ESCRITO POR SANTINO PEIXOTO:
É tão bom estar namorando. A gente saí, se 'pega' e compartilha vários sentimentos. O Kleber é um namorado perfeito, preocupado e prestativo, por enquanto, não tenho reclamações sobre ele.
Os dias foram passando e fomos nos conhecendo mais. Acompanhava de perto a situação da casa deles. Graças aos protestos, todos os moradores ganharam casas populares. Elas estavam sendo construídas em um novo bairro da cidade. Aparentemente, eles ficariam mais um tempo no apartamento.
— Tino, se tiver problema para você, a gente pode buscar outro lugar. — comentou Kleber, enquanto seguíamos para a quadra de natação da universidade.
— Para com isso. Você e a Bruna não estão me dando problema nenhum. Inclusive, a mãe de uma colega de escola vai fazer um bazar de móveis. Podemos ir lá, o que acha? — perguntei andando ao lado do Kleber.
— Sério? Perfeito. Acho que podemos dar uma olhada.
— Você nem parece nervoso com a eliminatória. — falei, pensando que se fosse eu no lugar do Kleber estaria uma pilha de nervos.
— O nervosismo é bom, Tino. Você só precisa controla-lo. Eu treinei a semana inteira e fiz um bom tempo. Os outros alunos que lutem. — piscando e fazendo final de positivo com os dedos.
— Bobão. Eu estava pensando, no dia 15 fazemos um mês de namoro. Quer fazer algo especial ou...
— Ah, não se preocupa, Tino. Estou cuidando de tudo. — ele disse me interrompendo e pedindo para eu cancelar todos os planos no dia 15 daquele mês.
Encontramos o André e Enzo já na arquibancada. A Giovanna não demorou muito para chegar. A torcida do Kleber era grande, até cartaz de boa sorte fizemos para prestigia-lo. Afinal, que tipo de namorado eu seria se não preparasse um cartaz?
De acordo com o Enzo, a competição seria na piscina semiolímpica, menor que a utilizada em competições convencionais de natação. O André brincou e chamou o Enzo de Enciclopédia ambulante, pois, conhecia de tudo um pouco.
Ele ainda explicou que a natação é um ótimo exercício porque trabalha o corpo e a mente. Eu concordei, pois, nos piores dias da minha vida gostava de ficar de bubuia na água. A sensação de vazio pode ser uma boa quando estamos desesperados.
O Kleber entregou sua mochila para mim e os nossos amigos começaram a brincar sobre sermos um casal. É engraçado, na minha adolescência ouvia piadas constantemente, a maioria maldosa e a respeito do meu peso, eu ficava arrasado.
Agora, a piada sou eu de novo, mas não é uma questão pejorativa. Eles estão felizes por sermos um casal e isso virou uma brincadeira fofa, pois, não há maldade nenhuma.
— André, você pode segurar minha mochila? — perguntou Enzo, fazendo uma péssima imitação de Kleber.
— Claro, meu príncipe da armadura dourada. — respondeu André, jogando os dreads para o lado direito e quase acertando Giovanna, que entrou na brincadeira.
— Oh, algum rapaz sensível e heroico poderia segurar minha bolsa da Prada? — colocando as mãos no rosto como uma mocinha de novela.
— Idiotas. Eu não tenho culpa de ter o melhor namorado do mundo. — afirmou o Kleber, se aproximando e colocando a toalha no meu pescoço. — Né, ursão? — me beijando.
A professora de educação física apareceu e agradeceu a todos os participantes. O Kleber seguiu para a raia e encontrou os outros competidores. Ele estava um espetáculo, usava uma sunga preta com detalhes brancos na lateral, a touca preta também e sandálias brancas.
Todos ali andavam orgulhosos com seus corpos perfeitos à mostra. Nunca na minha existência que faria algo do tipo. Porém, continuo achando o MEU NAMORADO, o cara mais gostoso entre os participantes.
Uma buzina me traz de volta à realidade. O primeiro revezamento aconteceu de forma tranquila. Eram 10 alunos por vez, o Kleber já se aquecia para a sua entrada. Pelo o que entendi, os alunos teriam que mostrar seu desempenho em cinco estilos diferentes: costas, peito, golfinho, livre e medley.
