Correnteza (parte 3/4)

Um conto erótico de jl94
Categoria: Homossexual
Contém 4123 palavras
Data: 12/01/2022 21:19:25

### CHUVA

O domingo se estendeu com uma fina chuva e aproveitei para ficar no meu quarto, estudando, e fui dormir cedo. Durante a madrugada, acordei com as janelas batendo e uma chuva muito mais forte, do lado de fora. Coloquei uma pequena toalhinha entre as lâminas da janela, para servir de calço e voltei para a cama, onde dormi, tranquilo, até o despertador tocar.

Pela manhã, a chuva ainda caía, mais fina que durante a madrugada, mas intermitente. Coloquei uma bota de cano curto que eu tinha levado e uma bermuda leve, ao invés da calça jeans, que logo ficaria empapada de água e pesada no corpo. Desci para o cais, para encontrar... um caos.

Não havia mais cais, ou quase não havia. A água tinha subido até o seu nível, e o rio descia turbulento, com uma correnteza intensa. Os pescadores gritavam, uns aos outros, tentando atravessar a comunicação de suas próprias vozes e da chuva, jogavam cordas e amarravam os barcos ou prendiam estacas. Pelo menos 4 árvores tinham caído sobre o cais e o trabalho ali era de tirar elas do caminho, tentando arrastar ou içá-las para longe.

Vi Gabriel de relance, correndo na direção do Tâmara, com uma corda e um gancho atravessados no corpo. Maciel estava perto, de pé, batendo com um martelo tábuas de madeira para reforçar a estrutura do cais. Os dois, assim como qualquer outro pescador ali, estavam cobertos de lama, dos pés até a cintura, e pareciam cansados e abatidos.

Coloquei minha mochila em um canto, sob uma árvore e me aproximei. Maciel sorriu pra mim e acenou, e eu me aproximei.

-Estamos aqui desde as três da manhã. Um dos barcos foi arrastado pela correnteza, e um pessoal desceu pra tentar pegar ele. Aquela parte ali, tinha dois decks de cais, que também desmoronaram. - então, como se todo o caos instaurado não fosse nada a se preocupar na vida, ele virou com um sorriso pra mim - Acho que hoje não vai ter amostra pra coletar. Nem pelo resto da semana, se não tivermos sorte e essa chuva não parar.

-Tem alguma coisa que eu possa ajudar?

Maciel já colocou a mão no meu ombro, me tranquilizando.

-Não, não. Volte para a pousada. Não tem muito o que fazer. Você não precisa ficar debaixo dessa chuva e lama, a gente dá con...

-Toma! - disse Gabriel, me empurrando um rolo de cordas - Já que não vai fazer nada, me ajuda levando essa corda lá pra cima. Tenta jogar pelo alto daquele galho.

Maciel olhou pra mim, com um ar de curiosidade, e deu de ombros. Ele ia começar a dizer pra eu entregar a corda para ele, e que ele fazia, mas eu saí no exato momento com o pesado rolo de corda nos braços. Eu tentaria dar conta do recado. Subi a encosta da margem do rio, e metade da minha perna afundava na lama a cada passo dado. Ao chegar lá em cima, coloquei o rolo de corda no chão, e peguei uma braçada dela e tentei atirar por cima de um galho de árvore. Na primeira tentativa, a corda caiu por baixo. Puxei, e tentei outra vez. Sucesso. Lancei as duas pontas lá para baixo, para Gabriel, que me observava. Achei que ele iria me criticar por errar a primeira vez, mas ele não expressou qualquer desaprovação.

Em seguida desci. Ele e Maciel amarravam a corda em um tronco caído. Gabriel se levantou e ficou de pé, ao meu lado. Agarrando a outra ponta da corda, me deu um pedaço dela e falou, olhando nos meus olhos:

-Eu e você puxamos. O Maciel vai manobrar o tronco pra ele ir na direção certa.

Eu engoli em seco e assenti. Era bom eu tirar todo pingo de força que existisse em cada canto do meu corpo, pois não queria parecer idiota. A chuva fustigava meu rosto, e era incômoda, e eu tentava virar o rosto na direção oposta para me esquivar. Gabriel, por sua vez, estava de pé, na minha frente, com sinais de desgaste na postura, mas firme, aguentando tudo aquilo. Ele era magro, e não era super musculoso, mas tinha força, e parecia acostumado ao trabalho duro. Sua expressão demonstrava frieza, era uma expressão pouco acolhedora. Não parecia que ele ia me dar colher de chá naquela manhã. Essa súbita mudança de comportamento, de alguém que queria distância de mim para alguém que agora me forçava a ajudar em atividades pesadas, me surpreendeu.

