Amigos, esse deve ser o penúltimo ou antepenúltimo capítulo.
Ao ver que visualizei o áudio e não respondi, Leticia digitou apenas um “Paulo?”, que fui ver só depois do filme. Esperei Adriana ir dormir, eu estava ficando algumas noites lá, mas numa cama de solteiro em outro quarto. Postei um diga e ela me mandou um áudio:
-Você está viajando ou se mudou? Quase toda noite olho para o seu apartamento, mas as luxes sempre apagadas, de vez em quando vejo uma luz acessa, mas já bem tarde. O que houve?
-Estou resolvendo algumas coisas pessoais, mas ainda moro aí.
Ela demorou um pouco para responder e disse se poderíamos conversar pessoalmente. Evidentemente que aceitei, mesmo estando um pouco chateado com ela, já que estávamos há três meses afastados por imaturidade dela que não aceitou debatermos mais e acharmos juntos uma solução. Marcamos para o dia seguinte, em meu apartamento, no começo da noite.
Leticia chegou no horário, estava bem maquiada, uma blusa vermelha com um decote generoso e uma calça preta apertada que destacava suas longas pernas e bumbum e de tênis.
Nos sentamos, um em cada sofá, lhe ofereci algo, mas ela disse que não.
-Você me deixou no vácuo ontem, hein? Te mandei o áudio, você visualizou e nem tchun. – Disse sorrindo, tentando quebrar o clima.
-Achei que você fosse mandar algo depois, pois só o trecho da música fica difícil decifrar, além disso, poderia ser aquelas mensagens que a pessoa manda para todos os contatos.
-Não, foi para você mesmo. Estava ouvindo essa música e pensando em você...
-Bonita música, mas o que você tem a me dizer? Algum problema com o Mantovani?
-Não nada dele, queria falar sobre nós, mas você está estranho, talvez seja melhor eu ir.
-A situação é que é estranha, você me bloqueou, sumiu por três meses, é claro que estou um pouco chateado, mas não ao ponto de te tratar mal, quero conversar sim.
Leticia passou a contar que se trancou num dos quartos para focar na pintura de seus quadros e com o objetivo de me esquecer, pois após um relacionamento tóxico, mesmo eu sendo o oposto de Mantovani, o medo de ser trocada por Adriana e que agora tinha o trunfo de estar esperando mais uma criança minha e estar livre fez com que ela quisesse cortar o mal pela raiz se afastando de mim antes de ser largada, por isso não quis mais contato, porque cada vez que eu falava o que sentia, mais machucada ela ficava. Porém, segundo a narrativa de Leticia não adiantou nada se afastar, porque o que tínhamos passado, seja durante as viagens, os dias em que ela ficou em um apartamento comigo escondida de Mantovani e mesmo na nossa convivência de um ficar indo ao apartamento do outro já tinham feito com que ela se apaixonasse.
Foi minha vez de falar:
-Olha, o lance de você me bloquear me deixou muito puto, mas o que você precisa entender é que em um relacionamento sempre haverá problemas pequenos, médios e grandes. Há coisas que realmente não tem como aceitar, como você que ficou anos aguentando toda sorte de canalhices do Mantovani, já eu, no auge do meu desespero quando descobri que Adriana estava me traindo, cheguei a dizer que ela poderia ficar com o amante por um tempo sem se separar de mim, apenas para ver se era algo passageiro ou real, por sorte, ela não topou, pois seria humilhante demais. Situações assim são irreparáveis, mas em outras, também haverá problemas em alguns momentos, o tal do felizes para sempre só existe nas histórinhas e não é simplesmente dando as costas e saindo como você fez, mas tentando achar a solução juntos. Se a gente ficar juntos, é claro que haverá dias em que estarei chato assim como em outros você estará, lógico que teremos nossos dias ruins, nossos problemas e até nossas crises, mas não dá para colocar tudo na mesma prateleira e no primeiro sinal de problema fugir e tentar esquecer. Você jogou três meses fora onde poderíamos ter vivido e curtido tantas coisas, além de me ajudar a resolver a questão com a Adriana.
