ESCRITO POR KLEBER VIANA:
Atenção, preparar, apontar, fogo! Essa é, provavelmente, às últimas palavras que as pessoas levadas para execução escutam. Eu me senti com um alvo na minha cabeça, alguém acusado de um crime hediondo na fila para ser executado. O motivo?
O perfil do Caio, o alter ego que o Kiko inventou para me prostituir apareceu no telão da festa de noivado do Zedu e Yuri. A foto não ficou muito tempo, mas foi o suficiente para acabar com a minha vida.
Os comentários. As vozes. Todos começaram a apontar na minha direção, porém, apenas uma pessoa importava, o Santino. Corri na direção dele, mas o idiota do Sérgio bloqueou o caminho, então, procurei outra rota para alcança-lo.
O meu coração estava acelerado. A minha cabeça não conseguia acompanhar o que havia acontecido. De alguma maneira, o perfil que o Kiko criou apareceu na tela do noivado.
O Santino estava saindo de carro, então, em um ato de desespero, pulei na frente e pedi para conversarmos. Andei em direção a porta do motorista e bati, quase sem forças.
— Santino, eu estou implorando, por favor. — pedi para conversar com ele.
A clemência foi em vão. Na primeira oportunidade, o Santino saiu cantando pneu na rua e me deixou sozinho aos prantos com os joelhos no chão. Não demorou muito e meus amigos apareceram, eles não conseguiam entender aquele anúncio.
— Kleber. — soltou Enzo me ajudando a ficar em pé. — Cara...
— Amigo, você é GP (garoto de programa)? — perguntou André, pegando no meu ombro e apertando.
— Não. Jamais faria isso. Essa foto um ex-namorado utilizou para que eu me prostituisse, mas eu terminei o namoro e ele jurou que havia excluído o anúncio. — expliquei, sentindo que eles não acreditaram na história. — Eu preciso encontrar o Santino. — disse, chorando.
— Escuta, ele está com a cabeça quente. São muitas informações e...
— Meninos, eu gostaria de conversar com o Kleber. — a mamãe cortou a fala motivacional do Enzo e pediu um minuto à sós comigo.
Eu não tive nem tempo de me defender. Apenas senti minha bochecha esquerda ficar quente. Nos meus 20 anos de vida, a mamãe nunca encostou a mão em mim, quer dizer, até aquele momento.
— Como você pode ter feito isso, Kleber? Eu deixei alguma coisa faltar? Me escuta! Eu deixei? — questionava mamãe em prantos, enquanto, me batia.
— Mãe. — balbuciei, apenas me defendendo e chorando.
— Bruna, por favor, não faça isso. — interveio Úrsula amparando a minha mãe que chorava copiosamente.
— Eu nunca me prostitui, mãe. A senhora precisa acreditar em mim. Eu errei, ao confiar minhas fotos para uma pessoa imoral. Nunca me prostitui. — não tinha mais forças para falar, apenas chorei.
— Estamos todos de cabeça quente, Kleber. Aquele anúncio e fotos. — afirmou Úrsula me surpreendendo, pois, a única pessoa que não lançou aquele olhar de suspeita. — Bruna, querida, vamos entrar e tomar um chá de camomila. — aconselhou pegando no ombro da mamãe e a levando para dentro da casa.
— Gente, cadê o Santino? — perguntou Giovanna se aproximando e me abraçando.
— Giovanna, eu nunca fiz isso. — falei chorando igual uma criança.
— Kleber. — ela soltou me abraçando forte.
— O Santino saiu muito nervoso. — explicou André tentando ligar para o Santino, sem sucesso.
— Eu acabei com a noite do Yuri. — reclamei, ainda sem entender como aquelas imagens foram parar no telão.
— Ficou uma torta de climão? Ficou uma torta de climão, mas a imagem passou rápido, o próprio Zedu quase não te reconheceu. — Giovanna falou na esperança de me deixar mais tranquilo, o que não aconteceu, claro. — Agora, menino, que pa...
— Giovanna! — repreendeu Enzo revirando os olhos. — Esse não é o momento.
— Desculpa. Momento errado. Vamos entrar. Por favor, ficar aqui fora não vai ajudar em nada. — Giovanna sugeriu e eu obedeci, mesmo contra vontade.
Como a página foi parar ali? Será que o Kiko se infiltrou na festa? Meu Deus, até quando esse desgraçado vai me perseguir? Estou cheio de perguntas dentro do meu coração, mas, a principal questão é: onde está o Santino?
