— Tem certeza? — perguntaram o Miguel e a Izzy juntos, quase que um coral em desespero.
— Sim. — respondi, mostrando a foto de Klaus, que consegui no aplicativo de mensagens.
— Puta que pariu! — soltou Izzy pegando o celular das minhas mãos e analisando o tio de Miguel. — Amigo, ele é gatinho.
— Gostou? Traz para morar aqui. — Miguel soltou de forma irônica, sentando na cadeira e cruzando as pernas. — Que raiva. Ele sempre me julgou. Como se fosse melhor do que eu. Esse tempo todo, o desgraçado sai com garotos de programa em motéis caros. Sem ofensa. — olhando para mim.
Filho de uma puta. Fico pasmo com a probabilidade de ter comido o tio de Miguel. A transa foi ótima. Não vou mentir, gozei horrores naquele cú rosinha, porém, o coroa é um verdadeiro Sr. Leproso!
Apesar de estar com o rosto inchado e cheio de hematomas azulados, a expressão de Miguel é de pavor. O tio ainda lhe trazia traumas, principalmente, devido a surra que ele levou dos capangas. Gentilmente, a Izzy pega nas mãos dele e segura.
— Ei, garoto zumbi. O teu tio não pode te fazer mal. Ele não sabe que você está aqui. — ela garantiu fazendo carinho nas mãos dele.
— Verdade. Não fica com essa cara de cú. Você precisa se recompor e acabar com o filho da puta. — aconselhei pegando no ombro de Miguel.
— A delicadeza de um elefante. — balbuciou Izzy balançando a cabeça negativamente.
— Valeu, pessoal. Vocês estão sendo mais de 10. — Miguel comentou se sentindo acolhido por nós. — Fora que o William está vindo. Ele vai ser uma grande ajuda no plano contra o Klaus.
— Quem diria, um gay e uma trans, os famosos renegados pela porra da sociedade, ajudando um herdeiro. Meus caros, estamos fodidos. — afirmei, tentando mudar a última frase que soltei, sem sucesso, óbvio.
Quando mais jovem, os pesadelos faziam parte da minha vida. Só que os experimentava até quando acordado. Afinal, um pai alcoólatra e pervertido não era um bom guardião. Nas lembranças, a única que ficava ao meu lado era a vovó, só que, infelizmente, ela morreu atropelada em um dos verões de Salinas.
A partir daquele momento, os pesadelos viraram uma constante. Toda noite. Dia após dia. Mês após mês. Dois anos. Dois anos servindo de saco de pancadas e brinquedo sexual para aquele desgraçado. Por sorte, os vizinhos denunciaram e ele foi preso.
A última lembrança que eu tive dele? O filho da puta algemado e sendo jogado no camburão de uma viatura. "Estou livre", pensei. Ledo engano. No abrigo, as coisas não eram melhores, mas, pelo menos, consegui me impor naquela espelunca.
Depois de um dia cansativo e a janta deliciosa fornecida pelo Miguel, finalmente, o descanso. tomo uma ducha demorada e vou direto para a cama. Ao fechar os olhos, volto para o meu antigo quarto em Salinas. As paredes brancas eram descascadas pelo efeito do tempo. Não tinha uma cama, eu dormia em uma rede.
Olhei para o antigo espelho, que estava todo oxidado, e não era mais um adulto, mas sim aquela criança sofrida e magricela. De repente, o meu pai entra no quarto. A minha respiração fica ofegante e meu coração parece sair pela boca.
Ele está usando um chapéu de palha, então, não conseguia ter uma visão perfeita de seu rosto. O infeliz sentou na rede e chamou pelo meu nome. A sua voz me deu um arrepio. Eu não quero ir, só que os meus pés não obedecem. Eu quero fugir. Eu não quero! Eu sou o teu filho, porra!!! Eu sou o teu filho!!!!
— Eu não quero!! — gritei me debatendo na cama. — Por favor, me deixe ir. Eu imploro. — pedi, chorando, ainda perdido entre o mundo do sonho e realidade.
— Stef. — disse Miguel, que acordou assustado por causa do meu escândalo. — Ei. — sentando ao meu lado e tocando no meu rosto. — Acabou.
