Capítulo 20
Ivan observava tudo ao seu redor: a churrasqueira de tijolos, as carnes nos potes que um dia foram de sorvetes, as garrafas de cervejas e os copos de plásticos. Tudo aquilo era novidade para ele, pois nunca havia frequentado os mesmos lugares que a classe C.
A princípio, sentiu um estranhamento e desconforto. Mas, está ao lado de Victor compensava o sacrifício. O menino o transmitia a sensação de paz.
O empresário foi muito bem recebido pela família de Victor. Gratos, todos fizeram o possível para deixá-lo confortável.
_ Vai uma cervejinha, doutor?_ perguntou Paulo entregando um copo de plástico.
Roseli olhou para o marido de uma forma repreendedora.
_ Onde já se viu oferecer esse tipo de copo para um rapaz tão fino?! Nem cerveja ele toma. Deve está acostumado com Uísque, prosecco, martíni. Meu querido, não temos nenhuma dessas bebidas chiques para te oferecer, mas pelo menos um copo decente temos.
A mulher foi até a cozinha e voltou com um copo específico para cervejas.
O que mais agradou Ivan foi o fato de observar que Victor não era discriminado pela família por causa da sua sexualidade. O garoto segurava a mão de Ivan e o beijava sem sofrer nenhuma represália, o que Ivan não estava acostumado no ambiente familiar, já que todos da sua família são homofóbicos.
Ele gostava da sensação de liberdade de poder ser quem é sem medo e sem sofrer preconceito por isso.
Outro fator que chamou a sua atenção foi o carinho que um tinha pelo outro, do afeto familiar, dos cuidados e amor que Victor recebia da família.
Sentiu uma leve inveja do garoto. Pensou o quão bom deve ser ter uma família diferente da sua, que se ama, se respeita.
Apesar da gratidão que sentia por Ivan, Andréia se sentiu um pouco enciumada com a reação de Victor ao receber um exemplar da primeira edição de Harry Potter, em inglês, autografado por J.K Rowling. O garoto vibrava de alegria, enchendo o rosto de Ivan de beijos.
Victor era muito fã da saga Harry Potter e ouvir Ivan falar sobres as suas visitas que fez aos parques temáticos de Harry Potter em Orlando deixava com brilho nos olhos. O empresário afirmou que um dia o levaria para conhecê -los.
No final da festa, o casal se abraçava no portão da casa.
Ivan sentia uma felicidade que nunca sentira antes. Ele tinha o rosto acariciado pelas mãos suaves de Victor.
_ Eu amei você ter vindo. Você me faz tão bem. Eu tenho muita sorte de te ter na minha vida.
_ Nada disso. O sortudo sou eu. Você é luz. Eu nunca me senti tão bem quanto eu me sinto ao seu lado. Menino, você não tem noção do poder que tem sobre mim.
Ivan deslizou os dedos nos lábios de Victor, em seguida segurou o seu queixo e o beijou.
_ A sua família é incrível.
_ Você tá falando sério? Eu fiquei com medo de você achá-los sem noção por eles falarem alto e serem desinibidos.
_ Eu gostei muito de todos. Nunca me senti tão confortável perto das pessoas como me senti perto de vocês. Essa é a família que tenho vontade de ter.
_ Sério isso?! Eu imaginava que a sua família deveria ser maravilhosa. Vocês são pessoas ricas e importantes. A sua mãe é tão bonita e elegante.
Ivan ficou sério.
_ São pessoas mesquinhas, hipócritas, interesseiras e entediantes. A minha mãe é como um ovo podre, por fora com a sua beleza e elegância não dá para perceber a podridão que há por dentro...todos nós somos assim.
Victor acariciou os cabelos de Ivan.
_ Eu sinto muito. Você é tão maravilhoso. Merece ser muito amado.
O empresário sentiu a consciência pesada por receber tanta gentileza de Victor, apesar do mal que causou ao menino.
_ Eu estou um pouco chateado por causa do Gael. Eu não gosto de magoar as pessoas.
