Odeio brigar com a Izzy. Ela é a coisa mais próxima que eu tenho de uma família. Depois do último programa, decido comprar um presente para me desculpar. A Izzy adora chocolates, então, paro em uma loja de conveniência e compro uma caixa de Ferrero Rocher, os preferidos dela.
No caminho para casa, ensaio um pedido de desculpas, mas nada muito brega. Acho que preciso moderar o meu comportamento. Por um lado, a Izzy tem razão. Eu não posso deixar o passado controlar o meu futuro.
Às 4h, eu chego em casa. O apartamento está silencioso. O único som vem da geladeira e dos aquecedores, afinal, está fazendo 7° graus lá fora. Vou para o corredor na ponta dos pés e coloco o ouvido na porta do quarto da Izzy.
Acho que ela não está. Ótimo, facilita demais o meu pedido de desculpas. Pela manhã, quando a Izzy chegar, vai encontrar uma linda caixa de seus bombons favoritos. Abro a porta e me deparo com uma visão do inferno.
— Caralho! — gritei e fechei os olhos, ao ver a Izzy e Nicky transando. — Puta que pariu. — sai do quarto tropeçando e fechei a porta na esperança de esquecer tal cena. — Caralho. Caralho. — andei de um lado para o outro, ainda na frente do quarto da Izzy.
— Que porra, Stef. — é a primeira coisa que a Izzy fala ao sair do quarto, usando apenas um roupão de seda vermelho.
— Desculpa. Desculpa, caralho. Eu sou péssimo em me desculpar, ok. Você sabe disso. — lamentei, levantando os braços para frente e oferecendo a caixa de Ferrero Rocher. — Eu te amo, mãe. Eu fui um babaca. Eu juro que nunca mais vou usar o teu nome de registro. Eu fui um filho da puta e prometo que não vai mais se repetir. — fiquei meio que prostrado, esperando a Izzy pegar a caixa.
— Pode ir dormir, Miguel. Os surtos do Stef acontecem vez ou outra. — Izzy disse, me fazendo virar para trás e encontrar o Miguel só de samba canção.
— Ok. — soltou Miguel, ainda sonolento. — Acho que é um momento de família. — bocejando. — Boa noite. — voltando para o quarto e fechando a porta.
— Eu te amo. — disse Izzy, voltando sua atenção para mim. — Você é tudo na minha vida. Meu amigo, meu irmão e meu filho. — tocando no meu rosto e acariciando. — Eu só quero que você seja feliz, anjo caído. Você merece isso. A vida te deve isso. Não te menospreza, principalmente quando o teu coração está te guiando.
— Desculpa, mãe. — falei a abraçando, mas me afastando ao lembrar da Izzy fazendo um oral na Nicky. — Ah, e temos que conversar sobre isso. — apontando para o quarto e fazendo careta.
— Estamos vivas, Stef. — disse Izzy. — Merecemos uma noite de diversão. A gay não podia voltar para casa tão tarde. Enfim, até o café. Te amo. — levando a mão até a boca e jogando um beijo imaginário na minha direção.
— Essa informação é demais para um dia cheio. Vou dormir, mãe. — desejei.
Graças a Deus, tudo foi resolvido. Detesto dormir com a sensação de dor no peito. Entro no quarto e Miguel dorme profundamente. Ele é o tipo de pessoa que não acorda por nada no mundo. Qualquer barulho noturno me desperta. O meu corpo está sempre em alerta. O meu "colega de quarto", por outro lado, dorme todo espalhado no colchão. O edredom cobre parcialmente o seu corpo, então, com todo o cuidado eu cubro a parte que falta.
Deixo a minha carteira e celular em cima da mesa de cabeceira. Eu só quero tomar um banho quente e deitar na minha cama. Abro o guarda-roupa e escolho uma das opções mais óbvias, bermuda de flanela e uma camisa antiga do Aerosmith. No chuveiro, a imagem de Miguel deitado me vem à mente. Eu luto contra os meus instintos, porém, eles são mais fortes.
— Traidor. — olhei para o meu pau e lhe dei um pequeno tapa, porque ele está ereto. Não quero me masturbar, pois preciso guardar esperma para o dia seguinte, ou seja, vou ficar à vontade.
