- Precisamos conversar, minha mãe veio falar comigo.
... Continuando!
Já estava me perturbando o "precisamos conversar", nos últimos dois dias era essa a frase que iniciava cada conversa, embora eu tenha usado para com o Matheus, mas é aquela historia, só irrita quando é com a gente, fazemos às vezes sem perceber.
No primeiro intervalo quando ia falar com ele minha irmã apareceu e pediu licença, veio conversar comigo sobre a mamãe e dizer o que tinha conversado com ela, falou praticamente o mesmo que eu, mas disse que infelizmente a mãe indagou sobre as roupas antigas reformadas no sexto de roupa e ai ela teve que contar que fez experimentar para ajustar. Não falou mais nada comigo até por que o intervalo era curto e eu nem dei o recado pra mãe.
No outro intervalo fui eu que a procurei pra falar do recado de mamãe, fui junto com o Matheus, pois ele não sai de perto.
Chegou próximo ao recreio, a inspetora me chamou para ir a Diretoria, pedi para juntar minhas coisas e ir imediatamente, cheguei lá minha irmã já estava lá, olhos cheios de lagrimas e veio correndo me abraçar, sem entender o que de fato havia acontecido, chegou uma mensagem no celular dela dizendo que o UBER já nos esperava lá fora.
Minha irmã só chorava, não falava coisa com coisa, aquilo foi me agoniando.
AO entrar em casa meus irmão estavam com uma cara horrível, minha mãe veio, olhou pra minha irmã e perguntou:
- Você não falou nada, como lhe pedi.
- Não mãe, nem conseguiria, mas não iria lhe desobedecer de forma alguma!
EU já não entendendo nada, agoniado falei.
- Ei, planeta terra chamando, tô aqui, será que alguém pode me explicar o que ta acontecendo.
Minha mãe me pegou pela mão, foi me conduzindo até seu quarto, senti medo.
- Eu quero que você ouça com calma, infelizmente aconteceu algo ruim com seu pai.
- Mas ele estava bem, o que foi ele é forte mãe, não sei por que vocês estão chorando estão preocupados a toa, ele me disse que já estava voltando aquele domingo.
- Não filho, aconteceu que ele teve uma crise nos rins por causa e tanta medicação, não suportou e infelizmente sue pai Morreu.
- Nossa eu pulei no colo dela e comecei a chorar, a dizer que era mentira, que não era verdade,, que era uma brincadeira ridícula, chorava e gritava bobagens, minha mãe foi me fazendo carinho, me acalmando, foi um processo demorado até me acalmar.
Aquele fim de tarde e inicio da noite foi horrível, eu entrava e saia dos quartos de mamãe, meu e minha irmã e irmão procurando algo pra lembrar-se de papai, era um ou dois minutos juntos e já voltávamos a chorar e ai íamos cada um pra um canto, voltávamos nos encontrávamos e assim foi ate que mamãe que havia saído voltou.
- Venham todos aqui!
- Acabei de fazer os procedimentos de liberação do corpo de seu pai, dos papeis do cartório e agora o corpo esta sendo levado ao local do guardamento. Como ele estava com problemas graves de infecção, não teremos nenhum contato com o corpo, será em caixão fechado. Sei que é duro, não queria isso, mas temos que ser fortes e mostrar o amor que temos para com ele respeitando a todos neste sentido. Vocês ficarão ate às 23hs e vão para casa. O colégio já foi avisado. Seus dois irmão vão ficar na casa do irmão de seu pai e vocês dois vão ficar na casa de sua tia minha irmã. Fiz isso, pois os primos estudam juntos e vocês já tem uma rotina normal, vamos tentar mexer o mínimo com nosso dia a dia. Vou precisar de uns dias sozinha, por as coisas em ordem, e não quero vocês vendo eu chorando ou nada por pior.
- Mas mãe a gente é uma família vamos ficar juntos, disse o meu irmão mais velho eu te ajudo nas coisas, já faço 18 anos mês que vem.
- Não filho, agradeço, mas é uma carga pesada, vivi isso quando seu avós se foram e prefiro poupar vocês de algumas cenas e acontecimentos, acreditem, será melhor assim e cada um terá um pouco de tempo para absorver isso.
- Mas mãe agora somos os homens da casa disse meu outro irmão puxando mais velho pro lado e eu junto. (Confesso que era a primeira vez em meses que eu era incluído em algo junto com eles isso me deu um sentimento puro no coração e já comecei a chorar).
