Capítulo 21 Lavando roupa suja
Júlio tentava relutar com a ideia que passava em sua mente. "Não! Isso é impossível! Abner o odeia por ter ciúmes de mim!" Era o que dizia a si mesmo como negação do que os seus olhos viam.
No entanto, o sorriso afetuoso e o olhar admirador que Abner direcionavam a Leandro não combinava nada com ódio ou rivalidade. Olhar e sorriso esses que nem ele nunca recebeu do amante.
Para o aumento da sua raiva, Leandro correspondia e Júlio não admitia que nenhum outro homem, além dele, recebesse afeto de Leandro. Sentiu-se roubado! Como Abner ousou a tamanha traição roubando o que era dele! Aliás, como eles dois ousaram?!
Júlio estacionou o carro e saiu dele com brutalidade, deixando a porta do veículo aberta e Vanessa o olhando, sem entender o que estava acontecendo.
Andou às pressas, batendo os braços, armado de fúria, com um olhar em brasas e a respiração ofegante. Se houvesse algo ou alguém em sua frente não conseguia ver, o ciúme o cegava e envenenava-lhe a alma.
Angela corre em direção aos dois, chegando no mesmo momento que Júlio. Os seus olhos estavam esbugalhados, tomados por um pavor.
Leandro se espantou ao olhar para Júlio. Sentiu uma raiva imensa por acreditar que foi enganado pela mãe, que garantiu que não o convidou. Abner vira para trás e o avista. É inegável que teve um pouco medo, mas não quis demonstrar, pois a sua raiva era muito maior.
Odiou Júlio por estar em seu caminho, pela chantagem que o obrigava a dormir com ele e, principalmente, por ser a pedra que o impedia de estar com o homem que ama. Arrependeu-se amargamente do dia em que conheceu Júlio, e sentiu repulsa por um dia ter se apaixonado por aquele ser detestável.
Abner não estava disposto a abaixar a cabeça. Sentia tanto ódio, que se Júlio começasse uma discussão, o partiria a cara. Fechou os punhos se preparando.
_Ainda bem que você chegou! Pensei que não vinha mais._ Angela disse, segurando o pulso de Abner, que a olhava sem entender o que estava acontecendo._ Eu o contratei para me ajudar a preparar o almoço de páscoa. A casa está cheia e eu não estava nem um pouco a fim de ir para a cozinha. Por isso, chamei um profissional.
Angela sorria, sem jeito. Tentando persuadir o genro.
Júlio ficou sem palavras. Mas não mudou a expressão furiosa. Não acreditou na desculpa da sogra, mas manteve o silêncio.
Abner sorriu com deboche. Se não podia bater, se conformou em humilhar, fazendo Júlio de bobo.
_ Me desculpe o atraso, dona Angela. Eu perdi a hora. Mas prometo que isso não irá mais acontecer e vou recompensa-la preparando o melhor almoço que a senhora já saboreou na vida. Posso entrar para começar a trabalhar?
_ Claro! Entre pela porta dos fundos, vai dar direto na cozinha.
_ Com licença._ Abner disse, antes de entrar.
Angela respirou aliviada.
_ Bom dia, Júlio!
Leandro fechou a cara e olhou para a mãe com raiva. Pensou em ir embora naquele mesmo instante. No entanto, mudou de ideia ao ver Vanessa saindo do carro.
Sorriu ao ver a filha, com o coração transbordando de saudades.
Esqueceu-se da raiva que sentiu do marido e dos pais. Abriu os braços e correu em direção da sua amada.
Abraçou-a com força para matar a cruel saudades. Vanessa correspondeu ao abraço, ficando em silêncio, só deixando as lágrimas caírem.
_ Como você está, meu amor?
A voz de Leandro era gentil e a fez desejar que ele nunca mais saísse de perto dela.
_ Estou bem._ Vanessa respondeu, enxugando as lágrimas.
_ Não fique assim._ Leandro a beijou na testa._ Eu tô morrendo de saudades. Como é bom te ver!
_ Tava mesmo com saudades, pai? Então, por que foi embora?_ o tom de voz dela era áspero.
_ Ainda vamos conversar sobre isso. Eu prometo que vou esclarecer tudo. Mas não hoje. A casa está cheia. Precisamos ter essa conversa num lugar reservado.
_ Quando?
_ Em breve.
Leandro entrou na casa abraçando Vanessa e ignorando a incômoda presença de Júlio.
