ESCRITO POR KLEBER VIANA:
Você já ficou nervoso a ponto de vomitar? Eu já. A mamãe trouxe a notícia que Dona Úrsula nos convidou para jantar. Eu não estava preparado para aquela reunião familiar, por isso, depositei todo o meu suco verde no vaso sanitário.
A dona Bruna, por outro lado, achou bacana o convite da mãe de Santino, porém, não escondeu o nervosismo e pensou em uma receita bacana para impressionar.
Ela decidiu ligar para tia Luciana e pediu a receita da torta de limão da vovó. Enquanto as duas mais fofocavam do que passavam a receita, eu liguei para o Santino.
— Amor, tem certeza que é uma boa ideia esse jantar? — perguntei, com medo da realidade entre nós ou de fazer alguma coisa errada durante o encontro com a sogrinha.
— Acho que sim. Porquê? — ele questionou de forma seca, me causando uma certa estranheza.
— Bem, eu não sei. Somos de universos diferentes, né? Eu não quero fazer feio e...
— Não se preocupa, Kleber. Eu estou um pouco ocupado agora, daqui a pouco te ligo. Beijos. — desligando o telefone de forma abrupta.
— Kleber? — pensei, achando estranho ser chamado pelo nome.
Que atitude foi essa, por que ele desligou na minha cara? De repente, o Santino enviou um meme de uma criança correndo e a frase: "Quem nunca escutou a mãe falando 'se correr é pior', não sabe o que é indecisão".
Olhei para a tela do celular, ainda sem entender o que estava acontecendo. Então, ele enviou um áudio rindo e falando para não se preocupar com a sua mãe.
— Está tudo bem, Kleber. Deve ser o nervosismo. — falei deitando na cama e respirando fundo, pensando em todos os cenários que eu poderia estragar minha relação com a mãe do meu namorado.
O meu corpo ele é imperativo. Faltavam apenas cinco horas para o jantar na casa do Santino, a mamãe saiu para o supermercado e o Thor dormia profundamente no sofá. Estava só, apenas eu e o meu coração nervoso, que começou a palpitar forte.
Calcei o meu tênis e decidi correr pelo bairro. Eu não conhecia muito aquela região, então, seria a oportunidade perfeita para fazer um reconhecimento de área.
Por muita sorte, a gente conseguiu uma casa no Centro da cidade. Antigamente, essa parte era marginalizada, mas a Prefeitura resolveu intervir e conseguiu criar um conjunto habitacional.
Durante a corrida, descobri que havia uma padaria, mercado e, até mesmo, um bar na esquina de casa. As pessoas aparentavam ser gentis, assim como eu, a maioria buscava por uma melhor qualidade de vida.
Apesar de ser mais velho que o Santino, assim como ele, eu não tenho muita experiência com relacionamentos. Nunca durante os meus 20 anos, precisei conhecer os pais de ninguém. Afinal, os meus dois primeiros relacionamentos ainda estavam dentro do armário. Tudo bem, que eu não era um estranho para a Úrsula, entretanto, ficava com os dois pés atrás.
Cheguei em casa e fui direto para o banheiro. Eu não tenho muito pelos faciais, não fui abençoado como o Yuri, ele tem uma barba cheia e bonita. Arranquei os poucos fios com uma pinça e tomei um banho demorado. Me certifiquei para que cada parte do meu corpo estivesse limpinha.
Ao sair, encontrei a mamãe na cozinha. Ela estava com uma toalha na cabeça, deixando o cabelo hidratando com um creme de melão (muito cheiroso por sinal), enquanto preparava a torta de limão.
No meu quarto, deixei a roupa passada em cima da cama. Não queria decepcionar a sogrinha, por isso, escolhi uma calça social preta, um sapato orford (o mais caro que já comprei), uma blusa social 3/4 e um colete cinza escuro (cortesia do Enzo). Ao vestir todas as peças, olhei no espelho e me assustei.
— Nem parece eu. — comentei para mim mesmo.
— Filho! Me ajuda com esse vestido. — mamãe entrou no quarto e ficou impressionada comigo. — Espera, cadê o meu filho? — olhando em volta, fazendo uma daquelas cenas vergonha alheia que toda mãe adora.
— Para. — a repreendi ficando vermelho de vergonha e colocando às mãos no rosto.
— Sério, Kleber. Você está muito lindo. — mamãe se aproximou e arrumou o colete. — O Santino tem uma sorte tremenda em ter você.
