Quando meu cu virou um cofre de diamantes

Um conto erótico de Kherr
Categoria: Homossexual
Contém 18465 palavras
Data: 08/05/2021 19:40:03

Quando meu cu virou um cofre de diamantes

Era um início de tarde nublado de outono quando olhei pelo vidro traseiro do Opel Admiral para a torre da igreja de São Bartolomeu, enquanto ele seguia na curva da estrada entre as colinas onde pastavam algumas vacas. Seria a última visão que eu guardaria na memória da pequena Přebuz, naquela época ainda chamada Frühbuss, na região dos Sudetos. Entre seus 1400 habitantes sem perspectivas de um futuro melhor, que não o de cuidar de algumas vacas e galinhas e, cultivar alguns hectares de batatas e legumes para o próprio consumo, estavam meus pais, minha irmã e eu. Até então, aquele tinha sido o meu mundo, era tudo o que eu conhecia dele. Apesar de não ser muito, era um lugar onde eu tinha sido feliz em meio à garotada que se divertia com coisas simples, correndo pelos campos verdejantes no verão e jogando conversa fora nalgum celeiro dos vizinhos enquanto a neve caía pesada lá fora durante os invernos intermináveis e gelados. À medida que íamos crescendo vinha a necessidade de partir para novos horizontes em busca de algo melhor. Foi com esse aceno por parte de um joalheiro de Praga que eu estava deixando minha família para trás. A indicação veio por parte de um tio que tinha visto o anúncio da vaga na vitrine da joalheria, e tinha feito um primeiro contato com o senhor Efraim exaltando minhas qualidades apesar de admitir minha total falta de experiência. O anúncio já estava colado à vitrine há mais de três meses e, mesmo com a crise financeira e política que abalava a Tchecoslováquia naqueles dias não parecia haver candidato à altura das exigências do proprietário.

Até hoje não sei o que levou o senhor Efraim a se deslocar da capital para aquelas paragens distantes e vir me buscar para ocupar a vaga, pois eu não entendia absolutamente nada de joias, vendas ou trato com clientes desse tipo sofisticado de comércio. No entanto, ele pareceu simpatizar comigo assim que me viu entrando em casa, todo esbaforido, após ter conduzido nossas vacas até uma pastagem ainda não explorada pela voracidade dos animais a cerca de um quilômetro dos estábulos. Eu tinha corrido por quase todo o trajeto depois que minha irmã me encontrou e me deu o recado para voltar para casa. Ela não conseguiu me acompanhar e praguejava, cada vez menos audível, à medida que eu aumentava a distância entre nós.

Enfiei apressadamente minhas poucas roupas no sacolão de couro depois de ter tomado um banho e vestido as melhores roupas que eu tinha para enfrentar aquela viagem. Nos meus ouvidos ecoavam as palavras da proposta do senhor Efraim ao meu pai, dando conta de um salário mensal de 80 coroas do Protetorado, mais moradia e alimentação na casa de sua família em Praga. A única vez em que vi uma soma tão grande foi quando meu pai vendeu três bezerros para um dos nossos vizinhos. Imaginar essa quantia entrando no meu bolso todos os meses tinha me deixado eufórico e não pensando em mais nada do que seguir aquele homem para um destino desconhecido. Os quase duzentos quilômetros até a capital por aquelas estradas precárias e poeirentas pareciam não ter fim para o tamanho da minha ansiedade. Para piorar, ao contrário do que tinha feito na presença dos meus pais, o senhor Efraim falava pouco enquanto dirigia ao lado da esposa Selma, uma mulher que, logo percebi, comportava-se à semelhança das ovelhas do nosso vizinho Veselý em introversão e submissão ao marido despótico. Ela tinha um olhar doce, e o dirigia a mim toda vez que se virava para trás e me oferecia um medové trubicky, feito por ela própria segundo afirmava, recheado de creme de caramelo e parcialmente coberto de chocolate do saco de papel colorido e amanteigado que me estendia. Na ânsia de partir, eu mal tinha conseguido engolir algumas garfadas do almoço, e estava faminto. Embora parecesse não aprovar integralmente a generosidade da esposa, o senhor Efraim via naquilo a chance de conseguir o meu total reconhecimento de sua bondade, algo que lhe seria bastante útil no futuro próximo como seu funcionário e hóspede.

Os Maisel moravam num bairro sofisticado de Praga, numa rua arborizada e larga onde se perfilavam residências luxuosas, quase sempre de janelas fechadas, e por onde costumavam circular empregados uniformizados. A deles não fugia à regra, e me intimidou assim que o senhor Efraim estacionou o Opel preto em frente à garagem, nos fundos do quintal cheio de canteiros floridos. Uma empregada baixinha e carrancuda veio abrir a porta para os patrões, não se dignou a retribuir meu cumprimento, como se eu fosse o mesmo nada que ela. Enquanto me eram apresentados meus aposentos, um quarto no final do corredor do andar superior da casa com vista para uma faia gigante cujos galhos mais extensos chegavam a roçar as vidraças das duas janelas, surgiu de uma das portas o filho mais velho dos Maisel, Goel, um rapaz opulento de pouco mais de vinte anos, que me encarou como se eu fosse um cãozinho recém adquirido pelos pais. Até então, foi ele quem me lançou o sorriso mais simpático e talvez genuíno daquela casa. Eu o retribuí com entusiasmo sincero e inocente de um camponês encantado com tudo que estava acontecendo comigo.

- Este é meu primogênito Goel, Jaro! – exclamou o senhor Efraim ao nos apresentar. Havia uma expressão de orgulho em seu rosto quando mencionou o nome do filho, o que me levou a pensar que deveria ser seu braço direito nos negócios, à semelhança do que eu fazia com o meu pai.

- Olá Goel! Muito prazer! – devolvi, estendendo minha mão em sua direção.

- Jaro! Nome interessante. Germânico, por certo, uma vez que os Sudetos estão repletos dessa gente. – retorquiu ele, apertando demasiadamente a minha mão na dele.

- Não! – retruquei. – Tcheco! – esclareci, embora não tivesse entendido o que “essa gente” significava exatamente para ele, pois até então, todas pessoas para mim eram simplesmente pessoas, sem qualquer tipo de rótulo e, muito menos, o de “essa gente”. Talvez eu fosse compreender o sentido de suas palavras futuramente, pensei comigo mesmo naquele momento.

Afora essa introdução enigmática, ele logo se dispôs a me apresentar o restante da casa e, a apresentar o irmão Benaja que cruzava naquele instante o portão com sua caixa de violino às costas, voltando das aulas. Estremeci quando nossos olhares se cruzaram, não só pelo coincidente tom fortemente azulado dos nossos olhos, mas pela maneira como eles me mediram da cabeça aos pés. O sorriso foi mais econômico do que o do irmão mais velho, mas não deixou de ser amistoso. Embora a discrepância na qualidade de nossas vestimentas fosse flagrante, não me pareceu que eles deram a isso a mesma importância que eu, que fiquei ainda mais intimidado diante de um luxo que só tinha visto nas poucas revistas que folheei.

A princípio, pensei que faria minhas refeições na cozinha com os demais três empregados da casa, um motorista esposo da cozinheira e uma arrumadeira, além da baixinha carrancuda, Greta, cujo nome logo tratei de gravar, pois me pareceu que ignorá-lo não seria um bom negócio para o meu futuro dentro daquela casa. Contudo, o senhor Efraim determinou o meu lugar à mesa na minha primeira refeição em conjunto com sua família. Não sei porque não reconheci naquilo um símbolo de status em relação aos demais empregados, mas uma forma de me sentir um bichinho de estimação naquela família.

Levei um tempo para conciliar o sono naquela cama grande onde meu corpo afundava em meio aos lençóis, muito embora estivesse tremendamente cansado com a agitação daquele dia. Mesmo assim, tratei de estar o mais impecavelmente vestido, dentro do que me permitiam minhas roupas, na manhã seguinte; quando desci para a desjejum depois de banhado e ter domado a rebeldia da minha cabeleira, cor de mel, cujos fios teimavam ficar espetados, pronto para conhecer meu local de trabalho.

- Bom dia! – exclamei entusiasmado, quando encontrei o senhor Efraim ainda sentado numa poltrona da sala de visitas com um jornal aberto diante do rosto. – Estou pronto para conhecer a joalheria! – continuei, embora ele tenha me cumprimentado com um grunhido sem se distrair do que estava lendo.

- Bons dias estão ficando cada vez mais raros nesse país! – exclamou ele, fechando o jornal e me instigando a acompanha-lo até a sala de refeições. – A concentração de poder nas mãos desse austríaco lunático vai levar o continente à guerra, talvez a mais terrível que a humanidade já presenciou. – sentenciou, parecendo prever o que os meses a seguir acabaram confirmando.

A esposa não demorou a se juntar a nós, vindo da cozinha onde tinha organizado o café da manhã que a cozinheira ia dispondo na mesa. “Gut margn” cumprimentou ela em iídiche, ao que respondi “Guten Morgen” em alemão, cujo idioma era minha segunda língua e eu dominava fluentemente, devido ao convívio estrito com os germânicos que ocupavam a região onde nasci. Os Maisel também falavam alemão, como muitos tchecos naquela época, mas no seio familiar ainda mantinham a tradição de se comunicar em iídiche entre outros costumes que fui aprendendo ao longo do nosso convívio.

- Venha à loja após o almoço! Agora pela manhã minha esposa o levará para algumas compras e ao alfaiate, pois preciso que esteja trajado adequadamente para o tipo de clientela que atendemos na joalheria. – disse ele, confirmando que eu não estava à altura do novo mundo no qual estava imergindo.

Nunca tive tanta roupa como naquele início de tarde quando a Selma me ajudou a compor uma vistosa e elegante composição com um dos dois ternos que adquirimos já prontos numa loja da rua Parízská, uma vez que os demais só ficariam prontos dentro de quatro semanas segundo afirmou o alfaiate que me mediu mais de uma dezena de vezes, sempre reiterando que num corpo com as minhas medidas não havia como um terno não ter um caimento perfeito.

- É só acompanhar as curvas e teremos um modelo digno de figurar na vitrine! – asseverou, em iídiche, o sujeito baixinho e troncudo de óculos redondos que deixavam sua cara ainda mais redonda, segundo a Selma me traduziu, enquanto ele cuidava de atende-la como um serviçal.

- Ande, vista de uma vez essas roupas, tenho mais o que fazer antes de você seguir para a loja. – disse ela, com impaciência, ante a minha relutância em me despir completamente diante dela, uma vez que até roupas de baixo haviam sido compradas naquela manhã.

- Posso ficar sozinho? – perguntei envergonhado, pois não queria que ela me visse nu.

- Tudo o que você tem aí embaixo eu estou cansada de ver! Tenho um marido e dois filhos, nada disso é novidade para mim! – devolveu ela, com um sorriso cândido de mãe. Acabei respirando fundo, arrancando as ceroulas e, o mais depressa que pude, vestindo as novas. Pelo canto do olho vi que havia um risinho de diversão no rosto dela.

Quando ela terminou de me ensinar como fazer o nó da gravata, e me vi refletido no espelho, cheguei a ficar emocionado. Eu nunca estivera tão bonito e elegante. A Selma me encarava com um quê de orgulho e triunfo, como se todo seu esforço estivesse sendo recompensado. Os empregados admiravam o resultado de soslaio e dirigiam elogios à patroa, enquanto o Goel e o Benaja tinham suas palavras censuradas pelo crivo autoritário da mãe. O tecido ainda duro e pinicando só aumentava minha agonia dentro daquela roupa ajustada, em completo contraste com as minhas antigas, amaciadas pelas lavagens e mais folgadas. A gravata, algo que eu nunca tinha usado antes, mais parecia uma forca a me roubar o fôlego. Engolir o almoço me pareceu uma tarefa hercúlea dentro daquela armadura, por isso me apressei a sair para a rua a fim de tomar ar fresco enquanto me dirigia à joalheria no centro da cidade a apenas oito quarteirões de casa.

O senhor Efraim se desmanchou em elogios para o bom gosto da esposa, me fez dar dois giros sobre os calcanhares para me apreciar por todos os ângulos e, por fim, abriu um sorriso amistoso e bateu nas minhas costas. Não perdeu tempo em me ensinar meu trabalho, dando inúmeras instruções que eu tentava memorizar com todo empenho. Toda vez que me explicava algo importante, ele punha a mão no meu ombro, apertava-o e exigia que eu repetisse, ipsis litteris, o que tinha dito, para ter certeza de que eu havia entendido tudo.

- Isso é vital para a sobrevivência de qualquer comerciante! – exclamava afobado, deixando os perdigotos saltarem de seus lábios. – E aqui, com o tipo de clientela com o qual lidamos, isso é uma regra de ouro, entendeu? – completava.

Naquela mesma tarde compreendi o que ele quis dizer com – o tipo de clientela com o qual lidamos – quando um casal de meia idade passou mais de uma hora e meia diante das caixas que o senhor Efraim ia abrindo diante deles descrevendo pormenorizadamente a composição de cada peça, e o marido ter adquirido duas delas, nas quais repousavam colares cintilantes sobre um fundo de veludo preto. E, quando duas senhoras entraram quase simultaneamente, uma perguntando por anéis e a outra por um relógio para o filho aniversariante. A presença concomitante das duas o deixou acelerado e quase tão estressado quanto um campeonato de futebol. Como ele havia acabado de me mostrar onde ficavam os anéis, eu tomei a iniciativa de levar algumas caixinhas até a mesa de mogno entalhado diante da qual a senhora mais velha estava sentada aguardando a vez de ser atendida.

- Ele é novato, está começando hoje! Peço mil desculpas pelo improviso, mas já vou atende-la madame. – disse o senhor Efraim, ao mesmo tempo em que do canto do olho acompanhava cada um dos meus movimentos e a orelha espichada não perdendo sequer uma palavra que saia da minha boca.