Ele saiu tão desesperado. No momento em que ele viu o vídeo, os seus olhos perderam o brilho. Revivi aquela cena várias vezes dentro da minha cabeça. Eu preciso encontrar o Santino. Eu preciso explicar.
Fomos para o quarto do Santino. Ele não respondia nenhuma ligação ou mensagem nas redes sociais. Sair desesperado daquele jeito pode ser ruim.
— Preciso voltar para festa. — anunciou Giovanna. — Ei, não se preocupa. Esse problema vai ser resolvido, eu prometo. Vou pegar o pen drive para verificarmos de quem é.
— Boa ideia. — afirmou André. — Precisamos descobrir quem fez essa maldade.
Estava em um estado de catatonia. Nada daquilo fazia sentido. Fora, que a reação da mamãe também partiu o meu coração. Eu não tinha culpa, mas como me defender com aquela prova contra mim?
O Enzo se ajoelhou na minha frente e tirou o meu colete, quer dizer, o colete dele. Mesmo desconfiando de mim, eles não saíram do meu lado. Afinal, amigos são para isso, né? Nos apoiar nos melhores e piores momentos.
— Kleber. — Enzo suspirou fundo e limpou minhas lágrimas. — Vamos pensar racionalmente, ok. Que tal você ficar lá em casa? A tua mãe está chateada e o Santino também. Vamos esperar a poeira baixar?
— Ele tem razão, Kleber. Hoje foi foda, porém, é necessário que todos tenham um espaço para respirar. — concordou André pegando minha mochila.
Eu não reagi. Não tinha forças para tomar uma atitude, apenas chorava copiosamente. Enquanto descíamos às escadas, esbarrei com a minha mãe e a do Santino. Ela nem olhou nos meus olhos, contei que dormiria na casa de Enzo.
— Tudo bem, filho. — respondeu a Úrsula, após a mamãe me evitar. — A Bruna vai dormir aqui também. Não se preocupe. Ah, o Santino ligou, ele vai dormir em um hotel hoje. Acho que todo mundo precisa descansar.
O Santino estava bem. Era tudo o que me importava naquele momento. Ao andar um pouco mais, parei em choque, na minha frente apareceram o Zedu e Yuri. Eles deixaram a festa para saber como eu estava.
Tive que repassar toda a história, apesar de ser bastante vergonhosa para mim. Contei do meu relacionamento com o Kiko e sobre as coisas estranhas que aconteceram conosco.
Educado, o Yuri afirmou que a foto não atrapalhou a festa e que eu poderia ficar tranquilo. Já o Zedu, concordou com o noivo e me deu um forte abraçado, agradecendo pelo conselho que eu dei mais cedo.
É isso. Fomos para o apartamento do Enzo. Ele disponibilizou um colchonete no chão para eu dormir. Estava muito agradecido, pois, não sei o que faria sem os meus amigos. O Enzo me emprestou um pijama e fui tomar meu banho, na verdade, liguei o chuveiro e comecei a chorar agachado no chão.
Enviei um áudio para o Santino, lógico que não chegou, com certeza, ele desligou o celular para não saber nenhuma notícia de mim. Após o banho decidi dormir para esquecer essa merda de dia.
Eu não sei vocês, mas quando estou desesperado, o sono vem aos poucos. Repassei todos os momentos bons que vivi ao lado do Santino. Será que ele jogaria tudo fora por causa de um mal entendido?
— Por favor, Santino, não desista de nós. — soltei, me perdendo entre a realidade e o mundo dos sonhos.
No dia seguinte, despertei com um cheiro de café no ar. Levantei e olhei para o celular. Alerta de spoiler: nenhuma mensagem do Santino.
— Que droga!!! — gritei apertando o meu celular com força. — Droga, droga, droga, droga!!! — resmunguei me movendo para frente e para trás de forma estranha.
Ouvi vozes do lado de fora do quarto. Saí de forma tímida e encontrei o Erick, irmão mais velho do Enzo, preparando o café da manhã. Ele explicou que o irmão havia saído para comprar pão e queijo.
O irmão do Enzo é um Policial Militar. Eles eram diferentes. Enquanto, o Enzo era magricela, o Erick, com certeza, era do time cross fit. Seus músculos deviam ser resultado do treinamento da polícia, só o fato dele não ser homofóbico já podia ser considerado uma vitória.
Tomei café puro, algo que não é normal para o meu dia a dia. O Enzo chegou e pedi algumas roupas emprestados, pois, mesmo com os dramas, o trabalho ainda esperava por mim.
