele dissesse não me interessava mais.
Imediatamente inventei uma desculpa. Falei que apenas havia dado uma carona para o Alex e que só entrei para lhe dar um beijo, pois fazia meses que não havia, mas que já estava indo embora. Claro que ela insistiu que eu ficasse um pouco mais, porém, mantive minha mentira. Assim que saí porta à fora, acelerei os passos, com o Pedro no meu encalço, me chamando para conversar e tentar se explicar. Mas qual seria a explicação? Ele teria uma família de agora em diante.
Abri a porta do carro e rapidamente tentei ligà-lo, mas ele foi rápido e entrou também, fechando a porta em seguida. Inevitavelmente baixei minha cabeça sobre o volante e comecei a chorar. E pela 15° vez no mês, eu me fazia novamente aquela pergunta. Como eu pude ser tão idiota?
— Você não é idiota, Oli! Me escuta! - dizia ele.
— Explicar o quê, se eu já sei? Você agora terá uma vida nova. Você será pai! Já está mais do que claro, que eu não tenho mais espaço na sua vida. - desabafei.
— Porra, por que veio aqui? Eu iria te contar tudo quando fosse à sua casa a tarde! - exásperou dando um soco no painel do carro.
— Não importa mais! Isso que nós tivemos, acabou antes mesmo de começar! Só quero que você seja muito feliz com sua esposa e seu filho. Agora por favor, saí do carro! - termino abrindo a porta ao seu lado, para que ele saísse.
— Mas eu não quero casar com ela, porra! Eu não quero ela! Eu quero você! - disse puxando a porta novamente. Assim como eu, ele chorava copiosamente.
No minuto seguinte, não dissemos nada nem nos olhamos. Ele encarava o teto e o voltante.
— Tá tudo uma merda, Oli! Eu nem sei se ela está grávida ainda. É só uma suspeita. Mas só isso foi o suficiente para o pai dela arrumar confusão lá na fazenda do meu pai. Querendo me obrigar a casar com ela, ameaçando me matar se eu não fizer isso, pois, eu que teria tirado a virgindade dela. - ele soluçava — Meu pai não é de levar desaforo e caiu no soco com ele, quase se mataram. Por isso eu tive que ir até lá de última hora para tentar acalmar os ânimos. Falei com o pai da Carla e prometi que iria dar todo o suporte, caso ela estivesse realmente grávida. Me ofereci a levá-la aos melhores médicos de Goiás para fazer os exames, mas ele negou. Disse que à partir de agora ela era responsabilidade minha. Eu só trouxe ela para cá para pensar no que fazer, enquanto realizamos os exames. - ele respira fundo, fungando um pouco o nariz e então me encara. — Eu não quero ela! Eu quero você! Eu te amo, cara!
Era muita informação para assimilar em tão pouco tempo. Eu conseguia em parte, entender o lado dele, mas isso não mudava o fato de que ele provavelmente teria um filho e de que provavelmente, também, não tinha terminado o relacionamento com ela. Desde aquele maldito beijo na fazenda aquele dia, eu não tive uma semana em que me senti totalmente bem. Aquele lance mal resolvido com o Pedro não estava sendo saudável para mim. Tinha que tomar uma decisão. Ele queria meu apoio? Minha compreensão? Mas e minha saúde mental? Já não bastava estar entre um possível namoro, agora estar entre uma possível gravidez? Aquilo tudo era demais para mim e eu não estava aguentando. Embora ele ainda fosse meu amigo, era hora de eu me priorizar. Olho bem no fundo dos olhos dele, e então começo.
— Pedro... eu sinto muito, de verdade! Por você... por nós... mas... tudo isso foi escolha sua. - minhas lágrimas corriam como cachoeiras — Se não a amava, por que a pediu em namoro? Por que transou com ela? E mais ainda, por que não foi homem suficiente para terminar com ela, assim que se declarou para mim e jurou que me amava? Eu já me enganei demais. Agora chegou a hora de eu cair na real! - eu estava literalmente em pedaços.
— Oli, por favor! - suplicou.
— Isso nunca ia dar certo! A gente só se machuca! Mas eu espero que você seja muito feliz... Agora vai embora... Por favor...
— Eu vou dar um jeito em tudo, Oli! Por favor! Não desiste de mim! - pediu.
— Cansei de esperar você dar um jeito, Pedro! Só por favor, saí! - concluo. Ele me encara com olhar piedoso. Encaro a rua e ele então enxuga as lágrimas, abre a porta do carro e saí. Senta-se na grama e baixa a cabeça, chorando sem se importar se alguém visse. Assim como eu, dentro daquele carro. Mas e se, ela realmente não estivesse grávida?
De qualquer forma não poderia mais criar expectativa, bem esperanças. Ele estava jurado e como o pai dela havia dito, ela agora era um fardo dele. Mas que tipo de monstro dá uma filha para um homem, como se ela fosse uma propriedade? Agora eu entendia o porquê ela era daquele jeito. Demorei algum tempo até finalmente dar partida. A todo momento aquela notícia reprisava em minha mente. Me sentia um fracassado. Eu tinha feito o certo em deixar Pedro livre? Eu o amava, mas estava o colocando acima de mim? Que droga! Só queria que tudo voltasse a ser como era antes. Amar dói.