Acordo com o barulho do despertador ao longe, encaro o relógio e suspiro, ainda é bem cedo, mas preciso ir pra faculdade. Desço para cozinha depois de tomar um bom banho e me preparar, já com meus materiais em mãos; faço um copo de café e o bebo com satisfação esperando que aquela quantidade de cafeína seja o suficiente pra mandar o resto de sono que ainda reside, embora de vez. Saio de casa apressado e, claro, não deixo uma gota sequer para o Eduardo; se ele está pensando que vai me fazer de idiota, ele não sabe o quanto que ele está enganado. Atravesso a rua distraído e só quando ouço o barulho de uma buzina perto demais, é que acordo pra vida.
— Uou, faltou pouco, em?! — o motorista grita.
— Ai nossa, me desculpa... Eu acho que estava distraído.
— Hum, eu sei bem como é. — ele diz sorrindo, não parece irritado e sim preocupado; me aproximo do veículo e me curvo em direção a janela do motorista e tomo um susto com o que vejo. Atrás do volante está um homem de, aproximadamente, trinta anos, com uma barba tão perfeita que me deixa fascinado e quase impossível de desviar os olhos — Mas porque você estava tão distraído? — ele fala me puxando de volta ao presente, me sinto corar pela forma tão óbvia que estava o olhando.
— Nem sei... — rio sem graça — Acho que só estava procurando um ponto de ônibus ou um táxi.
— Huum... Aqui perto não tem nem um, mas talvez eu possa te ajudar... Pra onde você tá indo?
— Pro outro lado da cidade...
— Qual bairro?
— “XXXX”, tô indo pra faculdade.
— Nossa, que coincidência, eu trabalho bem perto de lá! Vem, eu te dou uma carona, se você quiser. — dou de ombros e entro no carro, não acho que ele seja uma pessoa má ou perigosa e, no momento, é a melhor opção que eu tenho, já que o inútil que eu chamo de marido é um babaca.
— Obrigado.
— Eu nunca te vi por aqui, é novo no bairro?! — ele dá a partida e vamos em direção a avenida movimentada.
— Me mudei recentemente! — o encaro e ele arqueia uma sobrancelha; acho que é melhor explicar logo a situação — Na verdade, eu acabei de me casar.
— Sério?! — ele franze as sobrancelhas parecendo surpreso — Você é tão novo pra já estar casado... Que desperdício! — agora é a minha vez de lhe encarar, mas ele continua encarando a frente parecendo sério.
— Ironia do destino! — digo frustrado — A propósito, eu nem me apresentei... Sou André.
— Edward!
— Edward? — o encaro divertido e ele assente — Tipo, Edward Cullen? — ele ri.
— Hunf, pelo visto, você gosta do filme.
— Gostar não, eu idolatro aquele filme!
— Também gosto bastante. — ele diz enquanto paramos no sinal e ele aproveita para ligar o som.
— Fala sério, Adele?! — Pergunto escandalizado enquanto “Hello” invade o veículo batendo em meus ouvidos.
— Você não curte? Eu posso trocar...
— Não ouse fazer isso! — digo sério e ele me encara sorrindo amigavelmente... Ele é muito bonito, porra — Então, você é um cara que se chama Edward e gosta de Adele?! Diz, você é casado, noivo ou viúvo?
— Solteiro serve?! — ele responde rindo.
— As mulheres de hoje em dia não sabem mais escolher!
— Pois é, sobre isso... Na verdade, eu sou gay! — meu queixo cai e viro bem rápido para lhe olhar, dessa vez com um interesse ainda maior — Espero que não se importe com isso.
— Você tá de brincadeira comigo, né?! — ele me olha de volta muito sério — Hunf... Como diria meu amigo, Feh: “tô chocado”!
— O quê?! É tão chocante assim eu ser gay?!
— Não, mas você é um cara gay, bonito, tem esse carro que lhe rende uns cem pontos, se chama Edward, tem essa barba que te dá um ar misterioso que conquistaria qualquer um e ainda por cima gosta de Adele... Você estar solteiro é que é chocante. — ele rir alto encarando a sua frente — É por opção, não é?!
— Então, é isso que você acha de mim?! — ele me olha de esguelha com uma sobrancelha arqueada... Sinto que eu falei o que não devia.
— Bom... é, mas eu acho que não deveria, né?! Afinal sou casado... Bom, de qualquer forma, eu sou casado e não cego.
— Você é engraçado! — ele ri de forma descontraída, parece bastante a vontade ao meu lado, mesmo que ainda sejamos praticamente estranhos — E respondendo a sua pergunta, não, não é por opção minha.