_ Meu querido genro e a minha querida neta! Que bom vê-los!
A bajulação de Genaro com Júlio deixava Leandro extremamente incomodado. A vontade era de se explodir. Libertar em forma de gritos toda a raiva que estava sentindo. No entanto, em respeito a Vanessa e aos outros convidados, optou por se calar...por enquanto.
_ Olha! Você veio! Como não tinha te visto, até fiquei desconfiada de você estavam mesmo juntos._ disse a tia Carmem.
_ Estamos mais juntos do que nunca. Não vamos nos separar nunca._ Júlio afirmou, abraçando Leandro pelo ombros. Incomodado, Leandro se afastou disfarçadamente. Apesar de odiar a situação, não conseguiu dizer a verdade para os parentes. Afinal passou a maior parte da sua vida mantendo as aparências e ainda não conseguia se desfazer desse costume.
_ Eu vou ao banheiro. Com licença.
A desculpa do banheiro foi muito necessária para se livrar de toda aquela situação e poder respirar fundo.
Leandro molhou o rosto e se olhava no espelho , quando Júlio entrou no local sem pedir licença para entrar.
_ O que você está fazendo aqui? Por acaso nem a privacidade eu tenho direito?
Júlio fechou a porta, girando a chave na maçaneta. Já não tinha mais a expressão sorridente como estava na sala, diante de todos. Naquele momento, parecia um outro homem, os aspectos gentis de seu rosto foram substituídos por uma expressão rude, pesada... maquiavélica.
_ Então aquele desgraçado é o seu amante? Não adianta mentir pra mim. Afinal, se vocês estão se pegando eu preciso saber, também quero participar da festinha de vocês.
Leandro sentiu tanta raiva, que quis assumir o seu caso com Abner. Queria pôr o dedo na cara de Júlio e dizer que ele não tinha o direito de lhe cobrar nada, já que era um infiel manipulador.
No entanto, pensou em Abner. Temeu que a ira de Júlio caísse sobre o rapaz.
_ Você está descontrolado._ Leandro disse caminhando em direção á porta. Mas, Júlio o segurou com força pelo braço.
_ É muito atrevimento trazer o seu amante para a casa dos seus pais! Nem a sua filha você respeita! É uma puta baixo nível. Você não vale o esperma que eu joguei na sua cara.
_ Eu não te devo satisfação nenhuma! Mas mesmo assim digo que o Dimitri não é o meu amante! E dobre a língua para falar comigo! Eu não sou o verme do Abner, que você se esfrega. Júlio, eu estou por um fio de me explodir com toda essa merda. Então, não me provoque!
Leandro puxou o próprio braço e se afastou, saindo do local.
Júlio ficou parado no mesmo local, pensativo.
"Então, ele chama o Abner de Dimitri e citou o nome Abner como se fossem pessoas diferentes... Leandro não sabe da verdade...Eu vou matar o Abner! Ele não perde por esperar."
Júlio correu até o corredor num ato de desespero. Puxou Leandro com força e o jogou contra a parede. Encarou-o com fúria.
_ Escute aqui, você não vai ficar com ele e nem com ninguém. Você é meu, porra! Ou eu, ou a morte.
_ Nesse caso, a morte parece ser a opção mais agradável._ Leandro respondeu o empurrando e se libertando dos seus braços.
Olhava nos olhos furiosos de marido, procurando o Júlio que amou no passado ainda habitava ali. Não encontrou nenhum vestígio. Quis chorar de desespero. Mas sabia que tinha que ser forte. Afastou-se as pressas. Não conseguia ficar perto de Júlio por nenhum segundo mais.
Angela entrou na cozinha como um furacão. Bufava e transpirava ódio.
_ Você tem merda na cabeça?! Que diabos está fazendo aqui, porra?_ a sua vontade era de gritar com Abner, mas controlou o tom de voz, deixando baixo, para não correr o risco de ser ouvida por Júlio.
Angela havia contratado um buffet para se encarregar do almoço. Apesar de não ser rica, gostava de manter a pose, assim como o marido. Havia alguns funcionários na cozinha, mas ela não se importou.
_ O que você tá querendo? Provocar uma desgraça?! Aquele é o marido do meu filho. Ele ficou desconfiado, sabia?
_ Ele não é o marido do seu filho. É o ex.
_Legalmente eles ainda são casados.
_ Mas o Leandro não quer mais ficar com ele! É muita canalhice da sua parte armar esse encontro. O Leandro não sabia que o Júlio estaria aqui. Você mentiu pra ele!
