capítulo 38
Patrick ajudava Marília a guardar os hort frutis na geladeira. Mais cedo, ela havia ido ao supermercado fazer compras para Renata e a si mesma.
Chegou em casa no carro do entregador, reclamando dos altos preços dos produtos comprados.
_ Está tudo um absurdo de caro! Você já entra no mercado sabendo que vai receber uma facada. Olha o quanto custou só essas coisinhas._ Marília reclamava mostrando a nota fiscal para Patrick.
_ Nossa! Que absurdo!
_ Pra você ver e não achar que estou sendo exagerada.
_ O engraçado é que, mesmo com essa crise, a Rose consegue comprar tudo mais barato. Ela roda o Rio de Janeiro inteiro até encontrar promoções. _ Patrick disse sorrindo._ É incrível essa habilidade dela.
_ Eu fico boba com isso. Até pechinchar ela consegue. Também bonita daquele jeito, faz aquela carinha faceira, aí os homens ficam doidos. Faltam pouco fazer de graça pra ela.
_ Rose nasceu mesmo para ser pobre.
_ Ela aprendeu a ser pobre. De patricinha, filha de fazendeiro, garotinha mimada da zona sul, se transformou na maior pobretona pechincheira.
_ Rose já foi rica, dona Marília?
_ Se foi. Eu conheci Rose quando eu trabalhava na casa dos pais de Renata. Ela era muito novinha. Deveria ter uns 14 a 15 anos. Mas sabe como é, né. Os pais marcavam em cima. Não deixava sair sozinha, obrigava a estudar, na casa dela era tudo regrado. Tinha hora para comer, dormir, assistir televisão.
"Mas aí, o fogo a fez querer ter liberdade e a namorar. E sabe com quem foi se meter? Com o cramunhão do Gustavo._ Marília deu três soquinhos na madeira da tábua da carne._ Ele era mais velho que ela. Rose ficou louca por ele. Saia escondido dos pais para namorar. Até pulava o muro da escola.
_ Caramba! Eu não consigo imaginar a Rose pulando muro. Deve ser muito engraçado.
_ É, mas essa gracinha dela custou caro. Para poder ter a tal sonhada liberdade, Rose engravidou de propósito, porque sabia que os pais iam obrigar o Gustavo a casar com ela. Rose acreditava que depois de casada seria livre e poderia fazer o quisesse.
"Foi aí que ela se enganou feio. A aliança dela não foi passaporte para a liberdade, foi algemas. Aquela lá comeu o pão que o diabo amassou com o rabo. A vida dela com o Gustavo foi inferno."
_ Coitada! Ela é uma pessoa tão boa.
_ Quem procura acha. Quem mandou não fechar as pernas e engravidar de propósito?
_ A senhora está sendo machista. E como bem a senhora disse, Rose era muito jovem. Pode ter se descuidado e por isso engravidou.
_ Que nada, menino! A Rose engravidou de propósito sim! Ela mesmo disse isso! Bruninho já veio ao mundo pra ser usado.
_Quem morre de ciúmes dela é a Leninha. Ela nem gosta que o Marquinhos chegue perto da Rose.
Marilia ficou séria.
_ Esse ciúme da Leninha não é a toa não, como muitos pensam. Essa história de Marquinhos e Rose é antiga.
_ Como assim, dona Marília?_ Aquela informação era novidade para Patrick, o que fez perguntar se corroendo de curiosidade.
_ Eu nunca gostei disso. Tenho ódio dela até hoje! A safada, casada com quem era, teve a coragem de arrastar o meu filho para a teia dela. Quase que ele morreu por causa dessa história.
_ Como assim, dona Marília?!
A conversa foi interrompida com a chegada de Renata.
Diferente do habitual, que ela sempre chegava do trabalho sorridente e falante, Renata estava séria e parecia aflita.
_ Boa tarde, gente._ disse pondo a bolsa sobre a mesa, e afastando a cadeira para sentar.
_ Você tá abatida, Renata.
_ É que não dormir muito bem esta noite, Marília. Aliás, Patrick, nós precisamos conversar. Vamos lá no meu quarto?
Patrick a olhou preocupado.