A cliente, uma sexagenária com mechas esbranquiçadas nas têmporas sobre os cabelos pretos puxados para trás num coque junto à nuca, ia provando no dedo anelar da mão esquerda cada uma das peças que eu lhe apresentava. Como não sabia pormenores da composição e lapidação das pedras, eu lhe dirigia um sorriso toda vez que ela olhava na minha direção como se estivesse a pedir meu parecer. Ela havia provado mais de uma dúzia, quando criei coragem e mencionei duas joias como tendo lhe ficado muito sofisticadas nos dedos longos e delicados.

- Tem razão, meu rapaz! Seu gosto é primoroso! Ainda preciso me decidir sobre o mais apropriado para a ocasião onde pretendo estreá-lo. – disse ela.

- É alguma comemoração em particular? – perguntei, ao que vi o rosto do senhor Efraim se contrair diante da minha bisbilhotice.

- Minhas bodas de ouro! – exclamou ela, feliz com a minha curiosidade.

- Ah! Então a senhora merece ambos! O que seria de nós homens rabugentos se não tivéssemos essas abnegadas e maravilhosas criaturas nos aturando por cinquenta anos? – retruquei brincando.

- Se meu marido tivesse a sua beleza garanto que a rabugice dele teria me passado despercebida. – devolveu ela sorrindo. – Vou aceitar sua sugestão e ficar com esses dois! – exclamou, em seguida, deixando o senhor Efraim boquiaberto.

- Escolha acertada! Agora é só esperar pelos elogios! – retorqui, consultando pela numeração das caixinhas o valor de cada peça num livro que o senhor Efraim acabara de me mostrar e que servia de orientação para estabelecer os preços aos clientes, embora ele tenha frisado que a depender da cara do cliente esses preços podiam sofrer aumentos de mais de 100%.

Levei o livro até ele e apontei os dois valores, ele se limitou a acenar positivamente com a cabeça, pois não tinha como mencionar valores diante da cliente que estava atendendo. Voltei à mesa e em tom baixinho, acrescentei 20% sobre o valor de cada peça constante no livro. Desta vez o rosto rosado do senhor Efraim parecia irradiar a mesma luminosidade do sol de uma manhã de verão. A senhora acenou através da vitrine para o motorista que a aguardava do lado de fora e ele veio até a mesa carregando uma maleta da qual ela tirou maços de notas até completar o valor da compra. Discretamente levei o dinheiro até os fundos da joalheria e me pus a caprichar na dobradura do papel encorpado e cintilante onde acomodei as caixinhas num embrulho ornado com fitas de gorgorão. Ao entrega-las à senhora, ela fez deslizar algumas cédulas de Coroas do Protetorado para as minhas mãos, com um sorriso satisfeito estampado no rosto. Cerimoniosamente, ela acenou na direção do senhor Efraim, que se despediu com mais um pedido de desculpas por não ter lhe dedicado a devida atenção.

- O senhor contratou um excelente ajudante, senhor Efraim! De agora em diante preciso me controlar diante da capacidade de convencimento deste jovem, ou vou à falência! – brincou, enquanto eu a ajudava a descer os dois degraus até a calçada.

Não se falou noutra coisa durante o jantar daquela noite. O senhor Efraim repetia, mesmo com a boca cheia, os vinte por cento que eu havia acrescentado ao valor das joias, enquanto encarava os dois filhos no que me pareceu mais uma censura dirigida a eles do que uma exaltação pelo que eu havia feito.

- Viu como somos perfeitamente dispensáveis, papai? Bastou encontrar naquele fim de mundo o seu assistente perfeito para nos vermos livres da chatice daquela loja. – sentenciou o Goel.

- Vocês são dois parasitas! Tomem muito cuidado, pois o mundo é pródigo em destruir parasitas. – devolveu o velho exaltado.

- Cuidado com a sua pressão Efraim! Não é bom se exaltar dessa maneira à mesa! – ponderou a Selma. Eu devorava o filé tenro e levemente rosado empanado numa massa de mil folhas que acompanhava os legumes e o purê de cará perfumado com noz-moscada, alheio aos assuntos privados daquela família.

Depois de seis semanas após a minha chegada a Praga, recebi uma carta dos meus pais me felicitando pelo meu aniversário de dezoito anos. A carta fora escrita pela minha mãe, mas no final dela havia dois grandes parágrafos, um deles escrito pelo meu pai e o outro pela minha irmã. Era a primeira vez que recebia uma carta, era a primeira vez que me comunicava com a minha família sem ser por palavras, era a primeira vez que passava um aniversário longe de casa. Fiquei acabrunhado por dois dias, o que despertou a atenção da Selma e dos filhos. O senhor Efraim parecia imune ao sofrimento alheio ou, simplesmente não o enxergava, só vindo a me questionar quando alertado pela esposa.

- Você não nos disse que era seu aniversário, poderíamos ter feito uma comemoração. – afirmou ele, passados quatro dias da data. – Por falar em datas, preciso dos teus documentos para providenciar a legalização do seu vínculo trabalhista. – acrescentou, ao mesmo tempo em que me entregava o primeiro salário, junto com um relógio que havia sido deixado por um cliente para conserto e nunca mais reclamado. Não era uma peça de grande valor, segundo me assegurou o velho Isaac que trabalhava na oficina da joalheria. No entanto, para quem nunca teve algo nem parecido, eu me sentia tão rico quanto um daqueles clientes que frequentava a joalheria.

Quase não consigo descrever a alegria com a qual coloquei as cédulas do meu salário num envelope acartonado e o despachei pelo correio para os meus pais. Enquanto colava os selos no envelope, prometia a mim mesmo que todos os meses enviaria boa parte do meu salário para casa, pois eu praticamente não precisava gastar nada, tudo de que precisava de primordial era suprido pelos Maisel e, quanto às futilidades, elas ainda não tinham conquistado meu gosto.

A joalheria nunca era movimentada, desde que comecei a trabalhar, nunca atendemos mais do que oito clientes num único dia. O que a mantinha era a clientela abonada indiferente à crise econômica que abalava a Europa às vésperas da Segunda Guerra. O que tirava o sono dos Maisel era a recente invasão da Tchecoslováquia pelas tropas nazistas após o Acordo de Munique de 1938. Toda a comunidade judaica de Praga estava mobilizada para abandonar o país à medida que iam chegando as notícias da perseguição perpetrada pelo ditador Hitler. O senhor Efraim lia desesperadamente os jornais pela manhã e acompanhava as transmissões da rádio local após o jantar, mergulhado em seus pensamentos enquanto soltava baforadas de seu cachimbo rescindindo a chocolate. Eu não fazia parte de seus problemas, muito pelo contrário, muitas clientes gostavam de ser atendidas por mim e não faziam cerimonia ao desembolsar maços de notas ou polpudos cheques na aquisição desenfreada de artigos que a inflação galopante não podia devorar.

Os Maisel continuavam a levar a vida opulenta de sempre. Goel e Benaja quando saiam da faculdade iam se reunir aos amigos num clube privativo ou se dedicavam a promover encontros barulhentos com os colegas. A senhora Selma tinha ao menos dois encontros semanais com amigas para jogar cartas, uma tarde exclusiva para percorrer as lojas sofisticadas à procura de novidades e sua rotina de acompanhar os empregados da casa. A facilidade de estar na capital me proporcionou a oportunidade de continuar meus estudos, encerrados quando completei os doze anos de ensino básico, por não haver escolas para tanto nos arredores de Přebuz. Eu seguia para um colégio não muito distante, a pé, após o expediente da loja, e acompanhava os demais estudantes sem grandes dificuldades. Quando me via diante de algumas tarefas escolares mais complicadas, recorria ao Goel ou ao Benaja, que prontamente me ajudavam a solucioná-las. Meu relacionamento com ambos era muito bom, às vezes visceral e intenso demais, o que me dificultava colocar alguns limites nos atrevimentos e maluquices dos dois, pois não queria arrumar confusão com o senhor Efraim, sem jamais me esquecer que não passava de um hóspede naquela casa.

Ele havia chegado um pouco tarde naquela noite, e o cheiro de álcool em seu hálito denunciava que estivera na esbórnia, mas estava bastante lúcido e bem-humorado quando me cobrou, com o dedo indicador sobre os lábios, meu silêncio cúmplice quanto a hora em que estava entrando em casa, uma vez que sabia que aquilo renderia mais um sermão crítico do pai.

- Eu estava te esperando, será que pode me ajudar com uma das minhas tarefas da escola? – arrisquei, mesmo sabendo que o horário e as condições dele eram um tanto quanto impróprias. No entanto, eu precisava muito da ajuda dele.

- Me esperando? Por que não pediu a ajuda do Benaja? O que eu ganho em troca? – o álcool que circulava em suas veias devia ser mais do que eu imaginava.

- É, já tentei, mas não consigo resolver sozinho. O Benaja já estava dormindo quando tentei pedir ajuda a ele. – respondi, conforme a sequência de suas perguntas, deixando a última sem resposta, pois sabia que dali podia surgir alguma sacanagem.

- Vamos lá! Do que está precisando? – indagou, pendurando seu braço pesado sobre os meus ombros enquanto seguíamos para o meu quarto.

Mostrei-lhe as folhas nas quais tinha tentado resolver um problema de álgebra – Seja p(x) um polinômio de grau 5, tal que suas raízes sejam -1, 2, 3, -2 e 4. Escreva esse polinômio decomposto em fatores de 1° grau na forma estendida, considerando o coeficiente dominante igual a 1 – cujo texto lia em voz alta enquanto o Goel apoiava os braços sobre o espaldar da cadeira e me acompanhava olhando por cima dos meus ombros. Mesmo sem olhar diretamente para ele, percebi que não estava acompanhando minha leitura, nem prestando atenção no que eu lia.

- Sua pele tem um perfume tão gostoso! – exclamou, do nada, comprovando minha suspeita.

- Você está prestando atenção? Se não quer me ajudar pode ir dormir. – retruquei, me fazendo de zangado.

- Nunca te vi bravo! Sabe que gosto muito de você? Você ainda não me disse o que eu vou ganhar por te ajudar. – sentenciou, afastando com a ponta do dedo a gola do meu pijama para que minha nuca ficasse mais exposta.

- Pode deixar, não quero mais a sua ajuda! Vou pedir que amanhã antes da aula algum colega me dê uma força. Boa noite, e obrigado por nada! – exclamei, percebendo que dali não resultaria o que eu precisava.

- Eu vou te ajudar, não prometi? – ante a possibilidade de perder a oportunidade que a circunstância tinha lhe dado, resolveu se fazer de bom moço.

Ele estava pegando fogo, não sei se pelo álcool que circulava em seu corpo ou se pela atração que eu sabia ele sentir por mim. Sua concentração no problema algébrico não durou nem cinco minutos, e ele voltou a se engraçar para o meu lado dando um beijo na minha nuca e fungando minha pele. Eu tentei reagir, mas ele circundou os braços no meu tronco e me apertou com força. Ao mesmo tempo em que me levantava da cadeira ele jogava seu corpo contra o meu, me encurralando e apertando contra a mesa de estudo.

- Para com isso, Goel! – protestei, sem que ele tomasse conhecimento.

- Me dá um beijo? Um beijinho rápido, e eu prometo te ajudar! – sua ereção bem perceptível sobre a minha coxa me levou a concluir que não teria ajuda alguma e, de que, pela primeira vez, estava correndo perigo nas mãos daquele tarado inebriado.

- Ficou maluco? Vá para o seu quarto! Eu já desisti.

- Quero ficar aqui! Quero ir para cama com você! Quero enfiar meu pau no seu cuzinho! Você deve ter um cuzinho muito gostoso escondido no meio dessa bundona roliça. – afirmou, tomado pelo tesão.

- Você está me assustando, Goel! Eu vou chamar seu pai. – ameacei.

- Não vai não! Eu sei que você não quer que ele se zangue com você, pois isso pode custar o seu emprego. – devolveu ele, seguro de suas palavras.

- Você é um safado! Seu pai está certo quando afirma que você é um tremendo sem-vergonha.

- Você vai perceber que sou um safado que sabe fazer coisas bem gostosas com uma bundinha como a sua.

Num relance rápido sobre a mesa de estudos, vi que os ponteiros do despertador apontavam duas e um quarto da madrugada, o que me demoveu da ideia de gritar pedindo socorro. Tudo o que eu não precisava era um escândalo comprometendo tudo o que tinha conquistado. Ademais, a mão do Goel entrando na minha calça do pijama e deslizando sobre as minhas nádegas não me deixava raciocinar direito, pois era uma sensação maravilhosa e inusitada. Enquanto ele esfregava o corpo contra o meu, ia me despindo peça por peça, até eu estar completamente nu diante da cobiça que fulgurava em seu olhar entorpecido. Um frenesi se apossou de mim quando ele despiu o tórax largo e vigoroso. Imediatamente me lembrei do irmão mais velho do meu melhor amigo e nosso vizinho em Přebuz, cujos ombros largos e musculosos enfeitiçavam meus sonhos quando alcancei a puberdade, me fazendo acordar muitas manhãs todo esporrado. Nunca consegui explicar satisfatoriamente a mim mesmo por que a masculinidade evidente e transbordante daquele torso nu e enérgico, tocando as vacas para o curral no fim das tardes, me fazia sentir coisas estranhas e calores se espalhando nas minhas entranhas. Era a mesma sensação que estava sentindo agora, quando minhas mãos tocavam os bíceps do Goel tentando, debalde, afastá-lo de mim. Ele era maior do que eu, tinha mais força, era essencial e deliciosamente viril o que me fazia questionar se repudiá-lo era mesmo o que eu desejava. Será que deixar ele se apossar de mim podia ser algo tão ruim assim? Meu ânus se contorcendo parecia não acreditar nisso. Ao sentir a boca dele se colando à minha e, sua língua entrando decidida e lascivamente na minha me fez capitular e deixar que ele tomasse as rédeas da situação. Até porque eu não saberia como fazer isso.

Ele sorriu quando percebeu que eu não relutava mais em aceitar seu assédio. Guiou-me até a cama e se inclinou sobre mim em mais um beijo úmido e sensual, até ter certeza que eu não tentaria escapulir quando ele se levantasse para terminar de se despir. Meu olhar se arregalou quando ele baixou as calças e a cueca simultaneamente fazendo o caralho saltar livre para fora. Exibindo-se completamente nu e com a pica à meia-bomba, feito um pavão enfunado, ele fez questão que eu me deixasse impressionar por sua virilidade.

