Capítulo 44
A manhã do domingo estava agitada na casa de Renata. A movimentação das pessoas na ajuda da preparação do churrascos, impedia Matheus de dormir. Ele rolava pela cama bufando. Pôs o travesseiro no rosto na tentativa de abafar o barulho, mas era inútil.
Acreditando que o marido estava dormindo, Patrick entrou abrindo a porta lentamente para não fazer barulho.
_ Já acordou, minha vida?!_ perguntou sorrindo, ao ver Matheus com os olhos abertos e uma expressão de mau humor.
Patrick se aproximou empurrando a cadeira de rodas. Vestia um short esportivo azul e a camisa da seleção brasileira.
Ao se aproximar da cama, ficando ao lado dela, acariciou o rosto de Matheus com um sorriso e lhe deu um selinho.
_ Coitadinho. Tá querendo dormir, né meu amor?
_ E pelo visto não vou conseguir.
_ Hum, mô nenê, esse movimento todo é por causa do churrasco. Hoje é a final da copa. Alexandre já pôs as caixas de som no bar e o seu Norberto comprou os fogos de artifício. Hoje é dia de festa, príncipe.
_ Eles estão nesse alvoroço todo, quero se o Brasil perder.
_ Ah, vira essa boca pra lá. _ Patrick repreendeu batendo na madeira da cabeceira da cama._ Seremos hexa! Nada de negatividade.
_ Por que você está vestido como um jogador de futebol?
_ Estou vestido a caráter.
Matheus o olhou de cima em baixo, com um sorriso malicioso. Mordia o lábio inferior.
_ Sabe que eu tenho o maior tesão em jogadores de futebol ruivos e cadeirantes?
_ Hã! Sei!_ Patrick respondeu gargalhando.
_ É sério.
Matheus sentou na cama pegando a mão de Patrick e a levando até o seu pênis, que estava duro.
_ Pra você ver que não estou mentindo.
Ao concluir a frase, puxou a cadeira de rodas para próximo de si e pôs a beijar o pescoço de Patrick, o abraçando pela cintura.
O ruivo sentiu o pau pulsar e enrijecer. O corpo amolecia nos braços de Matheus.
_ Vamos brincar um pouquinho?_ Matheus pedia sussurando no ouvido de Patrick, deslizando a língua sobre a orelha.
_ A casa tá cheia de gente, amor._ Patrick respondeu gemendo.
_ A gente faz quentinho.
Matheus o puxou pela cintura até a cama, e o posicionou sentado em seu colo. Patrick pôs os braços entre o pescoço de Matheus e o beijou.
O loiro enfiou a mão por dentro do short de Patrick, fazendo o ruivo estremesser com a sua mão macia acariciando a sua bunda.
_ E aí? Vamos fazer, gatinho?
_ Só se for bem baixinho para os convidados da sua mãe não ouvirem._ Patrick sussurrou sorrindo, encostando a ponta do nariz no de Matheus.
Beijaram-se com tanta volúpia que os seus corpos se arrepiaram de desejo.
_ Uh, é! As bonitas vão ficar nesse lepo lepo em plena luz do dia, enquanto as escravas Isauras trabalham? Nada disso, meus amores! Podem parar com fodelância e virem trabalhar também. _ Betinho disse na soleira da porta, batendo palmas.
Matheus o lançou um olhar bravo e Patrick virou o rosto para o lado oposto, envergonhado, descansando o queixo no ombro de Matheus.
_ E não adianta me olhar com essa cara de vaca brava, Matheusona. Bora trabalhar, bicha!
_ Você não bate na porta não, linguaruda? Tá pensando que isso aqui é a casa da mãe Joana?
Patrick se arrastou saindo do colo de Matheus, temendo que mais alguém entrasse no quarto e o visse num momento íntimo.
_ Hum! Ela ficou bravinha!_ Betinho disse pondo as mãos na cintura._ Tô "morrendo" de medo! Anda, levantem daí e vêm trabalhar, gatas. Depois as senhoras roçam bundas.
Matheus pegou um vaso no criado mudo e arremessou em direção a Betinho. Ágil, ele fechou a porta na mesma hora, fazendo o vaso se espatifar.
_ Aaaaa! Que louca!
Renata que passava na hora com uma panela na mão, se assustou com o barulho e perguntou o que havia acontecido.
_ Foi a Catarina que arremessou um vaso em mim!