— Eu que tenho. Só não quero que nada dê errado mãe. — falei, externalizando o medo que eu tinha de cometer alguma gafe.
— Não se preocupa. Agora me ajuda com esse vestido. — ficando de costas para mim. Depois de quase 10 minutos tentando colocar a mamãe no vestido, a gente se organizou para ir à casa do Santino. O Thor, coitado, ficou todo animado, correndo de um lado para o outro, porém, aquele passeio não era para ele.
O levei para a área externa, verifiquei a água e ração. Passei a mão em sua cabeça e me desejei boa sorte. A mamãe segurava nas mãos a torta de limão e pediu para que eu chamasse um Uber.
***
Mozinho:
Estamos a caminho. Me deseja sorte, mozão.
Mozão:
Boa sorte, mozinho. Tenho certeza que você vai arrasar.
***
Cada vez que o carro se aproximava da casa do Santino, um pouco da minha alma ficava no caminho. Não tinha superado o fato daquele condomínio ter três guaritas na entrada. Será que alguma autoridade como o prefeito ou governador mora ali? Poderia ser uma resposta para uma segurança tão reforçada.
Olhei para o lado e a mamãe observava as mansões. Ela já esteve ali, mas em uma situação de estresse e nem chegou a sair do carro. Desteto até pensar neste dia horroroso e desnecessário.
Naquela noite, a dona Bruna estava deslumbrante com o seu vestido vermelho, uma verdadeira rainha. Ela não deixava nada a desejar para aquelas peruas metidas do condomínio.
O Santino já nos esperava na entrada de sua casa. Ele também estava um gato. Usava uma camisa rosa com suspensório. Eu sabia que ele detestava usar esse tipo de roupa, porém, a ocasião pedia algo mais formal, principalmente, devido à sua mãe.
— Boa noite, Bruna. Boa noite, Kleber. — ele nos cumprimentou, como se estivesse cumprindo um roteiro de formalidades.
— Boa noite, Santino. Você está muito elegante. Nunca te vi com gel no cabelo. Uma gracinha. — disse mamãe, coberta de razão, pois, o Santino ficava uma gracinha com gel no cabelo. — Ah, eu trouxe uma torta de limão. — entregando a torta para o Santino.
— Obrigado. Vamos entrar?
Será que o Santino estava tão nervoso quanto eu? Acho que o placar desta partida é 0 x 0, afinal, nunca passamos por tal situação na vida. Ao entrarmos, a mamãe ficou boquiaberta com a decoração da sala.
Tudo naquela sala é planejada. Porém, ao conhecer a Úrsula, percebi que existe muito da personalidade dela na casa. Não existe outra palavra para descrever aquele lugar, apenas, perfeição. Com certeza, eles gastaram uma nota para pagar um bom arquiteto.
Quem já nos aguardava eram Dona Úrsula e, para o meu desprazer, Sérgio. Sério que ele ia participar de um jantar entre famílias? Precisei respirar fundo e pedir ajuda aos deuses ursinos para me ajudarem.
— Mãe, essa é a Bruna Viana, mãe do Kleber. Bruna, essa é a minha mãe, Úrsula. — disse Santino apresentando as duas, dando um sorriso lindo, porém, nervoso.
Um beijo para cá, abraço para lá. A Dona Úrsula fez um ótimo papel de anfitriã. Ela já devia estar acostumada em receber pessoas daquela maneira. Sério, nunca vi uma pessoa tão educada, quanto ela.
Para a minha surpresa, a mãe do Santino apresentou Sérgio como o seu filho postiço. Realmente, ele cavou o seu lugar no meio da família Peixoto, como um verdadeiro parasita.
— Ah, Bruna. Por favor, sente-se. Eu vi que você trouxe sobremesa. Filhote, por favor, leve para a cozinha e peça para Gertrudes servir após o jantar. — disse Úrsula sentando em uma poltrona vermelha, pegando uma taça de champanhe e tomando.
— Com licença. — disse mamãe sentando de frente para Úrsula. — Eu quero agradecer pelo jantar, o Kleber nunca me levou para conhecer a família de um namorado antes, ainda mais quando se trata de um jovem gay.
— Te entendo. É a primeira vez que conheço um namorado do Santino. Aparentemente, o seu filho é o primeiro. Mas eu sou muito tranquila quanto a isso, ao contrário do traste, digo, do pai dele. Um homem homofobico e machista, entretanto, me banca, então, um brinde aos homens! — levantando uma taça e se tocando que seus convidados estavam sem. — Sérgio, filhote, sirva os nossos convidados, por favor.