- O que me diz? Gosta? – perguntou imodesto, dando uma pegada no sacão peludo.

Eu engoli em seco, não tinha visto muitas picas de homens. Já tinha visto a de um cavalo e a de um touro que certa vez cobriu uma de nossas vacas, enfiando nela um caralhão gigantesco que a fez mugir. De repente, o pinto no meio das pernas peludas do Goel me deu vontade de ser enrabado por ele, de experimentar o que aquela vaca tinha sentido naquele dia, se isso fosse possível. Imerso nesse devaneio, só percebi a proximidade do Goel quando ele já pincelava o caralho babando no meu rosto, e um aroma almiscarado e sedutor entrava no meu nariz. A ordem de – chupa – foi expressa com firmeza, não me deixando espaço nem vontade para rebatê-la. Movido por sabe-se lá que instinto, eu levei minha mão até o caralho que vertia um longo fio translucido e viscoso de pré-gozo, segurando-o até meus lábios se fecharem ao redor da cabeça estufada. Ouvi o Goel soltar um longo sibilo por entre os dentes cerrados, enquanto suas mãos entravam nos meus cabelos e seus dedos se fechavam agarrando as mechas sedosas. O sabor daquele fluido espesso era divinamente delicioso, eu o sorvia delicadamente e sem pressa, sentindo-o mesclar-se à minha saliva antes de degluti-lo. A tentação daquele par de testículos pendurados pesadamente dentro sacão peludo me levou a querer tocá-los com as pontas dos dedos, a desejar afaga-los e sentir sua textura consistente e ingurgitada. O Goel afastou ligeiramente as pernas demonstrando o quanto estava gostando de ter suas partes íntimas exploradas e acariciadas. Naquele momento não pensei em nada. Talvez estivesse cometendo uma imoralidade, um sacrilégio ou coisa pior, ao desejar a conjunção carnal com outro homem. Contudo, não me pareceu que ter esse tipo de desejo fosse ignominioso ou condenável, era algo tão natural que chegava a ser sublime, vinha da essência dos nossos corpos, portanto, não podia ser pecado. O Goel e eu estávamos como que enfeitiçados um pelo outro, e queríamos que esse feitiço nos levasse às últimas consequências. Depois de ter chupado e acariciado a jeba dele por um bom tempo, nossas mãos percorriam sôfregas o corpo nu um do outro, sentindo o calor abrasador que eles emanavam. Nossas bocas não se soltavam temendo que a ruptura desse elo fosse desfazer a magia do momento. As mãos dele deslizavam sobre as minhas nádegas, apossando-as vilipendiosamente, enquanto um dedo tateava sobre a minha rosquinha pregueada me fazendo soltar gemidos libidinosos que o excitavam. Ele me virou de bruços, abriu minhas pernas e veio com as mãos sedentas subindo pelas minhas coxas torneadas e lisas apartar os glúteos que lhe permitiram uma visão lasciva do meu cuzinho rosado piscando de desejo. Ao sentir a primeira linguada úmida sobre minha fendinha soltei um gritinho de tesão. O Goel mordiscou o entorno dela, lambeu-a, atiçou-a tanto que eu me contorcia numa impaciência quase insana.

- Quer me sentir? – sussurrou ele no meu ouvido, ao se inclinar totalmente sobre mim chupando e mordiscando minha nuca.

- Quero! – exclamei com a voz ganindo de tesão.

As pinceladas que ele dava ao longo do meu rego guiando aquela caceta dura sobre meu buraquinho me fizeram segurar a respiração, num misto de desejo e desespero do que pudesse acontecer no instante em que ele enfiasse seu falo em mim. Prevendo que eu não conseguiria reter o grito quando fosse penetrado, ele tapou minha boca com uma das mãos, lançou todo o peso de seu corpo sobre mim e meteu a pica atrozmente no meu cuzinho. A dor de ser rasgado se alastrou por toda minha pelve. Num primeiro instante, me agitei tentando fugir daquela verga que deslizava bruta e devastadora para dentro de mim, dilacerando toda e qualquer resistência que encontrava pelo caminho. Mas o Goel continuava beijando e chupando meu pescoço, gemendo e balbuciando o quanto eu era gostoso, pedindo que eu fosse dele e; aos poucos, meu sufoco foi dando lugar para a mais incrível sensação que eu já tinha vivenciado, ele pulsando firme e quente dentro do meu cu. À medida que eu chupava os dois dedos que ele enfiara na minha boca com o mesmo desvelo que tinha chupado sua rola, eu ia relaxando e permitindo que ele continuasse a enfiar o cacete em mim até que suas bolas fossem aprisionadas pelas minhas nádegas carnudas. Ele parecia não ter se contentado em meter todo seu caralho no meu cuzinho, continuava forçando e querendo chegar ao fundo daquele casulo úmido e receptivo, movendo seus quadris de modo a me estocar o rabo, até entrarmos numa cadência sincrônica. Eu empinava a bunda forçando-a contra virilha peluda dele, o que fazia as estocadas entrarem tão profundamente em mim que socavam minha próstata e me faziam ganir num misto de dor e prazer. Essa sensação de estar sendo devorado por um macho me fez gozar. Meu pinto duro se esfregando contra os lençóis não suportou muito mais e o gozo explodiu melando a cama de porra. O Goel continuava sobre mim, gemendo, bombando e socando seu membro no meu cuzinho, que já ardia como se lhe houvessem enfiado um tição incandescente. Subitamente seus movimentos foram perdendo a cadência, tornaram-se mais abruptos e vigorosos, dava para sentir seu corpo todo se retesando e, quando um gemido mais rouco brotou de seu tórax, eu comecei a sentir ele esporrando meu cuzinho. Os jatos fartos, tépidos e mornos faziam com que seu esperma escorresse pelas minhas entranhas me encharcando com sua virilidade.

- Caralho Jaro! Que rabo gostoso você tem seu putinho tesudo! – grunhiu ele, ao terminar de gozar, enquanto mantinha sua verga aconchegada na minha carne aveludada esperando-a amolecer lentamente.

- Promete para mim que nunca vai contar nada do que acabou de acontecer com ninguém, promete Goel! – supliquei, pois não sabia que consequências podiam advir daquela minha atitude impensada.

- Prometo! Se você também me prometer que teremos muitos desses momentos outra vez. – retrucou ele, aproveitando-se do meu receio de ser descoberto como homossexual.

- Seu abusador desalmado! – devolvi subjugado. – Eu prometo! – acrescentei depois de um tempo, para satisfação dele, quando ainda sentia sua verga ficando flácida no meu cuzinho.

O que eu julgava ser nosso segredo não durou mais do que algumas semanas. Aquela minha primeira capitulação fez com que o Goel me perseguisse como se eu fosse uma cadela no cio que ele estava doido para enrabar. Meu cu mal havia se recuperado das lacerações que o cacete dele provocou nos meus esfíncteres quando, três dias depois, ele voltou ao meu quarto no meio da noite para me foder. Seduzido por aquele torso másculo nu e por aquele par de olhos cheios de cobiça, eu me entreguei aos seus caprichos e safadezas, não por obrigação ou coação, mas porque sentir sua carne rija latejando nas minhas entranhas me dava um prazer indescritível. Foram mais algumas vistas na surdina das madrugadas quando numa delas ele veio acompanhado do Benaja, ambos praticamente nus, não fossem as cuecas sob as quais se via os caralhos já duros.

- O que significa isso? – perguntei desesperado, embora a resposta logo se desenhasse na minha mente.

- Seria egoísmo meu se só eu desfrutasse dos prazeres que seu cuzinho é capaz de proporcionar! – exclamou o Goel.

- Você me prometeu que guardaria segredo! – balbuciei choroso e decepcionado, vendo aquele olhar ganancioso do Benaja pousado sobre meu corpo, enquanto ele manipulava impudicamente seu pinto duro.

- Fique tranquilo, vai continuar sendo um segredo! – retrucou ele, no que eu sabia ser uma inverdade.

Apesar de ter ficado bastante assustado e apreensivo com aqueles dois machos sedentos por sexo, quando eu sabia estar irremediavelmente em suas mãos, copular com ambos se mostrou algo ainda mais prazeroso. A pica do Benaja era ligeiramente menor do que a do Goel, mas era mais grossa e cabeçuda. A circuncisão deixara ambas as glandes bem expostas e, quando os paus ficavam duros, elas pareciam dois enormes cogumelos que, ao trespassarem minhas pregas, as dilaceravam provocando um pequeno sangramento, como se a cada coito, eu perdesse mais uma vez a virgindade. Eu fiquei fascinado pelos testículos do Benaja, eles eram maiores do que os do Goel e pendiam no sacão em alturas diferentes, o que fazia com que um deles sempre ficasse roçando meu rosto enquanto eu chupava o outro. Com o passar dos meses, eu havia me habituado a servir aqueles dois embusteiros depravados. Enquanto um me fodia a boca, metendo a pica até a minha goela protestar com a falta de ar e os engulhos, o outro enfiava sua rola até o talo no meu cuzinho. Por fim, eu acabava todo esporrado, sentindo o sabor delicioso da gala de um descendo garganta abaixo e a umidade pegajosa do outro inundando meu cu. Acabei me apegando a eles, nem tanto por uma amizade que eu suspeitava não ser tão verdadeira assim, mas porque tinha encontrado uma maneira de extravasar todo um tesão reprimido que carregara em mim desde a adolescência. Isso fez minha sensualidade aflorar. Não eram só o Goel e o Benaja que olhavam para mim daquele jeito predador. Eu passei a reconhecer esse olhar em outros homens, fossem eles clientes que entravam na joalheria, transeuntes que cruzavam comigo pelo caminho, jovens com os quais os filhos do joalheiro conviviam num clube privado e, para o qual costumavam me arrastar quando havia algum evento.

Também passei a suspeitar do próprio Efraim que, de uns tempos para cá, tinha uma espécie de mão boba que me tocava com uma frequência desconcertante em lugares às vezes impróprios para a ocasião. Ele sabia o que os filhos faziam comigo. Essa certeza adveio do dia em que o senhor Efraim me deu uma encoxada lasciva na joalheria numa tarde chuvosa em que a clientela, talvez querendo escapar do frio e do aguaceiro, resolvera deixar a loja às moscas. O Isaac havia saído mais cedo, pouco depois do horário do almoço. O senhor Efraim trabalhou por cerca de três quatros de hora na lapidação de uma jadeíta imperial que seria incrustada num pingente que um quarentão de bigode largo havia encomendado para o aniversário da esposa, quando largou tudo na oficina nos fundos da joalheria, apagou as luzes e veio ter comigo.

- Vamos fechar mais cedo hoje! Aguarde as joias das vitrines no cofre e vamos ver o que se pode fazer numa tarde como essa. – ordenou.

No segundo quarteirão, percebi que ele não dirigia o Opel Admiral em direção de casa. Olhei para ele, mas não disse nada. Ele parecia pensativo. Eu já conhecia muito bem aquela expressão que se formava em seu rosto e aqueles vincos em sua testa toda vez que estava absorto em pensamentos e, ele vinha estando assim muitas vezes nos últimos tempos. Ele dirigiu até a estreita rua Anenská e estacionou a algumas quadras da margem do Moldava num prédio de quatro andares. Descemos e ele apertou a campainha diante da ornada porta de ferro e vidro que dava acesso ao interior do edifício. Não havia a indicação de um nome no botão que ele apertou, ao contrário dos demais, onde constava o nome do morador. Ele devia saber quem morava ali ou, devia estar visitando um de seus inúmeros inquilinos, uma vez que diversos deles vinham mensalmente à joalheria com um envelope recheado de cédulas quitar seus aluguéis. Havia um cheiro forte de repolho refogado empesteando o ar quando começamos a subir a escada de madeira, fazendo ranger alguns dos degraus sob nosso peso. No terceiro andar havia uma porta aberta e, no umbral encontra-se um homem que devia estar próximo dos quarenta anos e que eu conhecia de vista, pois era um dos que aparecia na joalheria para pagar seu aluguel. Ele se chamava Ravi Bernstein, era professor de violino e, eu o tinha visto numa apresentação para qual a Selma me arrastou no clube judeu. Certa vez em que o senhor Efraim não estava, ao olhar para o conteúdo do envelope que ele deixava mensalmente na joalheria, vi que a quantia dentro dele era uma bagatela perto do que os outros inquilinos pagavam. Pensei que talvez os Maisel estivessem ajudando financeiramente aquele sujeito esquelético, que fumava um cigarro após o outro e parecia um tísico à beira do sepulcro. Ele nos recebeu com um sorriso cadavérico no rosto encarquilhado, nos apontou as duas poltronas puídas próximas às janelas e sentou-se num pequeno sofá de dois lugares. A conversa entre os dois girou sobre amenidades e um convite que ele fez ao senhor Efraim entregando-lhe duas entradas para uma apresentação dele no Teatro Nacional para dali a três semanas. Eu olhava ao redor para aquelas paredes desgastadas pelo tempo, para os rasgos no papel de parede de gosto duvidoso e para os objetos largados sobre os móveis pesados e de aspecto macabro. Isso sem mencionar a quantidade de cinzeiros espalhados por todos os cantos, sempre cheios de bitucas. Não me sentia bem naquele lugar, e me questionava o que estávamos fazendo ali, quando o Ravi anunciou que tinha um compromisso. Fiquei feliz por sair dali, mas logo percebi que ia ficar sozinho com o senhor Efraim naquele lugar decrépito. Senti um calafrio percorrer minha coluna, quando notei a maneira esquisita como o senhor Efraim olhou para mim assim que o sujeito saiu. Os olhares lascivos, a mão boba, os presentinhos repentinos dos últimos meses, logo me deram uma pista do que ia acontecer ali dentro.