_ Catarina?
_ A sua filha.
_ E por que o Matheus fez isso.
_ A Catarina ficou puta, porque eu a atrapalhei de roçar a bunda com a Bianca. Adoooro_ Betinho disse rindo.
Mesmo contrariado e mal humorado, Matheus cedeu as insistências de Patrick, e levantou da cama para se unir aos outros.
_ Melhore essa cara, Mat. Daqui vamos ser hexa!_ Leninha disse balançando uma bandeira de plástico e apitando, o que deixou Matheus ainda mais irritado.
Com o passar dos minutos, o loiro foi entrando no clima festejo de todos. Tomou banho e vestiu uma bermuda de moletom preta, uma blusa da seleção brasileira e calçou chinelos.
Gargalha com as tonterias ditas por Marquinhos e Wilson, enquanto tomava cerveja.
Um pouco antes do jogo começar, Diego chega na casa trazendo a mãe de Wilson, como esse dormiu de Renata, ele pediu para que Diego levasse a dona Laura.
_ Olha só quem veio, achei que o bonitão não viria. Desde que levou um pé na bunda do filho da Maria facão, ele não pôs mais a cara no sol._ comentou Leninha com Betinho e Renata.
_ Eu também achei que não viria. Mas, que bom que o meu cunhado veio. Eu vou lá falar com ele.
Betinho nada dizia. Apenas observava Diego com os braços cruzados e um copo de plástico na mão com cerveja dentro.
Leninha reparou o olhar perdido e inexpressivo de Betinho e se perguntou o que o garçom estava pensando.
_ A Renata me disse que o Diego vai embora. Vai voltar para São Paulo.
Betinho a olhou arrefalando os olhos.
_ O quê?!
_ O coitado ficou na bed por causa da putaria do Bruninho. Mas, também né, tava na cara que Buba só estavam usando ele para fazer ciúmes pro Jonas. Todo mundo avisou, mas Diego não quis ouvir. Pagou pra ver, deu no que deu.
O olhar de Betinho voltou para Diego, dessa vez não estava inexpressivo e sim, expressava lamentação pela partida do rapaz.
Voltou a olhar para Leninha, quando ela deu um leve tapinha no seu ombro.
_ Você deu molhe, hein Betinho. Deveria ter dado em cima do bofe, antes que Buba metesse as garras nele.
Betinho voltou a olhar para Diego.
_ Não tem nada não, mona. Aquele homem ainda vai ser meu.
_ O que te garante isso? Ele vai embora, bicha!
_ Mas ele vai voltar e vai ser meu! Eu não sei como e quando, mas ele vai ser meu!_ Betinho afirmou pondo o copo de cerveja na boca.
Todos estavam felizes e esperançosos no inicio do jogo. As cornetas tocaram, os fogos de artifício estouravam no céu, fazendo os cachorros latirem e se esconderem assustados.
Alexandre resolveu abrir o bar no dia e pôs a TV de 60 polegadas para que os clientes pudessem assistir os jogos. Os moradores fizeram vaquinhas para comprar carnes e fazerem um churrasco na porta do boteco.
As crianças brincavam nas ruas vestidas de verde e amarelo, jogando confetes para o alto.
O terraço de Renata estava lotado, vizinhos e amigos estavam reunidos e a fumaça da churrasqueira exalava no ar.
Apesar de terem sido convidados, Jonas e Bruno recusaram o convite e foram assistir o jogo na casa de Jorge, que também reuniu toda a família para assistir o jogo comendo churrasco na beira da piscina.
O que começou com festa e alegrias terminou em choros, gritos e xingamentos. Perder a copa para Portugal num placar de 6X2 causou revolta em todo país.
Os Jogadores foram xingados e praguejados nas bocas de alguns homens.
_ Iii, Gente, será que a festa vai acabar por que o Brasil perdeu?_ perguntou Betinho, que estava pouco se importando com a derrota da seleção brasileira, ele queria se divertir.
_ Por mim não acaba nada. Palhaçada esse povo chorar por causa defutebol. Os jogadores mesmo tão tudo rico. Eu vou é comer. _ disse Marília arrumando o prato com as comidas, que estavam na mesa.
_ É isso mesmo dona Marilda! Tá certíssima! A senhora é das minhas.
_ Isso é culpa do safado do Matheus. Moleque pé frio. Tá desde ontem dizendo que Brasil ia perder. Na próxima copa, você não vai sair daquele quarto.
