Capítulo 18
Algumas semanas depois...
Abner se agarrava aos lençóis, mordia a fronha do travesseiro para conter os gritos de ódio. Estava nu sobre a cama, deitado de bruços, sentindo as estocadas de Júlio cada vez mais violentas. As potências nas metidas faziam a cama tremer.
_ Rabo gostoso do caralho! Uma delícia pra meter!_ Júlio dizia rouco, beijando o pescoço do amante.
Gruniu como um animal, depositando todo o gozo no ânus de Abner.
Saiu de cima, deixando Abner mais aliviado por finalmente ter terminado.
Com raiva, Abner não conseguiu se mexer. Seguia olhando para a parede, amargurando todo o ódio que carregava no coração.
Ainda nu, Júlio acendeu um cigarro. Abriu a carteira e jogou algumas notas de cem reais em cima do amante. Internamente, adorava alimentar o ego com o fato de poder comprar um corpo para satisfaze-lo.
_ Esse não é o valor combinado._ Abner disse entre os dentes, contando as notas.
_ Vou te pagar semanalmente. E também vai depender da sua performance. Ultimamente, você não anda muito empolgado. Você já foi melhor, bebê.
Júlio sentou na beira da cama e olhou para a tela do celular.
_ Tenho que ir. Vou aproveitar o dia ensolarado para fazer uma surpresa para o meu marido e a minha filha e levar os dois para almoçar num restaurante japonês.
_Que lindo! Vão almoçar como uma linda família feliz! Isso é tão patético!
Júlio sorriu, tentou beijar Abner, mas ele desviou o rosto.
_Não precisa ter ciúmes de mim, bebê. Tem piroca pra todo mundo.
_ Deixa de ser ridículo! Eu? Com ciúmes de você?!
_ Eu tenho que ir. Até a semana. Espero que esteja mais animadinho._ disse Júlio, dando um tapa na bunda de Abner.
Júlio chegou em casa louco para ver o marido. Ainda tinha esperanças de ter algum tipo de reconciliação. Comprou para presentea-lo o seu perfume favorito.
Foi direto para o quarto e não o encontrou. Percorreu toda a casa a sua procura, mas não o encontrou. Pensou na possibilidade de Leandro estar com o amante e ficou possesso de ódio.
Chegou na sala correndo as escadas e encontrou Vanessa sentada no sofá, tomando um sorvete de morango com frutas vermelhas, gargalhando com o vídeo do Whindersson Nunes que assistia na TV.
_ Cadê o seu pai, Vanessa?
_ Eu sei lá._ Vanessa respondeu encolhendo os ombros sem olhar para ele.
_ Como assim não sabe?!_ o tom de voz de Júlio era áspero.
_ Se você que é o homem dele não sabe, eu que vou saber?
_ Não tô gostando do teu tom, garota!_ o grito de Júlio a assustou. Se retirou, subindo as escadas.
Patrícia entrou na sala portando uma vassoura. Tinha a expressão assustada.
_ O que deu nele?
_ Falta de sexo, Patrícia. Se ele tivesse transando não estaria assim. Veja eu mesma estou feliz, felizinha.
Patrícia balançou a cabeça negativamente.
Leandro entrou sorridente no escritório de Valéria balançando um molho de chaves.
_ Bichaaaaaaa! Olha isto.
_ O que é isso, bijuzinho?
_ São as chaves do meu apê.
_ Como assim?!_ Valéria perguntou com uma expressão de espanto.
_ Eu vendi o carro que o Júlio me deu. Com a grana, dei entrada no financiamento em um pequeno apartamento. Não é nada luxuoso. Fica num subúrbio, mas é só meu! Meu, amigaaaaaa! É um grande passo para a minha liberdade!
_ Aaaaaaa! Que tudooooo, amigooooo!
Valéria levantou correndo e se atirou nos braços de Leandro, o abraçando, encaixou as pernas nos quadris do amigo.
_ Por que você não me contou nada que estava comprando apartamento, filho da puta?_ Valéria perguntou, batendo em seu braço._ Não confia mais em mim?
_ Confio e muito. Mas conforme eu prometi, eu vou me libertar do Júlio sem te envolver.
_ Tá! Mas já que já está com as chaves do apartamento, já pode se mudar né?
_ Ainda não. O apartamento ainda tá vazio. Eu vendi alguns objetos de valor, além do carro, para investir na compra do imóvel. Tô sem grana para nada.