- O Goel e o Benaja me disseram que tem gostado bastante de fazer sexo com você! Posso imaginar o porquê! Seu corpo tem ficado cada dia mais sedutor, desde que o tirei daquela vida no campo. – sentenciou ele, num tom amistoso, mas opressivo.

- Eu peço desculpas se ofendi sua casa e o senhor! – fui logo despejando agoniado. – Eu nem sei como isso foi acontecer, quando vi já estávamos envolvidos. – justifiquei.

- Não se preocupe com isso! Sei que a iniciativa não partiu de você. Conheço muito bem aqueles dois para saber o que os levou a se aproveitar de você. Não os censuro, são homens e nós homens gostamos de sexo, especialmente aquele não ligado à procriação. Essa é uma espécie de espada que paira sobre nós homens judeus, fazer sexo com a única finalidade de procriar, quando o sexo sem essa premissa é muito mais recompensador. – suas palavras eram apavorantes, pois eu sabia o que resultaria delas.

- Não quero que pense fui desrespeitador, que maculei sua casa, ou o quis ofender com minha atitude. – afirmei, tremendo da cabeça aos pés com aquele homem olhando daquele jeito para mim.

- Eu sei, eu sei! Não pense nisso! Sou um homem carente, Jaro! Por mais estranho que isso possa soar, especialmente para um jovem simples como você. Ter posses não significa que nossas necessidades estejam supridas. E, eu espero que você seja tão generoso para comigo quanto é para com os meus filhos, se é que está me entendendo. – sentenciou, dando uma ajeitada na pica dentro das calças uma vez que ela começava a despertar com a iminência de entrar em ação.

- Entendo! Entendo sim, senhor Efraim. – balbuciei, me preparando para sentir o cacete daquele homem maduro se aboletando no meu cuzinho.

- Muito bom! Isso facilita tudo. – devolveu ele, apontando para uma das portas do pequeno corredor que dava nos dois quartos do apartamento.

Caminhei para o local que ele apontava com a mesma sujeição de uma vaca sendo conduzida ao curral. O quarto destoava do restante do apartamento, era limpo, claro, arejado, tinha uma mobília sóbria bem distribuída onde se salientava a cama larga coberta de lençóis caros. Devia ser reservado aos encontros extraconjugais do Efraim, o homem carente, como ele se definiu. Não esperei ele ordenar, eu sabia o que ele esperava de mim, quando começou a se despir. No entanto, fiquei tenso e encabulado quando fiquei nu diante dele. O senhor Efraim era ligeiramente barrigudinho, tinha pelos longos e negros que vinham desde a altura dos mamilos até a virilha, menos pentelhuda que a dos filhos. O caralho estava em riste quando ele ficou pelado, era reto, grande e fazia uma curvatura suave para cima fazendo com que a glande circuncisada apontasse predatoriamente para quem estivesse diante dele. Não se podia dizer que não era um macho atraente, ainda mais quando aquele seu olhar de cobiça fazia minha pele arder.

- Agora compreendo ainda mais o que levou meus filhos a perderem a cabeça por você! Seu corpo é muito sedutor! – exclamou ele, vindo na minha direção e fechando seus braços ao redor do meu tronco.

Eu não sabia o que dizer, o que fazer com as minhas mãos, como me comportar diante dele, até respirar me parecia um sacrilégio. Esse acanhamento o deixava mais excitado, mais voraz na sua pegada firme que começava a explorar cada curva do meu corpo exposto. Abraçado a mim como um grande urso, ele me levou até a cama, deitou-se sobre mim e se esfregou libidinosamente nas minhas coxas e bunda com seu falo rijo. Tímido, eu o envolvi com meus braços, mais para sentir algum apoio do que para retribuir seus afagos. Depois de um tempo deslizando as mãos sobre a minha pele, ele se reclinou na cabeceira da cama e abriu as pernas, exibindo intrépido seu sexo vertendo fluido pré-ejaculatório, o que impregnou o quarto com a luxúria e a libertinagem do sexo. Era a deixa para eu entrar em ação. Acariciei a barriga dele, ao mesmo tempo em que puxava delicadamente os pelos que a revestiam, descendo progressivamente para dentro da virilha, o que o fez começar a respirar com mais força e pausadamente, confirmando o quanto aquilo o estava excitando. Meus dedos já estavam melados do fluido que minava abundante do largo orifício uretral quando levei o caralho até a boca e suguei com uma sutileza cuidadosa a baba viscosa e cheirosa. O senhor Efraim grunhiu alto, soltou um sonoro – zaynn – que, se nesse instante crucial não me falhasse a memória, significava caralho em hebraico. Mamei demoradamente a cabeça antes de lamber e mordiscar zelosamente o restante da pica, até alcançar os colhões ingurgitados dentro do sacão peludo e enrugado. O senhor Efraim se contorcia, verbalizava o que me pareciam ser palavrões impronunciáveis num ambiente menos promiscuo que aquele. Com as duas mãos sobrepostas na minha cabeça ele a afundava em sua virilha ao mesmo tempo em que se erguia fazendo a caceta entalar na minha garganta. Depois, me soltava e voltava a usufruir da maciez fogosa dos meus lábios trabalhando em seu falo. Ele enfiava os dedos grossos da mão gorda e devassa com a mesma desfaçatez de quem também era dono da grutinha estreita camuflada no fundo das bandas roliças da minha bunda, o que aumentava meu tesão e o desejo de ser enrabado. O furor de um macho por um cuzinho era algo que eu desconhecia até aqueles três demonstrarem toda sua gana pelo meu. O senhor Efraim, depois de vasculhar impiedosamente minha rosquinha com suas dedadas, apartou minhas nádegas, lambeu meu reguinho liso e aprisionou a pele dos meus glúteos entre seus dentes até me ouvir ganir de dor. Como uma espécie de recompensa pela brutalidade, ele enfiava a língua úmida na minha fendinha ouriçada, e eu gemia imerso em puro êxtase. Tive minhas pernas abertas e colocadas sobre seus ombros, ficando com o cu exposto como se estivesse numa mesa ginecológica. Ele não desgrudou o olhar licencioso do meu temeroso quando meteu o cacete no meu cuzinho, me fazendo ganir e contorcer meu corpo numa tentativa de escapar da predação. Me encarou por todo o tempo em que seus impulsos iam enfiando toda aquela jeba no meu rabo, vendo eu ceder e me entregar para o que já estava irreparavelmente consumado. Agora era ele quem trabalhava com afinco, movendo suas ancas para estocar fundo o meu cuzinho apertado, embalado pelos gemidos complacentes que eu soltava em meio a dor e o prazer. Eu me agarrava aos seus bíceps, que não imaginava tão potentes sob as mangas das camisas sociais que ele usava, mas que agora me pareciam sensuais e virilmente seguros. Tão seguros que me dei ao luxo e ao desfrute de ejacular sem pudor sobre meu ventre quando o gozo me arrebatou.

- Ah, Jaro! É maravilhoso ver que você sente prazer quando estou te fodendo! – exclamou ele, num frenesi desatado que o levou a gozar pouco depois, encharcando meu cuzinho esfolado com seu sêmen espesso e morno.

Ficamos deitados ali vendo a noite chegar devagarinho pelas janelas abertas; abraçados, ele brincando no meu cuzinho lanhado, eu dedilhando sua rola pesada e flácida. Entramos em casa pouco antes do jantar ser servido. Eu podia jurar que o Goel e o Benaja sabiam do que tinha rolado e, provavelmente a Selma também, pela maneira seca e distante como se comportou durante toda a refeição.

Dali em diante, essas tardes, geralmente iniciadas com um fechamento prematuro da joalheria, se repetiam com muita constância. O senhor Efraim, a princípio, inventava umas desculpas fazendo rodeios antes de objetivamente determinar que eu fechasse a loja. Depois, muitas vezes ainda no período da manhã, vinha sussurrar junto ao meu ouvido que sua pica estava sedenta pelo meu cuzinho. Nem sempre ficávamos completamente sozinhos no apartamento da rua Anenská. Muitas vezes eu gemia com o senhor Efraim engatado no meu cu, enquanto o Ravi, na sala, ensaiava peças de Brahms, Tchaikovsky, Mendelssohn e outros, abafando a sacanagem que rolava na alcova vizinha. Após essas tardes de luxúria eu nunca era procurado por seus filhos, o que me dava a certeza de que estavam mancomunados.

Mesmo com todos os pequenos mimos e gestos de uma suposta bondade eu me sentia explorado pelo senhor Efraim. Era algo que podia parecer ingratidão de minha parte, uma vez que para um observador alheio, ele tinha me acolhido em sua casa, me dado um bom emprego e me tratava como a um filho por pura benevolência. Mas, tanto ele quanto eu sabíamos que aquilo não passava de uma imagem pintada para engrandecer aquele homem às vistas de seus conhecidos.

Fazia pouco mais de ano e meio que eu trabalhava na joalheria e, nesse tempo, pude constatar que nem a metade das gemas preciosas que o senhor Efraim comercializava eram lançadas nos livros da contabilidade que um tal Yaron Goldfein vinha subscrever duas tardes por mês, ficando trancado o escritório para legalizar a contabilidade do negócio. Os impostos recolhidos eram infinitamente menores que os realmente devidos, parte seguia para o bolso do Yaron, enquanto o restante evaporava como vapor no ar. Toda a rede de fornecedores comungava a mesma religiosidade ritualística dos Maisel, fazendo as pedras preciosas circularem sem que ninguém soubesse ao certo em que proporções.

Os meses após aquele 14 de março de 1939 quando as tropas nazistas hastearam a bandeira com a suástica em Praga, foram deixando o senhor Efraim cada vez mais inquieto. Ele se trancava no escritório da joalheria ou, no de casa após o jantar, e ficava horas confabulando com interlocutores que o colocavam a par do perigo que a família corria permanecendo na cidade. Veio então a notícia de que partiriam até o final de semana.

- Para onde Santo Deus? – questionou a Selma, vendo o pavor no semblante do marido.

- Tenho dois planos, o mais viável e ligeiro será o escolhido. Garanto que ambos apresentam elevado risco de insucesso, por isso é bom estarmos muito bem combinados e preparados para tudo. – era apavorante ouvir aquele homem se expressar do se estivesse a ponto de ser executado. – Plano A, Antuérpia onde conhecidos do Diamantkwartier vão nos acolher por uns dias e, assim que recebermos o OK de uns amigos que tenho por lá, o porto de Roterdã e a cruzada do Atlântico até os Estados Unidos. Plano B, o porto de Gdansk na Polônia, onde contaremos com pessoas que vão nos esconder dos nazistas até que um cargueiro zarpe rumo ao Canadá, previsto para daqui a seis dias. – expôs ele, ante a família estarrecida.

- E as nossas coisas, essa casa, nossos amigos, a joalheria, como faremos para levar tudo sem levantar suspeitas? – questionou a Selma, que até então ainda não se dera conta de que sua vida nunca mais seria a mesma.

- Não seja ridícula, Selma! Não compreendeu a catástrofe das minhas palavras? Diga adeus a essa vida, mulher. De agora em diante só podemos pensar em salvar a própria pele. – sentenciou exasperado o senhor Efraim. Goel e Benaja pareciam dois palermas assustados que, ao ouvirem a criada derrubar uma bandeja de copos na cozinha, deram um salto nas cadeiras e por um triz não encheram os fundilhos das calças de merda.

Não era o momento de eu perguntar sobre o meu emprego, sobre o meu futuro, por isso permaneci calado o tempo todo, vendo ruir aquela posição privilegiada que desfrutava naquela casa. Fui para cama naquela noite sonhando rever meus pais. Era para junto deles que eu seguiria assim que os Maisel partissem. Adormeci com uma alegria incontida no coração e, até já podia sentir o cheirinho gostoso das fornadas de pão de centeio da minha mãe.

Tive que tocar a joalheria praticamente sozinho durante os dias seguintes, pois o senhor Efraim ora passava horas no escritório em intermináveis ligações, ora me comunicava que precisava se ausentar por um tempo e que eu cuidasse de atender muito bem os clientes, como se desde o primeiro dia em que pisei naquele estabelecimento não fosse essa a minha conduta. Ele andava com os nervos à flor da pele. Nunca o tinha visto naquele estado. Até com o Isaac, que era o mais pacato dos sujeitos que eu já tinha conhecido, ele andou se estranhando, por conta da entrega de uma pulseira que ele achava ter sido agendada para uma data anterior a que havia sido combinada com o cliente. Em casa as coisas não eram muito diferentes. A reserva que tinha em relação ao comportamento dos filhos se transformou em verdadeiros ataques de fúria, xingando-os de tudo quanto é palavrão e dando socos na mesa que faziam os talheres saltitarem. Suas necessidades sexuais foram colocadas de escanteio, o que proporcionou um pouco de descanso para as minhas preguinhas anais, já que apenas o Goel e o Benaja continuavam a persegui-las.

Na metade daquela semana, quando chegou em casa tarde da noite, anunciou que o Plano B estava descartado. As tropas nazistas estavam confinando os judeus em guetos e, muitos deles começaram a ser conduzidos para locais desconhecidos e, os que porventura se recusassem a seguir as ordens eram sumariamente fuzilados em plena rua. Muitas famílias que tentavam fugir dos guetos eram denunciadas pelos próprios vizinhos na tentativa de conquistarem a simpatia dos comandantes das tropas.

- Com maior risco, será o Plano A que poremos em ação. Partimos na sexta-feira ao anoitecer, há menos patrulhas durante a noite nas fronteiras. – notificou, deixando a todos inquietos e amedrontados, inclusive eu, que achava que ficaria para trás e livre para voltar à casa dos meus pais.

No dia aprazado ele mandou que eu abrisse a joalheria no período da manhã, enquanto ele se incumbia de fazer os últimos acertos para a grande jornada rumo a Antuérpia. O cofre da loja estava praticamente vazio quando o abri naquela manhã para expor as joias nas vitrines, só peças de menor valor se encontravam nele. Segui o ritual de sempre deixando as vitrines o mais vistosas possível com as poucas peças disponíveis. Os únicos dois clientes que entraram na joalheria foram homens a procura de relógios, mas nenhum deles gostou das três peças disponíveis, e acabaram saindo sem comprar nada. O Isaac não veio trabalhar, o que me deixou completamente só. Pouco antes do meio-dia quatro militares uniformizados com o uniforme do exército tcheco entraram na loja perguntando pelo senhor Efraim. Conforme ele havia me instruído, asseverei que ele havia viajado para adquirir pedras com um fornecedor e que estaria de volta na semana seguinte. Uma flagrante mentira que o militar que me fizera a pergunta logo descobriu.