Matheus gargalhou diante da revoltada de Marquinhos.
_ Uh, é, tio, veja pelo lado positivo. É melhor perder para Portugal do que para a Argentina.
_ É melhor perder para ninguém! Essas porras desses jogadores não fazem nada. Tem mais é que ganharem a taça.
_ Portugal já roubou tanto o nosso ouro, que mais um não faz a diferença. _ disse Emily, que também não se importava com a derrota do Brasil.
_ Eu não quero nem saber! Eu não torço mais para o Brasil. Foda-se.
_ Em toda copa você diz isso, papai._ desta vez Emily disse sem tirar os olhos do celular.
_ Mas não torço mais. Vou torcer para a Argentina, o Sinegal... O caralho a quatro.
Com o passar das horas, as pessoas foram se acalmando e entrando no clima da festa. O dom foi ligado no funk e todos dançavam, bebiam e comiam felizes.
....
Bruno retornou ao trabalho radiante de felicidade. Estava mais bronzeado e tinha um brilho olhos e um sorriso nos lábios, quando cumprimentou a todos a funcionários.
Duda o aguardava em seu escritório, sentada com as pernas cruzadas na cadeira em frente a sua.
Eles se abraçaram e a mulher quis saber como foi a viagem de segunda lua de mel do sócio.
Bruno contava sorridente.
_ Eu fico muito feliz que você e o Jonas finalmente se acertaram.
_ Agora é pra valer, Duda. Eu tentei fugir, mas não tem jeito. Eu amo aquele homem.
_ Isso não é novidade para ninguém, né Bruninho. Novidade mesmo é o que tenho para te contar.
_ Boa ou ruim? Ah, é que tô numa vibe tão boa para receber notícias ruins.
_ Digamos que ela é uma notícia paradoxal: ao mesmo tempo que é boa, ela é ruim.
_ Xiii! Manda de uma vez.
_ Então, as eleições acontecerão na semana que vem. Enquanto você esteve viajando, nós fizemos uma série de vídeos entrevistando os candidatos a presidência da república. Os vídeos já estão gravados e estão em processo de edição para ser postados a partir de quarta-feira.
"Cada candidato apresentou as suas propostas e responderam perguntas dos nossos seguidores... as perguntas que eles deixaram na caixinha do Instagram. "
_ Até aí eu entendi. Qual é a parte ruim?
Duda coçou a cabeça, o olhando com um jeito preocupada.
_ Então...nós entrevistamos quase todos os candidatos. Deixamos um para você fazer a entrevista.
Bruno a olhou desconfiado, torcendo para que se trata-se de uma brincadeira.
_ Você não pode tá falando sério...Eu não vou ter que entrevistar...O...ah, não, Duda!
Duda balançou a cabeça confirmando.
_ Amigo, o Ricardo Policarpo será entrevistado por ti.
_ Nem pensar! Eu não vou entrevistar o homofóbico! Você ficou maluca?!
_ Bruno, você é jornalista! Seja mais profissional!
_ Você é muito cara de pau de me dizer isso!
_ Pensa pelo lado positivo. O Policarpo é um candidato polêmico, o vídeo da entrevista dele vai dar um número elevadíssimo de visualizações.
_ E eu, gay assumido, tenho que entrevistar o homofóbico?! Eu já aturei o meu pai por anos e às vezes aturo a minha sogra...agora mais isso! Nem pensar!
_Ai que está o x da questão. Um gay assumido entrevistando um homofóbico. Esse vídeo vai virar um virau. Vai ser o assunto mais comentado do Twitter. Até o número dos nossos seguidores vão subir.
_ Você é a versão feminina de Fabian Sawatzkl.
_ Quem?!
_ Um personagem do filme Ele está de volta.
_ Nunca ouvi falar.
_ Então veja. Esse filme Hitler desperta depois de 70 anos e é encontrado pelo Fabian Sawatzkl, que pensa que ele é um comediante e o leva para a TV, dando palco para que Hitler propague as suas ideias absurdas. É o que você está fazendo, dando palco para um fascista!
_ Ah, para de exagero! Eu não sou a única a fazer isso! A TV com esses programas sensacionalistas que deram palco para Policarpo, por causa desses programas que ele ficou famoso. Eu só quero a minha fatia da torta. Isso é jornalismo, meu amor.