— Os homens devem estar loucos, só pode! Ah não ser que você... — me calo rapidamente, quase falei bobagem.
— “A não ser que eu”, o quê?
— Nada, esquece! — credo, de tanto falar do Feh, tô virando um desbocado também.
— Fala!
— B-Bom... — sinto meu rosto esquentar e viro para encarar a janela — Eu pensei que, talvez, você tenha um tamanho insatisfatório?! Quero dizer, talvez seja muito pequeno... — ele rir alto — Dá pra parar de rir?!
— Não, acho que esse não é o meu problema!
— Então talvez seja grande demais?! Vai saber...
— Vinte centímetros é considerado um tamanho médio, não é?!
— E-Eu acho grande, mas vamos parar de falar disso! — digo sem graça... onde estava com a cabeça pra começar esse tipo de assunto com um desconhecido?! E a primeira impressão, André?
— Hum?! Qual o problema?! Eu realmente não me importo.
— Só... vamos mudar de assunto... — ele ri e assente concordando — E então, você trabalha com o quê?
— Tenho uma joalheria e um restaurante... Herança de família!
— Fala sério! Ainda por cima, é rico! Não tem como você ser “o cara perfeito” e ainda tá solteiro! Isso, tecnicamente, é um absurdo!
— Não íamos mudar de assunto?
— Desculpa!
— Então, porque você casou tão cedo?
— É meio complicado.
— Hum... Como assim?
— Digamos que, de certa forma, fui obrigado a isso.
— Seus pais?
— avô! Mas é muito complicado!
— E você gosta do seu marido?
— Hahaha dificilmente eu possa vir a gostar um pouco dele, e quando eu digo “pouco” é pouco mesmo! Tá vendo meu pulso enfaixado? Foi ele que me empurrou... o idiota!
— E você deu queixa?
— Foi um acidente!
— Hum... — sinto que esse assunto também está caminhando para um rumo perigoso, então tento mudá-lo.
— Você mora em que rua?
— Perto da mansão do Sr. Gustavo.
— Gustavo Arantes?!
— Sim, você conhece?
— Ele era o meu avô!
— Sério?! Era...?
— Era... Ele morreu.
— Nossa, eu não sabia... Na verdade, estive viajando esses últimos dias! — concordo e começo a cantarolar "All I Ask” sem me sentir — Não entendo, como ele pôde te obrigar a casar?! Ele não morreu?!
— Foi um dos últimos desejos dele... Como eu falei, é complicado!
— Mas tem o divórcio!
— Eu sei! Tenho que esperar um ano no mínimo pra poder me divorciar!
— Por quê?
— Pedido do meu avô!
— Nossa, você tá bem ferrado, em?! — eu rio concordando.
***
Edward para perto da minha faculdade, eu saio do carro e me despeço dele muito satisfeito com a carona.
— Obrigado pela carona!
— Foi um prazer! Hum... Posso pegar seu número?! Sabe, pra o caso de você precisar de uma carona novamente.
— Claro! Digita aí — ele pega o celular — É xxxxxxx, mas você volta que horas?
— À tarde!
— Que pena, eu volto meio dia!
— hum... Mas você pode vir comigo quando vier pra faculdade!
— Seria perfeito! Obrigado!
— Então até amanhã!
— Até!
***
Na volta, preciso pegar um táxi, após pagar entro na casa me sentindo exausto e dou de cara com o Eduardo.
— Porque você não fez café antes de sair?
— Porque não sou obrigado! — digo e passo por ele indo para o quarto, ele me encara com raiva e depois me segue.
— Espera aí, eu não terminei de falar com você. — ele entra no quarto.
— Mas eu já, e dar licença que eu vou tomar um banho agora.
— Eu tô me fudendo pra merda do seu banho, tive que tomar refrigerante no café da manhã. — tiro minha roupa, completamente indiferente a irritaçãozinha dele e fico apenas de boxer indo para o banheiro!
— Que pena, não é?! É melhor você ir se acostumando, porque agora cada um vai ficar por sua própria conta.
— Como assim?!
— Não vou fazer mais nada pra você... Pode esquecer o gosto da minha comida, porque você não vai mais provar dela nunca mais! Deu pra entender assim ou ainda tá difícil?!
— Você não pode tá falando sério.
— Acredite se quiser! — dou as costas e entro no banheiro ficando completamente nu.
— Você não pode fazer isso! — ele abre a porta e entra no banheiro me encarando.
