Continuando...
Na tarde seguinte, Moura chegou com semblante cansado. Carlos e Lucas passaram o dia aguardando notícias. Sandra passou um café e serviu os três. Sentou ao lado do marido pronta pra ouvir o que o advogado tinha a falar.
- Vou ser direto com vocês. Não será um processo fácil, mas de tudo que poderia acontecer, acho que dos males foi o menor. Começou a falar o advogado.
- Deixa de rodeios e vá direto ao ponto. Estamos a ponto de enfartar aqui. Disse Lucas exaltado.
- Deixa de ser infantil e presta atenção. Disse Sandra interrompendo o rompante de Lucas.
- Eu consegui um acordo com a justiça. Se conseguirmos provar a má fé de Augusto, vocês serão inocentados das acusações. Mas, as multas serão pesadas e ainda terão que arcar com a devolução do dinheiro desviado. Disse Moura.
Carlos ouvia tudo em estado letárgico. As palavras não faziam sentindo em sua cabeça. Porque tinha que pagar um dinheiro que nunca pegou?
- O que precisamos fazer, então? Por onde começamos? A atenta Sandra já procurava a solução do problema.
- Eu vou precisar conversar com os funcionários da administração e estudar com atenção o relatório da investigação feito pela PF. Estou também no aguardo dos valores que serão calculados pela justiça. Em poucos dias terei uma resposta mais completa. Consegui também desbloquear a conta pessoal de vocês. Mas, não adianta tentar sacar ou transferir valores altos, eles estão de olho. Contenham-se. Disse Moura enquanto se preparava pra ir embora.
Lucas aproveitou pra ir junto, não sem antes confortar o amigo com algumas palavras de esperança.
- Nós vamos vencer essa batalha. Estamos juntos nessa. Ainda vamos pegar esse canalha do Augusto. Se despediu e saiu acompanhando Moura.
Carlos passou o resto do dia em silêncio com seus pensamentos. Sandra fazia de tudo pra tentar levantar seu ânimo. Sem muito sucesso. Ele havia se fechado em um mundo particular. Continuava de cabeça baixa e envergonhado por fazer sua esposa passar por essa situação. Nem as ligações de seu pai atendia, deixando pra esposa as explicações do complicado momento.
Os dias seguintes foram de expectativa e apreensão. A notícia se espalhou e os comentários maldosos já haviam começado. As pessoas olhavam para Sandra na escola com olhares de julgamento e reprovação. O que culminava em mais vergonha e retração de Carlos, que mal saía do quarto e da cama. Além de todo o furacão que enfrentava, Sandra ainda sentia que aos poucos estava perdendo a cumplicidade do marido, cada dia mais calado e mais fechado em seu mundo particular. Achou melhor fazer um acordo com a secretaria de educação e tirar uma licença sem remuneração, se poupava dos comentários e também a escola enquanto poderia cuidar melhor da avalanche que caía sobre sua vida.
Moura fazia o melhor que podia pra resolver todos os perrengues, com Sandra sempre ligando, indo ao escritório, deixando mensagens na secretária eletrônica. Conseguiu bons depoimentos dos funcionários de Carlos, que o ajudaram muito durante todo o processo.
Chegou o dia da audiência final e como havia virado rotina, Carlos continuava em seu mundo particular de vergonha e timidez da sala para o quarto. Sandra a essa altura já tinha uma procuração assinada pelo marido lhe dando plenos poderes de ação.
Se apresentavam diante do duro juíz, com fama de encarcerar e ser impiedoso com corruptos, Sandra, Moura e Lucas.
- Devo admitir que essa é uma situação nova para mim. Um desvio volumoso de verbas públicas e dois réus que até parecem inocentes. Ficou claro em meu julgamento a boa fé do senhores Carlos, que por ordem médica foi representado pela esposa, e Lucas. Colaboraram com as investigações, se colocaram a disposição da justiça quando foram chamados, os dois tem o respeito e a admiração de seus funcionários. Mas inocência, aqui no sentido de ignorância, não é um atestado de falta de responsabilidade. Como sócios da empresa investigada, os dois terão que arcar com a devolução dos valores desviados e a devida reparação das multas ao erário publico. Os valores serão retirados do patrimônio já bloqueado, e assim que cumprida a burocracia do processo, declaro os réus livres para viverem suas vidas sem nenhum impedimento judicial. Disse o juiz batendo o martelo e terminando a audiência.
