Após a reunião com os chantagistas onde Bruna deixou claro que não iria ceder às investidas, todos voltaram para São Paulo. Bruna foi deixada no seu apartamento e não encontrou Renato.
Pouco tempo depois de chegar, Bruna recebe uma ligação de sua mãe ordenando que ela se dirigisse à mansão para uma reunião com Ester, entre outros. Ao chegar na casa e entrar no escritório, dá de cara com Renato, seu pai, sua mãe, Djalma, Ester e Donato.
A reunião foi tensa e deixou explicito que o casamento de Bruna e Renato havia acabado.
Continua ...
Capítulo 09 – Culpa da Genética ?
Bruna estava se sentindo totalmente perdida. Nem mesmo as palavras de consolo de Clara foram suficientes para aplacar o peso que sentia no peito. Por trás da névoa que toldava seus olhos lacrimejantes viu Renato sair sem falar com ninguém. Quando finalmente resolveu segui-lo, foi interpelada por sua mãe que, dizendo que precisava falar com ela, a conduziu para uma sala vizinha à que ocuparam até então.
Na sala se encontravam seu pai e Djalma o que a deixou apreensiva, entretanto, sua mãe pediu para que ambos se retirassem que ela teria uma conversa a sós com a filha:
–(Mãe da Bruna) Quero que você saiba que o que for dito aqui é para ficar entre nós e espero jamais ter que voltar a esse assunto.
Bruna estranhou a firmeza de sua mãe. Ela que sempre demonstrara passividade no relacionamento, aceitando tudo o que vinha do marido. O próprio episódio envolvendo Clara era uma prova disso. Entretanto, ainda em estado de choque com tudo o que ocorrera, confirmou com um simples aceno de cabeça.
–(Mãe da Bruna) Embora ache que já saiba a resposta, tenho que perguntar. O que deu em você minha filha? O que foi que te levou se comportar de forma tão leviana.
–(Bruna) Não sei mãe. Eu não tenho uma resposta para isso. – Respondeu Bruna indecisa enquanto pensava: “Agora sim, para perguntar dessa forma, voltou a ser a mãe que conheço.”
–(Mãe da Bruna) Como assim não sabe. Você é uma moça inteligente e sempre foi uma criança centrada e determinada. Você quer dizer que de repente perde todo o poder de decisão sobre seus atos e age sem pensar?
–(Bruna) É bem desse jeito. – Respondeu Bruna depois de ficar um minuto pensando.
–(Mãe da Bruna) Então é mesmo o que eu temia. – Ouviu a mãe dizer depois de um suspiro.
–(Bruna) Agora é minha vez de perguntar. Como assim? O que você quer dizer com esse temor. Tem alguma coisa aí que eu precise saber? – Com essas perguntas Bruna começou a recuperar seu habitual comportamento e, como conhecia a mãe, sabia que logo estaria no controle daquela conversa. Então ouviu a mãe ordenar:
–(Mãe da Bruna) Sente-se que a conversa vai ser longa.
–(Bruna) Mas eu não posso agora! Tenho que correr para casa. Preciso falar com o Renato.
–(Mãe da Bruna) Qualquer conversa que você tenha com o Renato. – A mulher fez uma pausa antes de continuar: – Com o Renato e qualquer pessoa. Qualquer conversa a respeito desse seu comportamento não servirá de nada. Pelo menos não antes que você ouça o que tenho a lhe dizer.
Bruna encarou a mãe e viu algo novo em seu semblante. Era uma determinação que jamais notara. Entendeu na hora que aquela transformação em sua mãe só podia significar que ela tinha realmente algo muito sério a dizer. Então se sentou e aguardou. Quando a mãe voltou a falar foi para fazer uma pergunta:
–(Mãe da Bruna) Você tem conhecimento de como agi no caso que houve entre seu pai e a Clara?
–(Bruna) Sim. – Bruna resolveu ser lacônica. Queria que a conversa fosse breve.
–(Mãe da Bruna) E nunca se perguntou o motivo de eu ter agido assim?
–(Bruna) Não. – Como a mãe não demonstrasse nenhuma reação à sua resposta, permanecendo como se esperasse por mais alguma coisa, continuou: Deve ter sido para não prejudicar o papai. Ou talvez porque tivesse medo dele.