— Claro. — Sérgio respondeu, parecendo encantador, pois, foi o que mamãe falou sobre ele (traidora).
Que atuação! Olha, preciso dar o braço a torcer, o Sérgio estava fazendo a atuação de sua vida. Super solicito comigo, nem parece a mesma pessoa que me ameaçou. Ele serviu champanhe e nos entregou as taças.
Depois de uns minutos, Santino se juntou a nós e também bebeu champanhe. Ele tentava levar a conversa sempre para lados mais agradáveis, evitando qualquer tipo de constrangimento.
— Senhora, o jantar está serviço. — anunciou uma moça vestindo uma roupa engraçada, depois percebi que era a chef maligna.
— Obrigada. Queridos, vamos para a sala de jantar? — sugeriu a mãe de Santino, levantando e deixando a taça na mesa.
Enquanto o pessoal se dirigia para sala de jantar, puxei o Santino pelo braço e o levei para a sala. Dei um mega beijo no meu namorado. De início, ele gostou, mas, eventualmente, pediu para que eu parasse.
— Você está estranho, amor. Aconteceu alguma coisa? — perguntei, arrumando o cabelo dele.
— A gente prometeu que não ia manter segredos, né? — Santino me respondeu com outra pergunta e parecia incomodado com algo.
— Claro. — respondi, curioso para saber o que lhe afligia.
— Você é o ex-namorado do professor Francisco?
— Eu... eu...
— É ou não, Kleber. A pergunta é simples.
— Sim. Nós namoramos por alguns meses, mas a gente não tem mais nada, Santino. Juro para você. Ele me persegue desde o dia que pisei na Ufam...
— Kleber. Está tudo bem. Eu sei que você não está procurando ele, porém, fiquei chocado quando descobri que vocês namoravam. — Santino me cortou e garantiu que estava tudo em entre nós. — Desculpa, agir dessa maneira. Vamos curtir à noite?
— Ei, pombinhos. — disse Sérgio chamando nossa atenção de maneira irônica, mostrando sua verdadeira face.
— Merda, Sérgio! — exclamou Santino se recompondo do susto.
— Tua mãe está chamando. — explicou Sérgio fazendo uma cara estranha.
Estraga prazeres!!! Toda vez que o Sérgio aparecia era para dificultar minha vida. Eu sabia que sua máscara de bom moço não ia durar por muito tempo.
Confesso que fiquei mal por esconder do Santino sobre o meu relacionamento com o Kiko, juro que procurei uma oportunidade de falar, porém, as circunstancias foram adversas.
O resto do jantar aconteceu da melhor maneira possível. Como havia observado, a Úrsula conseguia entreter os seus convidados com um cuidado impar. Pontos para a sogrinha. Ela também aprovou a sobremesa da mamãe, até repetiu, o Santino também.
Aos poucos, o nervosismo foi passando e consegui aproveitar à noite, mesmo com o Sérgio me agoirando. Eu não conseguia entender qual era a dele. Será que a morte da mãe fez toda essa mudança? Ninguém muda da noite para o dia. Isso é impossível.
A conversa entre nós fluía de forma tranquila. A Úrsula contou sobre algumas aventuras que o Santino viveu na infância, como o dia em que encheu o quarto de sapos ou quando participou do concurso criança de ouro.
Essas histórias mostravam um lado mais espevitado do meu namorado, um garoto alegre e cheio de luz. A mamãe também não deixou barato e lembrou de algumas peripécias que aprontei na infância.
— Eles crescem e continuam sendo os nossos bebês, né? — comentou Bruna olhando com carinho para mim.
— Verdade. O Santino é um grande bebê. Eu tinha medo da forma como ele enfrentaria o mundo, mas ainda bem que achou pessoas descentes como o Sérgio e o Kleber. Eu sei que não sou a melhor mãe do mundo, porém, nunca é tarde para mudar. — reconheceu Úrsula, talvez, arrependida da forma como tratava o Santino.
— Você está certa, Úrsula. Nós os criamos para o mundo. — concordou a mamãe olhando para o relógio e se assustando. — Nossa são meia-noite?
— A conversa estava tão agradável que nem percebi. — soltou Úrsula rindo e tomando um gole de vinho.
— Infelizmente, nós precisamos ir. Trabalho bem cedo. — explicou mamãe deixando o copo sob a mesa.
— Sério, essas empresas capitalistas, né? Onde você trabalha? — quis saber Úrsula.
