A claridade que passava pelas cortinas brancas de seda me fez acordar cedo, mas eu já estava sozinha na cama. Virei algumas vezes procurando Karla pelo quarto. Vesti uma camisa que achei suspensa em um suporte de madeira, de botão, muito bonita por sinal.
A encontrei na cozinha, terminando de preparar um café, o garotinho estava preso em uma prisão domiciliar no canto, dentro de um cercadinho.
- Bom dia, Karla.
- Bom dia, dorminhoca.
Fui até o bebê lhe dar bom dia e comecei a fazer graça pra ele soltar um sorriso. Tanto sorriu quanto pegou com sua mão um de meus dedos e o segurou, com força, e levando algumas vezes para morder.
- Olha aqui Karla, quem já não quer que eu vá embora...
Ela abandonou o que estava fazendo e caminhou até parar atrás de mim para nos observar. Estava cheirosa já de manhã cedo.
- Está falando de mim? – ela me deu um beijo no rosto e ficou comigo abraçada, tentando chamar a atenção dele, mas tirando completamente a minha.
Eu apenas sorri e fiquei por um momento de mente vazia, gastando energia só com aquele fleet perfeito.
Eu tinha não somente reencontrado Karla, com ela encontrei uma razão pra viver que eu não tinha mais. Estar com ela era tão...fluente. Como um nativo. Deus, como eu amava cada dia que eu ia pra casa dela, cada dia que passeávamos juntas com o bebê, cada dia que dormia nós 3 na cama assistindo os desenhos mais sem graças do mundo.
As semanas foram passando e cada vez mais eu me sentia melhor. Os cigarros eu os abandonei, sempre que me via fumando Karla dizia sentir vontade, mas que preferia ainda não fumar por causa de Heitor, então achei melhor parar, pra não ser um incentivo ruim.
Logo mais resolvi que não beberia mais, as semanas que passei sem beber foram muito boas pra eu ignorar, com 4 meses ficando pedi Karla em namoro, ela havia me deixado com o bebê e ido no mercado, já tinha pensado mil vezes naquele momento, em como seria, então tinha quase tudo pronto, só não sabia o que falar, quando ela chegou o quarto estava com balões, lírios (que descobrir ser as flores que ela mais gosta) e eu com o serzinho mais fofo nos braços, dei o anel pra ele segurar, quando ela viu começou a chorar, o que me fez chorar também. E até Heitor chorou depois.
As pétalas brancas do lírio escreviam o “namora comigo?” que eu nem sequer consegui falar.
- Claro que eu quero namorar contigo, meu amor.
Ela veio nos abraçar e pegou a aliança que Heitor já queria colocar na boca.
- E a sua aliança, Alana? – ela perguntou.
Mostrei minha mão com a aliança já nela e ela caiu na gargalhada.
- Você joga sujo demais, sabia?
- O amor é sujo, Karla Bianca – dei um selinho nela - você me salvou, você e esse bebê.
Com 10 meses ela me chamou pra morar junto com eles. Fazendo algo semelhante ao que eu tinha feito junto com o Heitor pra convencê-la do namoro. Ela deu a chave pra ele me entregar e disse que ele queria que eu fosse morar com eles. Exatamente, a Karla era perfeita. Eu estava vivendo a vida perfeita, eles eram minha bolha, meu mundo.
Cinco meses se passaram, estávamos nós 3 em uma loja de artigos de festas comprando as poucas coisas que faltavam pro aniversário de 2 anos de Heitor, o garoto já andava e falava algumas palavras que aprendi com muito esforço, mas que para ela sempre foram bem claras.
Ele estava caminhando na frente, mas ele correu e eu saí correndo atrás dele, não dava pra dar confiança assim.
- Heitor, vem aqui! – ele já tinha dado a volta no corredor e estava se escondendo de mim, como brincávamos muitas vezes – volta aqui garoto – e foi dobrando o corredor mais uma vez que ele bateu nas pernas de uma moça, por trás. Eu não olhei, fui logo pedindo “desculpa” e pegando na mãozinha dele.
- Alana? – era a voz dela, meu deus era a voz dela, a voz que eu não ouvia há tanto tempo, aquela mesma voz que eu escutei diversas noites em uma obsessão sem fim ouvindo mil vezes sem parar um áudio de 8 segundos onde ela ria e dizia “me amor, amo você... dá p deixa de ser bravinha?”.
Eu não sabia o que falar, Isabela ficou olhando pro bebê, sorrindo.
Peguei ele nos meus braços, fiquei 2 segundos olhando pra ela, e Karla apareceu pelo mesmo lado que ela estava.
- Não deixa mais ele correr amor – ela passou por Isabela e ficou perto de mim – O que foi?
- Estava aqui falando pra Alana como esse bebê é fofo – Isabela falou se direcionando a pergunta dela.
- Vocês se conhecem?
- Sim... – respondi - Isabela...Karla. Karla... Isabela.
Karla estendeu a mão pra cumprimenta-la. Ela sabia, ela sabia quem ela era.
Odeio manter aparências, ser adulta e madura. Minha vontade era só mandar Isabela tomar no cu e seguir aquele corredor.
- Bom te ver, a gente precisa ir – falei, mas ao ouvir minha própria voz não a reconheci.
- Bom ver você também.
Isso durou 1 minuto ou menos, mas gastei uns 3 dias, martelando isso na cabeça.
Tinha acabado de chegar da faculdade e fui entrando num banho, ouvi Karla falando comigo, mas não entendi nada. Desliguei o chuveiro e pedi pra ela repetir.
- Parece que Isabela vai vir no aniversário de Heitor – ela disse, quase gritando.
Eu sai do jeito que eu estava do banheiro.
- Amor, por favor não brinca com isso.
Ela estava no celular, mas não me olhava nos olhos.
- Ela foi no meu instagram e curtiu umas 2 fotos da gente, a vontade que eu tinha era perguntar se ela é louca, mas mandei um direct perguntando se ela não queria aparecer no aniversário dele. O pior é que ela disse que vai.
- E por quê diabo você fez isso?
Ela finalmente me olhou nos olhos.
- Olha como você ficou, foi só vê-la, você parece um zumbi nos últimos dias. Eu percebo que não consegue dormir, não quero te perder, Alana, mas não quero te ver definhar. Se ela vier você vai conversar com ela, tira isso que tá dentro do teu coração, amor.