–(Mãe da Bruna) Nem uma coisa nem outra. Nunca tive medo de seu pai e não prejudicar a ele poderia até ser um bom motivo, porém, não foi nenhuma das duas. Na verdade, era eu a última pessoa que poderia atirar a primeira pedra. Nem em seu pai nem em Clara que, apesar da pouca idade, não foi nenhuma santinha naquela história.
Vendo que Bruna apenas a olhava como se duvidasse, continuou:
–(Mãe da Bruna) Vamos ao início de tudo isso. A história de nossa família é muito longa. Meus antepassados vieram para esse País no século XVII e, segundo o que foi passado de geração em geração, o motivo de se aventurarem a um mundo desconhecido foi o de fugir de um escândalo. Sim. Umas oito gerações atrás já convivíamos com coisas desse tipo. Aqui fizeram fortuna e, entre um escândalo e outro, sempre abafado às custas de muito dinheiro, chegamos aqui nesta sala para termos essa conversa.
“Sim minha filha. Você não é a primeira que perde o controle ao se ver em uma situação excitante e eu, como legítima representante dessa família também cometi meus pecados no passado. As coisas que fiz, comparando com o seu pai, faz dele o guardião da moral e dos bons costumes”.
Bruna olhava para sua mãe com os olhos arregalados. Do que ela estava falando?
–(Mãe da Bruna) Então. Quando seu pai deflorou a Clara, que nem foi a primeira, mas melhor a gente não entrar em detalhes, tudo o que eu tinha que fazer era administrar a situação para evitar problemas. Mesmo porque, seu pai nem é tão culpado assim. Foram muitas as vezes que percebi que Clara se insinuava a ele com frases de duplo sentido, ou deixando que ele tivesse a visão de seu corpinho, aliás, os seios e o bumbum eram os preferidos dele. E como eu não tinha moral para recriminar ninguém, até mesmo porque algumas pessoas que trabalharam aqui foram por mim usadas para satisfazer um desejo que eu não conseguia controlar.
“Seu pai sabia de tudo e, embora me recriminasse, nunca agiu de uma forma que prejudicasse o nosso casamento. Ele sabia que homens e mulheres passaram pela minha cama. Quer dizer, não só a cama, quando mais nova, eu não escolhia local. Bastava uma pessoa, homem ou mulher, demonstrar algum interesse que eu agia no sentido de obter prazer com essa pessoa. Então, antes que você pergunte, não foram apenas funcionários daqui. Muitas vezes acontecia com pessoas estranhas também. A própria Clara me deixava muito excitada com suas provocações, porém, ela estava de olho em seu pai e só fui conseguir levá-la para cama depois que ele a fodeu”.
–(Bruna) Mamãe! Você transava com mulheres também? – Não era bem uma pergunta, era apenas a expressão da surpresa que Bruna sentia.
–(Mãe da Bruna) Transava. Bem, na verdade ainda transo. A única diferença é que agora consigo fazer de uma forma que não traga problemas. E, antes que pergunte, quer dizer que, quando surge o interesse por alguém, se a pessoa não trabalha aqui, logo recebe o convite para isso e aceita. Então, dentro desses muros, fica tudo entre nós e não há riscos, pois todos os que passam por isso levam vantagens no final.
E a mãe seguiu com suas explicações. Pode não ter contado todos os casos de sua longa vida, porém, recordou-se daqueles que foram significativos o suficiente para ficar gravado em sua memória. Pessoas que Bruna convivera durante toda a sua vida tiveram seus nomes citados e ela jamais poderia sonhar que elas poderiam ter algo a mais com sua mãe. Ou seu pai, pois como sua mãe explicou, depois que conseguiram transarem os dois com Clara, e ao mesmo tempo, passaram a compartilhar os prazeres sexuais na cama. Ao final, sua mãe explicou:
–(Mãe da Bruna) Então é isso minha filha. Contei isso só para te ajudar a entender esse impulso que você tem em se entregar para as pessoas que se mostram interessadas em você nesse sentido. Não vou te aconselhar a procurar tratamento especializado, pois eu tentei e, na maioria das vezes, acabava transando com os psicólogos ou psiquiatras, sendo eles homens ou mulheres. Se você achar que deve procurar essa ajuda acho que deve fazê-lo. Só te contei que tentei e não adiantou.