_ Eu te empresto.
_ Obrigado, amiga. Mas eu preciso encontrar um emprego. Eu preciso ter uma casa e uma fonte de renda para poder competir com o Júlio pela guarda da Vanessa.
_ Leandro, eu já falei que te contrato!
_ Eu tenho planos. Já saiu o edital para o concurso no banco do Brasil. Eu vou prestar e vou passar. Terei uma renda fixa. Um emprego seguro. Vou poder oferecer estabilidade a minha filha.
_ Você é inteligente e dedicado. Com certeza vai passar no concurso. Mas se não passar?
_ Eu também estou procurando emprego. Já distribui currículos em algumas empresas e procurei algumas agências de emprego mas até agora nada. Eu tô atirando para tudo quanto é lado, uma hora eu acerto em algum alvo.
_ Vai sim. Eu não vejo a hora de te ver livre. Mas quero te ajudar, porra!
_ Já me ajuda muito com o apoio. E além disso, eu vou aceitar sim a sua ajuda para arcar com a advogada. Mas ninguém precisa ficar sabendo. Assim o Júlio não te prejudica.
_ Eu tô pouco me fodendo pra Júlio. Vou pagar a advogada com muito gosto. Para arcar com os processos da guarda da chatinha e com o seu divórcio.
_ Obrigado, amiga. Você é o meu anjo da guarda.
Leandro a abraçou, grato. E ela feliz, esperançosa pela felicidade do amigo.
_ Então, você tá muito atarefada?_ Leandro perguntou sorrindo, segurando as mãos da amiga.
_ Um pouco. Por quê?
_ Eu gostaria de passar a tarde contigo. Nós poderíamos almoçar juntos, aí eu te levava para conhecer o apartamento.
_ Com toda certeza. Vou mandar a Roberta cancelar todos os meus compromissos. Você é a minha prioridade.
O prédio ficava num bairro de classe média baixa, na entrada de uma travessa predominada de residências e apenas uma pequena mercearia na esquina.
O apartamento era pequeno, com dois quartos, um banheiro no fim do corredor, uma minúscula cozinha e área de serviços. A salinha era separada da cozinha por uma baixa parede de tijolos de vidro. Não havia varanda na sala, apenas uma janela de ferro e vidro.
_Mas isto aqui é um ovo, bijuzinho! Só a sua biblioteca é o dobro do tamanho deste apartamento.
_ Foi o que eu pude comprar. E além do mais, só pra mim e Vanessa está ótimo. Eu pretendo fazer algumas reformas, como pintar as paredes e decorar do meu jeitinho, com as minhas plantas e algumas coisinhas. A única coisa que me entristece é que terei que abrir mão de algumas coisas que gosto muito, como a maior parte do meu acervo e do meu piano.
_ Realmente, nem o seu piano e nem os seus livros cabem aqui. Mas, você tá ciente que a patricinha metidinha da sua filha não vai querer largar todo aquele luxo da cobertura para poder viver aqui contigo.
_ Eu sei disso, amiga. E isso parte o meu coração. Se dependesse de mim, eu ficaria rico e daria de tudo para a minha filha. Mas, infelizmente não posso. Eu pretendo decorar tudo com muito carinho. Vou fazer de tudo para deixar este catinho muito aconchegante, principalmente o quarto da Vanessa.
_ Como se ela fosse dar valor pra isso.
_ Eu tenho certeza que no começo, ela não vai gostar nada. Mas, pode se acostumar com isso. Eu mesmo terei que aprender a ser pobre. Os meus pais mesmo nunca foram milionários, mas sempre tiveram uma boa condição financeira. Eu cresci no conforto. Aí depois o Júlio ficou rico e melhorou muito mais. Creio que vai ser complicado cair o padrão de vida. Mas será muito necessário. Acho que vou acabar acostumando a ser pobre.
_Vai nada. Ser pobre é uma merda.
_ Você não tá ajudando.
_ Estou sendo realista. Sabe que eu acho isso muito injusto. Você aturou o Júlio por anos, comeu o pão que o diabo amassou com o rabo nas mãos daquele tóxico e vai sair desse casamento com uma mão na frente e outra atrás. Agora essa putinha desse tal de Abner deve tá levando a maior grana do safado.
_ Nem me fala. Só de pensar nesse tal de Abner, o eu sinto um ódio! Mas um ódio que chega doer o peito.
