Assim repousando, recuperando-nos fisicamente do nosso reencontro sexual, depois de muitos anos, estávamos deitados sobre a confortável e ampla cadeira de vime, no deck da piscina, acariciando-nos displicentemente, quando Fúlvia quebrou o silêncio. Havia muito a se falar, e chegara o momento.
– Meu querido, preciso dizer algumas coisas sobre nós, e não sei bem por onde começar. Por isso, não repare se minha fala ficar meio desconexa, meio trôpega, e, por favor, me deixe falar até o final, senão eu não consigo, tá bem?
Confirmei com a cabeça, e me dispus a ouvi-la.
“O que existe entre nós três é algo inexplicável, e somente nós três sabemos o que sentimos e em que intensidade o sentimos. Sabemos que é algo muito, muito forte, que não fenece, nem diminuiu, com o tempo. Desde que nos conhecemos, os cinco anos em que estudamos juntos, vivemos juntos, nos confidenciamos no balaio de Baco ou fora dele, individualmente, desde sempre ficou claro que algo muito forte nos unia e nos une.
A separação, a vida que cada um levou, não arrefeceu isso tudo. Pelo contrário, sentíamos como se tivéssemos nos encontrado e nos amado pela última vez no dia anterior, e que nos reencontraríamos no seguinte. Você sempre esteve em nossas conversas e em nossa cama, em nossos gozos. Tanto eu quanto Álvaro temos por você um carinho imenso. E sei que é recíproco.
E te reencontrar fisicamente, e nos comermos, tantos anos depois, apenas confirma isso tudo. É como se não tivesse havido distância. Eu me sinto ainda mais próxima, mais dentro de você, e você de mim. Tenho certeza de que com Álvaro, não se passa diferente.
Por ser assim, tão belo e tão puro, eu e Álvaro, há vários anos, resolvemos nos abrir um com o outro [fiz menção de me mexer, espantado com a revelação, mas Fúlvia, delicadamente, colocou o dedo indicador nos meus lábios, me pedindo contenção]... Espere, deixe-me falar até o final.
Desconfiávamos, pelo muito que estávamos próximos um do outro, que havia alguma coisa mais, para fora do balaio. E resolvemos, numa boa, e movidos pelo enorme amor que nos une – eu e meu marido – e pelo enorme amor que nos une a você, resolvemos que precisávamos contar tudo um ao outro.
O que, a princípio, foi um pouco difícil, aos poucos foi se mostrando tranquilizador. E aliviante. Ele me falou que vocês dois eram confidentes e amantes, e confirmei também que eu e você, para além de nossos encontros a três, também nos confidenciávamos e nos comíamos.
E creia, foi o momento mais lindo de partilha que tivemos. Foi tão tesudo, e ficamos tão excitados com a mútua revelação, que a gente deu uma trepada fenomenal, e parecia que você estava entre nós.
Combinamos, então, só te contar isso pessoalmente, porque não é coisa que se diga por telefone, carta ou qualquer outra forma distante. E o tempo foi passando, passando... até que vimos neste final de semana a possibilidade de isso acontecer – o que deveria ser na nossa volta, claro, porque a gente estava muito estressado e precisava de algumas belas fodas para meio que criarmos coragem. Afinal, não sabíamos qual seria sua reação, poderia se sentir traído pelos dois... sei lá...
Então a viagem do Tuca foi providencial. Encontra-lo sozinho aqui era tudo de que a gente precisava. E as compras que necessitávamos fazer na cidade igualmente vieram a calhar. Restava definir, então, quem contaria. Álvaro dizia que tinha um medo muito grande de que você não gostasse e terminasse se afastando da gente, principalmente dele – ele é apaixonado por você, sabia? Tanto quanto eu.
Daí ele sugeriu que fosse eu, disse que eu tinha mais jeito, mais intimidade... O sacana! A verdade é que eu também estava me cagando de medo (e ainda estou) de você não entender, e ficar estranho... E... É isso... Você perdoa a gente?!”
Minha garganta, que foi ficando embargada, à medida que eu ouvia a narrativa de Fúlvia, arrebentou num soluço involuntário, e as lágrimas com as quais eu brigava para não virem, finalmente desceram, em dois filetes, pelo meu rosto...
Como eu amava aqueles dois! Como explicar, com as só palavras da razão ou da moral social, tudo aquilo que explodia entre nós?! Como eu queria poder contar para cada um deles o que rolava com o outro! Eu ficava entre feliz com a confiança individual e me achando um sacana com o balaio. Sempre quis que não escondêssemos um do outro, mas a promessa que nos fazíamos a cada um, de não contar para o outro, era muito forte, e me deixava refém dela.
Chegava a parecer que eram duas pessoas diferentes, as do balaio, e as dos encontros particulares. Mas eram os mesmos. E isso me confundia, por vezes. Que bom, que resolveram assim. Se eu ia ficar chateado de terem demorado tanto tempo para me contarem? Ora, puta que pariu! Contaram, e isso era o que importava...
Todas essas coisas vieram aos turbilhões, em minha mente, nos segundos de silêncio que se seguiram à revelação de Fúlvia. Seu rosto aflito deixava-me ainda mais comovido.
Mas nada falei. Tomei seu rosto, carinhosamente, entre minhas mãos e depositei um beijo recheado de ternura em sua boca. Senti o molhado de suas lágrimas brotando de seus belos olhos verdes (não tinha falado ainda que eram verdes seus olhos, né?!) e umedecendo meu rosto; ao misturarem-se com as minhas, meio que empaparam meu peito.
Apertamo-nos com um carinho intenso, e nossa pele, nossos corpos como que se misturavam naquele abraço e naquele beijo.
Ao levantar meus olhos embaçados ainda de lágrimas, dei com um vulto parado na nossa frente. Não me assustei, apesar de não o ter visto chegar. Era como se, inconscientemente, eu soubesse que ele estava ali, como se tivesse materializado de dentro da nossa conversa.
Álvaro tinha os olhos boiando também... Abaixou-se e abarcou nossos corpos nus... Aí, cara, não deu pra segurar, e arrebentamos em convulsivo choro, os três, apertando-nos e nos amando, como nunca outras pessoas se amaram, em qualquer outro lugar de todos os universos.