–(Bruna) Mãe. Você quer dizer que ainda hoje acontece essas coisas?
–(Mãe da Bruna) Sim minha filha. Mas antigamente, quando era mais nova, era com mais frequência. As coisas vão mudando, passando de uma coisa que parece ser doentia, com desejo a toda hora, para algo que explode de vez em quando. Na minha idade raramente acontece, mas quando acontece, resolvo com a ajuda de alguém e, quase sempre, na presença de seu pai.
Bruna não sabia o que dizer. Não sabia nem mesmo que tipo de sentimento era aquele. Havia preocupação por saber que esses impulsos ainda estariam presentes em sua vida e a consciência de que não os controlaria e ao mesmo tempo um alívio por saber que seus pais jamais poderiam criticá-la por isso. Afinal de contas, toda aquela conversa com sua mãe poderia ser resumida em uma única frase: “Filha, você pode foder onde quiser, com quem quiser e do jeito que quiser, só não permita que isso venha a público, por favor.”
Depois dessa conversa, ainda atordoada, pediu para que Djalma mandasse alguém dirigir seu carro até sua casa. Ele se prontificou a ir, porém, ela recusou. Temia que, ficar sozinha com ele em um carro, lhe traria recordações da noite que passaram juntos e sabia que não resistiria. Não que se importasse. Sentia-se livre agora que sabia o motivo daquela sua compulsão por sexo. Porém, antes de se poder gozar dessa liberdade, tinha que se resolver com Renato.
De duas coisas estava ciente. Primeiro que Renato jamais aceitaria fazer com ela o mesmo acerto que seus pais tinham. Segundo que ela não conseguiria parar mais. Que a chamassem de puta, biscate, vadia ou qualquer outra coisa. Isso não a incomodaria mais. Lógico que a advertência de sua mãe estava presente em seus pensamentos. Não provocar mais escândalos. Diante desses impasses, só restava uma coisa. Ela tinha que resolver isso com seu marido.
Logo estava em casa que encontrou vazia. Renato não esperara por ela. Calmamente, como se esperasse por isso, foi até seu quarto e inspecionou o guarda-roupas. As roupas dele ainda estavam lá, o que queria dizer que ele não abandonara a casa. Bom, pelo menos não, ainda. Tomou uns comprimidos, uma ducha, colocou uma camisola leve sem nada por baixo e foi dormir.
Acordou no outro dia com alguém chamando. Abriu os olhos e, ainda sonolenta, viu seu marido em pé ao lado da cama dizendo:
–(Renato) Desculpe te acordar. Mas precisamos conversar.
Ela examinou a expressão de Renato cujo cansaço era visível, concluindo que ele sequer dormira. Bruna sentiu o coração doer por estar infligindo aquele sofrimento no homem que amava. Acenou a cabeça concordando e foi tomar um banho e fazer a higiene matinal enquanto ele saia do quarto informando:
–(Renato) Estarei no escritório.
Bruna sabia que até o local escolhido pelo marido já era uma indicação do beco sem saída que se encontrava. Tomou um banho demorado procurando as palavras ideais para dizer a ele como se sentia. Entretanto, que palavras seriam ideais para informar ao próprio marido sobre o que a mãe lhe contara e sobre a impossibilidade de dar a ele a vida regrada que sabia ser a desejada por ele.
Quando chegou ao escritório e se sentou em frente à mesa dele ficou com a sensação que estaria sendo interrogada, como sempre faz um advogado diante de um cliente. Ficou mais tranquila, pois para os advogados não importa se o provável cliente à sua frente está certo ou errado, pois o que ele procura no interrogatório completo que faz, é saber o que pode ser usado para se poder ganhar uma causa e o que tem que ser esquecido porque apenas prejudicaria a sua defesa.
Mas, para sua surpresa, o que se seguiu não foi um daqueles interrogatórios completos. Na verdade, Renato só queria comunicar a Bruna que estaria deixando aquela casa e que ela deveria contratar um advogado, pois no caso deles, não seria aconselhável um único advogado para tratar do assunto.
