GLITTTER (PARTE 2 DE 4)
Sabe aquela mistura indistinguível entre o silêncio educado e o barulho involuntário que é tão comum nas grandes reuniões informais? Quando todas as mais de cem pessoas estavam em silêncio ouvindo respeitosamente o presidente da empresa discursando lá na frente e ao mesmo tempo, havia muito barulho, garfos e pratos nas mesas dos convidados faziam tilintares pesados, os garçons que zanzavam por entre as mesas abastecendo interminavelmente toda aquela multidão com bebidas em taças finas e pratos suculentos. Havia também, em menor medida o som lá de fora, das crianças que brincavam até em plena noite no playground ou na piscina, ou no jardim. Todos os cônjuges estavam de fora daquela reunião, e podiam aproveitar as regalias daquele hotel, enquanto os funcionários participavam dessa cerimonia mais formal, e no dia seguinte, sábado, haveria um outro evento, esse sim mais informal e aberto a todos. Enfim, o que importa era que esse ruído insistente é que permanecia naquele ambiente e Jeferson não conseguia parar de prestar atenção nele enquanto esperava a sua vez de falar.
Estava sentado numa das mesas bem em frente ao salão, junto com dois colegas mais próximos a ele na empresa que já sorriam com orgulho sabendo o que aconteceria quando o presidente comentou que era com muito orgulho que diria agora o nome do novo diretor da empresa.
– Pode vir aqui dizer algumas palavras, meu querido amigo e agora colega de diretoria: Jeferson Soares de Assumpção?!
Aplausos e aplausos retumbaram em cascata enquanto ele se levantava e sorria caminhando até o local dos discursos.
Jeferson decidiu ali há pouco sentado na mesa que diria seu discurso sem improvisar nada, apenas as palavras que já vinha ensaiando há duas semanas desde que soube da promoção. E também faria o truque que costumava fazer lá atrás, na época dos seminários da faculdade, em que focava num ponto especifico do salão, como a porta de saída lá no outro extremo, e falaria tudo olhando para ela, mas fingindo que se tratava de uma pessoa, para que assim ninguém notasse seu nervosismo.
Deu duas pequenas batidas de dedo no microfone, agradeceu o presidente pelas palavras e sorrindo cordial começou a sua fala. Sem imaginar, é claro, que a mesa lá do outro lado, lá no outro extremo, a única na direção da porta de saída, era a que Daniel estava sentado junto com duas funcionárias desconhecidas, e que talvez nem ele mesmo conhecesse, uma vez que elas cochichavam alguma coisa entre si, enquanto ele olhava para frente, seguro como um jovem chefe da máfia.
E Jeferson se concentrou no discurso, nas palavras que já estavam ensaiadas, nos sorrisos na hora certa, nos tons de voz, tentando evitar olhar demais para ele, para aquele homem tão jovem que o olhava de volta. Não parecia surpreso, mas aí também, Daniel nunca pareceu surpreso. Como se tivesse todo o controle o mundo, todo o poder por entre os dedos, aquela petulância dos vinte anos.
Vestia-se a caráter como todos ali, o terno preto alinhadíssimo, mas que não era o suficiente para padronizá-lo, não, nele o terno não era o bastante para parecer um homem sério e trabalhador. A cabelo cacheado e selvagem, o sorriso cruel, os olhos elétricos, soava como um espirito de outro lugar de alguma praia paradisíaca do canal off que estava fantasiado de bom moço, de homem dos negócios, que estava preso naquela gaiola de camisa, paletó e gravata, mas não pertencia a aquilo e poderia sair quando quisesse, rugindo como um leão da savana.
Jeferson deixou uma frase pela metade por dois segundos, esquecendo de falar no momento que olhou demais para Daniel, mas rapidamente retomou seu fluxo de pensamento, e ninguém pareceu ter notado seu pequeno deslize, menos o loiro, que ergueu de leve o lado esquerdo do lábio. Se fosse vampiro, a presa estaria armada, prestes a atacar e arrancar a vida toda de Jeferson naquela hora.
