CONFISSÕES QUE ME ALUCINARAM V
Esta é a quinta parte. Finalmente chegamos ao ponto crucial desta história, que certamente não acabou aqui. Os leitores que chegarem agora talvez não entendam bem o que se passa. Sugiro que leiam os relatos anteriores. As partes anteriores podem ser lidas aqui no site, basta clicar sobre o nome do autor.
Capítulo 5 – Efeito cascata
Naquela tarde, esgotado por todo o processo intenso de informações e tensões, envolvido com revelações que Lanna fizera e que eu jamais poderia imaginar, eu acabei adormecendo e só acordei próximo do anoitecer. Tomei um banho de ducha quente seguida de outra fria para ajudar a despertar. Depois fui à cozinha e preparei um sanduíche de queijo com pernil fatiado, rodelas de tomate e uma folha de alface. Molho picante e algumas salpicadas de orégano. Usei fatias de pão de forma, integral, e esquentei na sanduicheira, para derreter o queijo. Bebi suco de laranja, e depois fiz outro café. Estava comendo com prazer quando me lembrei que ainda tinha que assistir ao vídeo que eu havia gravado do meu encontro com a Marina. Enquanto comia deixei o vídeo passando no celular que apoiei encostado num copo. Foi muito bom rever as cenas que foram captadas de um único ângulo, mas com boa visão do que acontecia sobre o sofá e a poltrona da minha sala. Marina era realmente uma delícia de mulher, uma parceira sexual incrível, e de certa forma eu me senti orgulhoso de minha atuação. Fora um sexo muito bom. Aí, me passou pela cabeça, como consolo, a ideia de que apenas por aquela conquista já tinha valido a crise vivenciada. Marina é uma mulher que muitos homens sonham em conquistar. Mas essa ideia de que tinha compensado não era verdade. Nada compensava o caos em que eu me encontrava. Descobri que meu casamento com a mulher que eu amava era uma grande encenação e estava desmoronando ou destruído. Os anos de alegria e satisfação, de lutas e conquistas juntos estavam transformados em escombros, sucata, no meio de falsidades e enganações. Porque era uma história onde o que foi feito escondido desmerecia os atos de uma pessoa que só existira na fachada. Por trás a realidade parecia outra. Parei para pensar qual realidade era aquela? Tentei rever a história aparentemente verídica de Lanna que ela havia revelado e pedido sigilo. Um drama onde uma menina tinha essa relação incestuosa com o pai, iniciada no sexo ainda na puberdade.
E que desde seis anos de idade assistia os pais tendo relações sexuais, e descobriu o sexo de uma forma totalmente imponderável e fora de hora. Certamente ela não teve infância normal. Somando-se a isso, o acidente que mata o pai onde ela tem participação e sente culpa, o trauma da adolescente que se sente culpada, a solidão de perder tanto o pai, sua paixão, como o “mestre” de seu aprendizado sexual. Manter tudo isso em segredo. A partir disso uma dupla personalidade se forma, e se serve de uma mente brilhante e de uma beleza estonteante para usar o mundo de modo egoísta, destrutivo, e não interagir com ele. E quando ela conhece uma pessoa que lhe dedica amor, afeto, carinho, atenção, se casa com ela e cria uma relação profunda, essa vida entra em conflito com sua outra persona, passa a ser corroída pela outra personalidade destrutiva, fria, consumidora e de certa forma doentia de exploração do corpo e dos prazeres sexuais. Consciente ou não, ela destruiu casa, família, marido, casamento. Fiquei pasmo. Ao resumir aquilo, senti muita pena de Lanna, de mim, de Marina, de todos os que de alguma forma ela havia envolvido, seduzido, usado e traído. Era uma história triste, tenebrosa. A primeira reação que eu senti foi de querer distância daquele enredo, daquela pessoa que me deixara tão destruído. Mas ao mesmo tempo eu me lembrei da Lanna carinhosa, dedicada, amorosa comigo e ponderei que as pessoas sempre possuem duas faces. Eu gostava mesmo dela. Talvez Lanna conseguisse se recuperar se a porrada fosse no sentido certo. E considerei que eu não estava destruído, estava magoado, triste, ferido, mas não destruído. Eu era maior do que o problema. Eu também cometera erros, mas não tinham a mesma gravidade e nem intensidade. Eu era um cara liberal, sem muito preconceito, sempre aberto para conhecer novas experiências, disposto e construir uma relação de parceria e cumplicidade com a minha companheira. Mas não dera tempo. Ela não tinha entendido nada, não estava preparada, ou estava em outra sintonia, se autodestruindo, e corroendo tudo de bom que estivesse ao seu alcance, até que o problema surgiu. Nossa crise tinha sido a consequência dela mesma ter chegado em um ponto limite. Analisei meu coração com isenção.