Quando ele acabou de fazer seu comunicado, ela tentou levar o assunto para o que tinha acontecido, uma vez que, mesmo sabendo ser inútil, queria o seu perdão:
–(Bruna) Tudo bem Renato. Só acho que a gente deveria conversar sobre...
–(Renato) Não temos que conversar sobre isso Bruna. Já fui informado de tudo que aconteceu e como aconteceu. Como não foi a primeira vez e eu não posso garantir que será a última, ficamos por aqui. Tenha um bom dia.
Quando tentou responder ele já se retirava do recinto indo em direção à saída. Bruna procurou se controlar. Não chorou nem entrou em desespero. Uma fria calma a dominava e a ajudou a decidir, contra todas as possibilidades, que antes precisava ter um ótimo café da manhã e depois pensar no que fazer.
E foi o que fez. Ainda vestida apenas com o roupão que jogara sobre seu corpo nu após o banho, foi providenciar seu desjejum. Só depois de se sentir satisfeita foi que iniciou uma análise da situação em que se encontrava. Sabia que, por mais que soubesse da dor que a separação iria lhe causar, não podia continuar. Agora sabia quem era e o que era e não podia se permitir a causar mais dor no homem que amava.
Então se lembrou de uma frase que ouvira de uma amiga que era muito ligada em frases feitas: “Quem ama não desiste do que ama. Desiste do que machuca”.
Entendeu logo que essa frase não se aplicava a ela. O Renato sim estava agindo de acordo com essa regra. Ele nunca disse que deixara de amá-la. Ele estava só se protegendo de sofrimentos piores que aqueles que ela já infligira a ele. E quanto a ela? Estava desistindo por quê?
E a compreensão lhe veio num átimo de segundo e uma leve alteração daquela frase surgiu em sua mente. Foi tão forte que ela teve que pronunciar em voz alta: “Não é por desejar machucar que se persiste, mas se pode muito bem desistir para não machucar a pessoa que ama”. E pensando nisso, completou o raciocínio: “Dessa forma fica pior, pois a desistência vai ser apenas da convivência, pois o amor persistirá”.
Isso dava a Bruna a medida exata do que seriam seus dias futuros e sentiu medo, porém, se amparou na frase de Clara para não mudar de ideia: “Deixe que o tempo é o melhor remédio...”. Então, procurando agir da forma pragmática que era o seu normal, começou a planejar o seu futuro.
Depois de muito pensar, Bruna tomou uma resolução: Ia gozar um ano sabático. Isso. Ela sempre teve vontade de aprender melhor outros idiomas além do inglês que falava bem e sabia que não existe melhor forma de fazer isso do que visitar países que falam esse idioma. Então começou a colocar em prática o plano de viajar. Pensou em voz alta: “Por onde começar? Bom, na situação em que me encontro é melhor deixar isso ao acaso”.
Procurou por seu passaporte e constatou que ele estava vencido. Precisava de um despachante. Não querendo recorrer à Agência de Viagens que atendia aos seus pais, resolveu ligar para alguém que pudesse indicar outro. Lembrou-se de Clara e ligou na mesma hora:
–(Clara) Oi gata! Que bom você ter ligado. Estou preocupada com você. Como você está?
–(Bruna) Estou do jeito que o diabo gosta. Arrasada.
–(Clara) Eu imagino amiga. Mas tenha força. Você é forte e vai superar tudo isso.
–(Bruna) Na verdade Clara, o que eu quero mesmo é sumir. Não bastasse toda essa confusão que me meti, o que significa o fim do meu casamento, ainda tive uma conversa muito esclarecedora com minha mãe ontem. Nossa! Eu jamais imaginei que as coisas fossem assim.
Bruna não estava preocupada em sentir a reação que Clara poderia ter com o fato dela saber tudo, porém, a amiga sabia o que aquilo significava e entendeu que aquela ligação tinha o intuito de ser um acerto de contas, ou algo parecido. Então começou a se explicar:
–(Clara) Olha Bruna. Eu sinto muito tudo o que aconteceu. Mas eu juro que nunca fiz nada para obter vantagens do seu pai como você está pensando. Eu só....
