Capítulo 35
Os seus olhos castanhos claros percorriam cada detalhe da casa. Estava tudo perfeito. Olívia cuidou para que a casa estivesse limpa e organizada para a sua chegada.
O ódio dominava a sua expressão facial. Nada a agradava. Jonas a trouxe no colo, pois não queria ser vista numa cadeira de rodas pela vizinhança, que sempre a viu em cima de saltos caros e com ar de superioridade.
Ao chegar na sala, ele a pôs na cadeira de rodas.
_ Eu arrumei o seu quarto e pus aquele desinfetante que você tanto gosta, mamãe. Você quer descansar agora?
Lúcia não respondeu. Apenas olhou para a filha com amargura, pois sempre se sentira superior a ela por ser magra, enquanto Olívia é gorda. E agora a filha estava de pé, poderia correr, caminhar, dançar, enquanto a ela estava condenada a viver presa a uma cadeira de rodas.
Jonas nada dizia até então. Aprisionou dentro de si o desejo de cobrar explicações pelo que aconteceu com Gabriela. Fez devido ao respeito que tinha a situação que a mãe se encontrava.
Assim que saiu da delegacia, Jonas foi até o apartamento de Lúcia procurar o diário de Gabriela.
Depois de muito revirar o local, o encontrou escondido no fundo do guarda-roupas. Ficou revoltado ao ler as páginas, onde a irmã expressava toda a sua dor pela tragédia ocorrida e pela angústia em ser obrigada pela mãe a ficar calada.
Jonas entregou o diário a detetive Alice na esperança de pôr Gustavo na cadeia, mas para a sua decepção a detetive disse que o diário não era prova suficiente para indiciar o diretor por estupro. E o fato da suposta vítima está morta, não favorecia a essa acusação.
Jonas nunca sentiu-se tão injustiçado. Cogitou em fazer justiça com as próprias mãos.
_ Eu não me importo se eu for para a cadeia desde que aquele desgraçado esteja morto!_ gritava socando a mesa, enquanto era acalmado por Bruno, que temia pela vida do amado.
Cinthia ouvia revoltada. Mesmo sem conhecer Gustavo pessoalmente, nutria por ele um ódio imortal, por saber das maldades praticadas pelo diretor.
_ A gente não pode se calar! Com certeza houve outras vítimas. Esses tarados pedófilos não se conformam em destruir apenas a vida de uma vítima.
'O que temos que fazer é jogar a merda no ventilador. Expor mesmo o caso na internet. Fazer campanhas incentivando outras vítimas a falarem. Fazer barulho mesmo.'
A ideia de Cinthia parecia agradável para Jonas, o que o acalmou e o fez desistir, por enquanto, do plano de matar Gustavo.
Jorge não suportava a ex mulher desde que eram casados. Não se compadeceu dela quando soube do atropelamento e de que ficara paraplégica. Para ele se ela tivesse morrido, não faria a menor diferença.
Contudo, por amor a Olívia decidiu ir visitar a ex mulher em sua casa, fingindo solidariedade.
Como conhecia o porteiro há anos, esse não anunciou a sua chegada. E Jorge subiu despreocupado. Mas, parou no corredor ao ouvir a voz de Jonas. Encostou a cabeça na porta para ouvir melhor a conversa.
_ Agora que já estamos todos em casa e você está bem, já podemos conversar.
Lúcia o olhou com ódio. Para ela Jonas era responsável pela sua atual situação, já que se o rapaz não cortasse a ajuda financeira ela não precisaria ter chantageado Gustavo e não seria atropelada naquela tarde.
_ Por acaso ter me tornado uma aleijada é está bem pra você?
_ Isso não vai te ajudar a fugir das suas responsabilidades.
_ Jonas, pelo amor de deus! A mamãe precisa descansar. Precisa arrumar confusão com ela agora? Cadê o respeito?
_ Olívia, já passou da hora de você saber a verdade. O real motivo por ela está assim.
A mamãe estava chantageando um bandido, estuprador.
Lúcia agarrou um vaso e arremessou em Jonas. Com sorte, ele desviou e o vaso acertou a parede, se despedaçando. Olívia olhava para Lúcia assustada.
_ Isso mesmo, Lúcia. Mostre a cara. Revele para nós a bruxa que você é.
_ Cale a boca, seu veado insolente!
_ Eu não vou me calar porra nenhuma! A Lúcia estava chantageando o estuprador da própria filha.
Olívia arregalou os olhos, franzindo o cenho em seguida.