Cara, pensa em um dia que passou a passos de preguiça. Fiz vários atendimentos de pessoas desesperadas com problemas em seus aparelhos celulares, mas eu conseguia apenas pensar no Santino.
— Será que ele dormiu bem? — pensei, enquanto entregava um celular para o cliente número 45. — Obrigado. — falei agradecendo a preferência.
— Que cara é essa? — resmungou Dona Heloísa, a dona da empresa.
— A minha vida que é uma tragédia. — confessei encostando minha cotovelo no balcão de entrega.
— Para com isso. Você é jovem. O único drama deve ser decidir em qual balada vai paquerar. — ela disse, sem saber o furacão que estava devastando minha existência.
Quero sumir dessa terra. O que me deixava esperançoso era encontrar o Santino na faculdade. Aquela seria a minha única oportunidade. Depois do serviço peguei minha moto e segui para a Ufam.
Nem lembro como estacionei, apenas corri para a sala do Santino. Para a minha surpresa, a única que estava lá era a Giovanna. Ela explicou que o Santino enviou uma mensagem avisando que não iria para a aula nos próximos dias.
— Ele está muito triste? — perguntei sentando ao lado da Giovanna.
— Bem, Kleber. Esse é o primeiro relacionamento do Santino. Ele está aprendendo a lidar com os sentimentos. Eu sei que é clichê, mas o tempo cura tudo. Você não pode forçar uma aproximação. Deixa o Tino absorver e entender as coisas.
— Eu preciso descobrir que jogou essa foto no telão. Tenho certeza que foi o Kiko. — expliquei, sem ter noção por onde começar.
— Gente, esse homem é um capeta. Amigo, toma cuidado. Precisando de alguma coisa me avisa, por favor. Não vai fazer nada de cabeça quente. — ele pediu pegando no meu braço.
Tentei ligar para o Kiko, mas a chamada foi para caixa postal. Lógico, quando eu preciso conversar, o desgraçado não está disponível.
Sem ter o que fazer, me dirigi para a minha sala. Aquela semana não estava tendo aula, os professores nos deram alguns dias de folga, pois, às provas finais seriam aplicadas nos próximos dias.
Meus amigos debatiam sobre uma fórmula da matéria de física 1. Eu, realmente, não estava com cabeça para estudar, porém, não podia me desleixar, qualquer erro poderia custar o meu sonho inicial: melhorar de vida.
Estudamos por horas, por mim, estudaria até cair no chão cansado, só que os meninos decidiram lanchar no RU. Fiquei na sala para decorar algumas fórmulas que poderiam cair nas avaliações.
***
André:
O Santino está na faculdade. Corre! Ele está no bloco de design.
Kleber:
Sério?
***
Recolhi todos os meus materiais e corri para o bloco do Santino. O meu peito parecia queimar com tamanha ansiedade. Eu precisava explicar o meu lado para ele. Esbarrei em alguns alunos, mas continue correndo.
Ao me ver, o Santino até pensou em sair da sala. Só que ele parou e voltou para conversar. Eu usei esse tempo para reorganizar meus pensamentos da melhor maneira possível.
— Eu preciso falar com você! — exclamei, chamando a atenção dos outros alunos da sala.— Aqui não. — Santino disse de maneira seca.
Ele pegou no meu braço e, praticamente, me arrastou para uma área mais afastada do bloco. Os corredores cheios de alunos foram dando lugar para corredores com mesas e cadeiras amontoadas.
— O que você quer? — ele perguntou sem olhar para mim.
— Santino, aquela foto não é o que você pensa...
— Mesmo, Caio? Ou é, Kleber? Eu nem sei mais do que te chamar. A única coisa que pedi neste relacionamento foi a sinceridade. — Santino virou e estava chorando, aquilo partiu o meu coração.
— Meu amor...
— Não me chama assim, Kleber. Até quando você e o Kiko iam me fazer de otário? Vocês queriam tirar dinheiro de mim? — ele questionou de forma violenta, tirando a carteira do bolso e jogando várias notas na minha direção.
— Não. Santino, pelo amor de Deus. Eu te amo. Te amei desde o primeiro dia. — juntei todas as notas do chão e entreguei para ele. — Acredita em mim. Desde o dia que terminei com o Kiko, ele transformou minha vida em um inferno. Por tudo o que vivemos até agora, não acredita nele. — implorei chorando e abraçando o Santino.
— Eu... eu... preciso pensar melhor. Acho melhor a gente dá um tempo, Kleber. As coisas estão confusas demais.