Começamos a puxar o tronco, e mesmo dividindo o peso dele com Gabriel (ou ele aguentando a maior parte do peso, para ser honesto), era pesado demais. Minhas mãos escorregavam pela corda e parecia que não íamos conseguir. Eu jogava todo meu corpo para trás e apertava os dentes, e Gabriel dobrava o corpo, concentrando toda a força nos seus braços, enquanto içávamos a árvore caída. Mais distante, Maciel ia manejando o tronco, semi erguido no ar, para que esse não acertasse outros barcos ou desviasse na direção de alguém.

Em um momento, escorreguei e caí de bunda no cais semi inundado. Me levantei a tempo de ver um olhar ríspido de Gabriel que me fuzilava. Aquilo me encheu de ódio, mas engoli em seco. Eu estava tentando ajudar, de fato, estava ajudando. Não era como se eu fosse um peso morto ali, minha pouca força estava contando para ajudar naquele caos. Mas tinha meus limites, e minha própria aparência deixava esses limites claros. E era insuportável aquela postura dele, de quem se acha tão superior em tudo. Ele não era grande coisa, tampouco. Grande bosta era ele!

Fiquei mastigando minha raiva, em silêncio. Estava cansado de ser inferiorizado por aquele panaca. Continuamos puxando a árvore para o alto, e Maciel seguiu manejando ela. Depois de quase quinze minutos de esforço, e todas as fibras dos meus músculos estriadas, a lama respingada até o meu rosto, e o corpo inteiro empapado pela chuva, conseguimos depositar o tronco na margem do rio. Outros grupos de pescadores também tinham conseguido retirar as árvores caídas do lugar.

-Não solta a corda. Eu vou lá laçar o tronco nas árvores - disse Gabriel. Eu segui segurando a corda, sem olhar para ele, sendo frio também.

Ele olhou pra mim e viu que eu estava segurando com as minhas mãos de forma desajeitada. Então, veio na minha direção, agarrou uma das minhas mãos e afastou ela da outra. Eu ia abrir a boca para reclamar, mas no último instante percebi que ele não o fazia com brutalidade. Fazia com até certa educação, tentando ensinar como segurar melhor. Ele pegou a ponta da corda, se agachou, e atravessou ela por entre minhas pernas, e então tocou na minha canela, em um sinal para eu erguer o pé e pisar em cima da ponta da corda.

Eu o fiz, e quando Gabriel levantou de novo, o seu braço que estava atravessado entre minhas pernas, foi retirado se arrastando na minha pélvis. Meu volume inclusive balançou quando o braço dele passou, através. Ele saiu, e foi na direção do tronco que tínhamos movido, e com outro pedaço de corda, laçou ele nas árvores ao redor.

Ele fez sinal de que eu podia soltar a corda, e eu soltei. Do lado de lá, ele puxou a corda e enrolou ela. Maciel se aproximou de mim.

-Ufa! Foi difícil, né? Agora eu preciso é dormir. Não tem muito mais pra fazer aqui.

-Não tem mais nada? - perguntei, olhando ao redor. O lugar parecia ainda assim bastante destruído.

-Pra gente, não. Vão ter que vir os carpinteiros pra arrumar o deck que caiu, e o grupo que saiu atrás do barco vai ter que atracar ele em algum lugar mais pra baixo, lá no rio. - ele apontou a correnteza do rio, que tinha subido consideravelmente e corria como um turbilhão - com o rio assim, não dá pra gente ver como estão as culturas, vamos ter que esperar estiar. Amanhã é certeza que não vai ter jeito, no mínimo, só vamos conseguir embarcar na quarta-feira. E quinta-feira é dia de festa de São João, então eu acho que essa semana você ganhou uma boa folga de alguns dias - disse ele, batendo no meu ombro, antes de se distanciar em direção à margem.

Olhei ao meu redor. Alguns dos pescadores já se dispersavam, outros analisavam os danos. Alguns tiravam fotos com o celular. Comecei a andar pelo deck, e me abaixei em direção à água, tentando lavar pelo menos a lama grossa que tinha se acumulado nas minhas pernas. Vi um par de pernas se aproximando e me levantei.

Era Gabriel. Com o mesmo olhar frio, ele chegou na minha direção, e pousou uma das mãos no meu ombro e estendeu a outra. Por alguns segundos, fiquei atônito. Então cumprimentei ele, sem entender bem.