Fiquei cansado apenas com a explicação da professora. Eu encaro a piscina como um método de relaxamento e não de tortura. Enquanto os alunos se "matavam" para cumprir os requisitos, os fiscais ficavam analisando e escrevendo sobre a atuação deles.
Finalmente, chegou a vez de Kleber. Quando estou nervoso, as minhas mãos ficam suadas e não foi diferente dessa vez. Estávamos em uma distância pequena entre a arquibancada e piscina, então, não seria um problema assistir a prova.
— Vai, Kleber!!! — gritou Giovanna chamando a atenção de todos e rindo sem graça. — Desculpa.
— Arrasa! — exclamei mostrando o cartaz para a direção do Kleber.
— Vai, irmão. Dê o seu melhor! — pediu André assobiando.
— Vai, Kleber! — Enzo aplaudiu e ficou na expectativa da competição.
Eu queria muito passar toda a minha força para o Kleber. Ele estava na beira da raia, pensativo e concentrado. Antes de subir na plataforma, o Kleber colocou a toca e os óculos de natação. A professora deixou que os competidores seguissem para as suas respectivas plataformas.
Nunca participei de nenhuma competição. Não faço a mínima ideia do que se passa na nossa cabeça durante os segundos que antecedem a largada. É tudo muito rápido, a professora deu o sinal e os atletas pularam na água. Por alguns instantes, eu perco o Kleber de vista, eles nadam por debaixo d'água, porém, na segunda volta, ele emerge e tenho uma visão mais clara.
O Kleber se torna o rei da piscina. Ninguém tem chance contra ele. Eu nunca gritei tanto na minha vida, quase fiquei rouco. Após uma prova intensa, o Kleber ganha a competição e, dessa forma, garantiu uma vaga no Clube de Natação da Ufam. Graças a Deus, que no clube de artes não foi preciso um desafio.
Confesso que fiquei super feliz, pois, o MEU NAMORADO passou por muitas provações nos últimos tempos. Descemos da arquibancada e corremos para parabeniza-lo. Entreguei a toalha para o Kleber, ele está ofegante, porém, feliz com o resultado positivo.
Enquanto os nossos amigos o parabenizam, eu lutei para evitar o corpo dele. Como eu já disse, o Kleber tem um corpo lindo, porém, molhado é uma delicia. Pena que o espetáculo dura pouco tempo, pois, chegou a minha vez de cumprimenta-lo. Na verdade, o abracei sem me preocupar em ficar molhado.
— Parabéns, bebê. — falei sem pensar, tirando um riso abafado do Kleber.
— Obrigado por torcer, bebê. — ele respondeu me dando um selinho e passando a mão no meu cabelo.
— Kleber Viana? — perguntou a professora de educação física se aproximando.
— Sim, professora. — Kleber acenou, antes de colocar a toalha em volta do pescoço.
— Você fez o melhor tempo da segunda prova, parabéns. Os treinos vão ser intensos, então, vá se preparando. Em breve, vamos criar um grupo para o clube. — anunciou a professora acenando com a cabeça e saindo.
Uau. MEU NAMORADO é uma lenda da natação. Para comemorar, fomos à uma churrascaria. No caso, o Kleber, Giovanna, André, Enzo e eu. A gente acabou virando um grupo unido, sempre um ajudando ao outro de alguma forma. Uma vez que os alunos no curso de design, em sua maioria, eram velhos e não ligavam para jovens inexperientes.
Aproveitava todo o tempo que eu tinha com o Kleber. Nessas horas, eu sentia saudades do ensino médio. A faculdade e clube preenchiam uma boa parcela do meu tempo, principalmente, no período da tarde.
Durante uma das aulas, uma mensagem apitou no meu celular. Olhei no visor e li o nome do Yuri, nem pensei duas vezes antes de abrir.
***
Yuri Teixeira:
— Oi, Santino. Tudo bem? Espero que sim. Desculpa estar sumido esses dias, mas gostaria de tomar um café comigo?