Eu não conseguia ter raiva de Lanna, tinha raiva de situações provocadas por atitudes dela que eu tomara conhecimento, mas agora, olhando para ela com distanciamento crítico, não tinha mais nenhuma raiva de Lanna. Na verdade, nós fomos vítimas de um processo. Me lembrei de Marina, que disse que também não tinha culpado Lanna pelos seus problemas, embora fosse a Lanna o estopim dos mesmos. Marina ainda gostava dela. Havia uma Lanna que merecia ser gostada, admirada, acarinhada e resgatada. E havia uma Lanna detestável que talvez nós pudéssemos ajudar a mudar. Quanto mais eu pensava nisso, mais eu sentia que precisava achar uma forma de dar uma chance para ela. E seria também dar uma chance de salvação a mim e à Marina que de certa forma éramos os únicos que tínhamos bastante conhecimento do caso. Sentado na cozinha, tive um momento de recordação de muitos dos bons momentos que tive com Lanna, nossas relações sexuais sempre muito boas, bem intensas, e com entrega. Nossos momentos mais íntimos de convivência, onde ela se mostrava, amorosa, elegante, doce e meiga. Eu realmente não conhecera a Lanna terrível que vivera oculta, e surgira à tona nos últimos dias e nos depoimentos dela e de Marina. Quando voltei a olhar para o lado bom que eu conhecera, percebi que talvez a única chance de salvação dela seria ter a nossa ajuda e nosso perdão. Não um perdão submisso e sem moral, não um paternalismo sem orgulho, mas um perdão condicional, exigente, oferecendo uma ponte de salvação para que ela abandonasse o inferno em que vivia. Nem percebi que as horas haviam passado. Meu celular tocou e vi que era a tão esperada ligação de Lanna. Atendi e esperei que a imagem dela surgisse na tela. A voz dela estava tímida:
- Oi amor. Tudo bem? Como está?
Lanna estava vestida, maquiada, bonita. Sentada na beira da cama. Mas seu semblante parecia abatido.
- Oi querida. Tudo demolido. Me sinto no meio dos escombros de uma cidade destruída pelos bombardeios da guerra. Foi tudo muito violento. Ao mesmo tempo estou muito determinado. Vou sair dessa.
Lanna sorriu triste. Disse:
- Já chorei demais, não tenho nem mais lágrimas para chorar. Sei que eu tive toda a culpa. Estou também detonada.
Eu ouvi sua fala e não queria dar muito espaço para divagações ou lamentações:
- Bom, você sabe e tem consciência que alimentou, desenvolveu e soltou um monstro destruidor na sua vida e nas vidas dos que gostam de você? E que confiaram em você?
Lanna percebeu minha secura, meu jeito diferente, objetivo, e intuiu que muito provavelmente eu iria dar fim ao nosso relacionamento. Ela disse:
- Sim eu tenho consciência. Eu estava doente, ainda estou. Preciso superar isso. E se você decidir romper e terminar eu vou entender. Estou preparada para aceitar, mesmo que isso seja mais uma grande morte na minha vida. E de certa forma eu que provoco.
Eu esperei em silencio para que as palavras dela tivessem mais peso. Então falei:
- Se você tem consciência, você pode transformar isso. Você tem essa oportunidade, e será sua salvação.
Lanna me olhava emocionada. Novas lágrimas surgiram. Sentia que estávamos avançando para o fim.
Ela pediu:
- Meu amor, espera, por favor, me deixa então, antes de qualquer coisa, fazer um depoimento que eu não quis fazer em vídeo. Quero falar olhando para você. Posso?
Fiquei calado olhando para ela e nada disse. Esperei. Lanna se moveu assumindo uma postura mais firme, menos abatida:
- Você e meu pai foram os únicos homens que me amaram e eu também amei de verdade. Os dois se deram para mim sem julgamento, sem reprimir, sem exigir nada mais do que eu era e podia ser. Vocês me completaram, me fizeram ser absolutamente feliz e sem me forçar a nada. Meu pai entendeu que eu criança já estava influenciada por coisas que aprendi com ele e minha mãe, sem que eles soubessem, e talvez precisasse mais de atenção e de amor do que de repressão e castigo. Ele teve essa percepção.