E ele decidiu olhar para outro lugar para terminar seu discurso, afinal, aquela roupa era apertada demais para que tivesse uma ereção agora.
Quando acabou todos aplaudiram com o mesmo entusiasmo que o discurso anterior, alguns mais próximos a Jeferson (ou que já se adiantassem a bajulá-lo) se levantaram para aplaudir de pé e até ovacionaram o funcionário que subia na carreira. Com aquela movimentação ele não conseguiu ver mais Daniel lá no fundo, mas tinha certeza de que ele não foi um dos que se levantaram. Provavelmente ele nem deve ter aplaudido, e isso não incomodava Jeferson.
Não era incômodo, era outra coisa por dentro dele que palpitava e que nunca conseguia resistir, como não conseguiu daquela vez quando cruzou com ele na avenida à beira do mar, entre um bloquinho que já se afastava e um outro que ainda estava a muitos metros de chegar ali. E Daniel chegou perguntando se podia tomar um pouco da sua cerveja. A Brahma que resistia bravamente gelada mesmo no calor noturno de fevereiro. E Jeferson não fazia ideia de o que nele fez Daniel se aproximar assim tão seguro, afinal, era um desconhecido que poderia simplesmente não querer dar trela com ele, afinal era um homem forte e alto que não dava a entender que estava a fim de alguém, ainda mais que estava afim de um outro homem vindo assim. Porque mesmo com a fantasia, mesmo com o glitter, Jeferson sabia que era sisudo demais, sério demais e só isso explicava o fato de que em todos os dias de carnaval até aquela terça-feira só mulheres se aproximaram dele. Até aquele momento.
E Jeferson sorriu, ia dizer sim, claro que ia, pode beber um pouco garoto, mas não precisou porque Daniel já chegou segurando seu pulso, levantando sua mão e bebendo da latinha, sem fechar os olhos, sem parar de encará-lo completamente ciente do poder daqueles olhos azuis. E daquela proximidade, os corpos suados tão juntos enquanto ele bebia que se encostavam de leve, breves contatos, breves descargas elétricas. E que eletrocutaram a tudo no momento em que Daniel enlaçou o corpo de Jeferson, naquele espaço perfeito para o encaixe da parte inferior das costas e logo acima da sua bunda.
“Adorei a sua fantasia.” Daniel falou, a voz grossa e maliciosa.
Jeferson vestia uma roupa egípcia que consistia numa espécie de saia de linho branco e uma coroa dourada, assim como eram dourados os ornamentos, um que ficava no seu ombro e atravessava seu colo um pouco acima do peitoral, e o cinto que prendia a saia, e que curiosamente a deixava com uma aprecia mais máscula, ainda mais aquela, que deixava o início das coxas grossas à mostra.
“Gostou?” Jeferson sibilou, e foi a única coisa que conseguiu dizer, e olha quem estava bêbado, apenas embriagado naquele sentimento enfurecido que sempre imaginou que guardaria dentro de si, ainda mais agora que estava noivo, a um mês de casar, naquela espécie de despedida de solteiro improvisada que sua esposa também deveria estar aproveitando na outra cidade para onde ela foi com um grupo de amigas.
Daniel levantou o braço de Jeferson novamente, com a sua mão livre, e o próprio Jeferson tratou sozinho de encaixar a latinha de cerveja na boca daquele outro, tão próxima da sua própria boca. Daniel soltou o seu pulso e deixou que ele continuasse lhe dando a bebida, mas o braço que enlaçava as suas costas continuou lá, e quando Daniel engoliu a bebida, sorriu para ele e abaixou a mão, apertando a sua bunda direita. Não foi um apertão que o machucasse, mas forte o bastante para que o corpo todo de Jeferson se revirasse num espasmo, inclusive – e principalmente – o seu cuzinho.
“Que isso, garoto?”