Durante a noite, Bruno não conseguia dormir. Rolava pela cama aflito, impedindo que Jonas dormisse.
Jonas virou para o lado de Bruno um pouco zangado. Sabia o motivo da inquietude do marido, pois Bruno havia relatado para ele sobre a entrevista na hora do jantar.
_ Por que você não desiste dessa droga de entrevista? Assim você dorme e me deixa dormir._ Jonas disse irritado.
_ Me desculpe, amor. Eu vou dormir no quarto de hóspedes para não te incomodar.
Jonas o segurou pela mão e o beijou.
_ Não precisa.
Puxou Bruno para perto de si, e o abraçou. Acariciava o ombro de Bruno, enquanto esse encostava a cabeça em seu peito.
_ Eu não entendo todo esse seu nervosismo em entrevistar o Policarpo. Você, como jornalista, já entrevistou gente igual e pior que ele.
_ Nem eu entendo essa minha aflição.
Jonas o olhou com um sorriso malicioso. Levou a mão de Bruno até o seu pau.
_ Eu posso te acalmar, delícia.
Bruno o olhou sorrindo e mordendo o lábio inferior.
_ Vai ser um prazer.
Levou a boca até a de Jonas e o beijou.
....
Bruno caminhava pelos corredores em direção ao gabinete de Ricardo Policarpo, onde realizaria a entrevista. A cada passo que dava a sua tensão aumentava, sentindo um incômodo que se assemelhava a um misto de raiva e nojo. A garganta estava seca e os dedos gelados como de um cadáver.
Ricardo o aguardava sentado à mesa, com as mãos apoiadas sobre a mesa.
Levantou-se para cumprimentar Bruno e sua equipe esticando a mão para o jornalista.
Bruno respirou fundo, enchendo-se de coragem para retribuir o cumprimento, sentia a presença do seu pai no local e o seu corpo se arrepiava.
Policarpo tinha as mãos bonitas e macias com unhas limpas e cortadas, mas o seu aperto de mão era frouxo.
Tinha 55 anos e um porte atlético, resultado das atividades físicas praticadas desde a sua juventude. Os cabelos eram negros e lisos, com alguns fios grisalhos ao lado próximo as orelhas, estavam bem alinhados com um brilho lustroso.
Era um homem robusto, uma boca tesa e uma postura soberba. Os seus olhos eram inesquecíveis e hipnóticos , de cor azul, intensos, firmes de uma melancolia enigmática, semelhantes aos de Adolf Hitler. Era a primeira vez que Bruno encarava aqueles olhos, a semelhança aos do nazista o deixou perturbado.
O seu sorriso irradiava arrogância.
Todos se preparam para dar a início a entrevista: câmeras, microfones e iluminadores posicionados do jeito adequado para que o vídeo ficasse perfeito.
Bruno agradeceu ao deputado por ceder a ele uma entrevista.
_ É um grande prazer dialogar com a imprensa._ Ricardo dissimulou a mando dos seus assessores, já que o político tem o histórico de ser rude com jornalistas.
_O senhor poderia falar um pouco sobre a sua vida política?
Ricardo Policarpo ingressou na vida política aos vinte e cinco anos como vereador do cidade de Niterói depois de finalizar a sua fracassada carreira no exército, sendo expulso por indisciplina.
Era filho de um coronel do exército brasileiro e ex ministro da época da ditadura militar. A sua entrada na política foi devido à influência do pai e de seus amigos torturadores, que Policarpo tanto admirava.
Em sua carreira foi vereador, deputado estadual e federal.
A sua popularidade cresceu ao conceder várias entrevistas para programas de televisão, onde expressava a sua opinião contra a criminalização da homofobia, alegando que a comunidade LGBTQIA + queria privilégios diante dos heterossexuais. Em muitas vezes, proferiu discursos homofóbicos alegando defender a família tradicional brasileira, o que o rendeu o apoio da igreja católica e evangélicas.
Durante a entrevista, Policarpo apresentou as suas propostas políticas sendo firme nas palavras, com a cabeça erguida demonstrando segurança e organização, defendendo a militarização do ensino público no Brasil e uma educação baseada nos princípios cristãos, não que ele lavasse esses princípios a sério na sua vida particular, já que adorava praticar orgias e não tinha nenhum tipo de generosidade com o próximo. Contudo, Ricardo sabia que essas palavras satisfaria o seu eleitorado cristão tão hipócrita quanto ele.