Lanna estava mais viva ao se expressar:
- Isso da parte dele foi libertador para mim porque aos doze anos eu já tinha noção de que era muito diferente da maioria das outras meninas. Eu conheci uma relação sexual plena de um casal que se ama e se entrega ao prazer, antes de saber fazer uma conta. E meu pai foi um mestre carinhoso, tinha paciência e doçura, enquanto poupava minha mãe de ter que se sentir culpada de alguma coisa. E de repente, essa figura ímpar saiu de nossas vidas por um abuso meu, um capricho de ser provocante, insaciável e irresponsável. Era um dia em que eu e ele estivemos na chácara, fizemos sexo de todas as formas, ele me ensinando coisas e prazeres incríveis, e ao mesmo tempo me orientando com muito amor como deveria conduzir a minha vida e ser muito cuidadosa e discreta. Do mesmo modo que um pai ensina um filho homem a ser macho, meu pai me ensinava a ser mulher total. Voltávamos felizes e saciados, então não tinha nenhum motivo para eu me sentar no colo dele e provocar seu desejo. Foi puro capricho, egoísmo e irresponsabilidade. E provoquei o caos. Morri naquele dia e me amaldiçoei sempre. Quando, dias depois do choque emocional, cheia de remédios, acordei como um zumbi sem propósito fixo, sabia que para viver eu precisava ser forte e insensível. Decidi viver e ser a melhor em tudo para honrar meu mestre. Passei a utilizar minha arte sexual, minha beleza física, minha inteligência, e meu poder de sedução para me vingar do mundo e tirar proveito de tudo que pudesse. E percebi que podia. O sexo total e o prazer sexual para mim sempre foram muito mais fortes do que um ensinamento religioso. Foi onde eu me realizei e descobri um poder incrível. E foi quando eu conheci você que eu achei que tinha descoberto a minha salvação. Você é bonito por inteiro sem deixar de ser normal. Você é você e isso é de uma força enorme. Você, ao contrário da maioria dos homens que conheci, nunca se intimidou ou se sentiu diminuído diante da minha beleza ou desenvoltura sexual. Você simplesmente me acolheu e me gratificou. Nossa interação sexual sempre foi maravilhosa, sempre me satisfez, me possuiu e me deixou extasiada. Você é dos poucos homens que sabe de fato ser um homem completo para uma mulher.
Lanna agora já tinha brilho no olhar quando falava emocionada:
- Você não se acha melhor, você procura ser bom, suficientemente bom, não se gaba ou lamenta do tamanho do seu pau, você simplesmente o usa e muito bem. Ele o complementa porque você sabe que a plenitude do prazer de uma mulher não está só na zona erógena e sexual, mas principalmente no coração e na cabeça. Você faz o sexo com entrega, faz o oral mais gostoso que eu já experimentei, e sabe que eu tenho muita experiência. Você beija de um jeito que o corpo inteiro beija. Suas mãos provocam prazer ao simples toque, o calor vibrante que elas emitem. Marina me disse ontem que nunca pensou que seria tão bom o sexo com você. Em vez de sentir ciúme eu fiquei orgulhosa disso. Você olha e eu sei que me vê, me sente, me deseja, e me fascina. Eu fui novamente muito feliz com você, pensava que nunca seria depois da morte do meu pai, mas fui com você. E mesmo assim, egoísta, insensível, agi de forma errada. É porque eu não estava curada. Por um capricho afetivo, seduzi minha melhor amiga, ensinei a ela a ser muito mais fêmea e sexy do que já era, e tivemos um caso lésbico por puro prazer, por divertimento, por capricho e libertinagem. E por conta disso ela teve seu casamento destruído. Talvez ela tenha deixado de ser totalmente feliz. Mas ela não me cobrou nada disso. Ela continuou me querendo muito bem. Entendo e lhe sou muito grata. Marina é outra pessoa que sabe amar. Por isso eu aceitei que ela fosse ver você. Eu fiz tudo errado. Percebi que eu me comporto como uma viciada em droga, que se destrói, destrói os outros em volta, mas não consegue deixar o vício. Parece que eu estou traçada para destruir essas dádivas que recebo, eu faço tudo para levar isso ao caos, como se fosse um destino trágico de minha alma. Pensei muito, apesar de não ter nenhuma inclinação religiosa, que talvez fosse um castigo, uma penalização divina pelo meu jeito devasso de ser. Mas eu cheguei aqui no limite e cansei. Preciso mudar, preciso me livrar dessa maldição. Talvez a forma de conseguir o perdão da alma de meu pai seja aceitar que basta. Eu estou decidida a pôr um fim.
Lanna parou secamente. Aguardou por uns segundos e retomou:
- E independentemente do que você decidir fazer, eu só peço três coisas – o seu perdão, o seu silêncio, e o seu bem. Quero que seja feliz. Muito feliz.
