A descoberta da minha homossexualidade se deu com o início da puberdade. Por volta dos 11 anos, as mudanças no meu corpo começaram a acontecer e eu passei a sentir interesse por garotos.
Na escola nós tínhamos aula de Ciências, onde aprendíamos sobre o corpo do homem e o corpo da mulher e eu sempre me interessava pelo lado masculino, deixando o feminino em segundo plano. Sempre que eu via um garoto bonito, sentia algo dentro de mim, só não sabia dizer o que era aquele "sentimento".
Tudo foi se aflorando com o passar do tempo. Com 14 anos eu já tinha certeza da minha orientação sexual, mas não tinha coragem de contar nada pra ninguém e tampouco alguém desconfiava de alguma coisa.
O único que talvez pudesse ter uma “pulga atrás da orelha” era o meu irmão gêmeo. Cauã. Idênticos no físico e totalmente diferentes no psicológico. Irmãos gêmeos normalmente têm algo que os diferenciem, mas comigo e o Cauã isso não acontecia.
Éramos – e somos – realmente muito idêntico. Só o que muda, ou melhor: mudava, era nosso caráter e a forma como enxergávamos a vida, mas hoje em dia nem isso nos torna diferentes. Desde crianças sempre estudamos na mesma sala de aula e isso muitas vezes foi motivo de brigas e desavenças entre nós dois.
Eu fazia a linha do “politicamente correto” e ele a do "bad boy pegador". Cansei de vê-lo aos beijos no pátio do colégio, cada dia com uma menina diferente. Aquilo me dava nojo e às vezes me fazia ficar irritado.
- Você vai me emprestar a matéria de hoje? - ele perguntou, assim que nós chegamos em casa.
- Não deveria. Ninguém mandou você matar aula pra ficar beijando a Nataly.
- O que é agora? Tá com ciúmes só porquê eu passo o rodo e você não pega ninguém?
- Não, não estou com ciúmes. Só não acho certo você matar aula pra ficar fazendo essas coisas.
- Para de ser idiota, irmãozinho! A vida é feita pra ser vivida e eu quero é curtir. Me empresta logo esse caderno, vai?
Eu sempre caía no joguinho dele. Não sei se por dó, ou por pura camaradagem.
- Muito bem, é assim que se faz.
O tempo foi passando e a vontade de contar a verdade começou a surgir dentro de mim, entretanto, eu não sabia como deveria fazer aquilo.
Meus pais eram muito conservadores. Minha mãe, Fátima, era do tipo de pessoa que acreditava que as mulheres deviam casar virgens. Já o meu pai, Edson, era extremamente preconceituoso; em todos os sentidos. Ele era do tipo de pessoa que não gostava de negros, evangélicos e principalmente, de gays. Nem deixar a minha mãe trabalhar fora de casa ele deixava.
Às vezes eu tentava me relacionar com garotas e até ficava com algumas, mas nunca senti absolutamente nada ao fazer aquilo. Confesso que fiquei com meninas primeiramente pra comprovar o que eu já tinha certeza e também para tentar mascarar a minha realidade.
E até que funcionou por algum tempo.
Meu irmão se gabava demais por pegar quase todas do colégio. Não sei como ele conseguia aquela façanha. Talvez fosse pelo fato dele chamar a atenção. Cauã era do tipo de adolescente que despertava o interesse das garotas por onde passava. Bonito, popular e com fama de galinha. Prato cheio para as periguetes de plantão.
Eu também tinha a minha popularidade, embora não saísse tanto como o meu irmão. Talvez a nossa semelhança chamasse a atenção das pessoas do colégio, afinal éramos os únicos gêmeos daquele lugar e por causa disso, tanto Cauã como eu vivíamos rodeados de amigos.
Mas foi só aos 16 anos que eu conheci o garoto que fez a minha vida dar um giro de 360º: Víctor. Nosso santo bateu desde o primeiro momento em que nos vimos, no primeiro dia de aulas do 2º ano do Ensino Médio. Como ele era novo na escola, ficou completamente perdido e sem amigos e por esse motivo eu resolvi puxar assunto e desde então não nos desgrudamos mais – só quando fui pro Rio de Janeiro, é claro –.
Em menos de uma semana, descobri que Víctor também era gay, mas não abri o jogo sobre a minha homossexualidade.
Não naquele momento. Ele descobriu só no meio do ano:
- Por que não me contou isso antes? – perguntou, irritado. - Pensei que você confiasse em mim...
- Eu confio em você, mas não contei por medo...
- Medo de quê? Você acha que eu vou sair espalhando por aí?
- Não. Não é isso. Não sei te explicar. É complicado...
- Sei que é.
- Não está bravo comigo, está?
- Decepcionado - confessou.
- Desculpa, Víctor. Eu queria ter te contado isso antes, mas não me sentia à vontade, entende?
- Pior que eu entendo. Tá, tudo bem. Eu te perdoo.
Senti um alívio enorme dentro do meu peito.
- Promete que não vai falar isso pra ninguém? - implorei.
- Fica tranquilo. Eu te encubro e você me encobre.
- Fechado!!!
Ficamos combinados daquele jeito, porém nosso segredo não durou por muito tempo. Víctor começou a sair com um garoto do 1º ano e praticamente a escola toda ficou sabendo do acontecido.
Quando o Cauã soube daquela história, foi logo contando pros meus pais, que quase tiveram um troço em saber que eu andava com um garoto gay:
- Não quero que você tenha amizade com esse tipinho, Caio - meu pai esbravejou. - Pode parar de andar com esse... esse... esse inseto!
- Não vou parar de andar com ele não - respondi na lata.
- Como é que é? - Edson ficou vermelho de ódio.
- Sinto muito, você não pode escolher as minhas amizades. Eu ando com quem eu quiser e falo com quem me der na telha!
- Ah, não vai parar não?
- Não - o desafiei.
- Veremos!!!
Praticamente todos os dias meu pai me ameaçava de alguma forma e aquilo foi me deixando preocupado. Se ele estava possuído só em saber que eu tinha um amigo gay, o que faria quando soubesse que eu também era homossexual? O que será que ia acontecer comigo? E a minha mãe? O que acharia? E o Cauã??? Eu me senti num beco sem saída. Me senti com uma bomba nas mãos que poderia explodir a qualquer momento e eu realmente não sabia quais seriam as proporções que aquela história teria quando a bomba explodisse.