_ Então não vamos falar na praga. Vamos falar do boy pica de ouro. E o Dimitri?
_ Nem me fala nele.
_ Ele não te procurou mais?
_ Sim. E muito. Eu tive que desligar o celular de tanto que ele tentou me ligar. Quando não é ele é o Júlio.
_ Hum! Dois Boys aos seus pés. Tá poderosa, heim bicha.
_ Eu tô com ódio isso sim. Eu pensei que o Dimitri fosse diferente. Mas é tão escroto quanto o Júlio. Ele me tratou muito mal quando eu recusei de fugir com ele.
_ Sabe de uma coisa? Eu acho esse homem tão estranho! Esse papo de maluco querer matar ele. Isso tá me cheirando a furada. Caia fora e arrume outro macho. Você precisa experimentar outras picas.
_ Eu não vou mentir, amiga. Eu gosto dele. Até sonhei em construir uma vida com ele. Mas estou ficando com medo de tantos segredos.
_ Por isso que acho que você deveria arranjar outros.
_ No momento, eu preciso de grana e não de macho. Aliás, tô com uma fome! Vamos almoçar?
_ Claro. Mas eu escolho o restaurante. Não tô a fim de comer mato.
_ Ah, deixa de ser injusta! Os restaurantes que eu indico têm umas saladas muito gostosas.
_ Gostosa sou eu. Salada é para fazer a gente passar ódio. Desde quando mato tem gosto bom?
_ Eu gosto.
_ Gosta nada, veado. Você se acostumou a comer aquilo, porque a sua mãe o enfiava goela abaixo desde bebê. Hoje você deu um grande passo para a sua liberdade. É dia de comemorar com pizza.
_ E desde quando pizza é almoço?
_ Desde quando eu quiser que seja. Venha.
_ Louca._ Leandro disse sorrindo.
...
_ Onde é que você estava?
Leandro recebeu a pergunta como quem recebe uma pedrada no rosto. Mal pôs os pés em casa, e Júlio o aguardava em frente a porta, com os braços cruzados e um olhar ameaçador.
_ Boa noite para você também, senhor meu marido.
_ Vamos parar com a porra do deboche, que eu não tô para palhaçada!_ Gritou Júlio, com a veia do pescoço alterada e o rosto vermelho.
_ Baixa o tom para falar comigo!_ Leandro respondeu com o mesmo tom de voz.
_ Eu não baixo porra nenhuma! Nem adianta me dizer que estava na casa da mamãe, porque eu fui até lá.
_ Eu não estava na casa da minha mãe. Estava com a Valéria. Você foi na empresa dela? Se foi, sabe que ela também não estava lá.
_ Aquela puta sempre cobre as suas putarias! Eu garanto que não foi aquela vagabunda que arranjou macho pra você! Leandro, Leandro, não brinque com o perigo...eu vou acabar com o desgraçado que você anda dando.
_ Ah, deixa de ser ridículo, Júlio._ Leandro disse se afastando, mas o Júlio o segurou pelo braço.
_ Eu não acredito que justo você foi descer tão baixo de ter um amante! Logo você que vomitava moralidade. Hipócrita!
_ Hipócrita eu?_Leandro deu uma gargalhada._ Hipócrita por quê? O único hipócrita aqui é você, que me trai com o Abner e com deus e o mundo e depois vem me cobrar fidelidade? E se eu tiver um amante, hein? Estarei no meu direito. Se você pode se esfregar com o Abner, eu também posso ficar com quem eu quiser.
Sem esperar, Leandro recebe um soco no nariz, que o faz balançar para trás, perdendo o equilíbrio.
_Filho da putaaaaaaa!_
Irado, Leandro partiu cima de Júlio, erguendo uma das pernas atingindo o rosto do marido com o pé, num golpe giratório, o fazendo cair para trás, com o nariz sangrando.
Sem pensar, vendo Júlio caído no chão, Leandro o puxou gola da blusa, fazendo com que o rosto do marido ficasse rente ao seu. Fechou o punho e disparou um soco no meio do rosto.
_ Você nunca mais ponha essas mãos imundas em cima de mim! Ouviu, seu merda? Eu sempre te respeitei, caralho! Sempre! Não admito que me agrida!
Assustada, Vanessa correu até a escada para ouvir do que se tratava o barulho.
_ Pai! Para pai!_ disse aos prantos e trêmula.
Leandro estava tão nervoso que nem a ouvia. Só gritava:
_ Eu não aguento mais esse inferno! Você não tem o direito de encostar a mão em mim.