_ Bom, pelo visto o assunto é particular. Eu vou aproveitar que você já chegou e vou para casa. Daqui a pouco, vai começar a minha novela. Eu tô indo. Até amanhã.
_ Até amanhã, Marília. Obrigada por tudo.
Quando Renata ouviu o barulho do portão fechando, ela teve certeza de que estava à sos com o genro.
_ Aconteceu alguma coisa, Renata?
Ela confirmou com a cabeça. A sua tristeza era visível.
_ O que você tem, sogrinha?
_ Eu não tenho nada além de preocupação.
_ Preocupação com o quê?
_ A pergunta certa é "preocupação com quem?" O problema está acontecendo com o meu filho.
Patrick sentiu o coração bater mais forte.
_ O que houve com o meu marido, Renata?
Ela abaixou a cabeça entristecida.
_ Eu soube pela Rose que..._ Renata ergueu a cabeça para cima, tentando conter as lágrimas, deixando Patrick ainda mais preocupado. _ Matheus teve uma crise de ansiedade. O Bruno disse para ela que flagrou o Matheus no banheiro do shopping apavorado. Ele chorava muito e tremia, como se tivesse em pânico. Acreditava que ia morrer e ficou desesperado.
Ela não suportou o peso da tristeza e começou a chorar.
_ Quando você soube disso?
_ Ontem. A Rose me contou depois do jogo. Eu fiquei angustiada, chorei muito quando soube. Fiquei num estado de nervo. Foi por isso que não vim pra casa. Wilson achou que o meu nervosismo só deixaria Matheus mais estressado.
"Eu tô desesperada! O meu filho nunca teve esse tipo de problema, sabe! Ele sempre foi muito explosivo, mas sempre foi muito alegre! Vivia sorrindo! E agora..."
Patrick a abraçou forte, acariciando os seus cabelos.
_ Patrick, eu não sei o que fazer pra ajudar o meu filho! Eu preciso da sua ajuda! Você é muito mais ponderado e inteligente que eu.
"Eu estou me sentindo uma péssima mãe! Como eu não percebi isso? Só fiquei preocupada comigo e o meu namoro, que deixei o meu filho de lado e não percebi que ele precisava de ajuda!"
_ Isso não é verdade, meu bem! Você é uma ótima mãe! Melhor impossível! E não digo isso para puxar o seu saco! Digo porque é verdade! Matheus é super protetor. Ele escondeu isso de nós porque quer nos poupar. Ele acha que é o seu dever cuidar de nós. Tem horas que ele pensa que é um super herói!
"O silêncio dele não é culpa sua ou de ninguém! Nem dele mesmo. Coitado! Ele acha que deve ser forte, mas está emocionalmente abalado! Nós conhecemos o nosso príncipe. Sabemos que ele se esconde atrás de um muro de uma falsa dureza."
_ Mesmo assim, Patrick! Eu tinha que ter percebido. O meu filho nunca ia pedir ajuda! Ele ia sofrer calado.
_ Se martirizar por algo que não tem culpa não vai ajudar em nada. A gente precisa encontrar uma forma de ajudar o Matheus. E temos que pensar bem no que vamos fazer, porque ele é cabeça dura. Tem que ser algo que tenha eficácia e que não o dar nenhuma possibilidade de negar.
_ Depois de conversar com a Rose, eu conversei com o Bruno. Ele me disse que no shopping não foi a primeira vez que isso aconteceu.
"Bruno me disse que depois desse dia, ele conversou com a Isabel e ela contou que ele já havia tido uma outra crise."
_No dia do shopping, eu percebi que Matheus não estava legal, mas ele desconversou e disse que ia ao banheiro. Ele parecia aflito, tenso...quase desesperado.
"Depois ele voltou com o Bruno e quem ficou tenso fui eu. Tive medo dos dois quebrarem o barraco lá na loja. Bruno disse que queria falar comigo, mas Matheus me levou embora. No carro, eu perguntei o que havia acontecido, mas ele não quis me dizer. Eu me calei, acreditando que se tratava de mais um das brigas deles."