_ Eu não menti pra ninguém! Eu nem sabia que o Júlio estaria aqui... aliás, eu não te devo nenhuma satisfação, seu moleque! Quero que saia da minha casa imediatamente! E pela porta dos fundos, para que ninguém te veja.
_ Se eu for embora, aí mesmo que o Júlio vai ficar desconfiado.
_ Quem sabe como vou lidar com o meu genro sou eu. Agora fora daqui!
_ Não adianta nem você e nem o interesseiro do seu marido tentarem jogar o Leandro nos braços do verme do Júlio. Leandro é meu e vocês vão ter que aceitar isso.
_ Fora daquiiiii!
Abner se retirou com ódio.
....
Assim que chegou na casa, Vanessa trocou o seu vestido florido por um biquíni rosa e azul. Juntou-se com a prima Rebeca, também adolescente, e foram aproveitar a piscina.
Sorridentes, as duas observavam Bruno arrumando a mesa principal.
Elas cochichavam, dando risadinhas graciosas. Quando o rapaz as olhou, Vanessa piscou um dos belos olhos azuis e mordeu o lábio inferior.
O rapaz correspondeu com um sorriso.
De longe, Angela observava insatisfeita, com os braços cruzados. Quis ir até lá, mas a cunhada a prendia conversando.
Para chamar a atenção de Bruno, as garotas sairam da piscina e ligaram o som num funk. Ao som da música formosa, elas faziam a coreografia diante da lente do iPhone de Vanessa com a intenção de postar o vídeo no Tik Tok.
_ A Vanessinha tá crescendo, né? Tá se tornando um mulherão._ comentou Alfredo, um dos empregados da casa. Ao perceber o olhar repreendedor de Angela, Bruno abaixou a cabeça e não respondeu ao homem, prosseguindo com o trabalho.
Angela não conseguiu controlar a irritação. Se afastou da cunhada e desligou o rádio.
_ Oh! Eu tô gravando!
_ Você deveria ter vergonha de se exibir desse jeito. E isso lá é música? É pornografia cantada.
Vanessa revirou os olhos para cima.
_ Deixe de ser chata, mulher! Deixe as meninas se divertirem!_ Genaro disse irritado.
_ Desde quando rebolar a bunda vestindo um fio dental é se divertir? Isso aqui é uma reunião familiar e não um puteiro.
_ Não fale assim da menina! Tenha mais respeito! E fale baixo! Já pensou se alguém escute.
_ É muita cara de pau da sua parte querer me fazer engolir essa putinha.
_ Angela!
_ Putinha sim. Filha de puta putinha é.
_ Eu vou é tomar uma cerveja. Você tá descontrolada. Eu é que não vou perder o meu tempo contigo._Genaro se afastou, deixando Angela só.
....
Incomodado, Júlio foi até a cozinha em busca do amante. Estava revoltado, louco para puxa-lo para um canto e despejar toda a sua raiva.
Buscou por ele em todos os cantos com olhar.
_ A dona Angela o mandou ir embora._respondeu a cozinheira, quando Júlio a perguntou pelo rapaz moreno.
A sua desconfiança aumentou ainda mais. Ele também percebeu que havia uma cozinheira, um ajudante e dois serventes, concluindo que o quadro de funcionários do buffet estava completo. Era mentira que Abner foi contratado por ela.
"Puta que pariu! Até a vagabunda da Angela está acobertando essa putaria. Eu vou acabar com aquela desgraçada."
A troca de ovos de páscoa aconteceu na sala de estar, enquanto os convidados aguardavam o almoço.
Mesmo triste e incomodado, Leandro tentava não transparecer. Interagia com os parentes nas conversas e forçava risos.
Vanessa ama essa época do ano. Quase nunca é permitida comer chocolates. A páscoa é para ela um Éder, onde pode se esbaldar do fruto proibido sem ser expulsa do paraíso.
Ela não conseguiu disfarçar a insatisfação com o ovo de páscoa que recebeu de Leandro. Deu um sorriso amarelo, antes de dizer um forçado "obrigada". O que não ocorreu quando recebeu o ovo de Júlio. O chocolate veio numa caixa dourada, com a parte frontal transparente, deixando o chocolate a amostra. Na embalagem, havia uma bandeira da Suíça e todos os escritos da caixa eram inglês.