-Bom serviço. - ele disse.

### QUARTA-FEIRA

A correnteza seguiu turbulenta, na terça-feira, ainda que a chuva estivesse bem mais fraca. Não houve embarcação, e passei toda a tarde estudando. Depois da janta, Maciel apareceu na porta do meu quarto na pousada, e entrou sem ninguém nos arredores perceber.

Ficamos nos beijando, na cama, trocando carícias, e fomos trocando de posições, aos beijos, até ficarmos em sentidos opostos, eu com o seu pênis preenchendo minha boca, e ele chupando o meu pau. Nos divertimos, e nos deliciamos, provando um ao outro, até esporrarmos o leite guardado nos últimos dias. O dele, dessa vez, tinha um gosto mais adocicado, mais leve. Também estava um tanto mais líquido, menos grosso, de forma que boa parte me desceu a garganta sem pedir licença.

Continuamos na posição, por algum tempo, com carícias. O cheiro do seu pau bem no meu nariz me confortava, me deixava calmo. Eu era como um bebê que tinha a mamadeira ao alcance, entre meus dedos. Por fim, ele se virou, e veio deitar nos meus braços. Eu o envolvi, fazendo-lhe um cafuné, e quando abri os olhos outra vez, era ele que se espreguiçava enquanto o despertador tocava na manhã seguinte.

Ele levantou, e pegou sua roupa jogada no chão. Eu sentei na cama, ainda esfregando meus olhos, enquanto ele vestia a calça.

-Você tá cheirando porra. - eu disse, rindo.

Ele olhou pra mim, riu e falou.

-Acho melhor tomar um banho, né? - eu assenti, e ele começou a baixar a calça de novo, de pé. Mas então, com o pinto para fora se aproximou de mim. - Faz um, antes de irmos?

Eu estava semi sonâmbulo, com sono, mas sorri pra ele e coloquei seu grosso pau na minha boca, beijando com carinho, a glande, o frênulo, a extensão do membro que pouco a pouco se modificava, ganhando textura, ganhando veias proeminentes. Com uma mão, massageava o seu saco, com delicadeza, provocando estímulos que faziam efeito, de acordo com os gemidos baixos dele. Com a outra mão, comecei a me masturbar, já que meu próprio pau se endurecia. Aos poucos, fui intensificando e em poucos minutos, Maciel gozava na minha boca, e eu gozava na sua perna. Gozamos juntos. Era quase como se estivéssemos em sincronia, e sabíamos de antemão a hora que o outro ia chegar ao êxtase.

Passei a mão por toda extensão da sua perna, sentindo sua pele, sentindo seus pelos, abracei-o e lhe beijei. Como eu me sentia feliz com aquele macho em meus braços.

Tomamos banho, e fomos direto para o cais, tomando cuidado ao sair da pousada para não perceberem que ele tinha dormido no meu quarto. Quando chegamos, Gabriel já estava no lugar e olhou para nós dois de canto, cerrando as sobrancelhas. Deu para notar que ele estranhou o fato de chegarmos juntos, mas nenhum de nós devia qualquer satisfação para ele, e poderíamos apenas termos nos encontrado no caminho até ali. A correnteza do rio seguia forte, e um chuvisco caia intermitente, mas daria para descer com a embarcação, com cautela.

O convés do Tâmara era lama em cada pedacinho de superfície. Antes de sairmos com o barco, tivemos que usar rodos para limpar todo o convés, e logo terminamos, estávamos com as pernas cobertas de lama mais uma vez. O barco desceu a correnteza, quase desligado, com o motor reverso quando precisávamos parar. Não tinha peixe para puxar, apenas consertar os espaços de cultura que tinham se danificado com a chuva.

Eu fiquei quase o tempo sentado à mesa ao lado da cabine de comando, evitando a chuva, e Gabriel aproximou, sem camisa, estendeu a regata enxarcada que usava até então em um pilar e sentou-se ao meu lado. Ele estava cabisbaixo, rodava um canivete na mão, brincando com ele. Por mais de uma vez, achei que ele ia começar a falar algo, mas parecia que ele se detinha. Por fim, se levantou e se afastou de novo, e eu me senti mais confortável em não ter que lidar com ele, e também em não ter que presenciar um pico de estupidez repentino que estourasse por algum motivo qualquer naquele moleque. Em contraste, Maciel era pura diversão, e eu gostava cada vez mais da sua presença. Por algum momento logo no começo dos nossos encontros, confundi meus sentimentos com paixão, mas naquela altura, sabia que o que eu tinha por ele era desejo, e desejo era o que ele tinha por mim. Nos satisfazíamos sexualmente, nos divertíamos, sentíamos prazer, mas era mais isso. E estava tudo bem. Ele era um cara fenomenal, mas eu não conseguia me ver em um relacionamento sério com ele, e ele, por sua vez, provavelmente não teria coragem de assumir um relacionamento com outro homem naquela cidade em que vivia.