Renata olhou para o relógio em seu pulso. Enxugou as lágrimas e disse:
_ Daqui a pouco, ele vai chegar. Não tem jeito. Vamos ter que conversar com ele.
Patrick ficou pensativo por alguns segundos antes de dizer:
_ Acho melhor não falarmos nada com ele.
_ Como não, Patrick?! Nós não podemos fingir que nada está acontecendo!
_ Eu tenho uma ideia melhor.
....
Depois da conversa com Renata, Patrick foi para o quarto aguardar a chegada de Matheus.
Olhava a fotografia do marido pela tela do celular e acariciava a imagem do seu rosto.
_ Coitado. Você tá segurando a barra toda sozinho. Eu vou te ajudar, meu amor. Nós vamos sair dessa.
Em suas reflexões, descobriu dentro de si uma força que nunca imaginou que teria. A sua vontade era desabar. Trancar-se naquele quarto e nunca mais sair.
Todavia, Matheus precisava dele. Diante do sofrimento do marido, ele não poderia ser egoísta de se afundar na sua melancolia e deixar Matheus à deriva.
Para não focar na tristeza e a deixar que ela o consumisse, Patrick pegou o seu e-reader e iniciou a leitura de O vermelho e o negro, romance indicado por dona Chiquinha.
Leu algumas páginas e acabou adormecendo sentado, com o aparelho na mão.
Despertou sentindo os lábios beijados. Sorriu antes de abrir os olhos, pois já sabia que o marido havia chegado.
O sorriso de Matheus o acalmou de uma forma, que ele não conseguia compreender.
Mergulhou fundo no olhar do loiro e conseguiu captar a sua tristeza oculta.
Atirou-se em seus braços, buscando transmitir nesse gesto o seu amor pelo loiro.
Patrick entendeu que eles estavam conectados. Matheus sofria porque ele estava sofrendo. O que um sentia o outro também sentia.
Nos braços do homem amado, em silêncio, decidiu que lutaria pela própria felicidade, porque sabia que ela, assim como a sua tristeza, também se refletia em Matheus.
_ A vovó Naná dorme a qualquer hora e em qualquer lugar._ Matheus brincou, beijando os seus lábios de um jeito carinhoso.
_ Eu sentei para te esperar, mas acabei de me deixando levar pelo sono.
Deslizou os dedos pela face de Matheus, sorrindo de um jeito carinhoso. Olhando-o de um jeito dócil, sentiu a energia do amor dominar cada célula do seu corpo.
Mirando no fundo dos olhos castanhos do ruivo, Matheus sentiu o amor do marido invadir o seu corpo, transmitindo uma sensação gostosa de paz.
Seus dedos se entrelaçaram e sua testas se tocaram.
_ Eu vi que a minha avó fez polenta para o jantar. Como você não gosta, eu preparei esse prato de yakisoba de camarão para que você possa jantar._ Matheus disse apontando para a bandeja em cima do criado mudo. Sobre ela estava o prato, com os talheres ao lado e um copo de suco de uva ao lado.
_ Você não existe, Matheus! Você chega cansado do trabalho e ainda cozinha pra mim! Era para eu ter feito isso para ti. Eu fiquei em casa o dia inteiro.
_ Cuidar do meu nenê me dá prazer.
_ Não precisava se preocupar, my prince. A sua avó até quis cozinhar algo exclusivo para mim, mas eu disse que não precisava. Ela fez um sanduíche caprichado.
_ Sanduíche não alimenta direito. E você come como um passarinho. Precisa se alimentar melhor.
Patrick pôs a bandeja no colo e provou uma garfada, fechando os olhos gemendo.
_ Huuum! Tá uma delícia! Já pode casar!
_ Só falta o noivo.
_ Não seja por isso: will you marry me? (Quer casar comigo?)
_ Now. (Agora).
Matheus o beijou sorrindo.
_ Tá melhorando na pronúncia, hein. Se continuar assim, vai ficar melhor do que eu e ainda vai roubar o meu emprego.
_ Eu ainda tenho que comer muito arroz e feijão para chegar ao seu nível de fluência no idioma. Você estudou por anos, não é mesmo?
_ Desde pequeno a minha mãe introduziu o inglês da minha vida com brinquedos e jogos educativos, músicas e desenhos animados.