Abro os olhos. O Miguel me olha de forma diferente. Não é um olhar julgador ou de pena. Ele limpa às lágrimas que escorrem no meu rosto. Eu não gosto de contato, nem com a própria Izzy, só que o toque dele é diferente.
— Ele me machucava toda noite. Ele era o meu pai. Ele deveria me proteger. Ele me machucava toda noite — revelei, sem ter coragem de olhar para o Miguel. — "É para te ensinar a ser macho". — imitei o meu pai.
— Stef. — a voz doce do Miguel conseguiu me acalmar. — Ele não pode mais te machucar agora. Você está seguro. Eu não vou deixar, ok. — ele parecia determinado.
Porra. O garoto cheio de problemas na vida e eu desenterrando fantasmas do passado. Sento na cama e respiro fundo. Não queria passar a impressão de ser um otário perdedor.
— Você não precisa ser forte todo tempo, Stef. Todos nós temos nossas vulnerabilidades. Sabe o que eu aprendi nos últimos dias? — ele perguntou, tocando no meu rosto e limpando uma última lágrima que escorria.
— Caralho, como eu vou saber? — respondi com outra pergunta, parecendo mais grosso do que deveria.
— Que mesmo o Garoto de Programa mais casca grossa de São Paulo possui um coração de ouro. Debaixo desses palavrões e postura indiferente, existe um garoto sensível. Não tenha medo do passado, porque você nasceu para ter um futuro brilhante. — aconselhou Miguel dando um sorriso e passando a mão no meu cabelo.
— Esse é o momento mais gay que esse quarto já presenciou. — soltei.
— Quer dizer que eu sou o primeiro? — ele questionou de forma engraçada me roubando um sorriso.
Miguel. Por favor, não faça isso. Eu não sou um cara legal. Eu tenho muitos defeitos, alguns incorrigíveis. Sou o temido lobo na pele de cordeiro. Eu sigo o fluxo, esqueceu? Não vou permitir que você invada o meu coração. Somos de universos diferentes. Temos um plano, né?
***
PLANOS PARA AJUDAR O MIGUEL:
1 - DESTRUIR O TIO VIADO;
2 - RECUPERAR OS NEGÓCIOS DA FAMÍLIA;
3 - CADA UM VAI SEGUIR O SEU CAMINHO;
***
No dia seguinte, acordo com azia. É o preço que pago pelas três fatias da lasanha bolonhesa feita pelo Miguel. Ele está nos acostumando mal. Nossa convivência começa a fluir de maneira orgânica. Ninguém atrapalha ninguém, do jeito que eu gosto.
Os dias foram passando e não conseguimos achar uma brecha para investigar o tio do Miguel. Eu prometi ajudá-lo a descobrir algum pobre do Klaus, porém não obtive uma resposta através de mensagens de texto. Será que precisamos ser mais incisivos? Ou é melhor esperar para saber o que o tio viado pretende fazer?
Aos poucos, o rosto de Miguel voltou ao normal. E, caralho, que normal. Os seus olhos são verdes, o nariz afilado e o queixo quadrado. Droga. Eu não posso ter esse tipo de pensamento, o Miguel é apenas um amigo e nada pode mudar esse fato.
Em uma bela tarde de julho. Nós decidimos ir ao Shopping para comprar roupas. Quase tive um acesso de riso ao ver Miguel usando a porra de um disfarce que, era basicamente, um bigode falso, óculos de sol e, claro, um boné da Vans.
— Caralho, Miguel. Tú tá muito ridículo. — quase não consegui terminar a frase, pois o riso não permitia.
— Eu não estou tão ruim. — Miguel se defendeu, olhando no visor do celular e arrumando o bigode.
— Esse bigode é podre. — afirmei, quase arrancando aquela taturana do rosto dele.
O shopping está lotado. Percebi que o Miguel detesta lugares lotados. Por isso, contornamos a multidão em busca de uma loja de roupas. Precisava restabelecer o meu estoque de cuecas.
Finalmente, encontramos uma loja com peças bacanas. Eu não curto cuecas folgadas, o meu saco é rebelde, ou seja, uma bola sempre escapa. Eu sei, informação demais, né? De repente, o Miguel desaparece. Olho em volta e nada do desgraçado. O meu coração começa a acelerar e ando, atravessando todos os corredores da loja.