–(Bruna) Alô ... Oiiii ... Alôôô. Exclamava Bruna tentando fazer com que a outra parasse com as desculpas. Quando finalmente Clara interrompeu o que dizia, ela se explicou: – Para com isso Clara. A única coisa que pude concluir com a conversa que tive com minha mãe ontem foi que você não foi nenhuma vítima inocente. Mas, se considerarmos o comportamento dela contigo e com outros empregados e não empregados, você na verdade só foi no embalo.
Depois de muito tempo pensando, ao ponto de Bruna pedir para ela confirmar se ainda estava na ligação, Clara falou num tom cauteloso:
–(Clara) É verdade isso. Não foram poucas as vezes que ficava me tocando vendo sua mãe transando com um homem ou uma mulher.
–(Bruna) Credo Clara. Que maldade. Você poderia pelo menos dizer com alguém em vez de homem ou mulher. Deixe os detalhes sórdidos para outra hora.
A gargalhada que deu ao final da frase foi o suficiente para acalmar de vez a amiga que perguntou:
–(Clara) Então gatinha. O que manda. Se quiser falar sobre tudo o que andou fazendo, estou dentro, e se quiser fazer comigo, também estou dentro. Afinal, sempre tive um desejo enorme de devorar esse seu corpinho.
–(Bruna) Clara ... Para ... Você sabe que eu não posso nem começar a falar nisso.
A jovem mulher entendeu o que Bruna dizia. Sabia que, apesar do tom de brincadeira, havia ali uma grande verdade e lhe ocorreu que também havia uma grande oportunidade. Ela dissera como brincadeira, porém, o seu desejo por Bruna sempre fora real.
–(Bruna) Olha. Antes que você fale mais bobagem, – a voz de Bruna interrompeu os pensamentos excitantes de Clara, – estou ligando porque resolvi que vou tirar um ano sabático e meu passaporte está vencido. Você poderia me indicar alguma agência para providenciar a regularização, os vistos que vou precisar e tudo o mais.
Clara ficou feliz e com um pouco de inveja. Afinal, um ano sabático era tudo que ela precisava. Como ela tinha viajado algumas vezes para o exterior e tinha se utilizado dos serviços de uma Agência, passou as informações para Bruna que agradeceu e se despediram com a promessa de Bruna marcar um barzinho antes de viajar.
Depois de ligar para a Agência que se comprometeu a mandar um moto boy até a residência de Bruna pegar seu passaporte, ela, que se lembrara de que alguns assuntos teriam que serem resolvidos antes da viajem, começou a esboçar seus planos.
Resolveu que assinaria qualquer coisa que o Renato pedisse, tanto com referência à separação, como a uma possível divisão de bens. Abriria mão do escritório de advocacia em favor dele e passaria todas as ações da empresa de seu finado tio para ele, deixando para ele a decisão de o que fazer com o pai dele. Isso não seria tão fácil assim, pois esse era mais um segredo que ela tinha em relação a ele e isso certamente não o deixaria feliz.
Também deixaria para ele o apartamento onde o pai dele residia e mais uma vez a decisão do que fazer com o velho. Quanto ao imóvel onde residiam, já era mais complicado, pois fora um presente de seus pais e ficaria constrangida em entregá-lo. Conhecia seu pai e sabia que isso o deixaria contrariado. Então empurrou essa questão para outro compartimento do seu cérebro e passou a pensar no restante, o que não lhe tomou muito tempo, pois se tratava de bens de uso pessoal e não haveria problemas.
Quanto à sua sobrevivência, o dinheiro gasto em salvar a empresa do tio de Renato, de comprar o apartamento de seu pai que ia para leilão sequer arranhara o montante que havia no fundo que lhe fora deixado pelo avô e que estava disponível a seu favor desde que completara vinte e um anos. Dinheiro não era um problema a ser considerado. Aliás, nunca foi.