- Não, disse mamãe e completou. Agora é assim que eu decidi, vou precisar de um tempo pra realinhar nossas vidas e não quero deixar vocês abandonados aqui sozinhos pq ate tudo se resolver não terei tempo nem pra mim. Já pedi 14 dias de afastamento e os dias de luto de direito e voltamos a nos encontrar no fim do mês, sua irmã ira montar suas malas e logo mais seus tios e tias passam aqui levam vocês para casa e nos encontramos no velório.
Sei que se eu achava que minha vida estava confusa agora o caos era meu companheiro em definitivo. Esqueci tudo e todos era apenas meu pai e nossos momentos juntos que estavam em minha memória.
Enquanto arrumávamos as coisas recebemos inúmeras ligações no fixo, nos celulares, nossa nunca ouvi e imaginei tanta gente preocupada e solidária conosco. Mas uma das ligações que ouvi era da escola. Faltavam duas semanas para o fim do primeiro semestre, e a diretora mesmo indicou que se mamãe preferisse que poderíamos ser dispensados sem falta, pois tínhamos excelentes notas e isso depois seria reposto com uma atividade simples. Ouvi mamãe agradecer e dizer que veria conosco e nossos tios que estariam no apoio.
Realmente aquela noite o dia seguinte foi horrível, prefiro nem comentar, espero que entendam. A semana passou cinza, fria e triste. Minha irmã pediu para nosso tios levarem a gente pro ultimo dia de aula, que era menos aula e mais despedidas, queríamos sentir a presença de nossos amigos, nós quatro que agora estávamos mais unidos, mesmo separados achamos que seria bom, retirar o luto e tentar levar a vida da melhor forma possível.
Chegamos eu e minha irmã na escola e realmente, o clima era de euforia, mas percebíamos que conosco a alegria ela de nos ver bem, recebemos tantos abraços e demonstrações de carinho que foi realmente importante termos retornado, acho que entraríamos em uma depre nas ferias difícil de superar se não tivéssemos aquele dia como o dia de voltarmos à vida normal, ou próximo a isso.
Não sei se 13 dias foram suficiente, mas meus colegas estavam diferentes, alguns já com mudança de voz, uns esticaram acho que uns 10 cm e eu e mais dois ou três ainda "normais", lógico que o Matheus aparentemente igual a mim. Todos pegando no pé um do outro, tinha uns que pareciam idolatrar seus três fios de bigode como se fossem o ápice da entrada na juventude, puberdade ou sei lá como chama essa fase ridícula.
Poderíamos ter curtido mais, mas nos esforçamos para não transparecer ainda nosso estado de tristeza, não era justo com todos e realmente, precisávamos logo voltar ao mundo real social.
A única coisa que notei, mas devo ter visto coisas foi que Matheus havia furado seus ouvidos e desta vez sem o tradicional boné, seu cabelo estava sem o corte tradicional que há anos eu e todos os meninos tínhamos antes das férias, como tem coisa que parece pandêmico, o corte de cabelo antes das ferias, pq parece que extremo soltos no pasto e ninguém pega rsrsrs.
Ficou ao meu lado o tempo todo, sempre preocupado, atencioso, olha fez a diferença para mim aquele dia, Ricardo ficou próximo, mas volte e meia saia com os outros "grandalhões e cinco cm a mais" zoar algum outro colega, marcar alguma atividade pras férias.
Ficamos mas uma semana na casa de nossos tios, e recebemos a noticia que mamãe pediu para retornarmos, as coisas já tinham se resolvido em casa e tudo mais.
Voltamos para casa, minha mãe fez algumas mudanças, discretas, mais em seu quarto e na garagem e sala. Ela dava a impressão que ia desmoronar de tristeza, mas recuperava o fôlego e achava algo pra fazer.
Dois dias depois de retornarmos, ao ela receber uma notificação pediu para nos reunirmos na sala para uma conversa.
Havia procurado um advogado para receber o seguro de meu pai, a indenização pelo acidente, os meses atrasados enquanto ele estava afastado e o INSS não pagou e ajustar as contas que meu pai tinha e demais coisas que ele tinha e não sabíamos.
- Bom meus filhos, é reconfortante te-los aqui novamente, peço desculpa mais era preciso um tempo, quase não fiquei em casa de tantos lugares que fui cartórios, advogados, na empresa, no hospital atrás de certidões e tudo mais. Mas não vem ao caso, fato que hoje recebi uma notificação e é isso que quero lhes falar.