_ Paiiii!
Vanessa correu para o quarto e ligou para o avô.
_ Oi, minha linda._ disse seu Genaro ao atender a amada netinha.
_ Vovô, por favor me ajude. Os meus pais estão caindo na porrada! Eles vão se matar!
_ Como assim?
_ Eles estão se agredindo lá na sala.
_ Calma, filha. Fica calma. Que já tô indo pra aí. Fica calma e fique no quarto...ou melhor, ligue para alguém daí do prédio e peça ajuda. Eu já tô indo.
Angela percebeu a expressão de preocupação do marido e perguntou:
_ O que aconteceu?
_ O pior! Leandro e Júlio chegaram ao cúmulo de se agredirem físicamente.
_ Puta que pariu! Eu mato o Júlio se ele machucar o meu filho.
_ Eu vou pra lá agora. Cadê as chaves do carro?
_ Eu vou pegá-las e vou contigo.
Para não perder ainda mais o equilíbrio, Leandro jogou Júlio no chão. Olhava-o com ódio, respirava ofegante, tentando recuperar o fôlego.
Júlio o olhava com o mesmo ódio. Queria destrui-lo nos socos, mas sabia que sairia perdendo no confronto corporal. Por isso se calou.
_ Não tá dando mais! Não tá! Pra mim já deu!
Vanessa correu até a sala gritando:
_ Parem por favor! Vocês vão se matar!
_ Filha! Suba, você não precisa ver isso. O seu pai está descontrolado e pode sobrar pra você._ Júlio disse.
_ Você ainda põe a minha filha contra mim?! Seu desgraçado!
Leandro quis partir para cima de Júlio, mas Vanessa se pôs na frente.
_ Não chega perto dele! Você tá louco!
_ Vanessa, eu...
_ Vai lá pra dentro, pai. Por favor! Você precisa se acalmar antes que cometa uma loucura.
Mesmo com raiva, Leandro se afastou, indo se trancar na biblioteca. Detestava perder o equilíbrio, ainda mais na frente da filha.
Para aliviar a raiva, atirou alguns livros no chão gritando de ódio.
_ O que deu nele, pai?
_ Eu não sei. Leandro anda muito agressivo e descontrolado ultimamente. Não se preocupe, meu amor. Eu não vou deixar que ele te agrida._ Júlio disse a abraçando.
_ Você tá sangrando, pai! Eu vou pegar uma bolsinha de gelo.
O clima estava tenso na casa quando Genaro e Angela chegaram, como se uma neblina amaldiçoada pairasse sobre o ambiente, num silêncio angustiante.
Júlio recebia os cuidados da filha sentado no sofá. Carinhosamente, ela limpava o sangue do rosto do pai, usando um lenço umedecido. A menina chorava, deixando as lágrimas caírem sem esboçar nem som.
O pai estava numa seriedade odiosa, retorcendo a boca e o nariz.
_ Meu deus! A que ponto vocês chegaram!_Angela exclamou pondo as mãos na boca aberta, numa expressão de espanto.
_ Cadê o meu filho?
_ Ou tá no quarto ou na biblioteca, vovô.
_ Mas o que aconteceu aqui? Por que vocês chegaram a esse ponto absurdo, meu Deus do céu?
_ Além do "santinho" do seu filho está me traindo, ele ainda me agrediu! Que péssima educação que vocês deram a ele.
Angela gelou de medo ao ouvir as palavras de Júlio. Tremia por notar que o genro descobriu a traição de Leandro.
_ O que você está dizendo, pai?
_ A verdade, Vanessa. O seu pai sempre me acusou injustamente de infidelidade conjugal, quando na verdade o traíra era ele.
_ O meu filho não faria isso. Eu conheço muito bem o caráter do Leandro.
_ Conhece mesmo, Genaro? Eu vou provar o adultério do seu filho. Vou esfregar na cara de todos vocês a puta maldita que o Leandro é.
_ Júlio, eu sei que você tá nervoso. Mas, se controla na frente da menina. Eu vou lá falar com o Leandro.
_ Ele tá muito nervoso, vô. Não sei se é uma boa ir falar com ele agora.
_ Eu sou o pai dele! Querendo ou não terá que me ouvir.
