Não consegui dormir, entre a emoção com papai e por que não estava me acomodando direito na cama. Na segunda iria falar pra mamãe.
... Continuando
É duro para quem não convive com amores incondicionais como os de pais e filhos, imaginar que gestos de carinhos nos enchem de alegria e suavidade, embora fosse visível o estado de Papai, sabíamos que seu abraço, nas condições que estava, poderia ser fisicamente incompleto, mas era muito mais cheio de afeto e respeito do que jamais podíamos imaginar.
No momento, não medimos esforços e sorrisos para animar ele e também mostrarmos o quanto a recuperação dele era importante para nós.
Ele estava melancólico, por inúmeras vezes pedia que um de nós se aproximasse e ele contava algumas historias de nossas infâncias juntos, férias, planos e tudo mais.
Pena que as horas foram poucas, mas foram como disse suficientes para todos saírem dali realizados com a visita.
Aquela foi uma noite de alegria por papai e um incômodo pra dormir, assim que o dia amanheceu fui correndo ao quarto de mamãe, mas ela estava tão agitada ao celular e vi que não eu atenção ao que falava.
Se eu lhe falasse que tinha um ET na minha cama, ela responderia no automático.
- Sim filho, depois a mãe vê isso com você, ok?
Vi que a resposta era a mesma e decidi não perturbar ela, fui pro café, que já estava pronto e meus irmãos estabanados estavam no final de seu lanche, minha irmã estava terminando o meu e o dela, fazia isso, pois ela me falava que se servisse tudo junto não sobraria nada para nós duas.
Sempre que ela usava falar no feminino comigo, eu ficava pensativo, cada vez mais.
Neste café, ela falou aos meus irmão que era bom a gente pensar algo pra ajudar a família financeiramente, pois ouviu dizer pra uma de nossas tias que as coisas ficaram feias, mas não soube dizer como ou o que, pois assim que percebeu que ela estava ouvindo, desconversou e saiu para o quarto falar ao fone deixando minha irmã perdida na sala.
Meu irmão mais velho estava pra completar 18 anos, tinha uma paixão por aeronáutica, já o outro era um Nerd em informática, mas até agora a única coisa que sabíamos que "traficavam" itens de jogos com os amigos em troca de itens como fone de ouvido, memória, pen drive. Na verdade ele abastecia a todos nós com alguns objetos de ponta, em troca de não perturbar tanto ele assim nos jogos.
Naquela segunda, eu e minha irmã não mexemos em nada no Atelier, em questão de reformar ou ajustar. Na verdade abrimos novamente todos os sacos e ficamos imaginando o que ali poderíamos vender em um brechó e o que podíamos "vender" para suas amigas ou minhas para arrecadar algum dinheiro, afinal a volta do hospital o lema era "economizar" e "ganhar" dinheiro para dias que viriam.
Ao final daquela manha tínhamos modificado e muito nossas metas de reformar e ajustar, agora tinha outro saco plástico escrito "Vendas". Eu lembro que quando encerramos eu falei que havia ainda algumas roupas nos armários ali, mas ela desconversou e disse que por hoje aquilo já servia e era um teste para ver se conseguiríamos algo.
Mamãe já havia no passado falado sobre isso, pois quando levava algumas mudas para doação no hospital, suas amigas quando sabiam que eram reformadas por nós queriam sempre ajudar oferecendo para comprar, pois muitas delas estavam como quase novas.
Aquela foi uma das poucas segundas que ao voltar da aula à tarde minha Irma me chamava direto pro Atelier, antes mesmo de eu fazer as tarefas escolares e trocar de roupa. Havia falado com mamãe e ela achou interessante nossa ideia e iria conversar mais tarde conosco.
Chegando lá já fomos separando as roupas em uma mesa, pelo estado delas e assim ficaria mais fácil. Mamãe chegou quando estávamos discutindo algo sobre moda e ajustes, só fomos perceber quando ela sussurrou, acho que já estava a tempos nos observando.
Pediu licença e começou a conversar sobre os comentários de suas colegas e pela primeira vez foi se inteirando de fato do que cada um de nós fazia ali, como escolhíamos o que modificar, por que etc. Cada vez ela parava um pouco, pensativa e ai continuava.