- Seu pai, do jeitinho dele, desde o acidente, sem eu saber, havia conversado com nosso advogado, esperando o pior é claro, preparou tudo para caso ele nos deixasse. Ele nos amou, desculpe, ele nos ama até hoje, tenham certeza. Nosso advogado foi instruído a apenas falar quando tudo fosse resolvido. Com isso agora temos um valor razoável no Banco, temos quatro terrenos naquele loteamento que abriu há cinco anos, seu pai ia dar de presente a cada um e vocês ao completar 18 anos.
E continuou.
- No final, só precisei ver a indenização e seguro, mas já estava tudo bem encaminhado, usei o resto do tempo longe de vocês para doar as coisas dele, me desfazer de alguns acúmulos (coisas de seu pai), vieram amigos e tios buscar coisas que podiam ser mais bem aproveitadas. Enfim deixando o que nos importava como lembrança, demais coisas foram muito bem doadas como é nossa tradição familiar e desejo de seu pai.
Voltando ao assunto de estarmos bem encaminhados, quero dizer que isto não nos da uma garantia eterna, dinheiro vem, dinheiro vai, então temos que começar agora com calma, reajustar nossas vidas para manter este bom padrão. Os gastos do hospital seu pai obteve reembolso da empresa. Ele acabou entrando com aposentadoria por invalidez e saiu agora à notificação que esta tudo ok. Sei que é estranho falar em dinheiro, mas alguns de vocês já estavam falando pelos cantos sobre isso preocupados, entendo que estão maduros para saber o valor das coisas e como o mundo funciona. Quero tranquiliza-los.
- Tirem o dia para colocar num papel o que desejam pro futuro, vamos equilibrar nossas despesas e projetar este futuro que é o que o seu pai mais desejava, vamos deixar essa homenagem a ele de valorizar seu legado e seus sonhos, ao permitir que cada um de nós faça o que deseja. Não me respondam agora, usem hoje e amanha, na sexta feira voltamos a conversar todos juntos, se precisarem estarei livre pra trocar ideias.
Foi uma boa reunião, eu estava bem instável emocionalmente. Acho que o que meus amigos da escola estavam passando com hormônios acontecia o mesmo comigo, só que o que me chocava que ao invés de pelos e bigodes, meus seios aumentaram quase o dobro, minhas pernas ficaram grandes nas coxas e eu senti uma bunda bem mais apertada do que o normal. Cabelo cresceu, pelos não e minha voz estava suave, não fina, mas não dava sinais de mudar como os meu amigos estavam aquele dia em aula, nada de falhar a voz e engrossar, apenas ela suavizou.
Ninguém havia notado nada disso, pois estávamos cada um embora família, vivendo seus recolhimentos e respeitando o espaço de cada um. Antes de dormir fui ao quarto de cada um dos meus irmão e eles estavam mais eufóricos falando em seus planos, me deram algumas ideias do que eu fazer sai dali fui ver minha irmã que não falou nada sobre planos, apenas abraçou-me e ficamos deitadas juntas com ela alisando meu cabelo.
Acordei algumas horas depois e fui para minha cama. Minha irmã sabia me acalmar com seu cafuné e sentia que eu ali fazia bem a ela mesmo que ficasse muda.
Sonhei, acordei, tive pesadelos, acordei, sonhei, sorri e sofri.
Dois dias sem uma ideia sequer. Chegou à reunião, meu dois irmão já tomaram conta da conversa, cada um detalhadamente um falando sobre alistamento, projetos de startup. Nunca vi dois dias tão produtivos para eles, já achava eles inteligentes, mas agora vi que eram muito esforçados em seus sonhos e projetos. Foi tanta coisa que mamãe pediu para minha irmã e eu deixarmos para outro dia nossa conversa. Tratou de anotar ideias e como faria meu pai foi ligando para conhecidos, amigos e tal sei que com cinco ou seis ligações já ajeitou para meu irmão mais velho apresentar no dia do alistamento uma carta de recomendações que um amigo coronel iria nos enviar, que mesmo com a morte do meu pai, ele poderia ser alistado embora fosse padrão ser dispensado.
Meu outro irmão já viram uma tia em SP, aonde meu irmão iria fazer uma entrevista na outra semana, já aproveitando a ultima semana de férias e se tudo desse certo iria mudar para uma escola técnica de lá, novamente com ligações de conhecidos e etc. e já iria mudar-se (sabíamos que ele não iria decepcionar na entrevista era mais certo ele do que o piloto rsrsr).