- Diga a seu patrão que voltaremos amanhã cedo e que ele esteja aqui se tiver algum amor pela vida! – a expressão malévola e o tom seco daquelas palavras do militar fizeram meu couro cabeludo se arrepiar.

A Selma já havia servido o almoço quando cheguei em casa e encontrei a família toda sentada à mesa. Estranhei o fato de não terem me esperado como de costume quando algum de nós se atrasava um pouco para as refeições. Contei ao senhor Efraim como havia sido a manhã na joalheria e coloquei todo o restante das joias que estavam na loja sobre a mesa. O que mais o interessou, no entanto, foi o relato da visita dos militares. Ele me bombardeou de perguntas querendo saber como eram esses homens, o que exatamente haviam dito, que outras coisas fizeram ou mencionaram que ele deveria saber. A empregada baixinha e troncuda começou a tirar a mesa antes de eu me sentar, por ordem da Selma que a acompanhou até a cozinha.

- Eu ainda não almocei! – exclamei em tom de brincadeira, como se tivessem se esquecido de mim.

- Você não vai comer mais nada hoje! Tenho que te preparar antes de partirmos. – sentenciou o senhor Efraim, enquanto o Goel e o Benaja se entreolhavam como se fossem comparsas de um crime.

- Como assim? Me preparar? – perguntei ingênuo. – Por falar nisso, senhor Efraim, eu preciso que o senhor me devolva meus documentos que ficaram em seu poder desde que os entreguei para regularizar a minha contratação, pois pretendo voltar a casa dos meus pais tão logo vocês viajem.

- Você vem conosco, Jaro! Arrume as suas coisas, o mínimo possível, apenas o suficiente para alguns dias. Dentro em breve vou ao seu quarto finalizar o seu preparo. – sentenciou ele, na mais enigmática das comunicações que já me fizera.

- Ir com vocês? Eu não quero ir para os Estados Unidos! Não quero me afastar ainda mais da minha família! – retruquei desesperado com a possibilidade de me ver sendo arrastado para um continente desconhecido.

- Vai sim! Já tenho tudo planejado! Sua família já nem deve mais se lembrar de você. Seu lugar agora é junto conosco, seja lá para onde formos. – devolveu ele, sem dar abertura a mais lamurias ou questionamentos.

Senti uma pontada no peito quando o senhor Efraim afirmou que minha família já nem se lembrava mais de mim. De fato, fazia alguns meses que eu não recebia uma correspondência deles, apesar de continuar enviando mensalmente quase todo o meu salário para Přebuz. Suspeitei que os Maisel estavam boicotando minha correspondência, uma vez que nos últimos tempos estava descobrindo o que o senhor Efraim era capaz de fazer para manter sua posição. Relutante, fui fazer minha mala. Há poucos dias havia enviado a última remessa do salário para meus pais e estava praticamente sem nenhum dinheiro, à exceção de alguns trocados que mal me permitiriam comprar as passagens de trem até Přebuz.

A casa toda estava num silêncio tenebroso. Não se ouviam os tilintares vindos da cozinha, os empregados pareciam estar sem nenhuma ocupação que desse vida aos ambientes, o Goel e o Benaja tinham seguido para seus quartos após o almoço e não se ouvia uma palavra deles, a Selma, sempre agitando e dando ordens à criadagem, também havia desaparecido, e minha angustia só crescia. De repente, por volta das três da tarde, o senhor Efraim, entrou no meu quarto acompanhado dos filhos. Encarei-o e meu coração disparou quando vi seu olhar penetrante.

- Você vai fazer um enema! Sabe o que é um enema? – perguntou ele, tendo em mãos os apetrechos para realiza-lo.

- Para quê? Não estou doente! – respondi

- Você vai lavar os intestinos! É para isso que serve um clister! – retrucou ele.

- Não quero e não preciso lavar meus intestinos! – devolvi desesperado, enquanto procurava naqueles olhares sádicos uma resposta para tudo aquilo.

- Não é uma opção sua! Faça o que estou mandando. – rosnou o velho.

Com a ajuda do Goel e do Benaja que me contiveram, o senhor Efraim enfiou um tubo no meu cu e deixou a água morna contida numa bolsa correr para dentro do meu rabo. Eu me contorcia e, quando senti as contrações da evacuação aumentando, supliquei que me deixassem correr ao banheiro. Depois de repetirem a manobra por três vezes, eu mal tinha forças para reagir, e fui arrastado de volta ao quarto e deitado sobre a cama, onde também havia uma espécie de colar de borracha com seis bolas enganchadas umas nas outras do tamanho aproximado de bolas de tênis, e um pequeno pote de vaselina.

- Para que isso? O que vão fazer comigo? Pelo amor de Deus, senhor Efraim, não faça nada comigo! – eu estava com muito medo, não sei o que me levou a pensar que os três iam me possuir, talvez dois simultaneamente dentro do meu ânus.

- Não podemos viajar com todas essas gemas desprotegidas. Você as carregará no cu! Ninguém vai desconfiar e, se formos revistados, não encontrarão nada. – afirmou ele.

- Não faça isso comigo, eu suplico! Não vai caber em mim, pelo amor de Deus não, senhor Efraim! – devolvi choroso.

Logo o Goel e o Benaja me contiveram, abriram minhas pernas e expuseram meu cuzinho. Com uma das mãos vaselinadas, o senhor Efraim começou a abrir minha rosquinha. À medida que aquela mão gorda distendia meus esfíncteres eu comecei a me agitar, a ganir e, quando metade dela foi introduzida num movimento brusco, eu gritei.

- Aaaaaiiiii meu cuzinho! – a mão dele estava atolada até o pulso, e se movia nas minhas entranhas.

O senhor Efraim a retirou lentamente depois de fazê-la girar algumas vezes lá dentro, pegou o colar e começou a introduzir a primeira bola. Eu fazia força para fechar as pernas, mas o Goel e o Benaja mantinham meus joelhos bem afastados e me impediam de proteger o cuzinho devassado. A mão gorda e a bola que ele segurava formavam um volume enorme que se recusava a passar pelo meu anelzinho anal. Ele forçou, rasgou meu cu e meteu a primeira bola tão profundamente que eu repentinamente senti que ia desmaiar. Eu me contorcia todo, gritava feito um alucinado, pedia por socorro e ninguém parecia me ouvir. Nenhum empregado, ninguém se dignava a acudir meus gritos, era como se estivéssemos apenas os quatro naquela casa. Senti um ligeiro alívio quando ele tirou a mão deixando a bola incrustada nas minhas carnes, respirei o mais profundamente que pude, uma vez que começava a sentir falta de ar. Foram poucos minutos, e a introdução da segunda bola começou, assim como minhas suplicas e gritos, enquanto mão e bola eram enfiados no meu cu. O quarto começou a girar e, subitamente tudo escureceu diante dos meus olhos, a dor me fizera desmaiar. Quando recomecei a ouvir os três trocando frases curtas entre si, os sons chegavam aos meus ouvidos como se viessem do cômodo contíguo, abafados e truncados. Ao abrir os olhos, meus algozes continuavam ali, me cerceando e perpetrando aquela insanidade. Perdi os sentidos por alguns minutos mais uma vez antes de todas as seis bolas estarem alojadas no meu cuzinho, num suplício que durou mais de uma hora. Eu estava sangrando, me sentia tão fraco que mal dava conta de suster meu corpo, quanto mais de dar um passo em direção ao banheiro para me limpar. O Benaja foi quem me pegou no colo e me levou até o chuveiro. O peso das pedras me obrigava a manter as pernas bem fechadas, pois as violentas contrações e espasmos no meu abdômen estavam se empenhando para expulsar aquilo tudo de dentro de mim.

- Vai ficar tudo bem! Deite-se, relaxe e procure se acalmar, esse desconforto vai passar e quando estiver na hora de partirmos eu venho te buscar. – sentenciou o senhor Efraim.

- Por que fez isso comigo? Eu não merecia, eu não merecia! – retruquei exaurido.

- Não é só o nosso futuro que depende do seu empenho, é o seu também! Portanto, procure colaborar e tudo vai terminar bem. – asseverou ele, coisa da qual eu já começava a duvidar.

Com tudo o que me fizeram passar naquele quarto nem percebi que havia nevado a tarde inteira. Quando o senhor Efraim e o Goel entraram no quarto eu estava cochilando, enrodilhado em posição fetal e segurando meu baixo ventre com ambas as mãos. Senti frio quando me vesti com a ajuda do Goel que, apesar da inconveniência, olhava para a minha nudez como uma ave de rapina prestes a me devorar.

-Sempre fui tão carinhoso com você, por que concordou com essa loucura e ajudou seu pai a fazer isso comigo, por quê? – questionei o Goel, quando senti sua mão acariciando minha bunda.

- Você ouviu meu pai, vai ficar tudo bem! – respondeu ele, numa total ausência de firmeza e postura, muito diferente das vezes em que, com o caralho duro, me consumia numa voracidade desmedida.

Estava escuro quando o carro entrou em movimento, apesar de não ser nem seis horas da tarde. Havia pelo menos dez centímetros de neve cobrindo tudo com um manto branco muito reluzente de flocos recém caídos. Eu não fazia ideia de quantos dias íamos levar para chegar a Antuérpia, cobrindo aqueles 900 quilômetros de estradas vigiadas e cheias de barreiras policiais. Para cruzar a Alemanha o senhor Efraim havia providenciado documentos falsos para todos nós. Eles foram entregues na joalheria por um rapaz franzino no início daquela semana. Como o envelope não estava lacrado, eu consultei seu conteúdo e encontrei os documentos. Agora ninguém mais tinha o sobrenome Maisel, mas Schröder, e eu tinha papeis que garantiam que eu era filho caçula de Max e Frida Schröder, e me chamava Klaus Schröder, tudo tão falso quanto as boas intenções de Hitler para com o povo alemão.

Era madrugada quando chegamos a Leipzig. Sentado entre o Goel e o Benaja no banco traseiro do Opel Admiral, a minha vontade de evacuar não encontrava sossego; ao mesmo tempo em que toda a musculatura do meu baixo ventre se encontrava fortemente contraída, com dores do tipo câimbras se espalhando de forma lancinante.

- Não estou me sentindo bem! Podemos parar uns instantes? O sacolejar do carro está me fazendo sentir muita dor. – afirmei.

- Não podemos nos dar a esse luxo! Concentre-se em outras coisas e a dor passa! Temos que prosseguir e cobrir a maior distância possível. – respondeu o senhor Efraim, alheio ao meu sofrimento.

Era manhã quando chegamos a Kassel, um sol de inverno iluminava parcamente o meio da manhã de janeiro. Quando acordei estava com a cabeça deitada no ombro do Benaja. Ele estava com as pernas abertas e de pau duro. Não demorou a pedir que o pai encontrasse um lugar onde pudesse mijar. Paramos em frente a uma estalagem familiar nos arredores da cidade para não levantar suspeitas. Éramos apenas uma família abonada viajando com os filhos em férias, conforme o que havia sido combinado até a exaustão quando o senhor Efraim nos orientou como deveríamos agir e responder a quaisquer perguntas que nos fizessem. Mal consegui sair do carro, agarrei-me à porta para não cair quando fiquei em pé do lado de fora e senti todo o peso das pedras comprimir meu períneo.

- Esforce-se para caminhar! Não queremos que comecem a perguntar o que está havendo com você! – disse o senhor Efraim.

- Eu não consigo! Sinto minhas entranhas se rasgando. Preciso me apoiar em alguma coisa. – respondi, voltando a sentir vertigens.

- Apoie-se no Benaja discretamente e caminhe o mais naturalmente possível! – ordenou o velho insensível.

Enquanto o senhor Efraim e a Selma tratavam de contratar nossa estadia por um dia na estalagem, o Goel, eu e o Benaja, acompanhamos a moça que nos mostrou nosso quarto no sótão da casa. Assim que a moça nos deixou, acompanhei o Benaja até o banheiro, pois temia que ao soltá-lo fosse me estatelar no chão. Ele tirou a benga à meia-bomba para fora da braguilha e lançou seu jato forte e contínuo na abertura do vaso sanitário. Safado, levou minha mão até seu membro para que o segurasse enquanto urinava. Eu nem mais sabia se o que sentia nas entranhas era necessidade de urinar ou evacuar, tudo se resumia a espasmos dolorosos. Aproveitei, uma vez que estava diante do vaso, para urinar. Demorou até que uma resposta se manifestasse, mas senti um parcial alívio quando minha bexiga se esvaziou. Enquanto eu mijava, o Benaja arriou de vez minha calça e minha cueca e tateou devasso sobre o meu cuzinho.

- Está bem fechadinho! – exclamou na direção do Goel, quando este também entrou no banheiro e viu o irmão se aproveitando da oportunidade. Não levou mais que alguns segundos para os dedos do Goel também apalparem minhas preguinhas ocluídas.

- Parem com isso! Será que não estão vendo o estado em que me encontro? Sádicos, pulhas! – exclamei em protesto, tendo como retorno dois risinhos sarcásticos.

- Você está ainda mais tesudo, sabia? Se não houvesse o risco de você expulsar as pedras eu ia te foder agora mesmo. – asseverou o Benaja, que continuava com a caceta dura mesmo depois de esvaziar a bexiga, e insistia para eu fazer um boquete naquele caralho obstinado.

