ESCRITO POR SANTINO PEIXOTO:
(gritos internos) O Kleber fez uma declaração maravilhosa no seu status do Instagram. Já estamos no terceiro mês de namorado. Confesso, não é uma coisa simples, só que o dialogo sempre foi o pilar principal da nossa relação.
Graças a Deus, o Francisco não jogou mais indireta para nós. Nessas últimas semanas, a faculdade se tornou um "calabouço do mal", essas foram palavras de Giovanna.
Tivemos que entregar quatro trabalhos em cinco dias. A minha saúde mental estava em grande risco, no clube de artes, as coisas continuavam tranquilo, o Well se tornou um grande aliado e, aos poucos, integrava o nosso grupo.
— Estou exausta. — disse Giovanna jogando os livros na mesa, sentando e encostando a cabeça nos livros.
— Você cansada? Eu tenho três projetos, trabalho e ainda tem um último campeonato de natação. — o Kleber falou, iniciando uma disputa para saber quem estava mais na merda.
Sempre nos reuníamos nos intervalos da aula, até mesmo o Sérgio deu o braço a torcer e integrou a turma. Ele e Giovanna se preparavam para participar do Festival de Música da Ufam. Aparentemente, os membros do Clube de Música eram obrigados a participar.
— Já escolheu a tua canção? — perguntou Giovanna a Sérgio, ainda com a cabeça sob os livros.
— Estou vendo umas possibilidades. Você vai de playback? — ele quis saber, enquanto, olhava algumas mensgens no celular.
— Sim, não quero fazer nada de errado. Gente, vou dormir por uns cinco minutos. — anunciou Giovanna apagando.
— E você, Santino? — Sérgio perguntou cruzando os braços. — Não está cansado?
— Um pouco, mas estou de boas. Só ansioso para o pedido de casamento do Yuri para o Zedu. — expliquei, enquanto massageava o Kleber que cochilava.
— O irmão da Giovanna? Que legal. Se precisarem de ajuda. Podem contar comigo. — se dispos Sérgio, querendo participar mais das atividades do nosso grupo.
— Ele não precisa. — murmurou Kleber, ainda de olhos fechados, aproveitando a minha massagem.
— Olha, o baixa renda é fofoqueiro. Enfim, ainda bem que não preciso da sua permissão. Vou pessoalmente falar com o Yuri. — comentou Sérgio se levantando. — Bem, meninos e menina, eu vou andando tenho que terminar uma maquete. — saindo da área de convivência dos alunos.
— Ele é sempre desagradável assim? — Enzo perguntou, depois de tirar os fones de ouvido, provavelmente, não querendo manter uma conversa com o Sérgio.
— Ele é gato, mas é insuportável. — afirmou André que parou de ler um livro e voltou a conversar conosco.
— Não. Só de segunda a domingo. — soltou Kleber, ainda de olhos fechados.
— Qual é, gente. O Sérgio está tentando. Ele perdeu contato com todos os amigos do ensino médio. Eu tenho pena da solidão dele. Eu já estive nesse lugar. — procurei uma maneira de amenizar a barra do Sérgio, que não se esforçava para fazer amizades.
Entre um trabalho e outro, buscava oportunidades para ajudar o Yuri. Ele estava uma pilha de nervos por causa do pedido de casamento. A ideia era fazer uma festa fake e durante uma homenagem, o Yuri faria o pedido para Zedu.
Fizemos uma reunião em casa. O Hélder ficou apaixonado pela minha mãe. Ela continuava impressionada com a quantidade de amigos que eu estava fazendo. A dona Úrsula se sentia uma adolescente ao lado de Jonas e Hélder.
O coitado do Yuri queria focar no pedido de noivado, mas toda hora alguma coisa tirava o foco do grupo. Principalmente, quando a mamãe aparecia e soltava algum comentário (que na cabeça dela deveria ser engraçado).
Em um dos intervalos, o Yuri se afastou e ficou olhando para piscina. Reuni coragem e fui conversar com ele.
— Ei. Está nervoso? — perguntei assustando o Yuri.
— Ei. Nossa. — respirando fundo. — Mas, respondendo a sua pergunta: sim. Estou apavorado.
— Yuri. Vocês se amam. O Zedu é louco por você. Só vejo um cenário possível para esse pedido, o sim. — aconselhei pegando no ombro dele.
— Olha só. Santino Peixoto, o reizinho dos conselhos. Você evoluiu demais, parabéns. — as palavras de Yuri me deixaram envergonhado.
— Você já escolheu o local para a surpresa? — quis saber ficando ao lado dele.
— Ainda não. Lá em casa não vai rolar, o Zedu quase não está saindo de casa por causa dos trabalhos remotos.
— Que tal aqui? A mamãe adoraria uma festinha, principalmente, sendo um pedido de noivado. Poderíamos montar o telão no jardim, a mesa de doces perto da piscina e o Sérgio falou que pode conseguir uma banda para tocar ao vivo.
