Capítulo
A aranha observava a sua presa dedicando a ela o máximo da sua atenção. As longas patas fixas nos fios da teia lançando sobre a mosca o seu olhar hipnotizador.
A mosca voava em torno da teia sem ter consciência do perigo que corria. Somente seguia o fluxo e voando, girando, vivendo. Perdeu o controle sobre os seus próprios movimentos, sentindo uma vontade inexplicável de seguir em direção à teia,onde foi capturada e devorada lentamente.
Os oito anos de idade não deram a Matheus o tempo necessário para a compreensão do mundo a sua volta. Soluçava em prantos correndo em direção aos braços de Marília.
Sem entender o motivo do choro do menino, ela interrompe a sua atividade de passar roupas, pondo o ferro em pé sobre a tábua de passar. Toma o menino em seus braços.
Gargalha ao ouvir do menino o motivo de seu choro. Achava engraçado como a morte de uma mosca poderia entristecer a ingênua criança.
_ Oh, meu amor, a vida é assim mesmo. A aranha precisava comer e a mosca era a comida dela.
_ Mas, a mosca não estava fazendo nada de errado. Só estava voando.
_ Essa é a lei da natureza, meu filho. Uns caçam e outros são devorados.
Matheus sentiu uma profunda angústia. O sentimento de injustiça gritava em seu peito o fazendo chorar.
Anos depois Matheus tinha o mesmo sentimento, contudo acompanhado do desespero.
Se perguntava o porquê de Patrick ter sido estraçalhado como a mosca. Agora, com os seus vinte e três anos ele compreendia que animais matavam para se alimentarem, se defenderem e por instinto. Mas, e o ser humano? Matá por quê? Ele sabia a resposta e sentia nojo dela. Ser humano mata por prazer.
Ainda estava tentando processar dentro de si todo o acontecido. Desejava chorar como fez quando criança, mas desta vez o desespero estava desacompanhado das lágrimas.
Segurava a mão ferida do amado e acariciava os seus cabelos. Para Matheus era doloroso demais ver o homem da sua vida desacordado naquela cama de hospital, com aparelhos respiratórios ao seu lado e uma sonda no nariz.
A tristeza o consumia ao observar os hematomas arroxeados presentes na face do marido. Os olhos roxos e inchaços, a boca cortada.
Perguntava-se o motivo de tamanha violência. Patrick nunca fez mal a alguém. Sempre foi pacífico e fazia de tudo para evitar conflitos.
Encostou a cabeça próxima a dele e as lembranças das palavras do médico o deixou desolado.
Apesar da gravidade do seu estado, Patrick tinha grandes chances de sobreviver. No entanto, o ato de crueldade dos monstros odiosos resultariam em sequelas, que mudariam a vida de Patrick para sempre.
Uma das balas lesionou sua a coluna vertebral e o jovem perderia para sempre os movimentos das suas pernas.
Matheus se sentia incapacitado de dar essa notícia a ele, quando despertasse.
Por volta das seis da manhã daquele dia, foi despertado com Renata entrando em seu apartamento para dar a trágica noticia.
A princípio, quando soube, ela não queria contar ao filho por medo do seu sofrimento, mas foi orientado por Marquinhos a fazer.
_ Você não pode impedir que Matheus sofra. A tragédia já aconteceu e ele tem o direito de saber.
Assim que soube, compreendeu o motivo da sua angústia na noite da festa. Era um presságio!
Foi ao hospital às pressas. Como o atentado ocorreu perto do bar. Jonas soube quando os outros convidados chegaram no ponto de ônibus e os encontraram quase mortos.
Os agressores desapareceram.
Das vítimas, dois faleceram por sofrerem traumatismo craniano, os outros chegaram ao hospital feridos em estado de choque e Patrick estava desacordado e gravemente ferido.
Jonas fez questão de chamar uma ambulância de um hospital particular e arcar com as despesas. Ficou desesperado ao ver Patrick no chão. Chorava muito acreditando que o amigo havia morrido.
Foi até o hospital e sentiu pena de Matheus. Imaginou-se no lugar dele. Patrick foi vítima de homofobia, uma violência que ele e Bruno também corriam risco de sofrer.
Observava a aflição de Matheus, que estava pálido e trêmulo. Sentado no banco fitando um canto do corredor, com lágrimas nos olhos, num silêncio dolorido.
"E se fosse Bruno? Poderia eu estar sentado naquele banco sofrendo o que Matheus está sofrendo." Foi o que pensou e se desesperou com essa possibilidade.
Aproximou-se de Matheus, que estava ao lado de Renata. A mulher tentava acalmar o filho oferecendo um copo com água. Mas, ele permanecia em silêncio como se ninguém estivesse ao seu lado.
Jonas os cumprimentou e ofereceu a sua solidariedade.
_ Matheus, eu sinto muito. Eu... você pode contar comigo para o que precisar.
Matheus continuou calado olhando o corredor, enquanto as lágrimas escorriam.
_ Obrigada, Jonas._ respondeu Renata.
Bruno soube do ocorrido por uma mensagem que recebeu de Isabel. No mesmo instante, ligou para Jonas para se informar melhor.
Ao ver o marido entrar na sala aflito, com os olhos vermelhos de tanto chorar, Bruno se assustou.
Jonas o abraçou com força e soluçava em seus braços.
_ Eu te amo, Bruno! Eu te amo muito!
_ Eu também te amo! Fique calmo, meu bem.
_ Eu estou com tanto ódio! Como alguém se sente no direito de cometer atrocidades com outras pessoas pelo que ela faz na sua vida íntima?