— Trabalho na Secretaria Municipal de Limpeza, eu sou gari. — disse mamãe, sem qualquer tipo de constrangimento.
— Oh, entendi. Deve ser um trabalho bem cansativo. Santino, você poderia leva-los para casa. — pediu Úrsula. — Na próxima vez, a gente marca em um horário mais cedo. Eu vou adorar receber vocês aqui.
— E, por favor, tragam o Thor. Ele é uma figura. — Sérgio pediu dando um sorriso sínico, conquistando o coração da minha mãe.
Sobrevivi ao primeiro encontro entre as sogras e, aparentemente, elas se deram bem. A Dona Úrsula pode ser uma mulher fora da caixinha, mas sabe muito bem como receber suas visitas. Depois de nos despedimos, fomos para o carro do Santino. Confesso, eu estava um pouco alto devido ao vinho, mas consegui disfarçar bem.
No caminho para casa, fomos conversando sobre as primeiras impressões da mamãe com a mãe dele. Graças aos protetores dos genros desesperados, elas conseguiram uma conexão sincera. O Santino afirmou que a mãe sempre teve a mente aberta para os assuntos mais delicados, como a sexualidade do filho.
Quando chegamos em casa, a mamãe saiu do carro e seguiu para casa. O Santino e eu, ficamos namorando na frente do conjunto habitacional, dentro do carro, diga-se de passagem. Não conseguia resistir aquela boca rosada que me enchia de felicidade e desejo.
— Santino, eu te amo muito. — falei ofegante entre um beijo e outro.
— Eu sei, Kleber. Desculpa a minha insegurança. — ele lamentou parecendo estar arrependido de duvidar de mim.
— Não é essa questão, amor. Eu sei que você é inseguro, mas precisamos ter cuidado com o Kiko. Ele é mais ardiloso do que pensei. Não deixa ele colocar coisas na tua cabeça. — expliquei, tentando não assusta-lo.
— O que aconteceu entre vocês? — Santino perguntou se afastando e esperando uma resposta convincente.
— Ok. Acho que você merece isso, porém, eu preciso que você não me julgue, Santino. — pedi, sabendo que ele poderia ficar chocado.
— Eu prometo, amor. Te julgar é a última coisa que farei. — garantiu Santino pegando no meu rosto.
— Há dois anos, eu conheci o Kiko e começamos um relacionamento, mas ele sentia prazer quando eu ficava com outros homens. Na época, eu era jovem e idiota demais para pensar em sentimentos, então, entrei na onda dele. No final, percebi que não queria aquilo para a minha vida e decidi terminar. O Kiko nunca aceitou e virou uma grande pedra no meu sapato. Eu só não quero que isso afete o nosso namoro. — abri o meu coração para o Santino, pois, temia as armadilhas do Kiko.
— Que horrível, Kleber. Eu sinto muito. Eu prometo que vou tomar mais cuidado. E qualquer dúvida vou perguntar direto para você. — meu namorado fez uma cara de safadinho, afastou o meu banco e o resto deixo por conta da imaginação de vocês.
Estou cansado das brincadeiras do Kiko. Ele é um homem feito, não tem necessidade de agir igual um moleque. Marquei um encontro com ele para tentar acabar com qualquer esperança. Os comentários dele já estavam indo longe demais.
Para evitar qualquer tipo de cena, marquei em um lugar público, um shopping que ficava perto da faculdade. O Kiko usava uma blusa que ganhou de mim, um pouco antes da gente terminar. Coloquei a minha máscara de indiferença, o amor que eu sentia foi se transformando em pena.
— Escuta. Eu vou falar pela última vez, eu não amo você. Estou namorando o Santino e contei toda a nossa história para ele. Kiko, você precisa me deixar ir. Encontrar pessoas da sua idade, alguém que te ame. — falei ainda em pé, sem paciência para insistir mais.
— Kleber. Eu não consigo te esquecer. Eu juro que tentei, mas você foi muito importante na minha vida. Eu preciso de uma chance. O Santino é imaturo, não sabe nada sobre relacionamento. Logo, você vai se cansar dele. — o comentário dele me fez perder a paciência.
— Chega! — gritei chamando a atenção de algumas pessoas. — Se eu descobrir que você andou falando de mim para o Santino, eu juro que te dou uma surra! — me aproximei e apertei o braço do Kiko com violência.
— Não me bate, por favor. — ele pediu com os olhos vermelhos e deixando escorrer algumas lágrimas.
— Acho que nem a minha pena você merece. — disse o soltando e saindo da praça de alimentação.