Apesar de tudo, Sandra se sentia satisfeita com o resultado. Só queria ir rápido pra casa e contar a novidade ao marido, que permanecia em estado quase catatônico jogado no sofá. A situação não era boa, Carlos parecia um vegetal ambulante nessas últimas semanas. Vivia ou deitado no quarto ou na sala olhando pro vazio. Comia pouco, passava as vezes até 2 dias sem tomar banho, mal falava ou geralmente era monossilábico em suas respostas quase inaudíveis. Ela achava que as boas novas seriam suficientes para fazer com que ele voltasse à realidade. E como era de se esperar, as novidades não tiveram nenhum efeito sobre ele. Ainda assim, ela continuava alí ao seu lado.
A fatura chegou e com ela, 80% do patrimônio do casal se foi. Vendo a completa falta de reação de Carlos, ela resolveu que era hora de tomar as rédeas da situação. Liquidou as ações, vendeu os 2 imóveis que sobraram e suas pequenas participações em empresas do bairro abertas junto aos familiares. Vendeu também a casa grande no condomínio em que moravam e voltaram a antiga residência no bairro de infância.
Com a liberação judicial, era hora de readequar a empresa do marido aos novos tempos. Sem opção, foi obrigada a demitir pelo menos, metade dos funcionários. Como arcou com a maior parte dos custos judiciais, absorveu a parte de lucas como pagamento e o manteve na empresa como seu braço direito, esperando que em breve Carlos encontrasse o rumo e voltasse a realidade.
Com a inocência provada, alguns clientes resolveram continuar seus contratos, outros se foram. Mas, era o suficiente pra recomeçar.
Era preciso definir os novos rumos que iria tomar. Tentou, mais uma vez em vão, conversar com Carlos a noite durante o jantar. Mas, como sempre, ou não entendia suas respostas monossilábicas ou preferia deixar ele quieto em seu canto. A situação estava chegando a um ponto sem volta. Não entendia mais o que se passava na cabeça do esposo, estava preocupada e não conseguia encontrar uma forma de fazê-lo se abrir. Precisava conseguir ajuda, temia pelo seu casamento. Amava o marido e a única solução que vinha em sua mente era tentar reconstruir seu legado. Mas, sozinha seria muito difícil.
Sua primeira atitude foi começar a se cercar de pessoas competentes. Lucas entendia muito do trabalho, mas era um péssimo gestor de pessoas. Trouxe Marisa, uma antiga sócia pra coordenar todo o pessoal de campo junto com lucas. Era formada em RH e de sua total confiança.
Pra capitalizar a empresa foi preciso vender 40% pra alguém que topasse o difícil desafio que se desenhava no futuro próximo.
Gustavo chegou a nova sede disposto a ouvir. Não era sua primeira opção de investimento, mas se encaixava no que ele procurava. E depois da insistência do amigo Moura, resolveu dar uma chance.
Apesar de ainda jovem nos seus 25 anos, tinha acabado de vender sua empresa com muito sucesso. Era dessa nova geração de investidores sempre em busca de ótimas oportunidades.
A primeira impressão de sandra não foi a melhor. O achava muito jovem e inexperiente, sem ainda conhecer seu histórico. Explicou tudo o que queria fazer e suas aspirações para o futuro da empresa. Gustavo ficou bastante impressionado com a desenvoltura e a força de vontade dela.
No fim, sem muitas opções, os dois chegaram a um acordo. O futuro da empresa, pelo menos por enquanto, estava salvo.
Chegando em casa, explicou tudo ao marido. Parecia um monólogo. Sandra falava e Carlos as vezes balançava a cabeça em consentimento, outras parecia que nem estava ouvindo. Ela estava chegando ao seu limite. Já estavam há meses nessa situação e ela resolveu que era hora de dar um susto nele.
- Eu não aguento mais isso. Ou você reage ou eu vou embora. Estou lutando sozinha pra reconstruir a sua vida e você parece que nem quer saber. Ou você melhora ou acabou. Sandra saiu pisando duro e batendo a porta do quarto as suas costas.