Enquanto via Lanna falar compulsivamente, eu percebi que ela estava realmente se exorcizando, não era falso, não era algo estratégico, ela estava inteira ali. Senti também que eu estava emocionado. Algumas lágrimas corriam dos meus olhos. E na hora me bateu uma suspeita angustiada de que ela podia pensar em fazer alguma besteira. Gelei. Vi que ela parou de falar e me olhava, segurando o choro. Na mesma hora me veio a certeza de que precisava agir rápido. E ser definitivo:
- Lanna, minha querida, ouvi você e muito me emocionou isso. Mas acho que palavras não resolvem mais. Os estragos que vivenciamos e as feridas que abrimos, não se curam com palavras. Você sabe que só poderemos salvar e recuperar o enlevo que um dia tivemos, se de fato aterrarmos todo o passado, eliminar essa parte definitivamente, e fizermos uma reconstrução.
Lanna soltou um suspiro emocionado. Mas nada disse. Continuei:
- Quero que façamos juntos um trato. Você aceita?
Lanna me observava meio desconexa. Parecia distante. Eu sabia que ela balançava em dúvida entre a ideia que talvez tivesse concebido para o desfecho e essa nova ponte que era oferecida. Eu disse:
- Acho que nós dois, merecemos uma chance, mesmo que sejam processos individuais separados. Por um tempo precisaremos nos refazer, cada um em seu próprio processo. Somente depois que fizermos isso poderemos pensar em reconquistar algo comum. Pensei hoje que podemos criar uma nova história. Mas o passado deverá ser transformado em insumo, em adubo de uma nova vida. Eu quero muito isso, primeiro porque a quero muito bem, e acho que poderei voltar aceitar você, caso descubra isso novamente. No momento a ferida está ainda aberta. Em segundo lugar, porque você sabe que se isso que tivemos foi tão importante para você, você vai lutar para conquistar tudo de novo. É a sua chance! Está entendendo?
Lanna parou de chorar. Estava atenta. Passou a mão pelas faces limpando lágrimas. Parecia que uma cor de vitalidade lhe voltava à face, os olhos ganharam certo brilho. Ela fez que sim, e repetiu:
- Sim, entendo. Perfeitamente.
Eu retomei:
- Vamos fazer metas curta, e seguir por partes. Cada meta dará direito a outra. Primeiro você tem que responder claramente se está disposta a tentar. Se eu mereço de você este empenho. E se você se acha capaz de nos dar isso.
Lanna parecia mudada, ganhava novamente brilho e esperança. Ela disse:
- Me diga.... Prometo. Eu juro. Por favor me ajude.
- Lanna, você tem ainda pouco mais de um mês de curso aí. Nesse tempo, você vai procurar um profissional, psicólogo ou terapeuta, a quem possa contar tudo, e ver que tipo de ajuda pode ter. Acho isso essencial. Algum ou alguma profissional com quem você possa se abrir e receber ajuda. Esse é o primeiro passo. Você ganha bem e pode pagar. Se dê esse cuidado. E da minha parte, minha exigência, é que você terá que escrever, toda semana, alguma coisa que resuma o que você sente, o que você idealiza, e o que você está descobrindo. Escrever é melhor do que gravar. Faz você pensar nas palavras. Ajuda. Tem que escolher as palavras. Se quiser escrever sobre o passado, suas lembranças, se livrar de sofrimentos, pode, sempre ajuda a rever processos.
Esperei que ela me respondesse:
- Ah, amor, que coisa mais linda, você me ajudando.... Sim, por favor, eu concordo, aceito, farei como você diz.
Eu prossegui:
- Quem vai se ajudar é você. Eu sou apenas um lado. Eu apenas participo. Vamos por partes. Para todos os efeitos, aqui na nossa casa e na nossa vida nada muda, até você voltar. Manterei tudo como era antes. Mas entre nós estamos em tratamento. Talvez quando você retornar, a gente já tenha um termômetro dessa transformação, e as cicatrizes possam estar fechadas. Espero muito isso pois gosto muito de você.
Lanna estava soluçando convulsivamente. Chorava sem conseguir falar. Eu disse:
- Hoje podemos ficar por aqui. Quando você quiser mande mensagem e respondo. Acho melhor a gente se falar menos e dar esse tempo. O que acha? Teremos que suportar essa fase.
Lanna concordava com a cabeça. Disse que sim, fungando o nariz. Ela conseguiu dizer:
- Eu o amo demais! Meu amor! Voltarei sim, por você, por nós!
Emocionada, ela desligou o telefone. Fiquei sentado, ainda por uns cinco minutos, esperando que minha pulsação se normalizasse. Não tinha reparado, mas estava com o coração acelerado. A respiração ofegante como se tivesse corrido. Eu me preparava para levantar e pegar um copo de água quando chegou uma mensagem de texto de Lanna:
“Se quiser ver a Marina quando tiver vontade, pode viu? Só tenho vocês dois. Eu ficarei feliz sabendo que vocês estão bem. ”
Achei melhor não responder. Mas sabia que no dia seguinte a Marina me procuraria.
leonmedrado@gmail.com (novo e-mail)
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