Quando paramos para eu coletar a amostra de água, senti que Gabriel me observava. Logo que coletei, sentei à mesa, onde Gabriel estava, coloquei a água no frasco, rotulei e anotei os dados dela e da extração no relatório. Pensei em comentar algo arbitrário, mas Gabriel se levantou imediatamente fazendo um "tsc", em demonstração do seu desprezo pelo meu trabalho. Quando terminei, levantei e fiquei apoiado na borda do barco, perto da proa, sozinho, observando o Tâmara quebrar a correnteza. Naquele momento a chuva caía tímida, pequenas fagulhas de chuvisco. Em um momento, Maciel aproximou-se, olhou para a parte de trás, certificando-se que Gabriel não nos observava e então encostou em mim.

-Maluco, olha como eu estou. - seu ventre encostou na minha perna e senti o seu pau duro. - Não vejo a hora de sairmos daqui, tô maluquinho de tesão. - então deu uma apertada em mim, e se afastou, assim que ouviu passos de Gabriel.

Então, finalmente, entendi o que acontecia, e me senti a pessoa mais idiota do universo para demorar tanto tempo para sacar toda a situação. No primeiro dia, quando cheguei, Gabriel conversava normalmente com Maciel, mas mesmo essa relação entre eles, foi se esfriando. Todas as vezes que Maciel se aproximava de mim, Gabriel se irritava comigo. Quando ele me ensinou a puxar a rede, quando ele me levou para jogar bola, quando ele desceu o barco sozinho comigo.

Não é que Maciel tinha um caso com Gabriel, como eu havia perguntado no dia da trilha...

Era o oposto! Gabriel era interessado em Maciel, e eu apareci para ser um intruso, para atrapalhar. Eu não sabia se Maciel sabia disso, mas agora eu tinha percebido, com clareza. E sabia que se Gabriel soubesse de um décimo do que eu tinha feito com Maciel, em sigilo... ele provavelmente me mataria.

### DIA DE FESTA

O dia terminou com chuva forte, que persistiu durante toda a madrugada. Por conta disso, Maciel então não apareceu na pousada naquela noite, mas me fez uma chamada no WhatsApp. Quando atendi, ele estava batendo punheta e falando sacanagem baixinho no microfone. Curti com ele, e gozamos juntos, através da tela. Ele me prometeu algo mais real para o dia seguinte, dia de São João.

O dia seguinte amanheceu com uma chuva persistente. Era quinta-feira e a cidade toda aguardava a festa de São João, que começaria no bloco da pousada, às 6 da tarde. Seria um dia livre, sem embarcação. Logo pela manhã, vi algumas pessoas montando palco e caixas de som, algumas barracas de comida começavam a ser instaladas. Eu ainda não sabia o que faria durante a festa, mas talvez tentasse me encontrar com Maciel, e curtiria um pouco a festa, ao lado dele como amigo, e com sorte, um pouco mais tarde conseguiríamos nos afastar para alguma coisa "um pouco mais que apenas amigo".

Enquanto eu terminava meu almoço, vi a picape de Sidnei se aproximar da pousada e então estacionar no meio do pátio onde se arrumava a festa. A porta do motorista parou no lado oposto a mim e só vi que era Gabriel que dirigia quando ele desceu e contornou a picape para abrir a porta da caçamba. Ele subiu e afastou alguns sacos plásticos, que cobriam caixas de som, e desceu de novo. Ao descer, seu olhar cruzou comigo e ele fez um aceno com a cabeça, me cumprimentando, que eu respondi da mesma forma. Pelo menos agora ele não ignorava totalmente a minha existência.

Deixei meu prato no balcão, e sem saber porque, me aproximei de Gabriel, que descarregava as caixas de som. Ele provavelmente seria ignorante comigo, mas se ele visse que eu me aproximava das pessoas apenas por ser amigável, talvez ele não desconfiasse tanto da minha relação próxima com Maciel.