Não saí do quarto, fiquei deitado e dormi praticamente o dia inteiro. Sem poder comer, sentia uma fraqueza crescente e um desânimo que me dava vontade de sair correndo dali, pedindo socorro, e que me tirassem tudo aquilo das entranhas. No final da tarde retomamos a viagem, desta vez em direção a Druisburg, mais 230 quilômetros de tortura. O trajeto mostrou o perigo crescente que estávamos correndo. Havia patrulhas para todos os lados, fomos parados e revistados diversas vezes, nossos documentos passavam por crivos demorados antes de nos serem devolvidos, a desconfiança de que eram falsos parecia aumentar a cada bloqueio. Alcançamos nosso destino depois de longas e, para mim, torturantes dezoito horas.

- Eu lhe imploro senhor Efraim, tire isso de dentro de mim. Não estou aguentando mais! Sinto que se não expulsar isso logo, algo vai se romper nas minhas entranhas.

- Cale-se! Quer que descubram o que tem no seu rabo? Seríamos imediatamente fuzilados. É isso que está querendo? – retrucou ele, exasperado.

Dois quartos conjugados no terceiro andar de um hotelzinho barato no bairro boêmio da cidade foi nosso esconderijo até a manhã do dia seguinte. O senhor Efraim havia resolvido mudar a estratégia, passaríamos a viajar durante o dia, uma vez que a questão das patrulhas parecia mais intensa e rigorosa durante a noite. Rolei na cama a noite toda, gemendo e chorando, com as mãos agarradas ao ventre, onde as câimbras eram intensas, enquanto o Goel e o Benaja ronronavam entorpecidos pelo cansaço.

- Há algo de errado com seu filho? – perguntou a mulher que servia o desjejum, à Selma, num salão do térreo e que, ante a minha recusa em aceitar o que estava servindo, me viu chegar à mesa quase cambaleando.

- Ele está com um desarranjo intestinal, deve ter comido algo contaminado. Mas não se preocupe, já o medicamos! – respondeu a Selma, para se ver livre dos questionamentos daquela estranha.

Eu estava completando 96 horas sem ingerir algum alimento, sentia vertigens, engulhos, uma dor de cabeça que parecia arrebentar meus miolos. Todo o hotel foi invadido por militares pouco antes de o senhor Efraim encerrar a conta, estavam à procura de judeus fugitivos, a partir de uma denúncia que havia sido feita na chefatura de polícia local. Os olhos do senhor Efraim se arregalaram quando ele ouviu que todo o hotel passaria por uma revista. Pensei, por uns instantes, que a Selma fosse ter uma sincope. Aquela mulher habituada ao luxo e a dar ordens estava mais perdida no meio daquela fuga do que nunca. O Goel e o Benaja gaguejavam e tremiam feito varas verdes quando foram interpelados, precisando recorrer a olhares furtivos do pai para direcionar suas respostas. O oficial que me interrogou também me questionou sobre a minha saúde. Respondi que estava febril e que havia uma suspeita bastante concreta de eu estar com escarlatina. O oficial se afastou de mim assim que me ouviu mencionar a doença, entregando-me os documentos e mantendo sua tropa distante de mim. Foi o que nos salvou, pois um deles havia cismado com os documentos do Goel onde uma das assinaturas da autoridade emissora era ligeiramente diferente das demais. No entanto, o receio de serem infectados fez com devolvessem os documentos o mais rápido possível.

- Me ajuda Goel, não consigo mais andar. As contrações estão repuxando minhas pernas e não consigo me sustentar sobre elas. – pedi, antes de me recostar num móvel junto à saída do hotel antes de despencar no chão.

Mesmo apoiado nele foi difícil e dolorido caminhar. No meio do trajeto até onde estava o carro, ele me pegou no colo, pois eu havia chegado ao limite da minha resistência. Rodamos poucos quilômetros para chegar à fronteira com a Holanda. Havia um imenso controle de fronteira, cheio de soldados, dois blindados, cruzetas de madeira envoltas em arame farpado, e um posto do qual saiam e entravam civis e militares para carimbar os passaportes. Algo no meu íntimo me disse que ali seria o fim da linha para aquela aventura. Se não para todos, pelo menos para mim, pois os sinais de outro desmaio iminente estavam se intensificando. Havia uma fila enorme de carros e caminhões à nossa frente, os trâmites burocráticos eram tão lentos que a fila se movia a passos de tartaruga. Não saí do carro, temendo me esborrachar no chão. Passava ligeiramente das 16:30 hs quando finalmente chegou a nossa vez de apresentar os documentos, preencher formulários e aguardar pela liberação da passagem. Debrucei-me sobre o balcão dentro do posto para preencher e assinar os formulários e não desfalecer diante dos aduaneiros. Tive dois espasmos violentos e seguidos, e senti que meu cu se abria, quis gritar de tanta dor, mas mordi a caneta que tinha na mão para poder suportar a dor.

- Está tudo bem, meu rapaz? Está bastante frio para você estar transpirando dessa maneira! – exclamou o agente da aduana.

- Estou com escarlatina! – devolvi, achando que a tática funcionaria ali também e apressaria nossa liberação.

- Seria mais prudente voltarem e procurarem um hospital em Druisburg, pois acho que você não está nada bem. – retrucou ele, deixando o senhor Efraim e a mim apavorados.

- Ele já passou pelo médico e está medicado! – mentiu o velho. – Mesmo assim, é o que faremos assim que chegarmos a Antuérpia. – emendou ligeiro.

Um capitão de uns vinte e poucos anos, parrudo e, a despeito do estado deplorável em que eu me encontrava, o homem mais lindo que eu já tinha visto. Apesar do quepe, via-se que tinha o cabelo curto num tom caramelado, os olhos tinham um tom de verde tão claro que parecia se poder enxergar a alma dele no fundo da retina, o rosto másculo e anguloso tinha uma barba bem escanhoada, abaixo de seus lábios carnudos e vermelhos havia dentes muito brancos que reluziam enquanto ele falava. O sobretudo cinza-chumbo pesado que pendia sobre seus ombros largos fazia aquele tórax parecer uma verdadeira armadura, e estava cheia de apliques, além da cruz de ferro presa pouco abaixo do bolso da lapela. Sobrava nele tudo o que eu não tinha naquele momento, energia. Quando nossos olhares se cruzaram meus batimentos cardíacos dispararam, não sei se de medo ou de encantamento. Algo dentro dele também se abalou, pois ele abriu um sorriso discreto, porém amistoso na minha direção.

- Está tudo bem? – parecia que ninguém sabia me fazer outra pergunta. Talvez meu estado estivesse tão deplorável que era a única pergunta que vinha à mente das pessoas.

- Está! – minha voz era só um sopro quase sem vida. A vertigem voltou, tudo começou a girar em minha volta, algo deslizou para fora do meu cuzinho e eu me lancei nos braços daquele homem, era tudo de que me lembrava quando despertei atordoado deitado numa cama de um quarto mergulhado na penumbra.

- Ele despertou! – ouvi a voz feminina afirmar a pouca distância de mim.

- Onde ... – tudo o que meus olhos embaçados enxergavam me era desconhecido.

- Não se aflija! Você vai ficar bem. – asseverou a mesma voz, enquanto um rosto começava lentamente a ficar mais nítido, o do homem mais lindo que havia sobre a face da terra, e ele sorria para mim.

- O que aconteceu? Por que estou aqui? Onde estão...

- Calma, calma! Uma coisa de cada vez. – era a voz grave dele, tão melodiosa quanto os acordes que o Ravi tirava das cordas de seu violino enquanto o cacete do senhor Efraim trabalhava meu cuzinho. – Você desmaiou nos meus braços dentro do posto da aduana, está ardendo em febre e, segundo sua família informou, está com escarlatina. Por isso, eu te trouxe para cá. A senhora Helga é enfermeira e vai cuidar de você até que possam continuar sua viagem. – continuou ele.

- Minha família? – ele me encarou com estranheza quando fiz a pergunta.

- Sim, o senhor Efraim, sua mãe Selma e seus dois irmãos. – mencionou

- Ah, sim! Onde eles estão? Preciso me encontrar com eles. – comecei a ficar agitado, se alguém viesse a descobrir o que estávamos escondendo e, principalmente, que estávamos fugindo, as coisas podiam ficar muito perigosas para o meu lado.

- Você precisa se acalmar! Está tudo sob controle. Eles estão num hotel aqui próximo. Porém, o hotel não quis receber um hóspede com uma doença infectocontagiosa e por isso eu te trouxe para cá. A senhora Helga é uma conhecida nossa e já ajudou muitos soldados da minha tropa. Você está em boas mãos, eu garanto! – eu queria acreditar nisso, mas tinha minhas dúvidas.

- Quando posso ver minha família? – se o que eu começava a suspeitar se concretizasse, eu jamais voltaria a rever os Maisel.

- Em breve! Vou mandar um soldado até o hotel para avisar que você recobrou a consciência. – por que eu achava que esse soldado ia voltar com uma notícia que ia deixar o capitão pasmo, se não furioso e disposto a me jogar na primeira prisão dos arredores?

Assim que o capitão saiu do quarto, a expressão bondosa da senhora Helga, sentada na beira da cama, me encarou e, enquanto tocava as costas da mão na minha testa, me perguntou que médico havia dito que eu estava com escarlatina. A mentira começava a desmoronar.

- Não me lembro o nome dele! – eu era um péssimo mentiroso, e ela sabia disso.

- O que realmente está acontecendo com você, pois uma coisa eu posso garantir, você não está com escarlatina. Me conte a verdade, não estou aqui para te prejudicar, acredite. – disse ela. Eu acreditei, mas revelar a verdade não seria tarefa fácil.

- Eu sei! É que eu não posso... – na verdade eu podia, só não tinha coragem; pois tanta coisa dependia do que eu fosse revelar, consequências drásticas podiam advir do que eu fosse falar, que era melhor continuar calado.

- Quem são vocês? De onde estão vindo e para onde se dirigiam? Eu quero a verdade agora! – disse a voz enfurecida do homem mais lindo que eu já tinha visto, ao entrar num rompante no quarto.

- Eu, eu ... – o mundo estava desabando e eu seria arrastado pela hecatombe.

- Vamos, diga! – exigiu impaciente, ocupando o lugar que a senhora Helga acabara de liberar e sacudindo meus ombros com brutalidade. – Sua família fugiu do hotel há mais de três horas! Aquelas pessoas não são sua família, não é? Vocês são judeus em fuga, não é? Quem os estava acobertando? Eu quero respostas, meu rapaz, e as quero imediatamente se não quiser se ver numa encrenca maior do que nessa em que já está! – ele tinha um lado malvado como todo mundo, mas, mesmo furioso como estava, continuava a me encantar.

- Cuidado com ele! Ele não está doente, posso garantir, mas também não está nada bem. Ninguém desmaia à toa. – ponderou a senhora Helga, o que fez ele soltar meus ombros.

- Por favor, não faça nada comigo! – bastaram meus olhos ficarem úmidos para a expressão no rosto dele se abrandar e se comover.

- Isso vai depender do que você me contar, pois disso não vai escapar! – ele sabia ser duro.

- Está bem, eu conto! Mas, por favor, tirem isso de dentro de mim, não estou aguentando mais. Sei que vou morrer se não tirar isso aqui de dentro. – ele e a senhora Helga se entreolharam sem entender do que eu estava falando.

- Tirar o quê? De dentro de onde? Do que você está falando? Não pense que vai nos ludibriar com mais mentiras!

Sem dizer mais nada, comecei a baixar a calça e a cueca. Com o rosto enrubescido de tanta vergonha, ante aqueles olhares inquisitivos, afastei as pernas e, vendo os olhos deles se arregalarem, mostrei o que estava aflorando do meu cuzinho arreganhado. O movimento de abertura das pernas desencadeou outro espasmo violento e me obrigou a soltar um ganido e a me contorcer de tanta dor.

- Que diabos é isso? – perguntou o capitão, sem identificar o que era aquela coisa preta que brotava do meu cu distendido junto com um filete de sangue.

- O senhor Efraim enfiou isso em mim, à muito custo, há quatro dias. Mas, tenho tido cólicas e contrações muito doloridas querendo expulsar isso das minhas entranhas. São seis bolas ao todo. – revelei.

- Temos que tirar isso daí o mais breve possível, a fricção contra as paredes intestinais pode levar a uma ruptura dos intestinos com consequências fatais. – afirmou a senhora Helga, baseada em seus conhecimentos.

- O que há dentro destas esferas? É um brinquedo para práticas sexuais! Que tipo de relacionamento você tem com aquele homem? – de repente, já não era mais a vergonha da revelação que me incomodava, mas sim, ver aquela decepção no rosto do capitão. Ele devia estar achando que eu era um ninfeto promíscuo sustentado por um homem maduro.

- Depois nos atemos a esses pormenores, agora vamos tratar de tirar isso daí! – sentenciou a senhora Helga, fazendo as preparações para entrar em ação.

A ponta do cordão presa à primeira bola de borracha que apontava do meu cu tinha uma alça pela qual ela começou a puxar o colar tailandês. Meus esfíncteres se distenderam, o sangramento aumentou e comecei a gritar, pois sentia como se ela fosse arrancar minhas tripas pelo cu. Minhas entranhas se revolviam em contrações dolorosas e eu me vi imaginando o que as mulheres sentiam ao darem à luz. A musculatura interna toda trabalhava para expulsar aquele conteúdo indesejado, à custa de muita dor, ao mesmo tempo que os esfíncteres internos travados impediam a retirada. Eu me agarrei à borda da cama quando ela me mandou manter as pernas bem abertas e fletidas de modo a deixar o cu bem exposto e livre para permitir a passagem das bolas. O capitão estremecia a cada grito lancinante que eu dava, sentia-se impotente ante aquele sofrimento. Eu estendi um braço na direção dele, chamando-o para perto de mim. Quando minha mão conseguiu agarrar seu braço ele se aproximou, segurou minha mão dentro da dele e acariciou minha testa com a outra. Enquanto a terceira bola era sacada, a vertigem voltou e, em segundos, eu apaguei. Estava empapado de suor quando abri os olhos e toda a agitação havia passado, sentia apenas uma ardência no ânus, sem aqueles espasmos torturantes no ventre.

- Saiu? – balbuciei, entorpecido pela dor.