Depois de tudo resolvido, Bruna ligou para Edna e pediu para que ela providenciasse a contratação de outra advogada. Como se já esperasse por isso, a velha amiga lhe informou que a profissional, já contratada, que fazia parte de sua equipe e estava na empresa desde a época de faculdade, pois ali ingressara como estagiária, estava apta para assumir todos os seus casos, o que já vinha acontecendo diante de suas ausências nos últimos dias. Bruna concordou com a sugestão, pois assim necessitaria de pouco tempo para passar informações sobre os casos pendentes, sendo que, em alguns deles, a colega tinha até mais informações que ela.
Tudo resolvido. Esperou pelo retorno do marido que, já esperando por isso, não tardou a chegar.
Renato não criou obstáculos quanto ao escritório, porém, informou que a empresa continuaria a pertencer a ambos e que, no futuro, poderiam decidir sobre isso. Ficou possesso quando soube do segredo que Bruna mantinha quanto aos auxílios que prestara a seu pai, até que ela tentou se justificar dizendo:
–(Bruna) O que você queria que eu fizesse Renato? Deixasse seu pai ser preso? Despejado, sem um teto?
–(Renato) Sim. Deixasse o idiota se foder. Tudo o que ele merece é isso mesmo. Se foder.
–(Bruna) Posso até concordar com isso. Mas você precisa reconhecer que não fiz isso por ele. Fiz por você. Achei que você não ficaria nada bem se isso viesse a acontecer. Afinal, você nunca foi do tipo vingativo.
Renato reconheceu que Bruna estava certa e acabou concordando. Porém, reclamou que já não tinha tempo nem para cuidar da sua empresa, quanto mais do outro.
–(Bruna) Você não tem que cuidar de nada. Existem lá profissionais competentes e íntegros que cuidam da direção sem dar nenhum trabalho e, por segurança, uma conceituada empresa de assessoria contábil que faz auditorias esporádicas lá e põe tudo em relatórios. Seu único trabalho será ler esses relatórios e tomar algumas decisões, comunicando ao Conselho Administrativo, do qual você vai ser Presidente. Isso acontece no máximo duas vezes por ano. Vai por mim. Muitas vezes é até divertido.
Não houve resposta e o silêncio do marido indicou a Bruna que aquele assunto estava resolvido. Quanto ao apartamento, Renato não fez nenhuma restrição à intenção dela de não o colocar à venda, informando que, já que não gastara um centavo na sua aquisição, que abriria mão de seus direitos em favor dela.
–(Bruna) Não precisa abrir mão de direito nenhum. Só não quero que ele seja vendido, alugado, emprestado nem nada.
–(Renato) E o que vamos fazer com ele? Vai ficar fechado? Às traças?
–(Bruna) Você pode continuar morando nele.
Bruna já dissera ao Renato que ia viajar. A princípio ele entendera que seria uma viagem breve, porém, o fato de ela permitir que ele continuasse morando ali era um indicativo que não pretendia voltar tão cedo. Isso o incomodou. Incomodou porque, por mais raiva que sentisse, era importante para ela e, sendo a vontade dela, era inevitável. Ele que não ia pedir para ela voltar.
Finalmente, restava a decisão de como conviveriam nos dias restantes até que Bruna embarcasse para sua viagem. Mas isso nem chegou a ser aventado, pois Renato, ao ver que não havia mais o que discutir, informou:
–(Renato) Vou fazer uma mala e vou para um Apart Hotel. Depois que você viajar eu decido se venho morar aqui. – Ao ver que ela o fitava com dúvidas, concluiu: – Não se preocupe, não vou alugar e vender você sabe que não posso.
Falando isso. Dirigiu-se ao quarto que fora do casal, fez as malas e saiu, dizendo apenas um lacônico ‘até logo’.
Não demorou para que Bruna conseguisse a regularização de seu passaporte e os vistos para iniciar a viagem. Sua intenção era ir para a Itália e usar aquele país como ponto de partida, ou seja, faria viagens constantes, mas sempre voltando para Florença. Todos estranharam o fato dela não optar por Roma, porém, nem mesmo ela sabia explicar o motivo de sua escolha.
Durante esses poucos dias, menos de um mês, Bruna tentou um relacionamento amigável com Renato que, fechado em um mutismo impressionante, evitava qualquer tentativa de aproximação. Edna, sua fiel amiga e conselheira também agia demonstrando uma frieza enorme em relação a ela, evitando qualquer assunto que não fosse profissional. Assim, a única companhia que lhe restou foi Clara. Passaram a se encontrar com frequência, reacendendo a chama da amizade que tiveram na infância e na adolescência.
