Capítulo 1
Ainda me lembro daquele amanhecer em que vi meu melhor amigo tomado por um ódio denso e tenebroso no réveillon que era para ser o melhor de todos, em Copacabana.
Despontavam as primeiras horas de 2019 e tínhamos caído em um arrastão, testemunhado por sem número de pessoas, que permaneciam indiferentes.
– Se tu tocar um dedo nele, eu te derrubo aqui mesmo, mané, quero nem saber – vociferou meu amigo. – Não toca nele, seu porra!
– Cala a boca, Léo, você tá piorando tudo! – gritei, em voz trêmula, temendo a reação dos moleques que estavam nos assaltando.
Meu amigo deu um suspiro, amparado num olhar de decepção que certamente parecia esperar outra atitude vinda de mim.
– Eles querem socar você, seu ridículo – respondeu, irritado.
– E é assim que tu agradece?!
Logo que chegamos à praia de Copacabana, presenciamos um arrastão em que aqueles mesmos noiados chutaram um idoso, o pisotearam e tomaram o dinheiro que ele levava no bolso. Do meu ponto de vista, aquilo estava prestes acontecer com a gente, e, para piorar, Leonardo levava consigo um punhal na cintura. Pensei que nós morreríamos ali ou mataríamos alguém.
– Dá só o que nóis tá pedindo, que cês ficam de boa, seus cuzão! – ordenou um dos guris, que não passava dos 14 anos. Deviam ser uns sete eles, eu acho.
Para mim era um bom trato. Cresci no meio de HQs e livros, imaginando-me como um Bruce Wayne bilionário, de dia, e um vigilante Batman, à noite, mas só de pensar que meu amigo poderia matar alguém e destruir a vida, me dava cala frios.
– Toma aqui! – entreguei nosso dinheiro ao guri, enquanto fingia não ouvir o Leonardo embevecido de raiva, ao meu lado.
Não podia deixar aquela situação piorar, porém, não podia deixar de fantasiar que a raiva toda de Leonardo e aquela proteção inesperada fossem por causa de algum sentimento romântico que ele pudesse nutrir por mim.
Ainda pequeno, aprendi a controlar meus olhares e pensamentos, tentando me convencer de que Leonardo era só meu melhor amigo. Até porque para ele, eu era mesmo.
Ser protegido por ele, virado num toro raivoso, era muito bom, mas fantasiar um namoro poderia destruir não só a amizade que tínhamos, mas me deixar mal com todo mundo da escola.
Quando os noiados correram e Leonardo começou a brigar comigo, eu retornei dos meus devaneios e sacudi a cabeça, quase como obrigando a pensar comigo: “deixa essa mania de fantasiar coisas”. Mas eu não podia fazer nada quanto a isso, desde que o conheci que sou assim. Mas quem é Leonardo?
Nos tempos do ensino médio, Leonardo e eu já éramos melhores amigos e a dupla que mais causava inveja no pessoal. Nós estudávamos numa escola modelo do interior de Pernambuco, onde as meninas davam mole para ele por ser um carioquinha e bastante bonito. Ele adorava isso, já eu odiava, em segredo. As professoras eram chatas com a turma toda, mas conosco agiam diferentes. Pelo grau de nossas notas, elas previam que nós dois seríamos da Nasa. Bem, pelo menos era assim que os outros amigos zoavam da gente.
Leonardo queria entrar na Marinha e eu ser administrador, o que terminou não surpreendendo a ninguém quando saiu o resultado do concurso, confirmando que ele tinha sido aprovado. Surpresa mesmo veio durante os dias que antecederam o meu vestibular, quando ele chegou na minha casa me convidando para o seu casamento com a Jeniffer.
Fiquei feliz por ele, de verdade, e por dois motivos: O primeiro é porque ele estava realizando seu sonho, e o segundo é que ele iria se casar com uma amiga que eu gostava muito. Nos tempos de escola eu ficava babando por ele. Sem dúvidas, o cara mais bonito que tinha no colégio. 1,72 m, galego, olhos castanhos claros, dentes brancos, sorriso lindo, sotaque fluminense dos anos que viveu no Rio e um volume de responsa na calça. Mas como eu sabia que nada aconteceria entre nós, era muito melhor vê-lo casar e se mudar novamente do que viver lutando contra meus sentimentos.
Desde que completamos o ensino médio e eles se mudaram para Manaus, que eu não o via. Me formei em Administração na minha cidade e durante quatro anos não ouvi falar dele. Até que em novembro de 2019 visualizei uma mensagem no Facebook. Mas de quem era essa mensagem e o que dizia ela?
Após acordar tarde, num sábado, deslizei a tela do meu celular para me atualizar no WhatsApp quando vi uma foto do Leonardo no ícone do Messenger. Ainda estava sonolento, pois tinha virado a noite com uns amigos em uma boate, mas, definitivamente, aquela mensagem não era um sonho.
“Cara, se eu n falar contigo, tu n fala cmgo msm, né poha?! Rsrs Me separei da Jeniffer e vou passar uns dias aí. Queria saber se pode me hospedar em tua casa...se é q ainda lembra d mim!”, escreveu ele.