Cheiroso, eu deito na cama e olho as últimas notícias do dia. A louca da Izzy postou uma foto dela com Nicky. Na imagem, elas estão bebendo vinho e abraçadas. "Louca", penso, porque sei que os namorados de Nicky podem ser ciumentos, geralmente, sobra pra mim. Eu luto contra o sentimento, mas fico louco só de lembrar que o Miguel está deitado perto de mim.
Finalmente, sou vencido pelo cansaço e me perco nos braços de Morfeu. Há alguns meses, os sonhos com o meu pai ficaram recorrentes. É sempre o mesmo sonho. Eu estou deitado na minha rede, ele abre a porta do quarto e abusa de mim. Vivi esse pesadelo por 4 anos, até a vovó me resgatar.
Ele segura os meus braços. Ele força a entrada na rede. A casa de maneira, típica no Pará, range com os seus movimentos brutos. Eu não consigo respirar. Eu não consigo gritar. Eu só quero que acabe.
— Não. Me solta. Não faz isso, pai. Está doendo. — pedi, aos prantos, enquanto tento me livrar daquela situação.
— Ei, eu estou aqui. — disse Miguel, que estava apoiando a minha cabeça com o colo e fazia carinho nos meus cabelos.
Os olhos do Miguel já estavam desinchados. Eles transmitiam uma paz que nunca senti antes. O Miguel pedia para que eu me acalmasse. Com uma das mãos, ele enxugou minhas lágrimas.
— Eu... eu não queria te acordar. — me desculpei. — De novo.
— Tudo bem. Eu estou aqui. Se você quiser...
— Eu preciso não falar sobre isso. — desviei o olhar de Miguel.
— Você não pode guardar tudo para si, Stef. Eu sou o teu amigo. Eu estou do teu lado. Só quero o teu bem. — Miguel continou acariciando o meu rosto.
— Eu estava na 4º ano do ensino fundamental quando os abusos começaram. O meu pai abusou de mim até minha pré-adolescência. A minha avó materna me resgatou, mas era muito pobre para cuidar de mim. Aos 18 anos, fugi do Pará para São Paulo. Eu só quero esquecer...
— Eu não sei nem o que te falar, Stefano. Você não merecia ter passado por tudo isso. — comentou Miguel, que levantou e pulou por cima de mim.
— Que merda? — balbuciei.
— Eu vou dormir contigo hoje. Não vou deixar nada de mal acontecer. — Miguel se cobriu com o Edredom. — Vira. — ordenou.
— Hum?
De uma maneira rápida, o Miguel me virou e ficamos de conchinha. Eu sou mais alto, então, ele precisou subir um pouco mais. Os nossos corpos estavam colados. A respiração do Miguel funcionou como um sonífero. Ele me abraçou e garantiu que ficaria comigo a noite toda.
Dormimos de conchinha. Puta que pariu. Eu nunca dormi de conchinha com ninguém. Cara, é muito gostoso. O corpo de Miguel me esquenta e não preciso apelar para quilos de edredons. A nossa respiração está em harmonia e nossos corações também. Não queria que aquilo acabasse. Por isso, ao despertar, continuo aproveitando aquela conchinha boa pra caralho.
— Bom dia. — desejou Miguel me assustando.
— Caralho, garoto zumbi. — reclamei, mais nervoso do que gostaria. O meu comentário tirou uma risada abafada de Miguel.
— Desculpa, Stefano. Eu dormi muito bem.
— Eu também. Eu também. — respondi, ainda sendo abraçado pelo Miguel.
— Acho que vou me acostumar a dormir com você. — disse Miguel.
— Er. Miguel, eu quero te agradecer pelas suas palavras. A Izzy e você têm razão. Eu preciso falar mais sobre os meus sentimentos. — agradeci.
— Você é um cara maravilhoso, Stef. Sério. Eu vivo em um mundo de aparências. Pessoas como a Izzy e você são difíceis de encontrar. Infelizmente, o teu pai foi um escroto, mas ele não pode fazer mais controle sobre você. Eu estou aqui. Vou te proteger todas as noites.