Essa reaproximação, porém, reavivou outros sentimentos em Clara que chegou a confessar que sempre tivera uma queda por Bruna que, embora excitada com a confissão, riu da amiga a princípio, mas depois a alertou:
–(Bruna) Pare com isso Clara. Você sabe o efeito que esses assuntos provocam em mim e no momento não posso deixar me levar. Está sendo muito difícil resistir.
–(Clara) Difícil resistir? Quer dizer então que...
–(Bruna) Sim. Quer dizer que. Só que eu não posso e te peço para não fazer isso comigo.
Clara entendeu os motivos de Bruna e sabia que, não respeitar a eles seria um ato que poderia, no futuro, afastá-la de vez. Sabia que Bruna também a desejava e, sendo ambas bissexuais, aquilo abria muitas possibilidades. Então, melhor esperar.
No aeroporto, ao se despedir de Bruna, Clara falou:
–(Clara) Bem, querida. Então até um dia e que esse dia seja breve. E também que seja um tempo em que os assuntos que te impedem deixem de existir.
–(Bruna) Eu gostaria que esse dia chegasse Clara, mas não tenho muitas esperanças. Adeus.
Três meses depois, Na Grécia:
Bruna estava curtindo as belezas da “Navego Beach”, na ilha de "Zakynthos”, considerada uma das mais lindas do mundo. Deitada sobre uma esteira, óculos escuros que impediam a quem passasse saber se admirava aquela bela paisagem ou cochilava, quando sentiu que alguém parou na sua frente cobrindo o sol. Levou a mão ao rosto e levantou os óculos para ver melhor. Antes de qualquer reação, ouviu a voz doce a lhe dizer:
–(Clara) E então gata. Curtindo os gregos?
Bruna se levantou num único movimento e se atirou nos braços gritando:
–(Bruna) Clara, sua louca. O que você está fazendo aqui?
–(Clara) Não aguentei a saudade. – Respondeu Clara aproximando-se para dar beijinhos no rosto de Bruna.
Num ato de puro reflexo, Bruna moveu seu rosto e recebeu aquele beijo nos lábios, num leve selinho. Clara afastou surpresa seu rosto, porém, não teve tempo para nenhuma reação, pois Bruna enlaçou seu pescoço e a puxou para si. Um beijo, a princípio discreto, foi se intensificando até se transformar numa apaixonada demonstração de tesão.
Nove meses depois, no Brasil:
A jovem estagiária, ainda cursando a faculdade de Direito aguardava na recepção do escritório de Renato. Nervosa, torcia as mãos e não parava de se movimentar na poltrona, como se estivesse sentada sobre um formigueiro. Ao mesmo tempo, era observada por uma mulher ainda jovem, de uns vinte e nove anos que mantinha uma expressão serena e resignada. Não demorou muito tempo para que a Secretária as mandasse entrar e, mal ultrapassou a porta, sua voz estridente pelo nervosismo se fez ouvir:
–(Elisa) Seurenatoeujuroquenãotiveintençãoeusóqueria...
–(Renato) Epa, epa. – Gritou Renato. O que está acontecendo aqui?
–(Advogada) O senhor pediu para que eu trouxesse a Elisa aqui hoje de manhã. Ninguém deu qualquer outra explicação.
Renato então olhou para a garota e riu. Não se lembrava de jamais ter visto alguém tão nervosa assim:
–(Renato) Você é a Elisa?
A garota apenas acenou assentindo.
–(Renato) Você sabe o motivo pelo qual está aqui?
–(Elisa) Deveserpor...
–(Renato) Para... Pode parar... – Controlando a muito custo a vontade de rir, ordenou:
–(Renato) Respire Elisa. Respire senão você vai morrer por falta de oxigênio no cérebro. – A garota olhou para ele e abriu a boca, aspirando o ar. – Isso, respire mais. Assim. Bem devagar. Ótimo, Agora fale:
–(Elisa) Não fui eu. Eu juro. Eu só queria que a Dona Edna soubesse que não fui eu.