Os passos apressados de Genaro se aproximavam do quarto de Leandro. Quanto mais próximo, mais tenso ficava. Não se conformava com as atitudes do filho! Ele não poderia ser mais inteligente e segurar o casamento? Mas tinha que pôr tudo a perder. Ah, como Genaro desejava que o filho ainda fosse aquela criança que ele pudesse repreender com algum castigo e tê-lo sob controle.
Encontrou Leandro sentado na beira da cama, fitando um ponto qualquer no chão. Em seu rosto nenhuma expressão. Estava silencioso.
_ Você ficou louco de sair nos socos com o seu marido? Eu não te criei para ser um brutamonte! Você não é esses vagabundos de rua, que resolvem tudo na selvageria! É esse o exemplo que você quer dar para a sua filha?!
Sinceramente Leandro, eu não sei mais o que fazer contigo. Você tá jogando a sua vida fora por causa de quê? De nada! Você não é capaz de fazer nada de útil. Eu gastei rios de dinheiro com a sua educação, paguei os melhores colégios, cursos de línguas, intercambio...pra quê? Pra você se tornar esse zero a esquerda que é? Você só me deu prejuízo. A única coisa boa que fez na vida foi um casamento com um homem rico. E você quer jogar fora a única coisa boa que fez?!
Leandro o olhou com as lágrimas descendo.
_ A única coisa que te importa é a porra do dinheiro?! Você não quer saber o que aconteceu? Não precisa me responder. Você não está interessado. Só quer saber de puxar o saco do Júlio ao seu bel prazer, porque é conveniente pra você.
_ Ah, não diga bobagens. Eu estou sendo realista. E se o Júlio te abandonar, o que você vai fazer da vida? Você não sabe fazer nada. A sua carteira de trabalho é virgem como uma donzela medieval. Acorda para a realidade, Leandro!
_ Saia daqui, Genaro!_ Angela gritou da soleira da porta._ Deixe que eu falo com o meu filho.
_ Vê se põe um pouco de juízo na cabeça desse moleque!_ Genaro saiu com raiva.
Angela trancou a porta para que ninguém os perturbassem. Sentou ao lado do filho e o abraçou.
_ O que aconteceu, meu amor?
_ Você quer mesmo saber? Ou vai começar a defender aquele homem?
_ Eu não vou defender aquele crápula. Eu te conheço, Leandro. Sei muito bem que não o agrediria se não fosse provocado. O que foi que ele te fez?
_ Ele me agrediu. Me deu um soco no rosto.
_ Te machucou?
_ Fisicamente não. Doeu um pouco na hora, mas tá passando. Ele me feriu foi na alma. Júlio me pisou e me humilhou de um jeito que nem sei descrever. Esse homem está me matando aos poucos.
_ Ele descobriu do Dimitri?
_ Eu não sei se tem certeza, mas está desconfiado. Mas isso não justifica o que ele fez! Eu sempre o respeitei! Nunca levantei a mão para ele antes de hoje. Júlio passou de todos os limites. Para ele, eu sou um capacho que ele pode pisar junto com aquele tal de Abner, mas eu tenho aturar quieto... não posso gritar, não posso cobrar, não posso chorar para não incomodar o casal. Agora tenho que me conformar em apanhar?! Tudo por quê? Porque ele tem dinheiro?! Júlio usa a porra do dinheiro para criar uma teia e aprisionar todo mundo. Todos vivem sob os domínios dos seus tentáculos.
_ Júlio é um monstro manipulador! Você não o merece.
_ Você tá falando sério, mãe?! Justo você que sempre passou pano para ele.
_ Como você disse "Júlio passou de todos os limites."
_ Eu aturo tudo isso pela Vanessa. Mas de nada adianta. Ele, com certeza, está fazendo a cabeça dela contra mim.
_ Sim. Está. Acabou de dizer lá na sala que você tem um amante.
_ Que merda!_ Leandro socou o colchão da cama.
_ Filho, se você não quer machucar a sua filha, deve sair desta casa o mais rápido possível._ Angela disse olhando no fundo dos olhos de Leandro. Ela dizia em tom baixo para não ser ouvida por outra pessoa, que poderia está atrás da porta._ Toda essa violência que você está sendo submetido está fazendo mal a sua filha. Esse ambiente tóxico e conflituoso só está fazendo mal a ela e a você. Ainda mais agora que Júlio desconfia desse seu caso. Ficando nesta casa você está correndo risco de vida.
Angela retirou a carteira da bolsa e entregou algumas notas para Leandro.