“Garoto, não!” ele falou, o tom de voz um pouco mais alto, mas ainda educado e seguro. E a mão não largou da bunda, farta e musculosa, que não cabia nem metade por entre seus dedos, tocou de leve no rosto de Jeferson, como um carinho rápido, mas que se fosse um pouco mais forte poderia ser chamado de tapa.
Encarou-o cara a cara, esperando por alguma resposta. E naquele segundo Jeferson sabia que aquele era o ponto. Que podia falar alguma coisa, tomar o controle da situação, ou começar uma briga e manter alguma parte do seu orgulho, ou simplesmente se afastar e seguir o seu caminho. Mas ele queria isso? quando ele não fez nada, não tomou reação nenhuma ele estava apenas sem reação pela surpresa ou aquele era exatamente o ato que ele queria ter tomado? Deixar rolar, deixar-se dominar? Era isso que ele queria? Essas perguntas giravam e giravam, mas não respondê-las já era por si só uma resposta.
E Daniel sorriu daquele silêncio como quem carrega no sorriso o seu espólio de guerra de volta para Roma.
O caminhão entupido de caixas de som se aproximava, e com ele a multidão que dançava e pulava sem se preocupar nenhum pouco com os dois homens ali, o romano e o egípcio, velha história de amor shakespeariana.
Abaixou mais a mão, deslizando, indo da bunda para as coxas grossas, descendo até um pouco acima dos joelhos, quando o tecido da saia acabou e houve o contato da pele na pele, e então Daniel, tão lento quanto a sua crueldade permitia, seguiu o caminho inverso, subindo outra vez, só que agora de carona na pele, nos pelos no calor e no suor. É claro que ele poderia simplesmente ter subido a saia de Jeferson na altura que desejasse, mas não, daquela forma era a única maneira de conseguir causar aqueles arrepios, aquele fogo. E a mão chegou na bunda outra vez, tendo agora a cueca como tecido separando os dois.
“O que... o que você está fazendo?”
Ele fez suspense antes de responder, como se aquele rosto maquiavelicamente tão jovem e confiante tivesse todas as respostas, apenas abaixou a cueca de Jeferson. Com toda a tranquilidade do mundo, sabendo que ele não resistiria, que aquele homem forte e mais velho, com a maturidade gostosa dos 32 anos estava completamente entregue a ele. A cueca deslizou por entre as pernas e Jeferson levantou os pés um de cada vez para tirá-la. Quando Daniel se levantou com a cueca em mãos, ele cheirou o tecido com tanta força que os pulmões pareciam ter dobrado de tamanho, depois a lançou para longe, deixando a cueca sumir na escuridão ao cair na areia da praia. “Assim fica melhor, bem putinho.”
“Assim eu...” Jeferson arrancou forças não fazia ideia de onde para tentar esboçar um protesto, porque daquele jeito, apenas com aquela saia o seu pau estava armadissimo e era impossível disfarçar, mesmo que estivesse com a mão na frente do corpo. Logo aquele trio elétrico chegaria e ali estava ele feito um tarado com o pau pra cima no meio da multidão. “vou ficar marcando...”
“E é pra marcar, pra todo mundo ver que você tá louco pra dar pra mim.” tomou a cerveja da mão dele e bebeu o restante sem pressa.
Jeferson não conseguia deixar de pensar de onde vinha aquele cara, quem era aquele homem que simplesmente se aproximou e o domou assim, sem esforço, e que agora decidia se ele usava cueca ou não, decidia se largava ou não da sua bunda, como se o lugar de sua mão sempre fosse ali, a sua carne um repouso exclusivo para os dedos daquele anjo sádico.
“Vem, o meu hotel é ali na outra quadra.” Disse, guiando-o.