_ A Gabriela foi estuprada pelo diretor da escola onde estudava. E ela contou tudo para a nossa mãe. E sabe o que ela fez? A resposta seria o que qualquer mãe faria? Denunciar o tarado? Não. Essa daí. Pediu dinheiro em troca do silêncio. E como conseguiu o que quis, obrigou a nossa irmã a se calar, fazendo com que a pobrezinha se afundasse numa depressão e tirasse a própria vida.
Do outro lado da porta, o coração de Jorge batia acelerado. As palavras de Jonas eram como a ponta de um punhal que feria o seu peito.
Nunca em sua vida poderia imaginar que a ex mulher pudesse ser tão cruel. Lembrou-se do quanto sofreu com a morte da filha. Do quanto se culpou por não ter notado a gravidade depressão da menina, pois achava que se tratava de tristezinha de adolescente que brigou com o namoradinho.
O ódio foi inevitável e o proporcionou uma força vindo das entranhas do seu peito, o fazendo chutar a porta e invadir a sala, assustando a todos.
Agarrou o pescoço de Lúcia com todas as forças que possuía nos braços, a balançava fazendo estremecer a cadeira de rodas. A mulher gritava desesperada.
_ Sua vadia! Ela era a nossa filha! Como pode fazer isso?! Como pode!
Com muito sacrifício, Jonas conseguiu afastar o pai da mãe, enquanto Olívia, em choque, não conseguia se mover. Só chorava, trêmula, devido ao nervosismo.
_ Calma, pai!
_ Calma é o caralho! Essa mulher é um lixo! Desgraçada!
Lúcia tossia, socando a cadeira. Vermelha olhou para Jorge com raiva.
_ Não sei porque você está dando esse espetáculo todo. Bem que na época você usufruiu do dinheiro. Lembra do carro que você comprou e se exibia por aí?
_ Sua vadia , você me disse que havia ganhado o dinheiro nos jogos de azar. Se eu soubesse de onde tinha vindo aquele dinheiro imundo, eu teria te matado e queimado as cédulas em cima do seu corpo.
Ela era a nossa filha, caralho! A nossa filha!
_ Pai, se acalme!
_ Você quer que eu me acalme, Jonas? É muita cara de pau da sua parte me pedir isso. Quando você descobriu? Por que não me contou nada?
Olívia sentou no sofá. Abaixou a cabeça e penetrou os dedos entre os cabelos, que caiam, pousando em seus joelhos.
_ Eu soube há alguns dias. Encontrei o diário da Gabriela e entreguei a polícia.
Lúcia o olhou espantada.
_ Com que direito você fez isso? Entrou na minha casa e revirou as minhas coisas.
_ Cale a boca, mãe! Você não está na posição de reclamar nada. Sabe o que eu lamento? É que infelizmente, esse diário não serve como provas para pôr o estuprador na cadeia e você como cúmplice.
'Mas pode se preparando que você terá que esclarecer algumas coisinhas para a polícia. O carro que te atropelou não tinha placa e como o motorista fugiu isso foi visto como suspeito pela polícia. Eles estão com o seu celular e sabem que você estava chantageando o estuprador, mas infelizmente não sabem o motivo. Mas você vai dizer. Você vai contar tudo pra eles.'
_ Eu não vou contar nada.
_ O quê?!_ perguntou Jorge revoltado.
_ É isso mesmo, seus imbecis! A Gabriela está morta. Nada pode ser feito. E parte disso é culpa sua, que sempre mimou aquela menina. Ela vivia com aquele ar de superioridade. Se achando a gostosa por ter um corpo bonito. Vivia com aquelas roupinhas sensuais. Gostava de ser desejada pelos homens. Tanto é que vivia na casa do Gustavo. E depois me veio com essa historinha de estupro? Só sendo idiota pra acreditar nisso.
'Ela queria ser estuprada. Se não quisesse não me desobedecia para ir à casa do Gustavo. Mas o imbecil do pai, permitia as escondidas. Deu no que deu. '
_ A Gabriela tinha um amigo, ela queria está com ele e não com o tarado do pai dele. Como o garoto era um nerd veado eu não vi problema algum.
Olívia levantou, agarrou os pulsos da mãe e começou a gritar descontrolada.
_ Como você pode ser tão cruel ? Você tem noção do que acabou de dizer? Que a sua filha queria ser estuprada! Eu tenho nojo de você ! Raiva! Eu quero você morra! Morra! Morra!
Jonas segurou Olívia e abraçou, enquanto ela chorava descontrolada.