Carlos ouvia tudo, mas não encontrava forças pra responder. Para ela, o pior sentimento era o de impotência. Amava o marido e não conseguia que ele reagisse. Apesar de todas as vitórias que havia conseguido nos últimos meses, na justiça e na empresa, estava perdendo o que mais importava. Se sentia incompleta, vazia. Carlos nunca foi um homem dominante e de atitude, mas isso já era demais.
Nessa época ainda não existiam diagnósticos precisos para depressão ou qualquer outro transtorno psicológico. Todos tratavam carlos como um fraco, um maricas. Sem saber o conflito que sua mente travava diariamente. Ele próprio não se reconhecia. E não encontrava forças para se reerguer.
Numa atitude desesperada de recobrar a sanidade, Carlos começou a se automedicar. O que só contribuiu ainda mais para piorar sua situação. Sandra estava cada dia mais descrente da recuperação do marido. Mas, abandoná-lo não era uma opção, após tanto trabalho pra recolocar a vida nos trilhos. O sentimento de derrota no que mais importava, a cada dia ficava mais latente e com isso, o amor que no começo ardeu forte entre os dois, ia se transformando em brasa morna.
Era uma mulher linda, desejada, competente e estava completamente infeliz e solitária, de novo.
Aquela situação já se arrastava há 1 ano. A empresa começou a entrar nos eixos e até já começava a dar um retorno razoável. Até o solteirão lucas estava se acertando com Marisa. Ouvia os comentários maldosos dos familiares e amigos e nem tinha como defender Carlos, ele não se ajudava.
O dia não rendia e o sentimento de aperto no peito só aumentava. Era fim do expediente e estava tão triste que procurou se refugiar na sala de reuniões achando que estaria sozinha, não estava afim de ir pra casa. Abriu a porta já com lágrimas lhe escapando. Sentou na primeira cadeira que viu e deixou o pranto rolar, sem perceber que não era a única pessoa do ambiente.
- O que aconteceu Sandra? Gustavo saía de seu canto preocupado com a sócia.
Ela não sabia onde enfiar a cara de tanta vergonha. Um ambiente profissional não é lugar para dramas pessoais.
- Nossa! Me desculpa. Achei que estava sozinha. Pensei que todos já tinham ido embora. Respondeu ela tentando enxugar as lágrimas e mostrar profissionalismo.
- Tranquilo! Não somos robôs. Todos temos nossos dramas. Respondeu ele solidário. - Eu por exemplo, também estava aqui afogando minhas mágoas. Essa semana tem sido péssima pra mim.
Um sentimento mútuo de empatia tomou conta dos dois. Se falavam o dia todo e nenhum deles havia percebido a dor do outro.
- Se precisar conversar, estou aqui. Sou um ótimo ouvinte. Disse ele lhe estendendo um lenço.
- Você não precisa sofrer comigo. Como você mesmo disse, todos temos nossos dramas. Respondeu ela.
- Tá bom, então! Eu começo. Disse Gustavo - Estava aqui escondido porquê minha noiva resolveu terminar o relacionamento. Assim do nada. Sem explicação. E você? Vai, fala. Isso ajuda. Já me sinto até menos triste.
- No meu caso, é o meu marido. Desde o começo do processo de corrupção, ele virou outra pessoa. Parece que perdeu a alegria de viver. Mesmo depois que conseguimos provar nossa inocência, e até mesmo agora que a empresa esta voltando aos trilhos. Sei lá, parece que alguma coisa se perdeu. Não é mais o mesmo cara que me casei. Não conseguindo conter o choro, sandra desabou outra vez.
Ele deixou que o pranto lhe acalmasse um pouco a tristeza. Esperou paciente ela se recompor. Puxou uma garrafa de whisky que havia escondido ao vê-la entrar.
- Acho que você precisa disso tanto quanto eu. Gustavo disse enquanto lhe servia uma dose.
- Me desculpa. É que tem sido bem difícil. Pensei que reconstruindo seu legado, ele voltaria ao normal. Mas... E o chorou veio de novo.
Ficaram ali em silêncio. Cúmplices da tristeza um do outro.
A partir daquele momento, a parceria entre os dois se tornou mais forte, eram iguais no sofrimento. Começaram a trabalhar lado a lado e a cada dia, mais a empresa se recuperava e crescia. Assim como a admiração entre eles.
Continua...
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