_ Renata sempre priorizou a sua educação.
_ Isso é verdade. Quando eu completei 6 anos de idade, ela achou apropriado que eu estudasse inglês, me matriculou num dos melhores cursos do Rio. Como ela não ganhava bem, o meu tio Marquinhos a ajudou a pagar.
_ A sua família é maravilhosa!
_ Como é.
_ Eu fico muito feliz por Renata ter gostado do sofá. Eu fiquei com medo dela não gostasse.
_ Eu te disse que ela já estava pensando em trocar de sofá.
_ Aquele sofá tinha história. Foi nele que rolou a nossa primeira vez.
_ É mesmo! Ainda bem que ele não falava. Senão contaria coisas do arco da velha, como diz a minha avó.
_ Eu me lembro daquele dia como fosse hoje. Eu estava tão tenso. Tive medo de você não gostar de mim. Ainda mais que você tava acostumado com as habilidades do Jonas.
_ Você é muito melhor que o Jonas! Você é uma delícia, minha ferrujinha!
_ Ah, tá! Me engana que eu gosto! Ainda mais naquele dia. Eu tava muito travado. Parecia uma garotinha perdendo a virgindade. Foi horrível!
_ Era a minha primeira vez de ativo. Eu fiquei morrendo de medo de você não gostar de mim.
_ O engraçado é que eu tive o mesmo medo. Mas, apesar do nervosismo, era a primeira vez que eu me senti conectado a alguém. Como se eu me completasse em você. Como um encaixe perfeito...Eu não sei explicar.
_ Eu sei do que está falando. Eu também me senti assim e me sinto toda vez que fazemos amor. Por isso que digo que você é muito melhor do que Jonas ou qualquer outra pessoa que passou pela minha vida. Com você a foda é perfeita...é completa.
Eles sorriam e se beijaram.
_ Eu quero muito te pedir uma coisa, meu príncipe.
_ Você não pede, você manda, meu rei.
_ Amanhã, eu tenho que ir a uma sessão de terapia. Mas, eu não estou me sentindo bem. Me sinto inseguro.
_ Por que, amorzinho?_ Matheus perguntou preocupado, dividindo a franja de Patrick ao meio com gesto de carinho.
_ Eu não sei... Eu gostaria muito que você me acompanhasse. A sua presença me traz segurança.
_ Claro, meu bebê!_ Matheus segurou em sua mão e o olhava preocupado. Patrick conseguiu traduzir aquele olhar aflito, que dizia "Não se preocupe, meu amor, eu estou aqui."
....
Na sala de espera do consultório, Patrick aguardava aflito. Cruzava as mãos para não demonstrar os tremores. Ele sabia que o seu plano era um risco. E que a atitude de Matheus poderia ser catastrófica.
Sentiu o medo gelar a sua alma. "E se ele ficar bravo e dar barraco aqui na frente de todo mundo?! Meu deus, eu vou morrer de vergonha! Sem contar que isso pode gerar uma crise conjugal! Ou pior, e se ele ficar nervoso a tal ponto e ter uma crise de ansiedade?!" Patrick pensava desesperado.
A sua aflição era perceptível para Matheus, pois as suas pupilas estavam dilatadas e sua respiração acelerada.
Preocupado, Matheus segurou em sua mão fria e trêmula. Olhou-o preocupado e disse num tom de voz suave:
_ Calma, meu amor. Vai ficar tudo bem.
Patrick abaixou a cabeça envergonhado pela mentira. Sentia o coração bater acelerado e ardendo em seu peito.
_ Na verdade eu não vou me consultar!
_ Como assim? Você quer ir embora?
_ Não. Eu marquei a consulta para você.
_ O quê?! Que palhaçada é essa, Patrick?
_Amor, eu sei que você precisa de ajuda.
_ Do que você tá falando?
Patrick sentiu um nó na garganta ao perceber a alteração na voz do marido e a seriedade da sua expressão facial.
_ Por favor, não fique bravo comigo. Se eu não tivesse armado isso, você não teria vindo e continuaria fingindo que nada está acontecendo. Meu bem, vá lá e converse com a doutora Jaqueline. Ela é muito boa. Se você não gostar, a gente não volta mais aqui. Mas, dê uma chance a si mesmo.