_ Tome. Procure um lugar seguro e vá. Mas pelo amor de deus, não vá para a casa do seu amante! Se Júlio puder provar o seu adultério vai ser muito pior. Sem contar nas maldades que ele é capaz de fazer. Lá em casa não é a melhor opção para você ir. Não por mim, mas sim pelo seu pai, que pode muito bem ligar para o Júlio avisar que você está lá. Por enquanto, só posso te dar isso. Mas, amanhã vou ao banco retirar mais dinheiro e dou um jeito de marcar com você para te entregar. Só vá embora, meu amor. Aqui não é lugar para você.
_ E a minha filha?
_ Eu cuido dela. E o melhor para a Vanessa é parar de presenciar essas brigas de vocês. Até parar no hospital ela parou por causa disso. Imagina se no meio desses conflitos essa menina tenha um ataque cardíaco?!
Angela segurou a face do filho com as duas mãos e o beijou a testa.
_ Só não diga nada a ninguém que estou te aconselhando a ir embora. Vou ter que fingir que não concordo com o fim desse casamento.
_ Por quê? Você fala de um jeito como se tivesse o rabo preso com o Júlio.
_ Só se cuide. Tá bom, meu amor. E quando for dormir, tranque bem a porta.
_ E aí? Como foi lá em cima?_ perguntou Genaro assim que viu a esposa descer as escadas.
Angela desceu em silêncio, até que estivesse na sala. Vanessa a olhava aflita. Estava esperançosa para que a avó tivesse acalmado Leandro.
_ Ele estava um pouco nervoso. Tomou um banho e deitou. Acho melhor deixá-lo descansar por hoje. Nada que uma boa noite de sono não resolva. Creio que amanhã vocês poderão conversar com calma e civilizadamente como todo casal deva fazer.
_ É uma boa mesmo, vó.
_ E você vá escovar os dentes, vestir o pijama e dormir. Já passou da hora de ir para a cama. Amanhã você deve acordar cedo para ir a aula.
"Vamos embora, Genaro. Deixe que o casal resolva os problemas dele. Já nos metemos demais."
Genaro concordou com a esposa. Despediu-se da neta com um beijo no rosto.
_ Qualquer coisa me ligue, meu anjo. Boa noite, Júlio. Pode deixar que vou fazer das tripas coração para botar um pouco de juízo na cabeça do Leandro.
_ Assim espero._ Júlio respondeu com rispidez e Angela o olhou com ódio.
O casal retornou para a casa, deixando pai e filha na sala no mesmo clima tenso que os encontrou.
_ Pai, aquela história do meu pai ter um amante não pode ser verdade! Ele te ama! E nunca faria isso! Ele nem sai de casa!
Júlio a puxou para um abraço e a beijou na testa.
_ Meu amor, vá dormir. Amanhã, eu vou me acertar com o seu pai.
_ Vai mesmo?
_ Vou sim. Eu te amo, minha flor.
_ Eu também te amo, paizinho. Só quero que vocês dois vivam em paz.
_ Vá escovar os dentes, pôr o pijama e me aguarde que vou te cobrir, como sempre faço.
_ Tá bom...pai, eu ainda tô de castigo?
_ Não. Mas, ainda vamos ter uma conversa sobre isso. Por hoje, só quero que você descanse. Já sofreu demais, coitadinha.
Vanessa o beijou no rosto, antes de subir para o quarto.
....
Vanessa despertou no meio da madrugada sentindo a mão macia de Leandro acarinhando o seu rosto. Abrindo os olhos sonolentos aos poucos, Vanessa pode perceber que ele a olhava com doçura, enquanto chorava.
_ Pai?
_ Eu te amo muito, minha vida. Você é tudo pra mim.
_ Eu também te amo, pai._ Vanessa disse, voltando a fechar os olhos e adormecendo.
Leandro a beijou na face, antes de sair do quarto e apagar as luzes.
A menina despertou ao som do alarme do celular. Mal abriu os olhos e já pegou o aparelho para certificar se havia mensagens. Respondeu algumas das amigas, que nem reparou num envelope que estava na mesa de cabeceira.
Tomou banho e se vestiu como sempre faz pelas manhãs. Penteou os cabelos, jogando para o lado e prosseguiu maquetando o rosto.
Ao descer para a sala de jantar, a mesa do café da manhã já estava posta por Patricia. O seu iogurte de morango com pedaços da fruta, tapioca recheada com queijo Minas e peito de peru e um copo com suco natural de graviola.