_ O senhor não acha que a imposição de um ensino cristão iria a contra partida a laicidade do Estado? Até porque nem todos os brasileiros são cristãos.
_ Meu chapa, a grande esmagadora maioria da população brasileira é cristão, e eu vou governar para a maioria.
_ Mesmo assim, deputado, a minoria também faz parte do grupo de cidadãos brasileiros.
_ As minorias tem se adequar a maioria. Nós vivemos num país democrático, onde o que vale o desejo da maioria. Veja o exemplo das eleições, o que determina quem irá ocupar o cargo público são os votos da maioria. As minorias gostando o não no canditado eleito tem que aceitar. O mesmo valerá na minha gestão. As minorias que se curvam ou desapareçam. _ A última frase foi dita em tom de brincadeira, com uma leve gargalhada, o que deixou Bruno muito desconfortável. Ele quis questionar o deputado, mas se controlou mantendo a imparcialidade que a sua profissão exige.
Bruno manteve os olhos firmes em Picarpo, mantendo a seriedade.
_ O senhor além de ter uma extensa carreira política, também é questionado pelas declarações homofóbicas que disse à imprensa. O que o senhor tem a dizer sobre isso.
Policarpo deu um sorriso dissimulado, semicerrando os olhos mórbidos.
_ Eu não sou homofóbico. Apenas não concordo que normalize desvios de conduta sexuais para crianças. O meu compromisso é com a família tradicional brasileira. Cada um faz o que quer da vida, mas que seja dentro de quatro paredes. Não vejo homofobia nisso.
_ O senhor diz que não se considera homofóbico, mas disse em uma entrevista cedida a um programa de Televisão que homossexualidade se cura com "porrada", segundo as suas palavras. O senhor acha que pessoas como eu devem ser "corrigidas" com violência?_ Bruno perguntou contendo a raiva, lembrando da surra que levou do pai, quando esse descobriu a sua sexualidade.
_ Olhando para você assim, não parece ser homossexual._ Policarpo se conteve para não falar "veado"_ Se eu te visse na rua, passaria como um homem normal. O que você faz com o seu companheiro só desrespeita a você e ele.
Ricardo ergueu a cabeça para frente, apoiando os cotovelos na mesa, olhou no fundo dos olhos de Bruno e perguntou:
_ Você acha justo que eu te imponha a minha sexualidade? Que eu te obrigue a gostar de mulheres como eu gosto?
_ Não.
_ Então, o mesmo vale para nós, homens e mulheres heterossexuais. Não é justo que vocês nos imponham a vida íntima de vocês, se exibindo nos lugares públicos, programas de TVs voltados para a família e crianças, nos obrigando a ver isso como algo normal.
Bruno sentia a raiva percorrer o seu corpo como o sangue faz em suas veias. Sentiu a face aquecer e não pode controlar a sua indignação, respondendo de um jeito que aparentava calma.
_ Vejo em seu discurso uma falácia. Nós não queremos influenciar à sociedade. Até porque sexualidade não é um comportamento social, é a nossa natureza. Ninguém se torna um LGBTQIA + por influencia, nós nascemos assim . E além do mais...
_ Aí eu terei que discordar de você._ Policarpo disse interrompendo Bruno. _ Eu tenho mais de 50 anos. Nos meus tempos de juventude, não havia muitos homossexuais. Isso vem crescendo com a mudança de comportamento da nossa sociedade. A liberação das drogas, dos comportamentos promíscuos e a participação da mulher no mercado de trabalho.
"As mulheres receberam o dom divino de educar as crianças. Como agora elas passam a maior parte do tempo fora de casa, os filhos ficam dispostos a más influências externas."
_ Deputado, o fato de lutarmos pelos nossos direitos não significa que estamos querendo impor o influenciar ninguém a ser como nós. Isso é especialidade de vocês héteros, que usam a religião para nos demonizar e influenciar pessoas de que somos ameaças. Quando vocês nos impede de termos representatividade nas artes, nós querendo impor a heteronormatividade, como se só a sexualidade de vocês fossem normais e nós somos malignos.
"O fato de algum LGBT se casar não impedirá que casais heterossexuais fazem o mesmo. Nós só queremos ser felizes nas nossas vidas conjugais e não fazer como vocês, que apesar de não serem os únicos a pagarem impostos, mas querem ser os únicos a se beneficiarem de direitos.