- Saiu! Como foi que conseguiu deixar que enfiassem isso tudo em você? – perguntou a senhora Helga. – Seguramente essas seis bolas pesam mais do que um quilo! Do que são feitas? – perguntas, sempre mais e mais perguntas, todas exigindo respostas embaraçosas.

- Onde está o capitão? – eu estava mais preocupado com ele do que comigo mesmo. A maneira como ele olhava para mim enquanto eu expulsava as bolas ficou cravada no meu peito como se fosse um dardo.

- Foi tomar algumas providências, segundo ele. Me parece que ele está muito preocupado com você. Ficou o tempo todo dando apoio, mesmo ficando chocado com a cena que presenciou. – ouvi-la revelar isso, me fez admira-lo ainda mais. Ele não era apenas lindo, viril, tinha um coração no qual eu gostaria de ter um espaçozinho, por menor que fosse.

À noite ele veio ver como eu estava, foi quando contei toda minha história para ele, e pedi que esperasse só mais um ou dois para eu estar plenamente recuperado antes de me mandar para a prisão, ou para onde fosse. Ele escondeu uma risadinha, me disse que me daria esse tempinho, até porque ainda precisava decidir qual seria minha punição.

- Não tenho como pagar os serviços da senhora Helga e a hospedagem. – afirmei, pedindo para que ele me ajudasse a encontrar uma forma de pagar os custos de tudo aquilo.

- Não se preocupe com isso, por enquanto! Vamos dar um jeito, e depois você acerta tudo com ela. – devolveu ele.

- Obrigado! – exclamei, pegando na mão potente dele que estava dando sopa, tão próxima e tentadora, ao meu alcance. – Obrigado, por ser tão atencioso comigo. – ele não devia ficar olhando daquele jeito para mim, me deixando com uma vontade tremenda de beijar aqueles lábios volumosos e rubros.

- Cumpri meu dever, não precisa me agradecer por isso! – retrucou, afagando minha mão, embora eu percebesse que suas intenções para comigo iam muito além do simples desejo de acariciar uma das minhas mãos.

- Mesmo assim, obrigado! – devolvi.

Três dias depois eu estava completamente recuperado, não sentia dores, não sentia o cu ardendo, meu estômago havia se reabituado a receber alimentos e, meu entusiasmo estava voltando aos poucos, principalmente quando o capitão Karl Hochheim vinha ver como eu estava, e passava umas horas me contando histórias engraçadas, enquanto seu olhar não perdia uma única expressão minha.

Descobri que a senhora Helga e uma irmã viúva tocavam a pequena pensão que montaram no casarão da família, e que já não conseguiam mais manter desde que a guerra começou. Ambas também cuidavam do pai, um senhor simpático, já praticamente sem forças, que dependia de uma muleta para dar alguns passos trôpegos pela casa. Me propus a ser uma espécie de faz-tudo para consertar, pintar, remendar e ajudar no que fosse necessário para pagar pelo que fizeram por mim. Ambas aceitaram felizes a proposta e eu já me sentia menos desvalido, com um teto sobre a cabeça e comida na mesa.

Pouco mais de um mês depois, a decepção. O capitão Karl não apareceu logo após o jantar, quando eu ficava a espera dele para lhe servir uma xícara de chá, que ele sorvia, com o olhar perdido nos meus olhos. Foi um dia, dois, uma semana e minha esperança de voltar a ter sua companhia se esvaiu quando, ousado, fui até o local onde estavam aquartelados e fui informado de que as tropas haviam sido deslocadas para outro lugar. Macambuzio, perambulava pela casa tentando tirar das pequenas tarefas a razão para continuar existindo.

- Estamos em guerra, lembra? Era óbvio que ele não ficaria por aqui por muito tempo, as tropas que passaram por aqui estão em constante movimentação. – disse a senhora Helga, ao notar o quanto a ausência do Karl havia mexido comigo.

- É eu sei! Ele podia ao menos ter se despedido. – retruquei.

- Acho que seria uma tarefa difícil para ele, por isso resolveu deixar como está. – sentenciou ela.

- Por que a senhora acha isso?

- Porque ele também se apaixonou por você, da mesma maneira que você por ele. – afirmou categórica.

- De onde a senhora tirou isso, senhora Helga? – ela apenas sorriu, e me entregou um dos biscoitos de especiarias, ainda quente, que acabara de tirar do forno.

Meses e anos iam passando. O pai da senhora Helga faleceu no inverno seguinte ao da minha chegada àquela casa. A guerra impôs alguns danos estruturais ao casarão num bombardeio que danificou praticamente todas as casas da rua, e o número de hóspedes teve que ser reduzido, mesmo eu me desdobrando para colocar novamente alguns quartos em condições de uso. Foi em meio aos escombros da rua que eu encontrei, dias depois do bombardeio, um cãozinho assustado uivando à procura dos donos. Quem morava ali tratou de salvar a própria pele e deixou o animalzinho para trás. Tomei-o nos braços e o levei para casa, era uma criatura tão desemparada quanto eu, que perdera suas referências. Dei-lhe o nome de Moritz, o que ele pareceu gostar, pois saltava para o meu colo toda vez que eu o chamava, abanando o rabo e querendo lamber minha cara. O que entrava através dos hóspedes da pensão nos permitia continuar vivendo, até muito melhor do que muitas outras pessoas que se viram lançadas nas ruas sem abrigo de uma hora para outra. Era essa a prosperidade que Hitler havia prometido para a nação? Sempre desligávamos o rádio quando a voz estridente daquele canalha ocupava a programação com seus discursos inflamados e mentirosos, fazendo crescer dentro de nós um ódio sem igual por aquele ser abominável. Entre meus afazeres, encontrei tempo para me matricular numa escola técnica, dando assim, continuidade aos meus estudos. Ao final da guerra eu tinha um diploma de técnico em edificações.

Pensei muitas vezes nos Maisel. Havia guardado o colar tailandês que saiu do meu cuzinho na intenção de devolver seu conteúdo, que não me pertencia. Nunca duvidei que dentro da vagina da Selma havia algo semelhante, carregado de diamantes e gemas preciosas que garantiriam o futuro do senhor Efraim e sua família em qualquer outro lugar do planeta. Era uma família tão enredada com outras que compartilhavam da mesma ganância, que elas se ajudavam mutuamente, como uma máfia que sabia se valer das oportunidades onde quer que estivessem. Nunca revelei a ninguém o conteúdo das bolas de borracha, pois temia pelas consequências. Estive a ponto de contar ao Karl numa ocasião, mas, por sorte, ele deu novo rumo a conversa que estávamos tendo e a oportunidade deixou de ser adequada. Também pensei em vender algumas gemas para que pudesse dar o dinheiro à senhora Helga e à irmã para que reconstruíssem a casa, contudo, elas me surpreenderam com a notícia de que haviam encontrado um comprador, poucos meses após o final da guerra e, que decidiram se mudar para Gelting à beira do mar Báltico, onde residiam seus únicos parentes ainda vivos.

- Venha conosco, Klaus! Nos afeiçoamos tanto a você que o temos como um filho. – disseram emocionadas ao me abraçarem no dia em que o caminhão de mudança veio pegar a mobília.

- Amo vocês duas, mas está na hora de eu ter minha própria vida, procurar pelos meus verdadeiros pais. – afirmei, com o coração partido por mais um fim de história que novamente me deixava sem perspectivas.

O pós-guerra demandava muita mão-de-obra para a reconstrução do país. Por todos os lados apareciam ofertas de emprego e, agora mais qualificado, eu podia escolher onde trabalhar. Na própria escola onde cursei o curso técnico começaram a aparecer anúncios de emprego em empresas por todo o país. Um dos meus professores me ajudou através de um contato que tinha numa grande empresa em Stuttgart. A cidade havia sido bastante destruída durante a guerra e a demanda por profissionais da área de engenharia e edificações estava em alta. E, lá parti eu mais uma vez com uma infinidade de sonhos na cabeça e perspectivas de um futuro melhor.

O cenário ainda era desolador naquele verão de 1946 quando cheguei à cidade. Havia ruas inteiras abandonadas e em ruínas, mas começavam a despontar quarteirões por onde só se via edifícios sendo erguidos quase da noite para o dia. Consegui um bom emprego numa construtora que tocava diversas obras pela cidade, o que me permitiu bancar minha moradia e meu sustento sem grandes dificuldades, uma vez que meu modo espartano de viver não exigia muita coisa. Aluguei uma casa pequena no mesmo terreno em que ficava a casa dos meus senhorios, um casal de idade cujo filho, prestes a casar, tinha construído a casinha para si e para a futura esposa. Um mês antes do casamento, ele partiu convocado pela Wehrmacht, nunca regressou. Seu corpo ficou afundado na neve em algum lugar perdido nas estepes russas.

Trabalhava-se muito, por muitas horas, pois havia um país inteiro a ser reconstruído. Eu costumava fazer uma ou duas horas-extras todos os dias, e ia trabalhar aos sábados. Só com o que ganhava nessas horas excedentes bancava meu aluguel e minhas despesas. Minha diversão se resumia aos passeios noturnos com o Moritz pelo parque recém-reconstruído a dois quarteirões de casa, um almoço que preparava a cada quinze dias para meu casal de senhorios, e algumas idas a uma livraria para adquirir as novidades literárias.

Naquele sábado, excepcionalmente, tomava uma xícara de café sentado numa das mesinhas da Buchhandlung Steinkopf folheando alguns títulos que atraíram minha atenção na prateleira para me decidir por quais levar, quando duas mãos vindas por trás apertaram meus ombros. O susto que levei por estar completamente absorto se desfez no momento em vi aquele par de olhos brilhando de felicidade pela inusitada coincidência. O capitão Karl Hochheim em carne e osso, lindo como sempre, abrindo o mais doce e reconfortante sorriso na minha direção. Talvez, em vez de dizer carne e osso, eu deveria ter dito em abundantes e sensuais músculos, pois era isso que estava diante de mim. Sem me importar com olhares curiosos, me atirei em seus braços, que ele logo tratou de fechar ao redor do meu corpo com tanta força que senti minhas costelas estalarem.

- Isso está se tornando um hábito! – exclamou ele, referindo-se ao fato de eu me lançar em seus braços. – O mais delicioso e desejado hábito! – emendou, me fazendo corar por alguns segundos.

- Hoje é um dos dias mais felizes da minha vida. – devolvi, sem pensar.

- Para mim também, pode estar certo disso.

- Por que partiu sem se despedir? Fiquei em frangalhos quando fui te procurar e me disseram que as tropas haviam partido. – confessei.

- O que eu ia dizer, ou que esperanças podia dar a pessoa pela qual me apaixonei perdidamente, se não tinha como lhe dar um futuro? – devolveu ele.

- Você se apaixonou por mim? – eu precisava ouvir isso novamente, era música celestial nos meus ouvidos.

- Perdida e fulminantemente! – exclamou

- Pensei que só eu tinha me apaixonado! Que talvez estivesse esperando demais dessa vida, querendo o homem mais lindo que já vi. – eu nunca mais ia desperdiçar um segundo que fosse para dizer o que ia no meu coração. A vida e suas voltas eram curtas e misteriosas demais para que deixássemos de confessar nossos sentimentos. – Amo você desde aquela tarde no posto da aduana, capitão Hochheim! – exclamei com toda a segurança.

- Digo o mesmo, Klaus Schröder! – devolveu. Ele não se esquecera do meu nome, mesmo ele não sendo o verdadeiro.

Eu o levei para casa, apresentei-o aos meus senhorios e ao Moritz. A sensação que tinha era a de que tinha levado um tesouro para dentro da minha casa e da minha vida. O jantar daquela noite avançou madrugada adentro, e foi primeiro de muitos outros encontros. Tínhamos muito a dizer um ao outro, e meus dias se tornaram cheios e empolgantes, à medida que nosso relacionamento ganhava contornos cada vez mais sólidos.

Eu sabia que esse dia ia chegar, do jeito que as coisas evoluíram era inevitável que acontecesse. Aconteceu no apartamento dele, ao regressarmos de uma sessão de cinema onde fomos assistir ao filme A Dália Azul. Voltamos caminhando, pois era uma bela noite de primavera, um pouco fresca, cheia de vaga-lumes voando ao redor das copas das árvores. O Karl, por duas vezes, enrodilhou minha cintura e me puxou para junto dele, o que coincidiu com as ereções que se formaram sob sua calça. No apartamento ele voltou a me abraçar, desta vez também me encoxou, me fazendo sentir sua masculinidade. Me esquivei de fininho, sabia no que aquilo ia dar e não estava pronto para isso.

- O que foi? Por que está fugindo de mim?

- Não estou fugindo! – era o péssimo mentiroso tentando mais uma vez.

- Está sim! Você sabe o que eu quero, não sabe? Está mais do que na hora de ficarmos juntos de vez.

- Eu não posso! Ou, você já se esqueceu do que aconteceu comigo? – questionei.

- Claro que não esqueci, mas o que tem aquilo a ver com nós dois agora?

- Eu nunca mais vou poder satisfazer um homem!

- Por que diz isso?

- Por que esse homem precisaria ter um cacete de boi, para que eu conseguisse alojá-lo em mim e, ele sentir um mínimo de prazer. – afirmei desolado. Ele deu uma risada.

- Um boi não se interessa por sexo! – exclamou, tentando disfarçar a risada.

- Você entendeu o que eu quis dizer! – revidei zangado

- Como você sabe que não vai conseguir dar prazer a outro homem? Já experimentou? – questionou ele.

- Claro que não! Eu simplesmente sei, só isso! – ele voltou a rir, desta vez sem esconder o que sentia com as minhas palavras.

- Eu quero experimentar! – exclamou, voltando a me apertar contra o peito e buscando minha boca para um beijo que começou com ele mordiscando meus lábios e terminou com ele enfiando a língua voluptuosamente na minha boca. Minhas pernas tremeram e meu cuzinho se contorceu, só que um pavor gigantesco se formou na minha mente e eu o deixei ali no meio da sala, de pau duro, e saí feito um raio para a rua à procura de ar puro, pois sentia que estava sufocando.