Lúcia começou a sentir medo, ao perceber que a família toda estava contra ela. Temia ser abandonada naquela situação.
Decidiu fingir arrependimento.
_ Eu errei! Mas eu estou arrependida! Eu sei que fui um monstro! Aí, meu deus! Eu mereço morrer!_ dizia socando o peito e chorando, mas não conseguiu arrancar a piedade de ninguém.
_ Lágrimas de crocodilo isso sim. Ainda bem que eu não sou mais casado contigo. E nunca mais quero olhar na sua cara. Só vou voltar a te ver no dia do seu enterro, pra mijar na sua sepultura.
_ Eu não quero ficar aqui, não quero ficar perto dela._ Olívia dizia chorando.
_ Tudo bem, mana. Pegue as suas coisas e vem morar comigo. Você é bem-vinda na minha casa.
_ Vocês não podem me deixar aqui sozinha! Eu tô aleijada! Vocês não podem fazer uma crueldade dessas.
_ Quem é você para falar em crueldade? Mas eu não sou como você. Apesar de tudo que fez, eu contratei uma enfermeira. Ela vai cuidar de você, te dar todo suporte necessário. Eu também vou arcar com as despesas básicas da casa para que você não morra de fome e nem fique sem medicamentos. Mas eu nunca mais vou pôr os pés nesta casa. Não quero saber de você. Não quero que me ligue ou procure de qualquer outra forma. Pra mim você morreu. Vamos, Olívia arrume as malas e vamos embora daqui.
A mesa do jantar estava posta. Bruno caprichou alinhando três pratos de porcelanas, talheres de prata e as taças de cristal. Para o jantar preparou bobó de camarão, arroz com brócolis e batatas fritas. Para a sobremesa, mousse de limão e pôs o vinho suave na mesa.
Quis caprichar com a intenção de amenizar o sofrimento do namorado e a cunhada.
Olívia chegou no apartamento de Jonas aos prantos, abalada pela revelação bombástica que tivera.
A pedido de Jonas, Bruno os aguardava no apartamento.
Enquanto preparava o jantar, recebeu um telefonema inesperado. Era Renata.
_ Oi, Bruno. Como você está?
_ Estou bem, tia. E você?
Bruno ficou feliz com ligação, pois sentia saudades da tia.
_ Eu sei que a situação em que você saiu daqui não foi muito agradável e do quanto você errou, mas eu amo você e prezo pelo seu bem estar. Eu gostaria de saber se você está bem e se precisa de alguma coisa?
As palavras de Renata o emocionaram. Bruno agradeceu pela preocupação e disse que não precisava de nada, além do seu afeto, o que a deixou mais tranquila. Desde o dia em que Bruno foi embora, ela ficara preocupada com ele.
O jornalista aproveitou a situação para pedir o número de telefone da sua mãe, ocultando o último encontro que teve com os pais e alegando sentir saudades.
A contra gosto, Renata cedeu as insistências de Bruno. Ela havia jurado a Rosa que não daria o número a Bruno, pois Rosa temia que a aproximação do filho o colocasse sob as garras de Gustavo.
Jonas entrou na sala vestindo apenas uma cueaca preta, sentando-se a mesa. Bruno o abraçou e o beijou, envolveu o braço no seu pescoço, sentando em seu colo.
_ Você não sabe o quão bom é te ter por perto. Essa história da minha mãe me deixou muito mal. Você é um alívio tão gostoso no meio desse caos.
Jonas o abraçou mais forte, descendo as mãos até as suas nádegas, as apertando. Bruno beijou o seu pescoço, e apoiou a cabeça no seu ombro.
_ A Olívia não vem jantar?
_ Não. Ela tomou um calmante e acabou dormindo. Foi melhor assim, ela ficou muito abalada.
_ Amor, se essa história da Gabriela vazar o meu pai vai ficar muito mais furioso e pode acabar descontando a raiva em cima da minha mãe.
_ Não se preocupe, meu bem. Eu falei pra Cinthia dá uma segurada até a gente tirar a sua mãe de lá.
_ A tia Renata me ligou.
Jonas o olhou espantado esperando Bruno dizer que ela queria arrumar confusão por causa de Matheus.
_ O que ela queria?
_ Saber se estou bem e precisando de alguma coisa.
_ Renata é muito gente boa.
_ Ela é maravilhosa. Eu aproveitei e peguei o número do telefone da minha mãe. Vou ligar pra ela para falar sobre a fuga.
_ Faz isso sim, mas pode ser depois do jantar? Eu estou morrendo de fome e quero comer na sua companhia.