_ Você não tem que se sentir mal por ele. Esquece o Gael. Eu não quero ver essa linda boquinha pronunciando aquele nome._ Ivan o beijou._ Eu sou muito ciumento.
_ Você não precisa ter ciúmes de mim. O meu coração é todo seu.
_ Só o coração não vale. Eu sou guloso. Quero tudo._ Ivan disse olhando de um jeito que Victor se sentiu nu.
_ Filho, está muito frio aí fora. Entre, que você pode ficar resfriado.
A voz de Andréia vindo da janela do segundo andar interrompeu o momento amoroso do casal.
_ Não é te expulsando, Ivan. É que Victor ainda não está cem por cento recuperado.
_ Eu já vou, mãe .
Ao perceber que ela entrou, Victor revirou os olhos para cima.
_ Eu amo a minha mãe, mas eu odeio quando ela pega no pé. Mesmo eu completando dezoito anos hoje, ela ainda me trata como se eu fosse criança.
_ É melhor você entrar, meu bem. Eu não quero que você fique resfriado.
_ Hum, pelo jeito a minha mãe ganhou um aliado.
_ Eu só quero o melhor para o meu namoradinho.
Victor sorriu e o beijou.
_ A gente tá namorando?
_ Com certeza. Eu não sou louco de deixar escapar um garoto tão maravilhoso como você .
_ Ah! Que lindo! Eu estou tão feliz. Meu dia hoje foi quase perfeito.
_ Eu quero ficar mais à vontade contigo. Posso te levar para jantar amanhã? Mas, já vou logo avisando que depois do jantar o senhor vai dormir comigo.
_ Com certeza. Aonde vamos?
_ Você escolhe.
_ Ah, não! Eu prefiro que você escolha.
_ Okay, então. Vou te fazer uma surpresa.
Ivan beijou Victor e pediu para ele entrasse. Temia que o namorado adoeçesse. Contudo, lamentava pela despedida. Desejava levá-lo embora para a sua casa e ficarem juntos a noite inteira.
Dirigindo o carro rumo a sua mansão, se viu pensando em Victor com um sorriso bobo. Como aquele garoto o fazia bem.
Depois de tomar banho, Victor vestiu o pijama e se abrigou debaixo do edredom da sua mãe. Como havia tendo pesadelos durante dias, pediu a Andréia para dormir no seu quarto.
Mãe e filho assistiam um filme juntos enquanto uma tempestade caía do lado de fora.
Andréia reparou que o filho estava mais feliz. Sorria sempre e suspirava quando estava pensando em Ivan.
_ Meu amor, o que está acontecendo entre você e o Ivan?
Victor a olhou sorrindo.
_ Estamos juntos. Ele me convidou para passar a noite com ele amanhã. Tem algum problema?
Andréia suspirou e acariciou o rosto do filho.
_ Eu te amo muito. Eu não quero que nada de ruim te aconteça.
_ Relaxa, mãe. O Ivan é uma pessoa maravilhosa e você sabe disso.
_ Sim. Ele nos ajudou muito. Tanto na parte financeira, quanto no apoio emocional. Mas, vocês vivem em mundos tão diferentes. Esse rapaz é muito mais velho que você, é muito rico, já viajou o mundo inteiro, fala três idiomas é um mega empresário...
_ Você está dizendo que o Ivan é bom demais pra mim?
_ Eu não disse isso. Eu acho que vocês são muito diferentes um do outro. Eu tenho medo que você se machuque.
_ O Ivan sabe que eu sou pobre, que só tenho dezoito anos , que a única língua estrangeira que falo é inglês e que nunca saí do Rio de Janeiro e mesmo assim ele me quer. Ele não se importa com as nossas diferenças.
"Além do mais, ele me faz tão bem. Eu me sinto tão feliz quando estou com ele. Eu sofri tanto com tudo que me aconteceu. Ainda tenho medo e pesadelos e o Ivan está me ajudando a superar."