Leticia estava de cabeça baixa, mas por fim admitiu que não deveria ter terminado, entretanto, ela demonstrava uma falta de confiança muito grande em relação a Adriana, era impressionante, como ela se achava inferior a minha ex, mesmo sendo uma mulher que chamava atenção de todos por onde passasse e que tinha muitos outros encantos quando conversava, mas ela enxergava Adriana como alguém inalcançável, uma mulher que além de bonita, dava palestras e que além de tudo já tinha uma filha minha e havia conseguido engravidar novamente.
Conversamos longamente sobre isso e deixei claro que era com ela que eu queria ficar, não contei que comecei a beber e sofrer, pois meu ego me impediu, também não tive coragem de dizer que Adriana e eu transamos duas vezes, pois na minha cabeça, Leticia e eu estávamos separados, e contar isso pelo menos naquele momento só serviria para mais confusão.
Leticia e eu nos abraçamos fortes, com vontade, mas eu disse brincando:
-Quero te deixar de castigo mais um pouco, amanhã a gente sai para jantar e aí comemoramos nossa volta.
Ela respondeu:
-Tem certeza mesmo que não vai querer matar as saudades?
-Vou, mas amanhã.
Depois desse jantar, voltamos às boas e com direito a uma noite de sexo bem intensa que se estendeu pela madrugada numa maratona que não se limitava à cama, foi no sofá, banheiro, em cima de uma mesa e até no chão. Dormimos exaustos.
Adriana já estava no oitavo mês de gravidez, por isso insisti que fosse ficar na casa dos pais, mas ela deu um jeito, trazendo a irmã para ficar com ela. Deixei meu telefone com Ana e disse que passaria sempre no final da tarde, mas qualquer coisa era para me ligar. Antes disso, minha ex e eu tínhamos decorado o quarto da bebê. Mesmo bem perto do parto, ela seguia focada no tal projeto que eu não entendia bulhufas, mas que segundo a própria dizia, se desse certo, conseguiria vende-lo por uma boa grana.
Nossa filha, Aline, nasceu e ocorreu tudo bem. Felizmente, Leticia ficou de boa com o suporte que tive que dar a Adriana no começo.
Alguns meses depois, Adriana me surpreendeu e disse que queria fazer o exame de DNA para não pairar nenhuma dúvida. Disse que era bobagem, mas ela fez questão e acabei aceitando. Como esperado, eu era o pai.
Leticia e eu fomos ficando cada vez mais próximos, além do companheirismo, nossas transas se mantinham quentes. Às vezes, ela me mandava fotos ou vídeos provocantes durante várias partes do meu expediente, pois assim sabia que quando eu chegasse ela pagaria um “alto preço” pelo atrevimento.
Por meses, as coisas fluíram bem, sem grandes novidades. Quando Aline completou seis meses, em uma de minhas corriqueiras visitas, Adriana me contou que o projeto que tinha desenvolvido deu tão certo que ela acabou vendendo-o para uma companhia internacional. Fiquei estupefato com o valor, pois era algo que eu, mesmo dando o melhor de mim, demoraria uns 15 anos para ganhar, isso na hipótese mais otimista. Cumprimentei-a realmente feliz, pois já sabia de sua competência, mas aquilo foi realmente de cair o queixo.
Durante esses seis meses, Leticia e eu viajamos bastante, algumas eram curtas como para Campos de Jordão, litoral de SP, Rio de Janeiro, mas também chegamos a ir à Argentina e à Europa, onde a pedi em casamento e ficamos noivos. Como já citei em vários pontos, Leticia tinha muitas qualidades e outra que foi se acentuando foi de ser uma grande tiradadora de sarro, adorava fazer piadinhas e trolagens comigo e eu também não ficava atrás e vira e mexe estava armando um susto para cima dela.
Algumas semanas depois de ter me contado que seu projeto tinha dado certo e sido vendido, Adriana, me chamou um dia para conversar e estava bem receosa para entrar no assunto, até que finalmente falou:
-Paulo...Sei que você e a Leticia estão firmes e até falando em casamento, mas...Você tem certeza que a ama mesmo que não é só uma coisa de tesão? Sei que sou a última a poder falar sobre isso, pois fiz o que fiz, mas...De repente...Se ainda existir uma chance para nós, a gente pega nossas filhas e vai morar em Portugal. Sei que teu desejo sempre foi esse, sair desse país por causa da violência, política e ostentação cafona dos que nos cercam. Eu sei que existe uma química entra a gente e seria a chance das meninas terem uma vida bem mais tranquila. Com esse dinheiro que ganhei, mais o que já tenho e o que você tem, podemos viver bem até sem trabalhar lá, claro depois bolamos algo para não ficarmos desocupados o dia todo, mas podemos tirar um tempo só para nós e as meninas e depois seguir por lá. Será um recomeço longe de todos.