"Não queremos impor nada, deputado. O que queremos é viver as nossas em paz, exercendo os nossos direitos sem ferir os de vocês, queremos andar nas ruas nos sentindo seguros, sem correr o risco de sofrer uma agressão ou morrer por sermos quem somos."
Um silencio incômodo pairou por alguns segundos.
Policarpo olhou para Bruno sério, franzindo o cenho e perguntou:
_ Isto aqui é uma entrevista ou um debate?
_ O senhor tem algum problema com debate?
_ Seja lá o que for isso aqui, entrevista ou debate, está encerrado. Foi um prazer conversar com você, mas tenho muitas coisas para resolver.
Bruno e Policarpo levantaram e apertaram as mãos. O político deu um sorriso de canto, ao perceber que a mão de Bruno estava gelada.
....
Bruno e sua equipe saíram e do gabinete e foram direto para o aeroporto de Brasília. Bruno não via a hora de voltar para o Rio de Janeiro e se livrar daquela energia negativa, que caiu sobre o seu corpo na entrevista.
Após a edição, a entrevista foi postada, rendendo altos números de visualizações.
As opiniões públicas foram divergentes. Muitos apoiaram Bruno por confrontar Policarpo, outros o rechaçaram, chegando ataca-lo em seu Twitter e Instagram pessoal.
Para não expor a família e os amigos, Bruno excluiu as suas contas das redes sociais, criou novas e privadas, onde só a família e amigos íntimos tinha acesso.
A entrevista foi comentada em vários canais do YouTube, que falavam de política e ativismo.
Como Duda havia previsto, o canal dobrou o número de inscritos, o que levou Bruno a concluir que valeu a pena o sacrifício de entrevistar Ricardo Policarpo.
As eleições ocorreram uma semana depois. Os eleitores de Ricardo Policarpo foram votar vestidos com a camisa da seleção brasileira e portavam fotos com armas perto da urna.
Patrick foi acompanhado de Renata e Betinho.
Ao ver um grupo de homens vestidos com uma blusa preta com a estampa do rosto de Policarpo, ele ficou trêmulo, sentindo palpitação.
Lembrou -se da noite que foi agredido e os olhos se encheram de lágrimas. Abraçou Betinho, apertando o máximo que podia.
O garçom e Renata o levaram para o pátio da escola, dando-o um copo d'água gelada e o manteve lá até que os fascistas fossem embora.
No domingo a noite, foi noticiada a vitória de Ricardo Policarpo, conquistando 57% dos votos válidos, a maioria deles ocorrendo nas regiões sul e sudeste do Brasil.
Patrick assistiu o resultado das eleições no terraço de Marquinhos, onde a família fazia um churrasco. Não conseguiu conter o choro e soluçava, deixando Matheus e os outros preocupados.
Alguns vizinhos soltaram fogos de artifício para comemorar, outros gritavam palavras de baixo calão felizes pela vitória de Policarpo.
_ O Brasil tá fodido mesmo. Primeiro perde a copa do mundo, agora perde a dignidade._ disse Betinho antes de beber um gole de cerveja.
....
Ao chegar do trabalho, Matheus se aproximou da porta do quarto e percebeu que o ambiente estava silencioso. Presumiu que Patrick estivesse dormindo e entrou, abrindo a porta devagarinho.
Para o seu desgosto, o marido adormecia sentado na cama, com as costas apoiadas na cabeceira e o celular em mãos.
Matheus se aproximou da cama, retirou o celular de Patrick, pondo-o no criado mudo e sentou ao seu lado, acariciando o seu rosto.
Patrick despertou sentindo os lábios do marido na sua testa.
_ Você sabe que eu não gosto quando dorme sentado. Isso pode fazer mal para a sua coluna.
Patrick não deu o sorriso rotineiro, como sempre fazia ao ver Matheus. Pelo contrário, o seu olhar estava melancólico.
_ Eu não planejava dormir. Sentei aqui para fazer uma vídeo chamada com o Betinho. Aí a ligação acabou e eu fiquei assistindo uns vídeos, mas acabei pegando no sono.
_ Eu não gosto de te ver assim. Tristeza não combina com esse rostinho lindo._ Matheus disse beijando-o._ Foi horrível aquele verme ganhar as eleições, mas a vida tem que seguir.
_ Eu me sinto tão derrotado, amor.