Os olhos azuis da menina brilharam de alegria, enquanto segurava a caixa, a abraçando. Sorriu de um jeito espontâneo, antes de se atirar nós braços de Júlio, o agradecendo com palavras e destruição de beijos pelo rosto.
Leandro ficou ainda mais constrangido. E o mais sacrificante era tentar manter a pose, fingindo que aquelas porradas da vida não doíam.
Angela percebeu a tristeza do filho. Como estava em pé, por trás do sofá onde Leandro estava sentado, ela esfregou a mão em seu ombro, como consolo. Como Leandro acreditava que a mãe havia mentido sobre não ter convidado Júlio, Leandro retirou o ombro, a deixando preocupada.
O almoço foi servido na mesa que fica na área gourmet da casa. As crianças optaram por aproveitar a piscina e deixar a refeição para depois. Os adultos conversavam á mesa sorrindo.
Apesar do clima tenso nos bastidores, Júlio tentava manter as aparências diante de todos. Tratava Leandro com muita gentileza, se mostrando um marido agradável e apaixonado. Procurava sentar próximo a ele, com as mãos sobre os seus ombros, ignorando o incômodo que Leandro sentia. Sempre, disfarçadamente, Leandro se afastava.
Beatriz, a prima de Leandro, era formada em jornalismo e sócia de uma revista cujo o foco era promover a importância da diversidade. As matérias eram sempre falando sobre racismo, LGBTQIAfobia, gordofobia e sexismo. Na área da moda exaltava as belezas diversas como das pessoas gordas, negras, brancas, magras e não padrão. As grandes personalidades entrevistadas eram sempre militantes, atletas, políticos e artistas que promoviam a igualdade.
_ Eu acho tão bonita a união de vocês. Apesar de tudo que passaram, permanecem juntos durante todos esses anos. São dez anos, não é?_perguntou Beatriz, sorrindo.
_ Na verdade são dezessete anos juntos. Dez só de casamento oficializado. Foram os dezessete anos mais felizes da minha vida. Leandro me ilumina e me completa a cada dia. Vocês não sabem o quão bom é ter o Leandro. Eu sou muito sortudo por isso. Leandro ilumina os meus dias, até mesmo quando ele se sente sem luz. Ele é o presente mais lindo que a vida me deu._ Júlio disse com o olhar apaixonado. Demonstrava que o casal gozava dos melhores momentos da união, como se vivessem numa eterna lua de mel.
Quase todos da mesa admiravam a falsa harmonia do casal, elogiavam e até bateram palmas quando Júlio terminou de falar.
Vanessa sorria, esperançosa com a possibilidade da reconciliação dos pais. Genaro vibrava, torcendo para que tudo ocorresse bem e ele não tivesse que se preocupar com a perda de suas regalias.
Os outros convidados eram ignorantes aos fatos que realmente estavam acontecendo.
Angela estava muito preocupada com a encenação de Júlio. Sentia pavor em imaginar aonde Júlio seria capaz de chegar para se vingar de Leandro. Já esse estava a ponto de explodir. Não aguentava mais toda aquela hipocrisia. "Como ele tem coragem de mentir desse jeito tão sórdido? Na frente dos outros paga de marido exemplar, mas por trás, me ameaça de morte."
_ Eu quero fazer uma proposta pra vocês. A Diversidade vai fazer uma matéria de capa em comemoração ao aniversário da liberação do casamento de pessoas do mesmo gênero no Brasil. Nós vamos reunir muitos casais gays e lésbicos e mostrar a importância da aceitação do amor, como um casal de mesmo gênero pode ter uma união feliz e com muito amor. Aí, euzinha pensei que seria um prazer se vocês participassem, primos. Todo mundo conhece o excelente advogado que o Júlio é. Seria muito legal verem um pouco da sua vida pessoal. Aí vocês ficariam lindos fazendo uma sessão de fotos!
_ Eu não acho uma boa ideia. Não é bom para o Júlio, como advogado, se expor desse jeito._ Leandro respondeu como desculpa para recusar a proposta da prima.
_ Eu não vejo problema nenhum. Vai ser um prazer dizer ao país inteiro o quanto te amo._ Júlio disse segurando forte a mão de Leandro, para que ele não se soltasse dessa vez.
_ Aaaaah! Eu posso participar, Bia? Vai ser maravilhoso dizer pra todo mundo o meu orgulho de ter dois pais.