— Sério? Não brinca comigo, por favor. — soltou Yuri com os olhos brilhando.
Eu não tive tempo para reagir. O Yuri me deu um abraço de urso, doeu até a minha costela. Fiquei feliz em participar deste momento tão importante. É muito bom ver meus amigos seguindo um caminho tão lindo.
Fomos conversar com a mamãe. Nem preciso dizer que a resposta foi positiva, inclusive, ela disponibilizou toda a equipe da casa para ajudar na organização da festa.
— Gente! — exclamou Hélder. — Porque eu fiz amizade com vocês duas? — olhando com desdém para Jonas e George, andando até mamãe e a abraçando. — Úrsula, querida, você não está precisando de uma melhor amiga?
Contei a novidade todo animado para o Kleber. Ele estava muito cansado devido à rotina de trabalho e estudo, então, naquela semana, passamos a fazer apenas programas mais tranquilos. Uma das nossas atividades favoritas era assistir séries.
Abraçadinhos, sob às cobertas e sofrendo com o drama de cinco garotas presas em uma ilha, assim foi o nosso final de semana. O Kleber adorava ficar com os pés entrelaçados, de acordo com ele, os seus pés sofriam por causa do frio.
— Quer comer em algum lugar hoje? — ele perguntou, após o último episódio da série terminar.
— Não sei. Está tão gostoso aqui. Tenho certeza que a rainha do mal fez algum prato que tú adora. — comentei, ao lembrar que o Kleber adorava os pratos da chef vegana.
— Por isso que quero levar o meu namorado para jantar ou pegar um cinema, no caso, de verdade. A tela grande e a pipoca que vale o olho da cara. — sugeriu Kleber me fitando com aqueles olhos castanhos maravilhosos.
— Ok. Você venceu. Quero assistir ao "Massacre Sangrento 12: o mistério do bebê zumbi". O Richard, irmão do Yuri, indicou. — falei, enconstando minha cabeça no ombro de Kleber.
— Tudo o que o meu ursão desejar. — afirmou Kleber, fazendo carinho no meu rosto.
Aos domingos, os shoppings de Manaus ficam uma loucura. São uns 10 shoppings na cidade, mas, o Kleber e eu, preferimos um chamado Millenium que não fica tão lotado aos fins de semana. Estacionamos o carro, no caso o Kleber, pois, sou péssimo de baliza e pegamos o elevador para a praça de alimentação.
Você se considera corajoso? No Brasil, segundo estatísticas, a cada 19 horas uma pessoa LGBTQIA+ é morta. Então, algumas pessoas tem medo de demonstrar o seu amor de maneira plena. Ao lado do Kleber, de mãos dadas, chamamos atenção de alguns membros das famílias tradicionais brasileiras.
Mas, quem vai enfrentar um homem de 1,89? Eu não sou violento, estou longe de ser, porém, as pessoas não sabem disso, por isso, tenho certeza que elas podem pensar maldade sobre nós, só que não tem coragem de enfrentar um gigante.
— Eita, que os homofóbicos estão pirando, mozão. — comentou Kleber apertando forte a minha mão.
— Sim. Estou me acostumando com isso. As minhas mãos nem tremem mais. — falei rindo sem graça, enquanto caminhávamos para o cinema.
A fila do cinema estava considerável, porém, compramos os ingressos nas máquinas automáticas e seguimos para a fila da pipoca. Muitos casais apaixonados e adolescentes ansiosos para "Massacre Sangrento 12", um filme nada romântico, mas imperdível para os cinéfilos de plantão.
Gente! Como um combo de pipoca custa R$ 50, tipo, R$ 50!!! Eu não sou fã de pipoca, fiquei menos ainda com o valor da pipoca. O Kleber olhou para mim e dei uma risada alta. Saímos da fila e fomos para um supermercado, nada melhor que petiscos para assistir à um filme.
Salgadinho, biscoito, doces e suco, compramos todos esses itens com R$ 50. Enquanto a gente pagava, uma voz conhecida ecoou e demorei para entender o que estava de fato acontecendo.
"Ele saiu de um buraco negro", pensei ao ver o professor Francisco. Ele carregava várias sacolas e parou para falar conosco. O Kleber ficou vermelho de raiva, visivelmente, desconfortável com o encontro.
— Kiko, o que você está fazendo aqui? — Kleber perguntou revirando os olhos e respirando fundo.
— Compras, uai. — levantando os braços para mostrar as sacolas.
— Tá, tudo bem? — questionei me aproximando, após pagar os salgadinhos.
— Oi, Santino. O meu aluno de ouro, literalmente. Não cansa da vida boa, né, Kleber? — questionou Francisco de forma irônica.
— Seu...
— Para, Kleber. — pedi segurando o braço de Kleber que avançou na direção do professor. — Escuta, professor, não queremos confusão, ok. Eu acho melhor a gente parar por aqui. Estou namorando o Kleber, a gente se gosta. Só nos deixe em paz.