A sensação de alívio relaxa o meu corpo, quando encontro o Miguel escolhendo algumas jaquetas jeans. Ele possui uma postura diferente, quase como um membro da realeza. Eu gosto de como sua boca fica nos momentos de dúvidas. Miguel costuma morder os lábios como se escolher uma camiseta fosse a coisa mais difícil do universo.
Do nada, o retardado do Miguel se joga no chão. Como se uma bomba fosse explodir dentro da loja. Ele começa a engatinhar, parecia uma criança assustada. Logo agora, que eu elogiei a sua postura.
— Alejandro? — pergunta uma voz conhecida.
Puta que pariu! Caralho! Filho da puta do destino. Sério. Quem escreve a história da minha vida? Com certeza, um psicopata. Na minha frente, Klaus, o tio demoníaco do Miguel, espera por uma reação.
— Olá. — soltei, olhando para o lado e vendo Miguel rastejando pelo chão.
— Quanto tempo. Eu ia te ligar esses dias. Estava precisando relaxar de novo. — contou Klaus, que usava um terno azul marinho, com a camisa branca e a gravata vermelha.
— Claro, bebê. — falei, usando todo o Stefano ator para não quebrar a cara do filho da puta na porrada. — Quando você quiser.
— Amanhã. Umas 20h? Te pego na tua casa...
— Não, não precisa! — exclamei. — Esse horário vou estar na Paulista. Podemos nos encontrar na Paulista. — Porra, Stefano te concentra.
A situação embaraçosa demora para passar. O Klaus fez pequenas perguntas, mas nada que fosse revelar que eu estava encobrindo o seu sobrinho vingativo. Nós despedimos com um abraço estranho para os padrões.
Depois de me livrar do Arnault psicopata, procuro o Arnault vingativo. Depois de um tempo, o encontro entre dois manequins. Tive que rir do bastardo. O Miguel é um cara elegante e sofisticado, ou seja, engatinhar no chão não faz o seu estilo.
— Ele me viu? Ele me viu?
— Claro que não, garoto zumbi. Relaxa. Ou melhor, se joga. — soltei, finalmente, deixando toda a adrenalina sair do meu corpo em forma de riso.
— Isso. Pisa quem está no chão. — protestou Miguel, ficando chateado pela minha reação.
— Sério? — questionei, segurando o riso, sem sucesso. — Eu estou passando mal. — segurando no ombro de Miguel, que revirou os olhos.
— Quer focar, por favor. O que o desgraçado falou?
— Ah, ele quer marcar outro encontro. Acho que podemos usar isso ao nosso favor. — sugeri.
— Mas, precisamos ter cuidado. O Klaus é mais esperto do que parece. — Miguel ressaltou, lembrando que o tio foi o culpado de muitos males em sua vida.
Depois do susto, nós decidimos sair do shopping. Claro, que antes comprei minhas cuecas e uma camiseta perfeita com a frase "Foda-se, eu sou mais eu". Vamos andando até a estação do metrô. Queria ter o poder de ler pensamentos, porque o Miguel fica reflexivo durante o resto da tarde.
— Ei. — chamei a atenção do Miguel. — Quer dividir esse pensamento?
Cala boca, Stefano. Não precisamos desse tipo de interação. Droga, o Miguel está me olhando com aquela expressão de desamparo. Ele parece um poodle que caiu do caminhão de mudança. Os seus olhos verdes ganham uma cor diferenciada devido ao pôr do sol.
— Eu só queria que as coisas fossem mais simples. Desde pequeno, eu sabia dos deveres que teria. O trabalho sempre em primeiro lugar. Estou lutando por um legado que eu não quero, mas que sou destinado. — a voz de Miguel parecia mais melancólica do que o normal.
— É um fardo pesado, mas, caralho, você é um rapaz esperto e capaz de lidar com as porras da adversidade. Cabeça erguida, garoto zumbi. Você tem um império para recuperar. — usei toda a minha eloquência para animá-lo.
— Você tem razão, Stef. Eu vou derrubar o titio querido.
***
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