Evitei-o por toda uma semana. Nos primeiros dias ele se mostrou compreensivo enquanto continuava tentando me levar para cama, mas na semana seguinte, a impaciência o levou a ficar zangado comigo e a deixar de me procurar. Eu o queria mais do tudo nessa vida, mas ficava imaginando ele tentando obter prazer num cu completamente flácido, largo e insensível. Ia ser muito mais penoso no dia em que ele desistisse de mim e fosse procurar em outro aquilo que eu não podia mais dar. Resolvi que ia dar espaço para ele procurar a felicidade com outra pessoa. Eu o amava demais para prendê-lo a uma situação que não se sustentaria por muito tempo. Quando o procurei uns dias mais tarde, foi isso que lhe transmiti.

- É esse o amor que diz sentir por mim? Me virando as costas sem nos dar uma chance de sermos felizes? – questionou ele.

- Se não te amasse tanto, talvez ia ser egoísta o suficiente para mantê-lo junto a mim. Mas não é o caso. Meu amor por você vai além da minha própria felicidade. – respondi.

Ele não era do tipo paciente, que está disposto a perder tempo com frases e palavras. Era um homem de ação que aprendeu na guerra que qualquer vacilo podia ser fatal. Por isso, me lançou sobre o sofá, arrancou minhas roupas com brutalidade, enquanto sua boca tentava me fazer ceder com beijos úmidos e libidinosos. Funcionou. A primeira passada de mão sobre as minhas nádegas revolveu meu cuzinho de tal maneira que eu não pensava noutra coisa que não fosse uma pica me penetrando até o talo. Poucos minutos depois eu tinha a dele diante do meu rosto, reta, grossa, com mais de um palmo de comprimento, pulsando feito um animal selvagem acuado, babando pré-gozo pela uretra larga centralizada na glande saliente e arroxeada. Era a caceta! E, estava babando e latejando pelo meu cuzinho, impaciente e predadora. Só havia uma maneira de satisfazer a sanha daquele macho, começar a acarinhar sua rola. Fechei minha mão ao redor dela e a levei à boca. Se havia algo que eu aprendi a reconhecer de imediato, era o poder que tinha uma boca lasciva chupando um cacete. Não havia macho que não se derramasse em êxtase quando lhe chupavam carinhosamente o pau. Com o Karl não foi diferente, ao sentir meus lábios deslizando sobre a cabeçorra da pica, sorvendo o sumo de sua excitação, a força com a qual me continha se transformou num prazeroso afago do meu corpo. Chupei-o devotamente, sem pressa, deixando-o usufruir ao máximo o prazer das minhas carícias em seu falo, e me dando a chance de saborear e me deleitar com o aroma viril que brotava de sua virilha. Brincava com seus dois imensos testículos, apalpando-os delicadamente como quem prova a consistência de uma fruta na feira. Cerca de um quarto de hora depois, ele ejaculou na minha boca. Tinha interrompido dois gozos precedentes tirando afoitamente o caralho da minha boca, só o devolvendo quando se sentiu outra vez no controle absoluto da situação. Na terceira tentativa a tática não funcionou, e ele despejou todo seu prazer na forma de um líquido espesso e almiscarado na boca que o mamava. Por quase uma hora ele se deu por satisfeito com o que eu tinha lhe proporcionado, mas seu tesão estava a exigir mais. Imagens do dia em que me agarrei ao seu braço protetor, expulsando pelo cuzinho rosado aquelas esferas gigantescas, as quais ele se perguntou como tinham cabido numa fendinha tão estreita, vieram-lhe à memória; junto com um tesão de colocar ele próprio sua verga naquele buraquinho sedutor e descobrir que mistérios se encontravam nas profundezas dele. Ambos deitados de lado, ele roçando os pelos do peito nas minhas costas, sua mão entrou no meio das minhas pernas, se intrometeu nas bandas carnudas da bunda e tocou minha rosquinha pregueada, que se contorcia por vontade própria. Seus dedos apalpavam, esfregavam e se moviam em círculos sobre o orifício cuja mucosa aveludada e ligeiramente úmida se projetava para fora fazendo beicinho. Eu gemia de tanto tesão que aquela mão atiçando meu cu provia. Eu nunca tinha desejado tanto um homem como desejava o Karl, queria-o para todo o sempre, queria-o como meu macho. Sabedor disso, não se furtou a contrariar minha resistência em lhe entregar o cu que eu julgava incapaz de voltar a satisfazer um homem depois de tudo pelo que passou. E, erguendo uma das minhas pernas foi lentamente jogando o peso de seu corpo sobre o meu, fazendo o cacetão, que já tinha melado todo meu reguinho, trespassar impulsivamente a portinha apertada do meu cuzinho.

- Ai! – gani, ao sentir, depois de mais de cinco anos, uma pica deslizando para dentro do meu rabo.

- Que ‘ai’ foi esse? Você não disse que jamais conseguiria dar prazer a um homem com um cu arreganhado como o seu? Pelo jeito firme como ele encapou a minha rola me parece que não está tão arregaçado assim, não é? – sussurrou ele, beijando e chupando minha nuca. Ele estava certo, aquela dor sublime era a predecessora de todo um prazer que estava por vir, e minha felicidade nunca esteve tão completa.

- Ai, Karl! – voltei a gemer, enquanto ele ia metendo seu membro grosso nas minhas entranhas, esfolando minha mucosa anal.

Nunca me entreguei tanto quanto me entreguei a ele. O prazer que ele me proporcionou, pulsando e bombando dentro do meu cuzinho não tinha paralelo. Minha vontade acarinhá-lo era tanta que eu mastigava aquele caralhão engatado no meu cuzinho, travando a musculatura anal em volta do cacete para sentir toda a sua plenitude e potência, ao mesmo tempo em que o sugava para dentro das entranhas. O Karl delirava de prazer, ronronando e gemendo à medida que o tesão o impelia a tirar o máximo proveito daquela grutinha impulsiva. Meu pinto completamente solto, balançado a cada estocada que eu levava no cu, foi o coadjuvante que iniciou o gozo que se formava dentro de mim, ganhando força até explodir em jatos de porra que lambuzaram a coxa na qual eu estava apoiado. O Karl quase foi à loucura ao me ver gozando. Forçou minhas costas me obrigando a ficar de bruços, montou em mim, sem parar de estocar aquela fendinha apertada que encapava firmemente sua pica. Puxou meu queixo em sua direção e me beijou, penetrando a língua safada na minha boca. Assim que comecei a retribuir sua investida, seu corpo foi se retesando e, duas últimas estocadas bruscas, o levaram ao gozo. Um gemido gutural saiu de seus lábios, enquanto os jatos de porra viscosa escorriam para dentro de mim.

- Agora me diga o que é que você acabou de fazer? – eu sabia a resposta, mas queria ouvir saindo da boca dele as palavras que fariam minha autoestima chegar ao topo.

- Demonstrar o quanto te amo? – devolvi.

- Isso também. Mas, você acaba de me tornar a mais feliz e satisfeita das criaturas! Para quem se dizia incapaz disso, eu posso garantir que você pode se considerar um expert no assunto. – era tudo o que precisava ouvir, meu homem, realizado com a satisfação que lhe proporcionei. Eu nunca me senti tão realizado, tão contente comigo mesmo, tão agradecido por sentir tamanho e único prazer.

Nas semanas que se seguiram o Karl parecia estar tirando um atraso de anos, o que eu sabia não ser verdade, ele era atraente e fogoso demais para ficar privado de sexo tanto tempo quanto eu fiquei. Contudo, o atraso dele era em relação a mim, com quem nunca parou de sonhar desde que me conheceu. Parecíamos um casal de coelhos, fornicando sem parar, bastando para isso que nossos corpos se aproximassem um do outro, se resvalassem por mais sutil que fosse, para que o desejo e o tesão assumissem o controle e nos levassem aos coitos mais sublimes de nossas existências. Foram eles que consolidaram nossa união.

O apartamento do Karl era pequeno, mal localizado num prédio baixo que ainda guardava vestígios dos bombardeios nas paredes externas, o que nos levou a optar em formar um lar na casinha que eu alugava. Dois homens vivendo maritalmente sobre o mesmo teto não era algo comum, nem bem visto naquele clima recente de pós-guerra, quando ainda se praticava uma moral ultrapassada e preconceituosa. Conversei com meus senhorios sobre a questão, afinal eram de uma geração onde tal comportamento era inaceitável.

- Seja feliz, Klaus! Seja feliz! A vida é curta demais para deixar de ser vivida. Nós estamos no final dela, sabemos como é curta, sabemos como é ver seu único filho não ter a chance de vive-la, de ter um futuro. Não queremos isso para você! – afirmou meu senhorio, me abraçando e chorando copiosamente quando lhe expus a situação. Aquele dia compreendi como a moral era algo maleável diante das circunstâncias da vida e dos reveses que ela nos impõe.

O Karl e eu moramos com eles até a morte da nossa senhoria. Sozinho, o senhorio nos ofereceu a propriedade, que adquirimos e reformamos passando a ocupar a casa maior, enquanto ele preferiu se mudar para um asilo, onde teria a companhia de outros velhinhos e as lembranças para dividir com eles. Nós o visitamos regularmente até o ultimo de seus dias. Ele foi para mim, o pai que um dia precisei deixar para trás.

Ainda hoje, quando olho para o campanário de uma igreja, não consigo evitar que lágrimas copiosas e de uma dor profunda rolem pelo meu rosto, ao me recordar de que foram as torres da igreja da minha cidadezinha a última visão que tive de tudo que estava deixando para trás, pela simples promessa de um emprego que me custou não só uma desilusão pessoal, a servidão sexual a três machos, como a perda de toda a minha família e, da minha própria identidade. Eu os procurei logo após o fim da guerra, quando os soviéticos controlavam todo o território que agora pertencia a uma nova e recém-criada nação, inatingível atrás da Cortina de Ferro. Apesar de impedido de fazê-lo por mim mesmo, pois a entrada de estrangeiros, o que eu passei a ser quando me fizeram novos documentos, era expressamente proibida, contratei pessoas que tinham acesso mais fácil e puderam chegar até Přebuz. No entanto, todas as tentativas de encontra-los foram infrutíferas. Nossas terras estavam habitadas por outras pessoas que nunca ouviram falar dos Novotný. Nunca mais tive notícias dos meus pais e da minha irmã. Não sabia se haviam sobrevivido à guerra, qual seu paradeiro, ou se ainda se lembravam do filho que partiu com a ilusão de um futuro melhor. Passei a ser um órfão no mundo.

Foi durante a mudança para a casa nova e reformada que encontrei largado numa caixa de madeira o colar tailandês que o senhor Efraim socou nas minhas entranhas. Um arrepio passou por mim quando revi o objeto. O Karl estava perto e, ao ver o que estava na caixa, também se espantou.

- Você ainda guarda essa coisa? – questionou indignado. – Não acha que é um pouco mórbido?

- Na verdade, não é ele que eu guardei todos esses anos, mas o que está dentro dessas bolas. – afirmei. E, só então, passado todos esses anos, revelei o conteúdo das esferas.

- Por que nunca usou essas gemas em proveito próprio? Não entendo nada de pedras preciosas, mas deve haver uma pequena fortuna aqui. Sua vida podia ser muito diferente durante todos esses anos. – sentenciou ele.

- Eu sei! Mas não são minhas. E, se o senhor Efraim voltar algum dia para me cobrar o que escondeu no meu cuzinho? Eu sempre achei que esse dia ia chegar, e teria que lhe entregar tudo exatamente conforme ele havia escondido. – respondi.

- Ele jamais vai voltar, entenda isso! Ele teria que provar que as gemas são dele, se explicar com as autoridades, recolher os impostos que sonegou. Tudo isso, Klaus, é fruto de negócios ilícitos. Mesmo que o regime nacionalista e autoritário tenha caído, ele continua sendo pessoa non grata para a maioria da população deste país, que ainda se recente das barbaridades cometidas em nome da purificação uma raça. Estão sendo criadas leis para proteger esses cidadãos, mas elas têm pouco efeito prático diante da repulsa que ainda persiste em muitos cidadãos do país. Será preciso que as novas gerações acabem com esse preconceito, e isso leva anos.

- Sei que está coberto de razão, mas nunca me senti confortável diante dessa coisa, ela me traz lembranças muito sofridas, que me foram impostas sem eu o merecer. – devolvi.

Acabamos concordando que íamos vender as gemas. O mercado para esse tipo de luxo não era dos melhores na Alemanha daqueles dias, por isso, resolvemos vende-las na Suíça, onde a neutralidade em relação a guerra e o acúmulo de fortunas nos cofres bancários pouco influenciaram o mercado de joias. Um consórcio de joalheiros adquiriu as pedras, uma vez que para um único comprador seria difícil arcar com tanto dinheiro. Após as avaliações, era mesmo uma pequena fortuna, que permitiu a mim e ao Karl ter uma vida tranquila, embora nenhum dos dois fosse afeito à opulência e à extravagância. Queríamos apenas viver nosso amor em paz.

O que aquele dinheiro me ajudou a resgatar foi a minha identidade. Depois de muitas tentativas, inúmeros fracassos e, finalmente, uma posição favorável de um juiz, consegui reaver meu nome verdadeiro. O Jaro Novotný, filho de Milan Novotný e Alena Novotný ressuscitou como uma fênix quando com os olhos marejados contemplei o novo documento de identidade que me foi entregue pelo Estado. Foi como estar vivo novamente. Chorei abraçado ao Karl sem que as pessoas que presenciavam a cena pudessem entender a extensão e o significado que aquele pedaço de papel tinha para mim.

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Comentários

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Que conto incrível, você escreve maravilhosamente bem, texto muito rico em detalhes, aguardo os próximos contos. Virei fã

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muito bom, é uma pena q vc não tem tempo, já q demora pra postar. Volta logo.

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Impossível n perceber a riqueza de detalhes! Perfeito!

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Kherr, adoro seus contos históricos, sempre fico impressionado com a riqueza de detalhes! Conta pra gente de onde vem sua inspiração?! Vc faz muita pesquisa quando vai escrever?

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