O garoto zumbi e a Izzy têm razão. Eu não posso deixar esse velho fuleiro me dominar. Ele morreu. Ele não pode mais me afetar. Preciso dar um jeito nesses sonhos. Eles não pertencem dentro de mim. O que aconteceu comigo no passado, infelizmente, não pode ser modificado, porém, eu tenho controle do meu futuro e não vou deixar de ser feliz por causa desse filho da puta.
Vou ao banheiro e tomo uma ducha demorada. Do lado de fora, o Miguel aguardava a vez dele. Graças aos céus, os machucados dele estavam melhorando. Aos poucos, perdiam a sua coloração roxa e ganhavam um aspecto amarelado. A cada dia, fico mais impressionado com a beleza dele. Não é algo tão óbvio.
O Miguel é franzino, mas todo durinho. Como se o seu corpo fosse esculpido. Ao contrário de mim, ele é branco e peludo, só que os seus pelos são finos, na real, parecem mais penugens. O rosto dele é um espetáculo à parte. Porra, ele nem parece que foi agredido. Fico tão concentrado no Miguel, que nem noto que estou me masturbando, quase gozando.
— Droga! — reclamo, mas continuo a masturbação. O vai e vem é frenético. A água caí sob o meu corpo e a figura do Miguel fica presa a minha cabeça. Gozo e o esperma se mistura à água. — Tchau, filhotes.
Visto a mesma roupa que dormi. O dia não vai ser muito promissor, logo, posso usar o que eu quiser, apesar do meu pau ficar balançando de um lado para o outro. Encontro o Miguel sorrindo e digitando alguma mensagem no celular. Puta que pariu, que boca linda. É carnuda e vermelha. Meu pau dá sinal de vida. Reviro os meus olhos e me sento na cama para não dar bandeira.
— Boa mensagem? — perguntei, pegando o meu celular e abrindo o Facebook.
— O William mandou umas mensagens fofas. — respondeu Miguel, sem tirar os olhos do celular.
— William, o nerd? Sério. Ele é tipo o seu namoradinho? — indaguei, parecendo mais ciumento do que o normal.
— Ele não é o meu namoradinho. É um grande amigo. Digamos que temos uma origem similar.
— Riquinhos e com problemas familiares? — deito na cama e apoio a cabeça em Miguel, que não reage e continua trocando mensagens com William.
— Sim. Muitas expectativas para pessoas comuns. Buscamos refúgio em nossa amizade.
Miguel. Nós não temos nada em comum. Ah, se você soubesse a revolução que está fazendo dentro de mim. Essa porra de sentimento me embrulha o estomago. É algo novo. Algo que eu não consigo descrever. A cada dia, esse sentimento evolui e domina uma parte de mim.
Resolvemos tomar café da manhã. De acordo com o Miguel, tem material para fazer um bolo de chocolate. Eu confesso, não sou um cara da cozinha, entretanto, até esse quesito parece legal quando tem o Miguel envolvido.
Ao entrar na cozinha, a Nicky corre em nossa direção e nos puxa em direção a sala. De início me assusto, porque não estou acostumado em vê-la sem maquiagem. A Izzy já está sentada e olhando para a televisão.
— O que está acontecendo? — questiono.
— Olha para o noticiário, Miguel. — Izzy pediu.
***
Manchete: Para voltar a crescer, Joalheria Arnault fecha lojas deficitárias
Apresentadora: Klaus Arnault é apaixonado pelo universo dos diamantes. Ele que herdou o império Arnault enfrenta uma grande crise e decidiu fechar algumas de suas lojas. Deixando apenas a sede da Avenida Paulista e unidades franqueadas nos shoppings de São Paulo.
Até o momento, mais de 300 funcionários foram demitidos para que o reajuste seja feito. Em nota, Klaus Arnault, afirmou que o sumiço do sobrinho afetou diretamente os lucros das lojas. O herdeiro das joalherias, Miguel Arnault, continua desaparecido, o que exige um esforço maior em dinheiro para detetives particulares e...
***
Miguel desligou a televisão. Izzy, Nick e eu, não dissemos nada. Nem imagino o turbilhão de sentimentos que está passando pela cabeça dele. Porra, o Klaus está disposto a tudo para controlar a empresa da família. Agora, as fotos de Miguel estão espalhadas em todos os sites e pelas redes sociais. O que vamos fazer?