_ Eu não tinha pensando nisso, Vanessa! Mas não é que eu gostei da ideia! Tá aí! Além de você, vou entrevistar os filhos dos outros casais. Mas, vocês podem ceder a entrevista e fazer as fotos nesta semana mesmo? Vê direitinho um dia que não fique ruim pra você, Júlio, já que é muito ocupado.
_ Claro! Será um prazer. Acho que na sexta-feira, a tarde, estarei disponível. Tá bom pra você, meu amor?
Leandro não conseguia mais digerir tanta hipocrisia e falsidade. Estava esgotado, com a paciência por um fio. Soltou a sua mão da de Júlio com brutalidade. Seu olhar e a sua expressão facial demonstravam a sua cólera.
_ Eu não suporto mais isso!_exclamou batendo na mesa, deixando todos assustados._ Eu não aguento mais essa mentira! Tudo isso é fingimento! Eu e o Júlio não somos um casal feliz há anos... aliás, nem um casal somos mais. Estamos separados há mais de um mês. Não vivemos mais sob o mesmo teto. Não nos damos bem. Entre nós não há nenhum pingo de respeito e harmonia. Eu sempre sou atacado e humilhado quando nos encontramos. O Júlio educado e bondoso só existe na frente de vocês. Quando estamos a sós, ele me trata como se fosse um pano de chão...minto, um pano de chão é mais respeitado por ele do que eu.
A revelação de Leandro pegou todos de surpresa, deixando não só a Beatriz, como todos sem palavras.
A expressão de Júlio se converteu de agradável para demonstrar a raiva que sentia.
_ Não diga bobagens! Não precisa dar crises na frente de todos. Olhe os modos, seu moleque! Respeite o seu marido e todos aqui á mesa!_ disse Genaro.
_ Respeito, pai? Que respeito? O único que não foi respeitado aqui fui eu. Você e a mãe mentiram dizendo que o Júlio não estaria aqui. Armaram tudo isso pra mim. Mas o burro fui eu, por ter caído nessa armadilha. Afinal, não é a primeira vez que vocês armam pra mim.
_ Eu não armei nada! Eu juro que não sabia que o Júlio viria.
_ Ah, não sabia, mamãe?! Conta outra! Tanto sabia que o convidou.
_ Eu não o convidei! Eu juro!
_ Quem o convidou fui eu. Esta casa é minha e Júlio é e sempre será bem-vindo aqui.
Vanessa socou a mesa, revoltada.
_ Eu não te reconheço mais! Você desceu a um nível tão baixo, Leandro! Como pode humilhar o meu pai depois de tudo que você aprontou?
_ Ah, agora quem aprontou fui eu?
_ Sim!_ela passou a gritar._ Foi você sim! Você traiu o meu pai com um puto qualquer e abandonou a sua família para levar uma vida leviana! Você pisa nos meus sentimentos e nos do meu pai! Ele tá tentando se reconciliar contigo e mesmo assim você o humilha na frente de todo mundo! Você não vale nada! É um mau caráter! Um adúltero de merda! Eu te odeiooooo! Te odeio muito! Quero que você e o seu amante morraaaam!
_ Cala a boca, garota! Isso não é jeito de falar com o seu pai!
_ Eu falo como ele merece, vó! Eu já tô farta de toda essa merda. Pra todos vocês ele é o Leandro gentil e educado, mas dentro de casa é agressivo, mentiroso e histérico! Ele traiu o meu pai e ainda o agrediu fisicamente! Leandro é tão mau caráter que inventou que o meu pai tinha um amante para ninguém desconfiar do adultério dele!
_ Isso não é verdade! Você não sabe de nada! Eu não agredi o Júlio, foi ele quem me agrediu primeiro! Eu me defendi! Não sou nenhum saco de pancadas! Quem sempre me traiu foi ele! Chegando ao ponto do amante ligar para o nosso sítio! Que merda! O meu mal foi sempre ter escondido tudo de você. Eu não queria que sofresse com os meus problemas! Mas, o Júlio se aproveitou de tudo isso para te pôr contra mim! Eu não posso suportar isso!
Leandro gritava, enquanto as lágrimas desciam e as mãos tremiam.
_ Mentiraaaaa! Você mente! É um sem vergonha!
_ Já chega! Eu não vou admitir que desrespeite o seu pai desse jeito!
_ E vai fazer o que, bruxa?
_ Isto._ Sem pensar, Angela disparou uma bofetada no rosto de Vanessa.
_ Como se atreve a me bater, sua vadia?