Para minha surpresa, Gabriel não foi monossilábico.

-E aí! Quer me dar uma mão?

-Claro. - respondi. Cada dia era uma surpresa nova. Era capaz que até o final do dia ele me desse um soco na cara e no espaço de uma hora, um abraço e um beijo. Ali estava a pessoa de humor mais imprevisível que eu já tinha visto.

Descemos todas as caixas de som e carregamos elas para um espaço coberto dentro do salão. As caixas pequenas, conseguíamos levar sem ajuda, e toda vez que nos cruzávamos no caminho entre a picape e o salão, Gabriel baixava o olhar, como se ele estivesse no seu modo "bonzinho", que tinha vergonha da forma como seu modo "estúpido" tinha me tratado nessas quase duas semanas.

-Pronto. Agora é com eles aí, pra fazer a instalação. Meu trabalho foi só trazer. - disse Gabriel, voltando em direção à picape.

-Te vejo na festa então. - falei, casualmente.

-Sim, se eu não estiver no Tâmara.

-Como assim, vai trabalhar durante a festa?

Como um exemplar da raridade, Gabriel riu.

-Você já percebeu que eu não sou muito bom de ficar no meio das pessoas. O Tâmara é onde eu vou quando quero ficar tranquilo. - e de repente, como se tivesse percebido que estava expondo demais seus sentimentos, o sorriso de Gabriel se desfez, e ele fechou a cara. - Até mais. - disse, de forma fria, subindo na picape.

### SÃO JOÃO

Vesti um boné, uma camisa de botão, uma bermuda e um tênis legal que eu tinha levado comigo, passei um perfume, e saí bem ajeitado para a festa. Até eu mesmo fiquei impressionado com o quão bacana eu estava. Não havia combinado nada com Maciel, e só lembrei de mandar uma mensagem para ele quase 6 da tarde, mas ele acabou não vendo a mensagem.

Acabei me demorando um pouco, e do lado de fora, já rolava um sertanejo universitário ao vivo, o lugar estava abarrotado de gente, provavelmente a cidade inteira estava ali. As barracas de comida não paravam, e era preciso andar desviando das pessoas para chegar em qualquer lugar. Com aquele monte de gente por ali, desconhecida, me perguntei se fiz certo em não ter ligado para Maciel para combinarmos de nos encontrar. De toda forma, ele provavelmente não tinha chegado ainda, ou se não, teria ido até o meu quarto.

Fui comprar fichas e em seguida entrei na fila para pegar cerveja. Logo que saí da fila, senti um cutucão nas costas. Me virei, para cumprimentar Maciel, mas era Gabriel quem estava ali, parado com uma garrafa de cerveja na mão.

Ele estava levemente diferente. Tinha acertado o corte degradê, e feito risquinhos nas sobrancelhas. Usava uma regata folgada, uma bermuda estilo surf com fecho de velcro, relógio no pulso, tênis de skate e dois cordões em volta do pescoço. Usava uma colônia um pouco adocicada, que era um contraste em relação à sua presença viril. Eu devo ter feito alguma cara de surpresa, porque ele riu, e caramba... como aquele moleque estava um gato! No dia a dia, me acostumei com o jeito marrento dele, rústico, e não parava pra ver que de fato, ele era muito bonito.

Eu cumprimentei ele, e juntos saímos dali, do fluxo de pessoas. Era impossível conseguir conversar ali no meio, o som estava muito alto e havia muita interferência. Encostamos em uma mureta, onde era possível enxergar o resto das pessoas. Ele parecia olhar ao redor, provavelmente procurando os seus próprios amigos.

-E aí - falou ele.

-E aí - respondi.

Bebemos, e pensei em perguntar sobre o Maciel, mas achei melhor não. Seria um tiro no pé dar uma pala dessas.

-Viu o Maciel hoje? - no fim, foi ele que perguntou. É claro, afinal, também era do interesse de Gabriel saber onde Maciel estava. Éramos nós dois que disputávamos por ele.

-Não vi não. Deve estar por aí... - respondi, tentando parecer indiferente.

Gabriel balançou a cabeça afirmativamente. Olhei pra ele e percebi que ele já devia estar na quantidade de cervejas necessárias para passar do estado de apenas alegre. Ou talvez tivesse tomado alguma outra coisa, mas era visível que ele não estava muito sóbrio.

-Faz tempo que você tá por aí? - perguntei

-Vi não também. - ele respondeu, e eu não tentei corrigir. Só achei graça.