Matheus abaixou a cabeça e cruzou as mãos para conter a raiva que sentia do marido por tê-lo enganado.
_ E precisava armar esse circo todo e me feito de idiota?
_ Eu não fiz por mal. Mas eu não poderia saber que você teve uma crise de ansiedade e não fazer nada!
Matheus o olhou furioso.
_ Eu mato aquele Judas! Ele não tinha nada que ter feito fofocas para você! Ele não tinha que ter envolvido nisso!
Uma voz feminina vindo do consultório chamava pelo nome de Matheus, avisando que era a sua vez de se consultar.
_ Vá, meu bem. Por favor!
Por mais que não quisesse se consultar e estivesse com raiva de Bruno, a aflição de Patrick o incomodava. Pesava nele vê a tristeza do marido e isso o fez entrar naquele consultório, mesmo contra a própria vontade.
Ao ver Matheus entrando para a sua primeira sessão de terapia, Patrick sentiu como se um peso fosse retirado das suas costas e uma pequena chama de esperança acendia em seu coração.
Matheus sentou num sofá em frente a poltrona em que a doutora estava sentada com as pernas cruzadas.
Ela era uma mulher alta e magra, de cabelos negros e lisos presos num coque e uma pele morena escura. O seu sorriso gentil o irritou, fazendo -o se sentir um ser frágil, que precisasse de ajuda.
_ Seja muito bem-vindo, Matheus.
Ele não a respondeu, permanecendo sério e irritado.
A mulher o fitava com uma agradável seriedade. Olhava-o nos olhos de um jeito enigmático e Matheus temeu que ela pudesse estar desnudando a sua alma e visualizando as suas fragilidades.
Cruzou os braços, como sinal de auto proteção e desviou o olhar o direcionando para o livreiro a sua frente, evitando encarar a psicóloga.
_ O Patrick achou legal eu conversar com você. _Você está aqui só porque o Patrick quer?
_ Ele me enganou! Mentiu dizendo que ele que ia se consultar e quando eu cheguei aqui, soube que a consulta era pra mim!
_ Isso te irritou?
_ Lógico! Quem não ficaria irritado sendo feito de palhaço?
_ Mas você poderia ter se negado e ido embora. Por que quis entrar?
_ Você queria o quê? Que o Patrick ficasse falando na minha cabeça? Você é a terapeuta dele há anos! O conhece até melhor do que eu. Com certeza, ele já falou inúmeras vezes que eu preciso fazer terapia...aliás, você o incentivou a isso? Tá querendo mais dinheiro?
_ O que te leva a pensar isso?
_ Ah, doutora! Nem me venha com essa técnica de me responder fazendo outras perguntas. Eu já conheço o joguinho de vocês.
_ Joguinhos?
_ Sim. Você quer que me auto entendo. Como se eu fosse o problema.
_ E o que é o problema?
_O Patrick é o problema.
_ O seu companheiro é o problema?
_ Não ele. Mas as coisas que aconteceram com ele! As malditas injustiças e agressões que ele sofreu. O Patrick precisa de ajuda e não eu.
_ Você acha que é injusto que a atenção se volte para ti, enquanto o seu marido precisa de ajuda?
_ Exatamente, doutora! Eu sou um moleque mimado. Fui criado rodeado de amor e carinho. Sempre fui aceito pela minha família! Nunca sofri homofobia dentro de casa, nunca fui carente de afeto ou qualquer outra coisa! Já o Patrick sempre teve uma vida difícil. Ele perdeu a mãe quando era criança, cresceu sem ter o amor de ninguém e para completar tinha um pai merda!
"Para mim, tudo que tenho veio com facilidade! A minha mãe, o meu tio e a minha avó sempre me deram tudo de mão beijada! Mas, o Patrick não! Ele teve que lutar para conquistar tudo que teve. Batalhou para conquistar um diploma e trabalhar na profissão que sempre sonhou, tínhamos uma vida financeira estável e do nada um bando de demônios o agrediram ao ponto de deixá-lo paraplégico.