Vanessa avançou em direção á Angela, ela foi segurada pela cintura por Genaro e Angela pelo cunhado.
_ Sua abusada! Você tá merecendo é uma surra!
_ Nunca mais se atreva a tocar em mim.
Para a discussão entre elas não piorar, Genaro levou a menina para dentro da casa. Angela foi acalmada pela cunhada e sobrinhas.
Vendo que as coisas já tinham esfriado, Leandro decidiu ir embora daquela casa. Estava triste e revoltado demais, com as lágrimas a ponto de desabarem.
Quis sair sem se despedir de ninguém. Além de tudo que sentia, estava com vergonha pelas brigas que protagonizou.
Foi surpreendido ao chegar no estacionamento. Vanessa o aguardava com cara amarrada e os braços cruzados. Estava encostada no carro, o olhando de um jeito crítico.
_ Você não é mais o meu pai. Eu não te considero como tal. Nunca mais quero que chegue perto de mim. Eu tenho nojo de você.
Leandro não aguentou ouvir tamanha humilhação. Doía demais aquela injustiça que sofria.
_ Eu não mereço todas essas agressões vinda de ti. Você não sabe o quanto isso dói.
_ Dói nada! O que você entende de dor? Enquanto eu e o meu pai estamos sofrendo, você tá se divertindo com o seu amante.
_ Eu não vou aceitar ser tratado desta forma. Você tá cega e envenenada pelo Júlio.
_ Não fale do meu pai!
_ Eu não vou falar. Isso é perder tempo. Você só acredita nele. Eu vou te provar a verdade. Eu fiz muito mal de ter maquiado o mundo pra você. Eu escondi quem era o verdadeiro Júlio e acabei criando uma cobra que me picou. Eu vou esfregar na sua cara quem é o demônio que você acha que é um santo. E você vai se arrepender amargamente por tudo isso que está fazendo comigo. Agora saia da minha frente, que vou embora. Já fui muito humilhado por hoje.
Vanessa se afastou do carro.
_ Você é muito mau caráter mesmo. Ainda se vitimiza! Você não merece o meu pai!
_ Não mereço mesmo.
Leandro entrou no carro e saiu, sem olhar para trás.
Ao chegar no apartamento silencioso de Valéria, desabou no sofá, liberando em forma de choro todas as suas angústias. Soluçava de tanto chorar, abraçando os próprios joelhos. Desejou que Valéria estivesse ali e pudesse buscar consolo em seus braços. Passou pela cabeça ligar para a amiga. Mas desistiu para não incomodá-la.
Lembrou das ameaças de Júlio, da traição dos pais e das agressões de Vanessa, sentiu medo, vergonha e raiva. Gritou o mais alto que pode.
Desejando arrancar com as mãos toda o mal que o afligia. Socava o próprio peito desesperado. Um bolo se formava em sua garganta, causando um mal estar.
Correu para o banheiro, vomitava todo aquele almoço torturante. Ao terminar, se despediu e foi para o chuveiro esfregando a pele com força, tentando limpar os toques violentos de Júlio.
A cama se tornou o seu refúgio, se abrigando entre os lençóis, onde abraçado ao travesseiro chorou até adormecer.
....
Abner chegava da casa dos pais, trazendo em mãos a cesta de chocolate que havia ganhado da família. Ao entrar no apartamento e acender a luz, deu um grito ao se assustar com a visão de Júlio sentado no sofá o olhando com raiva.
_ Porra! Caralho! Que susto!_exclamou tentando recuperar o fôlego._ Por que estava no escuro feito um demônio?
Abner perguntou sem dar muita importância ao amante. Colocava a cesta num balcão que fazia a divisa entre a sala e a cozinha. Ele sabia o motivo da raiva de Júlio, imaginava que o amante estava com raiva por acreditar que foi até a casa de Angela por sua causa.
Abner estava tão exausto que não queria discutir. Estava disposto a deixar Júlio dizer o que quisesse e não responderia. Assim a discussão não se prolongaria e Júlio iria embora mais rápido.
_ O que você foi fazer na casa da minha sogra?
_ Você é surdo? Ela não te disse que fui trabalhar? Eu hein!_ Abner se afastou indo para o quarto. Júlio o segurou com força pelo braço, o olhava sério, erguendo a cabeça para cima, num tom desafiador.
_ Há quanto tempo você tá fodendo com o meu marido, seu desgraçado?!
Abner arregalou os olhos cor de jabuticaba, espantado. Não esperava receber aquela pergunta.