Minha mãe falava nas ligações com uma serenidade, mas desligava e quase desabafa a chorar, era nítido sua dor por mais "perdas" não mortais mais sabia que a síndrome do ninho vazio já se espreitava, só não sabia que iria ser já de imediato.
Sei que entre a reunião e tudo se resolver foram três semanas, já havíamos voltado às aulas estávamos oficialmente na segunda semana, mas de aula mesmo era a primeira. Agora tínhamos uma casa com cinco quartos, dois vazios, um incompleto (pela falta de papai) e eu e minha irmã ali dominando nosso espaço. Já fazia algo de um mês sem sequer abrir o atelier, eu ate sentia falta, mas a falta de papai, mesmo nos dias longe no hospital ainda reinava em mim.
Meu irmão recebeu a noticia que iria ser chamado pro exercito, bastava terminar o ano e iria engajar (era assim que ele falava) já em dezembro. Meu irmão Nerd, esse na terceira semana de aula foi aprovado na outra escola, e no inicio do outro mês ia começar já um estágio.
No outro mês descobrimos (embora meu irmão piloto soubesse) que ele teria que mudar para Resende no RJ, quando deu a noticia a mamãe, já foi com a informação que estava mudando aquele mês para lá que outro tio, irmão de meu pai, já tinha conseguido transferência pra escola e já ia liberar uma edícula para meu irmão morar, este meu tio só tinha quatro filhas e tinha meu irmão agora como seu filho, na responsabilidade de ser o Pai em respeito a seu irmão.
Minha mãe caiu em prantos e abraçado ao meu irmão desejou a ele todo sucesso do mundo, abraçou a nos dois caçulas e disse vocês que ainda não conversamos, nem pensem em sair daqui que eu não vou suportar. Abraçou-nos e há muito tempo que não víamos chorou por muito tempo, num abraço de amor e afeto.
Matheus sabia de tudo isso que acontecia, sempre estávamos conversando, mas por algum motivo, ele respeitou essa minha fase e não tocou em nenhum assunto seu, eu que cai em mim e no inicio de setembro fui conversar com ele após a professora propor uma atividade em grupo.
- Matheus, vamos fazer essa atividade juntos, agora eu que te digo preciso conversar com você, mas te ouvir sei que não te dei espaço nos últimos dias/semanas. Matheus parecia que tinha ganhado na loteria, me deu um abraço, nossa fazia tempo que não sentia aquela fagulha, aquilo veio com 10 vezes mais força, apertei ele e disse ao ouvido. Sinto muito sua falta.
Avisei mamãe aquela noite que no outro dia iria fazer atividade na casa de Matheus, a senti feliz, era a dica de que agora eu estava voltando definitivamente para minha vida de onde ela parou, ela nunca pressionou a nada, sabia que cada um tinha seu tempo e seu espaço e era chagada a hora de seu filho caçula retomar a vida deixando em definitivo o luto e a perda.
Sai de casa para a aula no outro dia e vi mamãe e minha irmã combinando uma ida ao salão para depois da aula, seria a primeira vez desde os fatos que iriam ter um dia para elas, agora era eu vendo a vida retornar ao seu rumo, isso aliviou a nos três de uma forma difícil de explicar.
A aula normal, terminado Matheus como uma criança recebendo doces me chamou e fomos de carro com sua mãe para a casa deles. Mesma rotina, trocar de roupa, descer para um lanche e voltamos ao quarto.
Matheus pediu para eu sentar na cama e ele meio deitado já foi falando assim.
- Lembra-se de nosso ultimo encontro, mamãe veio falar comigo, pegou-me ainda chorando, estava trocando de roupa, foi inevitável ela me ver, ai e que já estava chorando, abracei ela e soluçando fui falando tudo que eu sentia e estava acontecendo comigo, não falei de você apenas de mim.
- Mostrei meus seios e tudo mais, ela marcou um médico pro dia seguinte, não pude te falar, desculpe lembrar, mas foi no dia que seu pai faleceu e ai quero te contar tudinho.
Eu meio apavorado, mas feliz pela alegria que ele expressava fui, deitei meio de lado olhando para ele e ele foi falando, ficou meio sentado na cama e foi falando.
- Fui ao médico depois da aula, ele pediu exames, quando estávamos saindo da clinica e tinham tirado meu sangue sua mãe avisou, na escola não sabíamos de nada, mas antes preciso de mostrar algo.
... Continua!