Bruno sorriu e o beijou.
A princípio Rose ficou assustada ao receber a mensagem do filho perguntando qual seria o momento adequado para receber uma ligação. A mulher cogitou que Bruno poderia está em perigo e esperou o marido dormir para ligar para Bruno do banheiro.
Ela recebeu a notícia do plano de fuga com medo, pois sabia do que Gustavo era capaz. E por isso, resistiu, negando ajuda.
_ Mãe, Por favor? Eu não posso mais viver com essa angústia de saber que você está sob os domínios desse monstro. Eu não consigo ter paz por um minuto. Penso em você diariamente e choro sempre. Por favor, vamos fazer tudo com cautela.
Compadecida pelas palavras do filho, Rose, mesmo com medo, aceitou a sua ajuda.
Eles combinaram de ir na casa dela enquanto Gustavo estivesse no colégio e a levariam para a casa de praia de Cinthia.
_ Você não pode vir sozinho. É muito perigoso.
_ Eu não irei. Vou acompanhado do meu namorado e uma amiga.
_ Tudo bem. Eu vou te aguardar aqui amanhã as nove da manhã. Tchau, meu amor. Eu te amo muito.
_ Eu também te amo, mãe. Esse pesadelo vai acabar logo logo. Nós ainda vamos ser muito felizes.
Rose sentiu-se aliviada. Estava morrendo de saudades do filho. Queria abraçá-lo. Imaginava o momento em que estaria longe de Gustavo, que respiraria aliviada depois de anos de sofrimento e violência.
Ela retornou para a cama sorrindo. Contudo, virado com a cabeça para o lado oposto, Gustavo abriu os olhos. Ao acordar, percebeu que a mulher não estava na cama. Ouviu a sua voz sussurrando no banheiro e foi até a porta sem fazer barulho para ouvir do que se tratava.
Ao tomar conhecimento dos planos de fuga mulher e do filho, Gustavo se enfureceu, sentindo -se traído. Rose era a sua mulher , sua propriedade. Se ela achava que o abandonaria estava muito enganada.
Como um bom ator nato, Gustavo fingiu que não sabia dos planos de Rose e agiu normalmente no café da manhã. Antes de sair deu um beijo na boca da esposa, dizendo que não almoçaria em casa, pois teria uma reunião com os pais dos alunos, o que a deixou mais tranquila para pôr o plano de fuga em prática.
Após a saída do marido, preparou as malas as pressas, levando somente o necessário.
Jonas, Bruno e Cinthia chegaram no carro, sem imaginar que Gustavo com os observava dentro do mesmo carro preto que mandou atropelar Lúcia.
Bruno mandou uma mensagem para a mãe, dizendo que a aguardava do lado de fora da casa. Ela saiu correndo ao seu encontro.
Enquanto mãe e filho se abraçavam, Gustavo saiu do carro, segurando a arma apontando para os dois. Rose se pôs na frente do filho para protegê-lo.
_ Gustavo, por favor. Vamos conversar?
_ Conversar o quê? Sua vadia traidora.
Cinthia ao vê-lo armado correu para dentro de Jonas e esse se aproximou de Gustavo.
_ Você que é o pai do Bruno?_ Jonas perguntou erguendo as mãos querendo acalmar Gustavo.
_ Não. Eu sou a mãe dele. Vocês são dois traidores de merda.
_ Gustavo, deixe o Bruno ir aí nós conversamos.
_ Agora você quer conversar? Não estava planejando ir embora, piranha? Saiba que você só me deixa morrendo.
_ Pai, a gente pode resolver isso._ Bruno disse retirando Rose da sua frente.
_ Você é um miserável! É sempre você no meu caminho. Eu deveria ter atirado em você quando era bebê. Evitaria todas essas dores de cabeça que venho tendo por sua causa, mas nunca é tarde para reparar um erro.
Gustavo apontou a arma para Bruno. Desesperado, Jonas o empurrou com força fazendo Bruno cair no chão e assim recebeu o tiro que foi direcionado a Bruno.
O som ensurdecedor da bala espantaram três pombos pousados no fio. Bruno gritou ao vê o namorado caído no chão sangrando.
Gustavo fugiu as pressas para o carro, dando a lagarda.
Cinthia saiu do carro para acudir o amigo, que estava com a cabeça apoiada no colo de Bruno que gritava desesperado.
_ Jonas! Meu amor! Jonas, por favor não me deixe._ dizia Bruno entre prantos e desespero.