— Mas, eu torço pelo amor de vocês. — disparou Francisco de forma cinica. — Confesso, pensei que o Kleber e eu, poderíamos reatar, afinal, existia muita cumplicidade e fogo entre nós. Só que essa época ficou no passado. — suspirando fundo e sorrindo. — Podem ficar sossegados. E, Santino, de verdade, você é um aluno muito talentoso, espero que isso não atrapalhe a sua situação no clube. Enfim, boa tarde, crianças. E não vai gastar muito com esse aí. — apontando na direção do Kleber. — Brincadeira.
Escroto. FDP. O Kleber estava tremendo. Eu o abracei e disse que as palavras do professor não iriam me afetar. A gente nem se tocou que estávamos na área dos caixas do supermercado. Nos recompomos e seguimos para o cinema, quase perdemos a sessão, mas entramos a tempo.
Aos poucos, o Kleber foi ficando mais tranquilo e deu até umas risadas nas cenas toscas do filme. Sério? A franquia "Massacre Sangrento" se perdeu, principalmente, após o terceiro remake.
Nem preciso dizer que aproveitamos algumas cenas para nos beijarmos, na minha opinião, o cinema é feito exclusivamente para os casais, principalmente, os da sigla LGBTQIA+, o que é uma merda, pois, o nosso amor só é válido no escuro e não deveria ser desse jeito.
— Eu comprei algo para nós. — anunciou Kleber pegando na minha mão.
— O quê?
— Tá escuro, mas fecha os olhos, por favor. — ele pediu tentando não falar tão alto. Fechei os olhos. O meu coração começou a bater mais forte. Senti ele tocando no meu pulso e colocou uma espécie de corda. Não conseguia distinguir qual era o presente, talvez um relógio novo?
— Pode abrir. — pediu Kleber todo misterioso.
A primeira coisa que vi na penumbra, quando abri os olhos, foi o Kleber com o pulso levantando, mas a logística dele não foi muito certeira, pois, a imagem do filme ficou mais escura. Peguei o celular e mandei um "vá se lascar" para as regras do cinema.
Liguei a lanterna e fiquei emocionado quando vi que o Kleber havia comprado um par de pulseiras com as cores LGBTQIA+. Os olhos dele estavam marejados e recebi uma linda declaração de amor, enquanto, um dos personagens eram serrados no meio pelo assassino.
— Esses meses estão sendo os mais felizes da minha vida, Tino. Te conhecer foi a melhor coisa do mundo. Eu sei que sou pobre, não posso te oferecer as coisas que você merece, mas vou trabalhar muito para te dar uma vida confortável, prometo. — Kleber tocou no meu rosto e chorou.
— Ei, o mais importante você me deu, Kleber. Eu tive a sorte de namorar o meu melhor amigo. O que tem no teu bolso não me interessa, mas eu me apaixonei por isso. — falei tocando no peito dele. — Kleber, entre todas as chances que eu tive na vida, a melhor de todas, foi a chance de ter escolhido você e, principalmente, te reencontrar. Eu te amo.
Nos beijamos, e cara, como nos beijamos. Esquecemos as mortes que aconteciam na telona e focamos no nosso amor. Tivemos que nos controlar, pois, o objetivo da noite não era ser preso por atentado ao pudor.
Resumo do filme: não posso opinar. Saímos do cinema e passamos no drive-tru de uma lanchonete. Resolvemos comer no carro ao som de Legião Urbana, a banda favorita do Kleber. Ele adorava me dar batata frita na boca e roubar as minhas. Sério, nunca senti uma sinergia tão forte com outra pessoa, tirando a Giovanna (ela não é o meu interesse amoroso).
Chegamos em casa e não havia ninguém. Fomos até o jardim e aproveitamos para namorar ao ar livre. Usamos travesseiros na grama para ficarmos mais confortáveis. De repente, sugeri ao Kleber para tomamos banho de piscina pelados.
— Só se for agora. — ficando em pé e tirando a roupa em uma velocidade incrível. — Vem! — gritou o Kleber correndo pelado e se jogando na piscina.
— Bobão. — reclamei levantando e tirando minhas roupas.
— Vem, mozão! Tá uma delicia! — pediu Kleber jogando água na minha direção.
— Lá vai eu!!! — gritei correndo e pulando na piscina.
A água estava tão gostosa. Abri os olhos e procurei pelo Kleber de baixo d'água. Ele era um peixinho, nadava de um lado para o outro, mas depois de um tempo parou na minha frente e ficamos nos olhando.
Aqueles olhos me hipnotizavam. Eu estava de quatro para o Kleber e, apesar de todos os obstáculos, a gente conseguia seguir nos amando e respeitando os nossos limites. Agora, neste momento, o meu lugar é ao seu lado, Kleber. E nada vai nos separar.