Aquilo me pegou de surpresa, esperava que em algum momento, Adriana tentasse me seduzir para transarmos novamente ou até falar algo sobre uma volta, mas do jeito que falou, parecia já ter tudo esquematizado. Antes que eu respondesse, ela me cortou e disse, segurando minha mão:
-Não responde agora, pensa com calma em tudo e depois me fala.
De fato, eu não tinha planos concretos, mas desejava morar na Europa, falávamos disso, pois me incomodava tanto o fato de não poder viver sem medo da violência nem mesmo no interior, quanto o fato de ter que viver numa bolha da classe média/média ou média alta, que considero repugnante, hipócrita e que prefere muito mais ostentar uma bolsa de grife do que um bom livro, com raras, e bota raras, exceções.
E por falar em violência, alguns poucos dias depois de minha conversa com Adriana eu a veria bem de perto. Tive jantar de comemoração de um negócio bem-sucedido e quando voltava para casa, um carro fazendo barbeiragens quase bateu em mim, faltou pouco para um acidente grave, buzinei forte e gesticulei com as mãos, mas o cara que estava ao lado do motorista fez um gesto de foda-se e depois arrancaram com tudo. Em um farol mais à frente, vejo o mesmo carro, parado. Deveria ter ficado na minha, mas meu gênio forte me impediu e xinguei o motorista dizendo para tomar cuidado. O cara revidou com uma escarrada no vidro do meu carro do lado do passageiro. Decidi deixar para lá, mas quando sai da avenida e entrei em uma rua mais erma, fui surpreendido por uma fechada brusca deles, e o motorista, que mais parecia um desses seguranças de boate desceu rapidamente. Abri a porta com tudo, minha intenção era conversar, mas já recebi um violento murro na boca do estômago e pouco depois o outro cara que estava no banco de passageiro, me atacou com algo que não sei se era uma barra de ferro ou um taco, pois me acertou no meio da coluna. Em seguida, me arrastaram para a calçada e me deram muitos chutes e socos, quando eu estava caído. Por sorte, algum porteiro de um dos prédios gritou e eles correram, entraram no carro e sumiram. Porém, o estrago estava feito, fiquei bem arrebentado e acabei apagando na calçada.
Fui levado ao hospital, onde constataram duas costelas quebradas e meu dedo mindinho da mão direita. Tomei alguns pontos um pouco abaixo do olho direito, ficando um formato de C invertido. Além de várias escoriações pelo corpo e inchaço no rosto e olhos. Fui transferido para um hospital melhor, fiquei apagado por quase um dia e quando comecei a acordar sentia muitas dores nas costas e na perna direita, onde apesar dos médicos afirmarem que não estava quebrada, sentia uma dor alucinante e insistia para que me dessem mais analgésicos ou morfina.
Devido aos fortes remédios que tive que tomar para diminuir a dor, passei alguns dias mais dormindo que acordado e quando acordava, estava meio grogue, às vezes falava um pouco, às vezes só via tudo meio embaçado. Leticia e Adriana se revezavam ao lado da minha cama para me ajudar. Elas tinham feito meio que um acordo de paz por um motivo de força maior.
Entretanto, lá pelo sexto ou sétimo dia, quando eu já estava um pouco menos ruim, vamos dizer assim, acordei sendo acariciado e beijado no rosto por Adriana que também segurava minha mão esquerda, nesse momento Leticia entrou no quarto, era um dia frio, por isso, ela estava com um blusa rolê marrom, calça preta apertada e cabelos presos. Notei que ela chegou pelo barulho de seu salto, olhei e percebi que a agora minha noiva estava fuzilando minha ex com os olhos, ao vê-la me beijando no rosto. Sem pensar duas vezes, ela puxou Adriana pelo braço, arrancando-a de perto de mim e a levou para um pouco mais próximo da porta. Era a hora da verdade, Leticia e Adriana se encarariam num embate em que eu, mesmo arrebentado e sonolento, tinha que ouvir.