"E para completar o pacote, ele tem ao seu lado um marido bosta, que não teve competência o suficiente para segurar as pontas. Patrick perdeu tudo! Perdeu o apartamento, perdeu o emprego... E sou tão indigno dele, que mesmo achando que estava ajudando, eu estava atrapalhando! O cercava de proteção e isso não ajudava em nada, só o impedia de ser independente e o deixava infeliz. Patrick não me merece. "
_ Por quê? Ele já expressou infelicidade ao seu lado?
_ Patrick é um anjo! Ele jamais falaria algo que me magoaria. Você o conhece. Ele é calmaria, a tempestade sou eu. Ele é uma benção e eu sou a praga.
_ Logo, você chegou a conclusão por si mesmo que era o problema?
_ Eu posso ser um bosta, um mimado, explosivo, mas eu sei reconhecer os meus erros. Eu falhei como marido.
_ É por isso que você está irritado?
_ Não só por isso. Estou irritado por estar aqui. Era para ele está sentado aqui e não eu.
_ E por que permanece aqui, se isso te irrita?
_ Eu fui vítima de uma armação. Eu tive um probleminha esses dias. O meu primo me viu tendo uma crise de pânico e fez um estardalhaço! Ameaçou contar para o Patrick e para a minha mãe e desgraçado cumpriu com a promessa!
_ Suponho que assim como o seu companheiro, o seu primo esteja preocupado com a sua saúde.
_ Preocupado! Hã! Você não conhece aquele lá. Aquilo ali é um Judas. Ele me traía pegando o meu ex namorado e ria da minha cara na minha ausência! Bruno se faz de bonzinho, mas não vale porra nenhuma! Ele contou para todo mundo para me ferir! Ele sabe que o Patrick é a minha prioridade e que estou fazendo de tudo para cuidar dele. Aí, a cobra do Bruno abriu a boca para deixar o Patrick preocupado e infeliz, porque ele sabe que isso me atinge.
_ Matheus, você disse que teve uma crise de pânico. O que você sentiu?
Matheus parou por alguns instantes, a lembrança da sensação o atormentava.
_ Senti palpitação. Um medo incontrolável que eu não sabia de onde vinha e porque estava ali. Senti uma dor muito forte no estômago e ar escasso. Foi horrível! Uma das piores sensações que tive na vida. Eu quis me apegar a algo, mas nada estava a minha disponibilidade.
_ O que você queria se apegar?
_ Eu não sei. Mas senti uma necessidade de um colo.
"Bruno tentou me acalmar. Ele me abraçou e disse que estava tudo bem. Que eu não iria morrer e que era só uma crise de ansiedade. A princípio, ele me transmitiu uma segurança. Mas, em seguida, quando a crise passou eu tive raiva! Muito ódio."
_ Do Bruno?
_ De mim!
_ Por quê?
_ Porque eu sou tão fraco ao ponto de precisar do cara que me apunhalou pelas costas! Eu sou tão fraco que não pude proteger o meu marido e de estar desabando quando tenho que ser forte para poder cuidar dele! Eu tenho ódio de ser um problema para a minha mãe, que deveria estar feliz agora, curtinho o namoro, mas tem que se preocupar com um filho bosta que não sabe cuidar de si mesmo e nem do próprio marido.
_ Você não acha que está se cobrando demais?
_ Eu não sou o problema! As atenções não devem ser voltadas para mim, enquanto o meu marido está sofrendo!
_ Te dói o sofrimento dele.
_ Muito! Ele não mereceu tudo o que passou! Ele não estava fazendo nada de errado! Por que a sua existência incomoda tanto pessoas nojentas, porra?! Que direito elas acham que têm para fazer o que fizeram? E o pior de tudo! Os caras estão livres como um passarinho e o meu marido preso a uma maldita cadeira de rodas!
A voz de Matheus estava alterada. Estava vermelho, com o pescoço rígido e as veias alteradas. Não aguentou reter as lágrimas e desabou no choro. Segurando o rosto com as mãos, envergonhado da sua fraqueza.
_ Matheus, você se tortura por não ter conseguido proteger o Patrick. O que você poderia ter evitar a tragédia que aconteceu com ele?