***
Quando você esteve aqui
Não conseguia te olhar nos olhos
Você é como um anjo
Sua pele me faz chorar
Você flutua como uma pena
Em um mundo tão belo
Eu queria ser especial
Você é especial pra caralho
Mas eu sou uma aberração
Eu sou um esquisitão
Que diabos estou fazendo aqui?
Eu não pertenço a este lugar
***
De repente, trovões começaram a iluminar o céus de Manaus. Talvez, fosse esse o sentimento que estivesse cortando o meu coração em mil pedaços. As pessoas mais importantes para mim, a mamãe e o Santino, não acreditavam na minha palavra.
Caminhava em direção ao estacionamento, quando o Kiko parou o carro dele do meu lado, saiu e tentou me abraçar. A minha única reação é empurrá-lo.
— Foi você, né? — perguntei gritando.
— Está aqui o pen drive. — falou Sérgio se aproximando e entregando para o Kiko que continuava caindo no chão. — Eu te avisei, baixa renda. Eu ia te pegar.
A minha respiração ficou ofegante e parti na direção do Sérgio. Começamos uma briga no meio do estacionamento, legalmente, ainda estávamos dentro da faculdade, mas que se lasque.
Dou um soco certeiro no nariz do Sérgio, que perde o equilíbrio, mas não caí. Em seguida, ele desfere dois murros no meu estômago. Chamamos a atenção de um grupo de alunos que começou a filmar o embate e, claro, torcer.
Com uma certa facilidade, consegui derrubar o Sérgio no chão com um golpe de jiu-jitsu, o mesmo que usei na praia. Então, montei em cima dele e desferi vários socos.
***
Eu não ligo se isso machuca
Eu quero ter o controle
Eu quero um corpo perfeito
Eu quero uma alma perfeita
Eu quero que você perceba
Quando eu não estiver por perto
Que você é especial pra caralho
Eu queria ser especial
Mas eu sou uma aberração
Eu sou um esquisitão
Que diabos estou fazendo aqui?
Eu não pertenço a este lugar
***
Desesperado, o Santino me empurrou para salvar o amigo. A fofoca percorreu toda faculdade em tempo recorde. Para completar, uma forte chuva começou a cair e todos foram procurar abrigo, menos, o Santino, Sérgio (que continua caído no chão) e Kiko.
— É assim que você resolve os seus problemas? Com violência. — questionou Santino, colocando os cabelos para trás, pois, eles estavam cobrindo seu rosto.
— Eu? Eu? — gritei perdendo a paciência. — A culpa é do Sérgio que se uniu ao Kiko para separar a gente. — expliquei para Santino que olhou para Sérgio e Kiko.
— Qual é, Kleber. — falou Kiko tirando os óculos para não molhá-los na chuva. — Você viu a reação do Santino. Eu nunca te abandonaria desse jeito. Eu te amo.
— Você é doente. — gritei o empurrando de novo. — Vocês querem saber? Eu estou farto de tentar fazer a coisa certa. Eu só sou humilhado. Você quer acreditar no Sérgio, Santino? Então, fique à vontade. — falei indo em direção a minha moto.
— Isso não vai ficar assim! — ameaçou Kiko entrando no carro.
***
Ela está fugindo pela porta
Ela está fugindo
Ela corre, corre, corre, corre
Corre
***
Não queria mais passar por aquela situação constrangedora. Andei em direção a moto, coloquei o capacete e segui na chuva. Não andei nem 100 metros, quando senti um forte baque e voei para frente.
Atenção, preparar, apontar, fogo! Com certeza, essa é a última frase que os executados escutam antes de morrerem. Porém, no meu caso, a única coisa que escutei foram as gotas de água caindo no meu capacete e a voz do Santino gritando para que eu não dormisse.
— Liguem para o Samu! — gritou Santino chorando, se baixando na minha direção, mas sem tocar em mim. — Kleber, por favor. Por favor. Não dorme.
Eu queria responder ao Santino, mas senti uma forte dor no meu tórax. A batida deve ter sido feia, movimentei as minhas pernas, mas alguém pediu para que eu não fizesse movimentos brutos. Respirar ficou difícil. Aos poucos, fui perdendo à consciência.
***
Seja lá o que te faz feliz
Seja lá o que você deseje
Você é especial pra caralho
Eu queria ser especial
Mas eu sou uma aberração
Eu sou um esquisitão
Que diabos estou fazendo aqui?
Eu não pertenço a este lugar
Eu não pertenço a este lugar