Sentou á mesa só. Estava concentrada no smartphone trocando mensagens no grupo de amigos do WhatsApp. Gargalhava com as fofocas e os memes.
Patrícia passou no mesmo instante para recolher a louça do café da manhã.
_ Patrícia, os meus pais estão em casa?
_ Bom dia, Vanessa. Você dormiu comigo?
_ Claro que não! Não curto mulheres e se curtisse não seria você que eu pegaria. Agora me responda.
_ Como você é grossa! Bom, estão sim. O Júlio está dormindo no quarto dele e o Leandro no quarto de hóspedes.
_ Ah, tá. É por isso que não vieram tomar café da manhã. E a Maria? Já chegou?
_ Esqueceu que ela não vem? A Maria disse ao Leandro que tinha consulta marcada agora de manhã e só vai te pegar na escola.
_ É o cúmulo da irresponsabilidade. A Maria é paga para me levar e trazer para aonde eu precisar, não para ficar indo a médicos.
_ Pobre também fica doente, "princesinha."_ Patrícia disse em tom de deboche. O egoísmo de Vanessa a irritava.
_E como eu vou á escola?
_ De táxi, ora!
_ Ah, Patrícia, depois de ter o meu próprio carro eu tenho que andar de táxi. Fala sério!
_ Pior sou eu, que tenho que andar de ônibus todos os dias. Você nem sabe o que é isso. Reclama de barriga cheia.
_ Iiiiih nem vem com o mimimi de pobre coitadinha. Isso me dá uma preguiça. O tempo que quis se encher de filhos, fizesse igual ao meu pai Júlio, que estudou e batalhou para chegar onde chegou. Meritocracia, bebê.
"Que garota estúpida!" Pensou Patrícia.
_ Quer saber? Vou pedir ao meu pai Leandro que me leve de carro. Ele é gato, toda vez que chego na escola com ele as meninas e os meninos ficam babando no meu paizinho. Vou tirar a maior onda.
_ Vai incomodar o seu pai sem necessidade nenhuma, Vanessa. Deixe ele dormir.
_ Ih, vai cuidar dos seus serviços vai. Você não é paga para palpitar.
Vanessa subiu as escadas sorridente.
Bateu na porta de Leandro algumas vezes chamando por ele, mas não foi respondida.
_ Pai? Paizinho?
Sentiu a preocupação tomar conta do seu peito. O coração começou a bater como se fosse saltar para fora do peito.
Ao pôr a mão na maçaneta, percebeu que a porta estava destrancada. Entrou desesperada gritando, ao ver que a cama estava vazia e arrumada.
Suspeita, olhou no guarda-roupa e viu que faltavam muitas peças. "Não pode ser!" Foi o que pensou, ao certificar que nem a chave do carro e nem a carteira de Leandro não estavam na gaveta da escrivaninha.
Abriu todas as portas dos quartos de hóspedes na esperança de encontrá-lo. Não foi bem sucedida. Procurou por ele na academia, sala de cinema e na biblioteca e nada!
Pensou em ir ao próprio quarto. Quem sabe ele estivesse lá para fazer qualquer coisa? A esperança estava ferida, mas não estava morta.
Encontrou o quarto tão vazio o quanto deixou. No entanto, dessa vez, reparou no envelope branco na mesa de cabeceira.
O medo a fez gelar. Sabia que a esperava na carta e isso a apavorava. Caminhou até ele com as pernas bambas e o coração batendo a mil.
Sentou para tentar manter algum resigno de equilibrio. Abriu o envelope e lia com as mãos vacilantes e os olhos em prantos. Ao terminar, agarrou o envelope no peito e correu para o quarto de Júlio, gritando desesperada.
Bateu na porta com violência, a fazendo tremer. Júlio já havia despertado e terminava de fazer a barba. Acabara de sair do banho e estava com a toalha branca enrolada na cintura.
_ Paiiiiiiiii! Abre a porta, Paiiiiiiiii! Abreeeeee!
Júlio destrancou a porta preocupado.
_ O que aconteceu?!
Vanessa se atirou em seus braços, chorando, buscando proteção!
_ O meu pai Leandro foi embora, pai! Ele foi embora!
_ Não pode ser!
_ Infelizmente é verdade! Tá aqui na carta. Ele foi embora, pai.
Revoltado, Júlio se afastou da filha e socou a parede do quarto.
_ Merdaaaaaaaa!