Matheus ergueu a cabeça olhando para ela com os olhos inchados e vermelhos de tanto chorar. Ficou pensativo.
_ Eu não sei. Me lembro que naquela noite, eu senti uma sensação estranha. Mas, eu não sabia explicar o que era. Como se algo ruim fosse acontecer! Mas eu não fiz nada para impedir.
_ O que você poderia ter feito? Poderia ter obrigado o Patrick ter ficado em casa?
_ Não. Eu não poderia. Mas eu não estava lá quando ele foi agredido.
_ Pelo que eu soube, eram mais de dez homens. Você acha mesmo que poderia ter salvado o Patrick sendo apenas um e tendo que lutar com muitos?
Matheus desabou no choro novamente.
_ Você não pode se culpar pelos erros dos outros. Você não podia controlar as atitudes e os pensamentos das outras pessoas. A homofobia é igual há muitos anos na nossa sociedade. Está totalmente fora do seu controle.
_ Mas por que ele? Isso poderia ter acontecido comigo! Eu me daria em sacrifício no lugar dele!
_ Matheus, o passado não pode ser mudado. Por mais doloroso que ele seja, ele já aconteceu. Agora cabe a você decidir se esse passado vai continuar te afetando ou não.
_ Eu não deveria estar dando esse problema todo. Eu tinha que estar cuidando dele.
_ Você é um ser humano. Não há nada de errado em precisar de ajuda.
E por mais que você diga que não precisa de ajuda, que está “bem”, que o seu foco é Patrick, mas mirar um foco no escuro, faz com que atiremos em lugar errado. E quando atiramos em lugares errados, outros arcam com as consequências."
_ O que você quer dizer com isso?
_ Que não pode ajudar o Patrick, enquanto estiver precisando de ajuda.
"Você está se culpando por algo que não tem culpa e está se punindo por não ter sido você a vítima, ao invés do seu marido. Mas, você não está percebendo que isso está o machucando."
_ Patrick está sofrendo por minha causa?
_ Você acha que ele está sofrendo? Você vive com ele, tem a resposta certa para isso. É só parar de ignorar.
Matheus abaixou a cabeça, sentindo uma tristeza profunda.
_ Você não pode sustentar o Patrick em seus braços, se eles estiverem quebrados.
Matheus a olhou como se recebesse um golpe.
_ Não mandamos nas vontades, gostos e desejos alheios. Infelizmente, o que aconteceu com Patrick jamais estaria ao teu alcance mudar, não podemos e jamais conseguiremos mudar as vontades daqueles que já estão determinados a fazer algo. Infelizmente, coisas ruins acontecem com pessoas boas, e o que nós podemos fazer? Não somos donos da vontade dos outros.
"A sua família te blindou demais a um ponto que você se martiriza por isso, o fato de ser blindado fez com você ficasse “cego” para algumas coisas de tua vida, não estou dizendo que sua mãe errou em sua criação, longe de mim, creio que ela te ame mais que a ela mesmo, e nesse momento ela está preocupada com você, e seu marido também.
Outro detalhe você não é um marido bosta, nunca foi, como eu já te disse, não foi culpa tua, não fique amargando um carma que não te pertence, não fique carregando um peso que não é seu, você precisa ir à luta e vencer a batalha, um dia de cada vez. Seu excesso de proteção se deu pelo que você achava que tinha que fazer, e com o tempo você foi e está aprendendo o que e como fazer para que Patrick se sinta seguro, e encorajado a enfrentar os desafios, e isso é algo totalmente diferente de ser um “bosta”."
Matheus ficou parado em silêncio, sentindo que as palavras lhe faltavam quando mais precisava delas.
Percebeu que nada o que fizesse poderia ter mudado o que aconteceu com Patrick e isso o deixou ainda mais triste.