Santino Peixoto:
— Claro. Adoraria. Só marcar o horário.
Yuri Teixeira:
— Hoje, umas 19h. No Café dos Sonhos.
Santino Peixoto:
— Perfeito. Estarei lá.
***
Vish. Qual o motivo desse encontro? Será que os meus amigos estavam passando por algum tipo de problema? Eu não conseguia tirar a mensagem de Yuri. As horas pareciam passar devagar, o relógio podia ser um inimigo habilidoso. No horário da saída, expliquei para o Kleber que encontraria o Yuri.
Droga, logo hoje que eu não trouxe uma roupa extra. Vou ao banheiro e me arrumo como dá. Dou um trato no cabelo, escovo os dentes e passo um perfume na camisa. Não existe mais nada que possa fazer para melhorar o meu visual.
Dirijo até o local do encontro e percebo que o carro do Yuri já está estacionado na cafeteria. Respiro fundo, verifico minha carteira e celular, aparentemente, não falta mais nada (só coragem). Nem preciso dizer que sou o tipo de pessoa que sofre por antecipação.
Quer ver o pesadelo na minha vida é alguém chegar para mim e falar: "Tenho algo para te contar, mas não agora. Depois nos falamos". O meu cérebro, de uma maneira distorcida, consegue inventar milhares de possibilidades para uma tal conversa.
De longe avisto o Yuri. Ao sentar, ele conta que já pediu um mocaccino e uma torta holandesa. Durante essas últimas semanas, virei um especialista em "ler" os meus amigos. Percebi que o Yuri não estava 100%. Aparentava estar preocupado. Será que era devido ao pedido de casamento?
— Yuri, você está bem? — perguntei, deixando o cardápio na mesa e voltando minha atenção para o Yuri.
— Amigo. Você que tinha que pedir conselhos, né? Acontece que a minha rede de apoio está viajando. Meus amigos George e Jonas estão em uma segunda lua de mel. E o Hélder, uma figura de pessoa, também não está na cidade. — ele explicou suspirando fundo.
— Entendi. Eles parecem ser legais.
— Eles são. Um dia você vai ter o prazer de conhece-los, prometo. — disse Yuri, sendo atrapalhado pela garçonete que deixou os seus pedido.
— O senhor vai querer alguma coisa? — perguntou a garçonete, tirando uma caderneta e caneta do avental e olhando na minha direção.
— Quero o mesmo, um mocaccino e torta holandesa, por favor. — pedi com toda a educação do mundo.
— Já trago o pedido. — saindo.
— Então, Yuri? Qual o problema, não gosto de te ver com essa carinha triste. — questionei, antes que outra pessoa atrapalhasse.
— O Zedu. Ele ainda continua com dificuldade em se adaptar em Manaus. — ele contou me fazendo notar uma melancolia em sua voz.
— Nossa, Yuri. Que tenso. Acho que ele deveria conversar com um profissional. Eu tive ótimos terapeutas. Ele perdeu um irmão, né? Por isso, esse trauma de Manaus. — achei melhor ser neutro para evitar escolher lados.
— Sim. Já marcamos com uma terapeuta, mas tenho medo dele reviver feridas antigas. — disse Yuri comendo um pouco da torta holandesa.
— Yuri, o Zedu precisa enfrentar de frente esses problemas para poder seguir em frente. — comentei.
— Sim. Ele está disposto a tentar.
— Que bom. Fico feliz.
— Agora, vamos deixar o clima menos pesado. Me fala como está a tua relação com o Kleber?
— Estamos namorado. Ainda nos conhecendo. — contei, ficando todo vermelho por lembrar que estou namorando.
— Aproveita. Esses são os melhores momentos da relação. O início é sempre mágico. — revelou Yuri, respirando fundo e tomando o moccacino.
Sim. O Yuri tem razão. Este é um momento importante do meu relacionamento. Estamos nos ajustando a uma nova realidade. Não vou mentir, se acostumar com o jeito do Kleber é difícil. Ele é um cara sociável e solar. Se eu quiser acompanhar a velocidade dele preciso me esforçar mais.