Em um dado momento ela perguntou, para mim, como eu me sentia fazendo aquele trabalho, se não achava estranho nem nada.
Eu disse que no começo estranhei, mas ou era isso ou ficar trancado no quarto e assim ajudava minha irmã que sempre fora carinhosa e atenciosa comigo.
Perguntou se eu já fazia tempo que estava tão conhecedora de moda.
Novamente a frase no feminino mexeu comigo e falei naturalmente que me achava muito esperta.
Mamãe ao ouvir eu falar no feminino, olhou para minha irmã meio querendo saber se tinha ouvido certo, mas como minha irmã não disse, nem fez entender nada minha mãe foi um pouco mais fundo na pergunta.
Perguntou primeiro para minha irmã se tinha divisão de tarefas, qual era meu papel no atelier. Minha irmã disse fazemos tudo juntos horas.
Mamãe então olhou para mim e perguntou como era minha ajuda, o que de fato eu fazia nesse Tudo junto!!!
Ai falei que desmanchava algumas peças que minha irmã mandava, perguntava muita coisa sobre o porquê de cada coisa, nomes das peças, nome de cores, em que estação ou com o que combinava, pois depois eu mesmo escolhia algum conjunto e propunha arrumar.
Mamãe vendo eu com a língua solta perguntou. E o que mais?
Eu fui falando que ajudava a escolher o que ia para doação direto, o que ia para reformar e às vezes mostrava qual eu gostei, falando dos sacos e que agora tínhamos criado um quatro escrito venda para a ideia que estávamos discutindo antes dela chegar.
Senti que mamãe pegou algo no ar, olhou para minha Irma e disse, amanha você precisa conversar comigo tá, acho que por hoje já fizemos e falamos muito, estou ate confusa com tanta informação, terminem de organizar isto, amanha façam as tarefas da escola e não mexam mais em nada ate voltarmos a conversar ok, to precisando realmente pensar em tudo isso e o caminho que esta tomando.
Minha irmã ficou muito estranha, mamãe saiu e ela tremia ao mexer nas coisas e era nítido sua voz de medo e preocupação.
Resmungou algumas vezes:
- Eu devia ter pensado que isso ia acontecer;
- Será que não falamos demais, eu não estava preparada pra estas perguntas;
- Tinha que ter falado com ela sozinha;
Eu ouvindo estes e outros resmungos perguntei:
- Eu fiz algo de errado, desculpe, estraguei alguma coisa, me fale.
- Não vou mais poder te ajudar?
- Mamãe tá brava com a gente?
E assim fomos o fim daquela hora entre um resmungando, outro falando com as paredes, éramos duas baratas tontas.
Na manha seguinte, não sei se por sorte ou azar mamãe conseguiu uma folga, fez nossos cafés todos juntos, e assim que meus irmãos saíram, pediu para eu subir fazer as tarefas normais e as da escola e aguardar ela chamar.
Falou para minha irmã, terminar de limpar a cozinha e subir para o quarto ela o mais rápido possível.
Essa mudança de rotina, a forma como ela estava falando fizeram eu até esquecer que não estava dormindo direito. O clima estava tenso e eu tinha certeza que era com nosso pai e com eu estar no atelier. Em ambos os casos eu ficava cada vez mais aflito, agora alem do mal estar estava muito mais emotivo do que o normal, acho que estava ficando "adolescente" e eram coisas da idade.
DO quarto ouvi o inicio da conversa assim que minha irmã chegou ao quarto de mamãe, ela já iniciou assim:
- Filha, o que esta realmente acontecendo nesse atelier, feche esta porta e não me esconda nada, sabe muito bem que posso acabar rapidinho com tudo isso.
Fazia tempo que não ouvia esse tom, realmente o clima na família estava tenso, melhor eu não incomodar ninguém com meus pequenos problemas.
Terminei minhas tarefas, estava saindo do quarto quando ouvi minha irmã chorando, saindo rapidamente do quarto e trancando-se no seu, minha mãe, percebendo que eu tinha saído, gritou::
- Eu não pedi pra você sair somente quando eu mandasse? Tá bisbilhotando o que? Já terminou as tarefas, se arrume já ta em cima da hora e na volta da escola vou conversar com você!
... Continua.