A festa foi avançando, e eventualmente alguém passava e cumprimentava Gabriel, ou cumprimentava nós dois. Ficamos ali, e volta e meia trocávamos alguma conversa que durava uma meia dúzia de diálogos, antes de morrer o assunto. Nesse meio tempo, Gabriel pegou duas garrafas de cerveja, uma para ele e uma para mim. Depois foi pegar outra, enquanto eu ainda bebia a minha. E então uma terceira. Ele bebia como se estivesse bebendo água.

-Preciso ir mijar - falei, quando estava com a bexiga quase estourando. Ia ser uma boa, pelo menos para andar um pouco pelo lugar, ao invés de ficar ali parado. O problema é, que quando cheguei perto do banheiro, uma fila enorme estava ali, e eu não ia aguentar. Decidi ir no banheiro do meu quarto, e voltei na direção pela qual eu vim.

-Já? - perguntou Gabriel, quando eu passei por ele.

-Não. Tá lotado. Eu vou no meu quarto mesmo.

Gabriel não deve ter ouvido a última parte, pois me pegou pelo braço e me puxou.

-Vem aqui, aqui não dá pra ver, todo mundo vem aqui. - disse ele, e me arrastou, dando a volta no anexo. Pensei em me desvencilhar e explicar melhor para ele o fato de que eu tinha a chave pra um banheiro privado, só meu, mas ele parecia tão absorto, em outro mundo, e até certo ponto eu estava me divertindo com a situação, então deixei. Atravessamos um pequeno estacionamento de cascalho, e avançamos para uma parte com várias árvores, longe de quaisquer olhares. De fato, quando ele falou "todo mundo vem aqui", ele não estava mentindo. A música ali chegava abafada, e o lugar parecia o "escurão" popular da festa, e era possível divisar alguns casaizinhos que aproveitavam o isolamento do lugar para se curtirem.

Como eu já estava ali, me afastei um pouco, e puxei o pinto para fora e comecei a mijar. Há alguns metros ao meu lado, em um ângulo que ele ficava oculto de mim, Gabriel parou também, e ouvi ele mijar ali. Ficamos em silêncio, e então, de repente, ouvi Gabriel soltar um xingamento baixo, arrastado.

-Que filho da puta...

Olhei para ele, tentando identificar o que estava acontecendo. Ele tinha terminado de mijar e olhava fixo para um canto no escuro, onde era possível divisar um casal nas sombras. Terminei também de mijar e me aproximei.

-Filho da puta! Filho da puta! - gritou Gabriel, de repente, me assustando. Tudo aconteceu muito rápido. Em seguida vi ele arremessar a garrafa de cerveja, que estourou com um som alto ao bater em uma mureta perto do casal. Gabriel saiu correndo, ainda xingando, falando palavras que não consegui entender. Entre uma dessas palavras, pude jurar que Gabriel estava chorando.

Vi ele se distanciar, abalado e bêbado, enquanto eu fiquei em choque, parado e sem ação, e sem saber o que fazer.

Virei então na direção do casal, que tinha se assustado com a garrafa, e consegui ver. A moça, uma garota de cabelos loiros estava escorada em uma motocicleta, parecia estar com a saia levantada. Atrás dela, com a bermuda abaixada, e claramente em posição de quem fodia a garota, estava Maciel.

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Comentários

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Conto muito bom!!! Bem escrito, envolvente!!! Será que vai ter a continuação???

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Obrigado!! Vai sim, iuribrx. Prometi para anteontem, mas tive um problema com a fonte do meu notebook e me atrasei. Vou publicá-lo tão cedo possível. Vi que me enviou uma mensagem, mas não consigo ler ela infelizmente.

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Continua por favor,tá ótimo e muito bem escrito.continua logo por favor

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Oi, Bielzinho. Dei uma atrasada, mas estou colocando o capítulo final em ordem para logo publicá-lo. Obrigado pelo comentário!!! Me motiva muito!

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Sensacional!! Muito bem escrito e estruturado, envolvente e cativante.

Não vejo a hora dos próximos capítulos e próximos Contos!!!

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obrigado! Fico feliz que esteja gostando, é o primeiro conto que escrevo, então há muito para se melhorar. O último capítulo deve sair no domingo!

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Que incrível, uma pena que a próxima já e a última parte

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continua logo por favor

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Oi, Geomateus! Obrigado por acompanhar! O último capítulo deve sair no domingo. Um abraço!

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Eita que o circo vai pegar fogo. Ou não kkkkk

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