E Jeferson foi. e Jeferson se deixou ver daquele jeito, pau duro e indisfarçado enquanto atravessava a avenida, com um homem bem mais novo no seu encalço, no seu cangote, com a mão permanentemente na sua bunda. Sorte sua ser carnaval e ninguém realmente ligar para aquilo, nem dentro do hotel quando cruzaram com dezenas de pessoas até chegarem ao elevador. Alguns poucos viam e sorriam, e Jeferson até ruborizava, mas não tinha coragem de fazer nada, de dizer nada para o macho que o guiava. Nem mesmo no elevador teve coragem de protestar, com aquela câmera piscando a luzinha vermelha acima deles, e Daniel levantou toda a sua saia para ver no espelho atrás deles a bunda carnuda e suculenta, repleta de glitter.
“Safado, encheu o cu de glitter pro macho lamber, né?” o tapa estalado veio em seguida, e o gemido de Jeferson logo depois, sofrido como um gemido que relutou muito em sair, mas não conseguiu evitar.
Daniel também não dava folgas para que ele pensasse um pouco, para que raciocinasse sobre aquilo tudo, no instante seguinte a aquele gemido ele já se colocava atrás do seu corpo e se abaixava, beijando com toda agilidade aquela bunda voluptuosa. E tapas e mais tapas enquanto os dentes mordiscavam pele, os lábios se acabavam naquela bunda, o glitter saltando da bunda para o seu rosto, do seu rosto outra vez para os pelos
“Me fala seu nome?” Jeferson pediu, e a sua voz nunca soou tão passiva quanto naquele momento.
“Quer saber o nome do seu macho, quer?”
“Aham.”
“Então inclina, inclina bem e empina esse rabo que eu digo”
Jeferson olhou uma última vez para a câmera de segurança, aquele olho vermelho que parecia arregalado, espantado, mas não faria nada. Afinal, era só aquela noite, era uma cidade estranha, era carnaval, era sua despedida e sua oportunidade. Apoiou as duas mãos na porta do elevador na sua frente e se curvou o máximo que pode, praticamente ficando de quatro naquele elevador, completamente oferecido ao seu macho.
“Isso, caralho, que cu gostoso.”
“Me fala teu nome... por favor” a última silaba do “por favor” falhou, a voz acabou, a língua dançou nas terminações nervosas do seu cu. E Jeferson fechou os olhos, e parecia voar para muito além daquele movimento do elevador.
E aí a porta abriu e ele quase caiu porque teve que soltar as mãos de apoio com pressa. E dois homens estavam no corredor esperando pelo elevador e viram quando o homem de quatro se erguia o mais rápido que pôde e o loiro atrás dele se levantava sem pressa, com o rosto todo brilhando de glitter. Mas ninguém falou nada e entraram no elevador enquanto eles saiam.
E antes de abrirem a porta do quarto, antes de começarem a foda mais espetacular que Jeferson já teve na vida, o outro falou no seu ouvido:
“Meu nome é Daniel, viu, safado? Quero ver você repetir muito meu nome na cama”
E ele repetiu.
***
E tudo isso passou depressa na sua cabeça durante o jantar, impedindo-o de comer. Estava excitado demais, nervoso demais e ansioso demais para continuar ali, ainda mais agora que o seu discurso já tinha acontecido e podia simplesmente sair de esguelha. E foi o que ele fez quando estava no banheiro do saguão, lavando o rosto. Nossa, ele não podia acreditar que tudo aquilo estava de volta, que voltaria a ver aquele homem que mexeu tanto com ele, que gerou a maior aventura da sua vida.
Mas era apenas isso, não podia esquecer que era apenas isso, algo que aconteceu no passado. O que diriam as pessoas agora, naquele lugar cheio de conhecidos, onde inclusive sua esposa estava hospedada, não, nada disso podia se repetir, de preferência nem na sua cabeça devia rememorar aquela noite.
– Esquece, Jeferson – sibilou para si mesmo.
Mas como esquecer se quando abriu a porta para sair daquele banheiro Daniel estava do lado de fora, e sorrindo aquele sorriso. AQUELE MALDITO SORRISO. O empurrou de volta para dentro do banheiro e fechou a porta antes de dizer, espezinhando nas suas expectativas de esquecer aquela história toda:
– Lembra de mim?
***
A parte final deve vir essa noite ou no mais tardar amanhã.
Até la!