–(Renato) Que diabos está acontecendo aqui. – Dessa vez Renato se dirigia para a outra mulher que era a advogada que ocupara o lugar de Bruna.
–(Advogada) Alguém fez uma caricatura da Dra. Edna e deixou sobre a mesa dela. É um desenho inocente onde ela abraça um garoto e os dois estão olhando o sol que se por. O cenário é uma paisagem montanhosa.
–(Renato) E qual o problema disso? – Perguntou Renato serenamente.
–(Advogada) O problema é que alguém chegou antes que ela e escreveu alguma coisa que ela não gostou no desenho e ela ficou possessa. Então hoje estamos em dia de caça às bruxas.
Renato ficou pálido. Escorou-se a mesa e levou a mão à testa. Depois respirou fundo e informou:
–(Renato) Fui eu. Eu que cheguei antes dela, passei na sala e vi o desenho. Então escrevi uma coisa sobre o tempo da faculdade. Mas não é nada demais. – Dizendo isso gritou para a secretaria, uma vez que a porta estava aberta. – Peça para a Edna vir ao meu escritório.
Logo tudo foi esclarecido. A frase de Renato versava sobre o apoio que ela lhe havia dado quando cursavam a faculdade juntos e tinha algo a ver com o episódio da Bruna com o tio dele, portanto, como ele não mencionara nomes, Edna entendeu que poderia ser alguém fazendo alusões descabidas de haver algo entre eles. Resolvido o assunto, ele voltou sua atenção para a garota.
–(Renato) Que tal continuarmos. Você dá conta de falar agora?
A garota olhou para ele e deu um sorriso tímido. Duas covinhas ladeavam seus lábios carnudos e sensuais, apesar da aparência de um anjo. Era linda. Cabelos loiros cacheados, olhos claros e o rosto como se fosse esculpido por um artista tal a harmonia de seus traços. Examinou mais e pode perceber que não dava para avaliar as formas daquele corpo, pois a roupa que ela usava estava toda errada.
O tamanho parecia ser para alguém maior e mais forte que ela, o cumprimento da saia cobria seus tornozelos e a gola da blusa que estava abotoada até o colarinho não se comportava como devia, dando uma aparência ainda mais estranha. Era uma roupa comum e, embora não de mau gosto, podia-se notar que havia pertencido a alguém um pouco maior que ela.
–(Renato) Você está aqui para um convite.
–(Elisa) Convite?
–(Renato) Sim. Quero te convidar para fazer parte do quadro de funcionários e deixar de ser estagiária. Você vai receber o valor correspondente ao de uma secretária Junior, podendo aumentar de acordo com o seu progresso. E a empresa passará a arcar com setenta por cento do valor do seu curso de Direito.
A garota encarava Renato com seu rosto apresentando três argolas perfeitas. Duas formadas pelos olhos arregalados e a outra pela boca que ela abrira e permanecia aberta. Renato esperava que ela perguntasse o motivo da promoção, mas logo percebeu que ela se encontrava incapacitada de falar, então resolveu informar assim mesmo.
–(Renato) Isso tudo porque você se dedicou à pesquisa em um processo e o resultado de suas pesquisas levou a conclusões que ninguém tinha pensando e, por conseguinte, a uma vitória no tribunal. Parabéns e continue assim que ...
Renato olhava constrangido para a sua parceira, tentando afastar o corpinho da menina que se atirara em seu pescoço repetindo sem parar agradecimentos e jurando que ele não ia se arrepender e, somente com a ajuda dela consegui se separar.
A advogada se retirou e Elisa que agora se desculpava pelo ímpeto de seu ato. Mal elas saíram de cena, ele chamou a secretária e ordenou:
–(Renato) Quero que você consiga toas as informações possíveis a respeito dessa menina que saiu daqui. Acho que o nome dela é Elisa. – Na verdade ele tinha certeza de que era esse o nome dela.
–(Secretária) Que tipo de informações Sr. Renato?
–(Renato) De todos os tipos. Se puderem me informar qual o modelo e a cor do sutiã que ela usa a cada dia, eu quero saber. Fica claro assim?
FIM DA SEGUNDA TEMPORADA