Bruno permaneceu em silêncio, abraçando o marido. Tentando consolá-lo com os gestos afetivos.
Cinthia não se conformava. Sentia um ódio intenso pelos agressores dos seus amigos.
O pequeno Diego, filho de Isabel, acordou a mãe desesperado.
_ Mãe! Mãe! A tia Cinthia tá chorando no banheiro.
Isabel levantou às pressas e encontrou a mulher sentada no chão, socando a parede, chorando desesperada.
Imediatamente, Isabel correu para abraçá-la.
_ Que ódio! Eles são os meus amigos! Dois estão mortos e três feridos! O Patrick nunca mais vai andar por causa dessa gente nojenta! Eu quero que todos morram, Isabel. Morram da pior possível!
_ Calma, linda! Calma!
No velório dos amigos, Cinthia não conseguia esboçar uma palavra. Apenas chorava.
Betinho recebeu a notícia com muita tristeza.
No dia seguinte, que foi trabalhar. Lamentava sentada em uma das mesas da pizzaria, enquanto os clientes não chegavam.
_ Eu fui culpado. Eu deveria ter levado eles no ponto de ônibus.
_ Você não poderia fazer nada. Pintosa desse jeito também seria mais uma vítima desses vermes. A culpa não é sua. É da homofobia presente nas pessoas. _ disse Rafael.
_ Homofobia essa alimentada pelas igrejas e discursos de ódios de políticos nojentos. O pior que aquela praga do Ricardo Policarpo está liderando nas pesquisas._ reclamou Olivia.
_ O Ricardo expressa o que o povo sente, mona e quem sofre somos nós. Coitado da minha mana Patrick. Ela tava toda feliz porque tinha sido promovida. Agora vai perder tudo: emprego e marido.
_ Eu não sou amigo do Matheus, mas não creio que ele vá abandonar o Patrick. Eles se amam.
_ Amor de bicha é pica, Rafa. Você é hétero não entende dessas coisas. Paraplégicos não funcionam e você acha que a Mateuzona vai querer um boy impotente? Com fogo no cu que ela tem. Com certeza, Patrick vai ser jogado de escanteio e Matheus vai correr para sentar na pica de outro. Coitada da minha amiga. Sem emprego, sem dinheiro e sem macho.
Os dias seguiram longos e angustiantes para Matheus. A sua rotina havia mudado muito. Do trabalho ia para o hospital, onde aproveitava o máximo de tempo que podia ao lado do amado. Tentava seguir os conselhos de Marquinhos de não demonstrar desespero diante de Patrick, para que assim o marido o visse como uma fonte de forças.
O dia mais doloroso para ele foi quando o informou sobre a sua nova condição de paraplégico. Seu coração ficou destroçado diante da reação do marido, que chorava e socava as próprias pernas.
Matheus o abraçou e acariciava os seus cabelos , enquanto Patrick chorava.
_ Por que isso tinha que acontecer justo comigo? Por que eu, Matheus? Eu só me fodo! A minha vida acabou!
_ Não acabou não, amor.
_ Claro que acabou, Matheus! A empresa que eu trabalho não tem estruturas para atender as necessidades de um cadeirante. A maioria das empresas não têm! Eu batalhei tanto para conseguir ingressar numa faculdade, batalhei para me formar por nada?
"Eu sou um inválido! Um peso!"
_ Não diga isso! Nunca diga isso! Você não é um inválido e muito menos um peso! Amor, você é talentoso e competente. Com certeza vai conseguir um outro emprego. Há empresas que contratam pessoas especiais.
_ Não se refira a mim dessa forma. Mentir pra mim não vai me consolar.
_ Eu não estou mentindo! Há vários cadeirantes que trabalham e ...
_ Fica quieto, Matheus. Eu não quero ouvir mais nada.
Patrick se via amedrontado. Temia perder o marido devido a sua condição. Sentia raiva em imaginar que Matheus desejaria outros homens enquanto ele seria um estorvo na vida do menino.
Matheus o abraçou.
_ Vai ficar tudo bem. Eu estou aqui contigo, amor.
_ Até quando?
_ Como assim?
_ Você é jovem, bonito e saudável. Tá cheio de veados por aí. Você acha mesmo que ficará com um aleijado? Matheus, eu não sou idiota. Acabou!
_ Não acabou não!
_ Eu não quero a sua pena!
_ Eu não tenho pena de você. Aliás... tenho. Mas não é esse o motivo de eu estar contigo. Eu te amo e te desejo pra caralho.
_ Ninguém sente tesão por um cadeirante. A gente não vai ter vida sexual.
_ Teremos sim. A gente vai ter que fazer algumas adaptações, mas teremos sim. Amor, eu andei pesquisando na internet e muitos cadeirantes têm uma vida ótima e...
Patrick começou a chorar e Matheus o abraçou.
_ Meu bem, eu não estou no seu lugar. Não sei o que você está sentindo, mas posso compreender. Sei que está assustado e com medo do futuro. Mas, eu vou fazer o que estiver ao meu alcance para te fazer feliz. Para tornar a sua vida a melhor possível.
"Eu não quero outro cara como você acha que eu quero. Eu quero você! Eu amo a sua alma e continuou desejando o seu corpo. Você não precisa se preocupar. Vai ter sempre em mim o carinho, a dedicação e amor que tanto merece."
Diante das palavras de Matheus e sentindo o calor do seu corpo, abrigado num abraço refúgio, Patrick foi se acalmando lentamente até que adormeceu, sentindo o prazer que o cafuné do marido o proporcionava.