_ Por quê? Você não estava competindo com ninguém.
_ Você sabe que os caras que me agrediram eram fãs do Policarpo. Não foram homens que atentaram contra a minha vida, foi uma ideologia. Ideologia essa que agora tá no poder. Tudo por culpa da ignorância do povo.
_ Não é ignorância. É maldade.
_ Alguns sim, mas outros não. Muitos eleitores votaram nele porque acreditaram nas fake news e foram induzidos pelos seus líderes religiosos. Pessoas simples e ignorantes.
_ Votaram por puro mau caratismo. A pessoa pode ser analfabeta ou muito carola, mas se ela tem um pingo de decência não vota num monstro fascista que induz a violência contra minorias e faz apologia a tortura e ditadura. No fundo elas se identificam com que ele diz...ou não se importam com as minorias atingidas.
Patrick abaixou a cabeça.
_ Isso é verdade.
_ Bom, por mais que odiamos toda essa merda, não podemos deixar que isso nos abale.
_ Eu sei. Mas, sinto medo.
Matheus pôs a mão no rosto de Patrick. Sorriu de um jeito tranquilizador e beijou a sua face.
_ Não precisa ter medo. Eu não vou medir esforços para te proteger de quem quer seja.
Patrick sorriu o olhando nos olhos e disse:
_ Eu te amo!
O ruivo ergueu o corpo para frente e o beijou. Deitou a cabeça no ombro de Matheus, entrelaçou os seus dedos nos do marido.
_ Sabe do que eu sinto falta? De trabalhar. Ter uma rotina de trabalho, fazer o que gosto e me sentir útil. Com a minha aposentadoria eu não fico carente de dinheiro...não é lá uma fortuna, mas como não tenho hábito de esbanjar, até que dar para levar o mês. E ainda deposito na nossa conta conjunta, assim como você vem fazendo nos últimos meses. Mas, eu quero viver sabe? Sair um pouco desta casa...não que eu esteja reclamando. Eu sou muito bem tratado aqui. Mas, eu quero me sentir útil, entende?
_ Entendo. Não tem rolado nenhum freela?
_ Nada.
_ Fica assim não. Prepare uns currículos, que eu vou distribuir para você.
Patrick levantou a cabeça e sorriu. Abraçou Matheus como uma criança agradecida.
_ Amor, você faria isso por mim?
_ Eu faria muito mais por você. Eu daria a minha vida só para eternizar um sorriso nesse seu rostinho lindo.
_ Eu te amo demais, homem do céu!
Patrick segurou o seu rosto com as duas mãos e o beijou. Estava tão feliz com a generosidade do marido, que toda a sua tristeza tinha se dissipado.
Envolveu os braços nos ombros de Matheus e o olhou sorrindo.
_ Eu ainda não tomei banho. Toma comigo, bebê?
Matheus sorriu, encostando a ponta do nariz no de Patrick.
_ Bora, minha ferrujinha. Vai indo na frente que eu tenho que procurar uns papéis aqui para levar para o trabalho amanhã.
_ Tá bom._ Patrick concordou beijando Matheus.
Arrastou-se sentado até a cadeira de rodas, que estava próxima à cama e saiu do quarto feliz.
Matheus levantou e foi até o guarda-roupa procurar os papéis. Olhou nas gavetas e não os encontrava. Lembrou que havia deixado na gaveta do criado mudo e foi até ele.
Estava abaixado revirando a gaveta, quando o celular de Patrick tocou. Matheus arregalou os olhos ao ver o nome na tela: "pai".
O loiro não acreditava que Paulo tinha a audácia de ligar para Patrick depois de todo o mal que fez ao filho.
Antes que Matheus pudesse atender e brigar com Paulo a chamada finalizou e Patrick recebeu uma mensagem do pai.
"Oi, meu filho. Como você está? Estou com saudades e preciso falar com você. Me retorne. Abraços!"
Matheus sentiu um ódio tão grande. Com certeza aquele homem queria perturbar o Patrick como sempre fez, e Matheus permitiria que isso acontecesse.
Apagou a mensagem e a ligação de Paulo, depois de bloquea-lo.
_ Você não vem?_ Patrick disse sorrindo na soleira da porta.
Matheus sorriu para disfarçar a tensão e foi em direção ao marido.
_ Bora, minha vida._ disse saboreando os beijos do ruivo.