_ Patrick sempre me diz que aprendeu contigo que apesar de não poder mudar o passado, ele pode escolher se esse passado vai continuar o afetando no presente ou não._ Matheus deu um sorriso, sentindo orgulho do marido._ Ele é tão forte! Acorda todos os dias lutando contra a tristeza e tudo que o põe para baixo. Ele ergue a cabeça e luta pra ser feliz e me fazer feliz. Ele é tão forte! A minha vida é tão mais bonita com ele! Mesmo tendo um milhão de problemas, se preocupou em me trazer até aqui. Você tem razão. Eu não posso segurá-lo tendo os meus braços quebrados. Preciso cuidar dos meus ferimentos para poder cuidar dele.
_ Lamentar pelo passado não está ajudando, Matheus. Só serve para por o dedo na ferida e ela doer ainda mais.
_ E as crises?
_ Os sintomas que você descreveu são normais para esse tipo de situação. Como se o seu corpo reagisse a uma situação de perigo externo, o que pode ser causado pelo excesso de estresses e problemas emocionais.
"Eu vou te encaminhar a um ótimo psiquiatra, o doutor Alceu. Ele atua aqui mesmo na clínica. Com os medicamentos e tratamentos adequados, você terá uma melhora significativa nesse problema. Isso junto ao nosso tratamento psíquico terapêutico. Por isso, será muito importante se continuarmos com as nossas sessões de terapia.
"Durante a crise, você precisa entender que não irá morrer, tentar manter a calma o máximo que puder. Eu vou te passar alguns exercícios respiratórios para aplicar quando a crise vier."
_ Obrigado, doutora. Eu não posso dizer que me sinto feliz, mas estou estranhamente aliviado. Como se um peso tivesse saído das minhas costas.
_ Fico feliz por isso._ Ela disse com um sorriso que tinha em Matheus um efeito tranquilizanteDurante o percurso para a casa, Matheus dirigiu em silêncio, deixando Patrick ainda mais preocupado.
O ruivo quis perguntar ao marido como havia sido a sessão de terapia, mas preferiu se calar, temendo que uma briga fosse iniciada.
O silêncio de Matheus se estendeu por horas. Ao chegar em casa, tomou banho e permaneceu no quarto escuro, deitado na cama abraçando o travesseiro.
_ Como foi lá?_ perguntou Renata, preocupada com o filho.
_ Eu não sei. Ele não disse uma palavra desde que saiu do consultório.
Algumas horas depois, Patrick foi até o quarto chamar o marido para jantar. Ele pensou em levar o jantar na cama, mas achou melhor que Matheus se reunisse com a família para fazer a refeição.
_ Amor! Meu benzinho. _ Patrick o tocava delicadamente, supondo que ele estivesse adormecido.
_ Eu estou acordado._ Matheus respondeu sem abrir os olhos.
_ Vamos jantar. Eu fiz nhoque de batata à bolonhesa, que é o seu favorito.
_ Eu tô sem fome.
_ Você tá chateado comigo? Meu amor, eu só quis te ajudar.
_ Eu sei. Eu não estou chateado com você.
_ E por que você não está me olhando?
_ Você está com muita fome, Patrick?
_ Não. Na verdade, eu nem estou com fome. Só cozinhei por sua causa e por causa da Renata.
_ Então, deita aqui comigo.
Patrick ergueu o corpo, apoiando os braços na cama, sentando nela. Em seguida, se arrastou até a cabeceira, pondo as pernas na cama e deitou com a cabeça no peito de Matheus.
O loiro o puxou para si, o envolvendo em seus braços, sem abrir os olhos.
_ Eu te amo demais, Patrick! Minha alma sangra quando alguém te machuca. Você não merece nenhum tipo de sofrimento...por menor que seja.
_ Você vai voltar no consultório? Vai continuar com a terapia, príncipe?
_ Vou.
Patrick sorriu com um canto da boca.
_ O problema vai ser dinheiro para conciliar as nossas consultas. Além disso, recebi um encaminhamento para marcar uma consulta com o psiquiatra.
_ Enquanto a isso você não precisa se preocupar. Essa semana, eu vou receber pelo trabalho prestado à pizzaria e a minha aposentadoria está para sair no próximo mês.
Patrick acariciou o rosto do marido.
_ Vai ficar tudo bem, meu amor. Nós vamos superar tudo isso juntos.
Matheus permaneceu em silêncio, abraçando Patrick ainda mais forte, entrelaçando os seus dedos entre os cabelos do amado.