Apesar de na adolescência termos sido amigos, nunca tivemos intimidade de dormir na casa um do outro... Ele era tão preconceituoso que eu tinha medo de dormir perto dele e sem querer deixar transparecer meus impulsos. Na época, existiam alguns gays na escola e por mais que ele não fosse um tradicional valentão, sempre endossava o coro das piadinhas sem graça contra aqueles meninos. Eu tinha medo que ele soubesse de mim, então, quando eu estava com ele, eu nunca era eu.
Contudo, as coisas eram diferentes agora. Eu estava mais velho, mais vivido, mais senhor de mim. E não posso negar, eu também estava louco para saber por que ele se separou da Jeniffer e o motivo de ele voltar à minha cidade, já que a família dele não morava mais aqui. E, é claro, queria ver o quanto ele tinha ficado bonito. O Leonardo não curtia postar fotos no Facebook, mas eu sabia que o visual dele só poderia ter mudado para melhor.
Mais de um mês se passou até o dia marcado para ele chegar. Voltei apressado para casa querendo tomar banho antes que ele me visse suado, porém, quando cheguei, ele já estava sentado no sofá conversando com minha mãe.
Um homem alto, forte, loiro e perfeitamente lindo se levantou e veio em minha direção e eu estaquei na porta... Ele abriu um sorrisão já me abraçando. Não queria, mas um cala frios subiu pelo meu corpo e por alguns segundo minha visão ficou turva.
– Nossa, Bruno, você continua como sempre...
– Como assim? Isso é pra ser um elogio ou uma crítica, cara?
Eu definitivamente não sou mais o mesmo. No colégio, eu era muito magro, baixo, esbelto, cabelos sempre bagunçados, nunca sabia chegar nas meninas (e hoje eu treino na academia, tenho 1,74 m, músculos definidos, um abdômen que não me envergonha, barba e cabelos sempre cuidados e, segundo a opinião de várias pessoas, não sou um negão de se jogar fora). Então fiquei surpreso com aquele comentário.
– Para de ficar na defensiva, viado. – Sim, cariocas chamam uns aos outros assim – Eu me referi ao teu jeito durão!
– Uhm! Mas e aí, como foi a viagem?
– Legal, cara, tem muito o que falar não. – ele disse, me acompanhando até o meu quarto, onde eu iria acomodá-lo.
– Mas diz aí por que se separou da Jeniffer...
– A gente não tava dando certo, viado. – demorei para me acostumar a esse vocativo. – Ela era muito ciumenta. Se eu chegasse tarde da Marinha, era suficiente para ela ficar delirando, inventando mulheres pra mim, tá ligado?
– Mas ela tinha razão?
– Não, né? Era louca ela. Ela acha que todo marinheiro é raparigueiro.
– Tendi.
– Só que aí teve um dia que ela viu uma foto minha no Facebook com uma amiga e ficou lokona! Cara, te juro mané, a mina era só amiga mesmo!
– E aí?
– Aí ela destruiu tudo em casa, apagou minhas fotos no Face e disse que queria se separar, e eu aceitei.
– Simples assim?
– Cara, a gente tava brigando por tudo. Ela até quis voltar, mas eu não quis, tá ligado?
– Sim, sim.
– Mas diz aí, tu entra de férias do trabalho agora em dezembro?
– Sim, ela começa na semana que vem.
– Então quero te convidar pra viajar pro Rio de Janeiro comigo, Brunão. Vai ser numa CB300. Tô acostumado já.
– Quê? Enlouqueceu, foi?
– Não, cara, você não entendeu? A gente vai daqui até o Rio de moto, mas eu já faço isso há um tempo. Entrei pra um grupo de motoqueiro e sempre que posso tô viajando com eles!
– Entendi, mas não/
– (ele me cortou e falou) Deixa de cu doce, viado! Vai ou não?
– Léo, cara, é perigoso. Mas como vai ser uma experiência massa, então vou sim. E tu não vai nem perguntar da minha namorada?
– E você tem namorada, pow?
– Não, mas você não perguntou nada sobre mim...
– Ué, teremos a viagem toda até o Rio.
Engatamos num papo bom, e eu inventei que tive muitas ficantes, e ele não teve motivos para desacreditar, porque sou bastante discreto. Depois que o papo acabou, fui mostrar o banheiro e a toalha para ele. Quis ficar conversando com o Leonardo enquanto ele se banhava no box, mas percebi certo constrangimento da parte dele, então o deixei relaxar sozinho, e saí para conversar com minha mãe. Após um tempo, retornei para o quarto e o vi deitado.
Ele realmente era lindo. Aquele tanquinho definido, mas não exagerado, chamava minha atenção tanto quanto o volume na cueca boxer verde que guardava um pau bem grande, pelo menos era o que aquela miragem me levava a crer. Mesmo da porta, dava para ver os pentelhos saindo da cueca apertada e provocativa.
Eu me sentia confuso pensando aquilo. Eu era um homem já de 22 anos parecendo um adolescente que considera que todo mundo está dando mole para ele. Ele tinha quase 23 anos, marinheiro, estava na casa de um amigo e não tinha motivos para tentar ninguém, muito menos eu. Não era possível aquele homão (e hétero) se apaixonar por mim. E eu novamente deveria controlar meus sentimentos, para não estragar tudo.