_ Eu sei. Eu só torço pela sua felicidade. Temo que você sofra algum tipo de preconceito por parte da família dele.
_ Mãe, eu sou gay. Infelizmente, eu convivo diariamente com o preconceito. Não precisa se preocupar. O Ivan me faz feliz e eu quero fazer o mesmo por ele.
_ Tudo bem. Eu apoio a sua felicidade. Só vai com cuidado. Não se entregue de cabeça. E se acontecer qualquer coisa, você me ligue que eu vou te buscar.
_ Tá bom, mãezinha. Tá bom.
Victor a beijou no rosto.
Renato relaxava nu na banheira de hidromassagem, segurando uma taça com champanhe.
Do quarto ao lado ouviu um barulho de malas sendo feitas. Saiu da banheira.
Pela soleira da porta, observava Sônia nua pondo as roupas nas malas. Ele se aproximou, beijando a nuca da mulher.
Ela sorria, sentindo os pelos do corpo se arrepiarem.
_ Eu queria muito ir para Nova Iorque contigo.
_ Você sabe que não dá, querido. Você é os meus olhos e ouvidos naquela empresa._ Sônia disse, ficando de frente para Renato, envolvendo os braços no seu pescoço.
_ Você precisa me manter informada sobre os passos do Ivan.
_ Falando em Ivan, eu tenho uma novidade. Esses dias ele anda diferente. Está sempre de bom humor, risonho e me confessou que está apaixonado.
_ Quem é a pistoleira?
_ Ele não teve tempo de dizer, já que você chegou na hora. Mas, por que diz a moça é uma pistoleira? Vai que ela seja uma boa moça ou um bom rapaz.
Sônia o olhou com ódio.
_ Por me olha assim? Nós sabemos que o Ivan também gosta de homens.
_ Não diga isso do meu filho. Eu não tenho filho veado. O que aconteceu no passado foi um deslize. Uma má influência que sofreu do meu sobrinho. Esse sim é um degenerado. Também não poderia ser diferente, já que a minha irmã é uma vagabunda.
_ Ninguém vira gay por influência, meu bem. Você está sendo preconceituosa.
_ Eu não sou preconceituosa! Só não concordo com as coisas erradas. Isso é imoral! Eu prefiro que o Ivan morra ao invés de me fazer passar essa vergonha. Aliás, tudo hoje em dia é preconceito! Essas minorias já amam se vitimizar e pessoas como você só ajudam eles a fazerem isso. O mundo anda muito chato.
Sônia se afastou de Renato e começou a se vestir enquanto falava:
_ A minha preocupação é com o patrimônio da família. Eu conheço o Ivan e ele tem uma quedinha por pobres coitadas. Primeiro namorou uma professorinha, depois aquela água de salsicha da Carla, que é outra fodida. Tenho medo dessa atual ser a empregada da casa ou uma moradora de rua. Você precisa descobrir quem é. Quero tudo. Nome, idade, profissão... se é quem tem uma.
_ Pode deixar. Agora me dá um beijinho.
Renato a puxou para si e a beijou.
O caso deles já durava uns dez anos. O executivo sempre foi o informante de Sônia desde a época que Raúl presidenciava a empresa. Ele conseguiu conquistar a amizade da família Matarazzo, principalmente de Ivan, que o conhece há vinte anos e gostava mais de Renato do que dos próprios pais.
_ Eu tenho que ir. Mas, não se esqueça de manter informada e descobrir quem é a pilantrinha. Na certa é alguma garotinha gostosinha, caçadora do milionários otários, como essas que o Raúl gostava de gastar rios de dinheiro.
_ Do que jeito que ele está apaixonado, acho que essa é especial.
_ Esse é o perigo. O Ivan pode ficar bobo nas mãos dela. Quando eu voltar de viagem, espero já saber a identidade dela até lá, vou dar um jeito nessa pistoleira. Se ela tá pensando que vai deitar e rolar com o meu dinheiro, ela muito enganada.