— Então vamos vê se eu não posso. — ele suspira com a mandíbula apertada de raiva, mas eu simplesmente o ignoro — E vê se sai do banheiro, tá invadindo a minha privacidade. — entro no box e a água começa a me molhar relaxando meu corpo.
— O banheiro também é meu. — ele cruza os braços e se escora na parede me olhando.
— Mas isso não te dá o direito de me vê tomando banho... Agora sai logo!
— Ah vai se fuder.
Ele sai do banheiro batendo a porta com força e eu finalmente tomo meu banho em paz.
***
Após tomar meu banho, me sinto mais disposto e percebo que estou com fome, então coloco uma roupa confortável e desço para a cozinha para fazer meu almoço. Estou preparando macarrão com frango quando o Eduardo entra na cozinha, ressabiado.
— Tsk, tá bom, eu te levo na faculdade!
— Hum...! — digo desinteressado.
— Você vai me deixar comer desse macarrão?
— Não!
— Mas eu vou te levar...
— É, e além disso, quero que você me peça desculpas!
— Vai sonhando!
— Então, sem macarrão!
— Tá bom, tá bom! — ele me encara por um momento e depois rola os olhos — Me desculpa, tá?!
— Agora sim! — ele fecha a cara e cruza os braços — E não precisa me levar, não, eu já achei uma carona, só precisa ir me buscar.
— Que carona?
— De um amigo que eu fiz... Ele é nosso vizinho, eu acho!
— Hum...
O relógio marca sete horas da noite e vamos ambos para a sala, cada um deitando em um sofá. O Eduardo está assistindo "Jogos Mortais", e eu decidi assistir também, já que não tem nada melhor pra fazer, mas estou pensando seriamente em ir dormir; na verdade comecei a ficar com medo e não quero ter pesadelos.
— Tem alguém tocando a campainha!
O Eduardo diz com os olhos grudados na TV e como não quero assistir mesmo, me levanto e vou ver quem é. Após abrir o portão, abro a porta e me deparo com Edward me encarando enquanto sorrir lindamente.
— Boa noite!
— Boa! — o encaro de volta, ele está tão lindo, ainda mais que hoje de manhã... droga — Entra, fica a vontade; nós estamos assistindo um filme!
— Hum... Isso é pra vocês. — ele me entrega uma vasilha — É torta de limão!
— Torta?! — Afss, o Eduardo fala atrás de me cortando o clima geral.
— Você gosta? — Edward pergunta assim que o idiota vem na nossa direção.
— Muito! Eu sou o Eduardo. — ele estende a mão e Edward a aperta.
— Edward!
— Vem assistir com a gente! — digo sorrindo.
— Porque não?! — ele diz e entra se sentando no sofá ao meu lado.
Eduardo me encara como se aguardasse algo.
— Hum... Toma Eduardo! — lhe entrego a vasilha com torta girando os olhos e ele vai pra cozinha — Não ouse comer tudo! — grito atrás dele.
— Que filme é esse? — Edward pergunta encarando a televisão.
— Jogos Mortais!
— Você gosta desse tipo de filme?
— Detesto, mas não tinha nada pra fazer, então...!
— Tava uma maravilha aquela torta! — Eduardo volta pra sala.
— Você já comeu? — Edward lhe encara.
— Não se surpreenda, esse daí é capaz de devorar um cavalo em questão de minutos! — Edward ri.
— Onde você comprou? — ele pergunta.
— Na verdade, foi eu que fiz! — Edward fala.
— Preciso provar essa torta! — levanto rapidamente, vou até a cozinha e volto pra sala com o que tinha sobrado da torta em um prato — Está uma delícia mesmo! — sento ao lado de Edward novamente, enquanto isso o Eduardo se esparrama no outro sofá.
— Obrigado! — Edward me encara enquanto eu levo mais um pedaço a boca — Você sabe cozinhar?
— E como! — Eduardo fala antes que eu possa responder — O André cozinha muito bem!
— Eu tento. — digo enquanto olho incrédulo pra o Eduardo.
— Nossa, então eu quero provar da sua comida qualquer dia desses.
— Porque não vem jantar com a gente amanhã?
— Claro, por mim está ótimo!
— Já tinha me esquecido, amanhã o Gustavo vai passar o dia aqui! — o Eduardo me avisa.
— Aquele do casamento?!
— Sim! É bom que nós jantamos os quatro juntos.
— Verdade! — digo me sentindo um pouco aliviado do Edward ter aparecido pra me salvar daquele jantar, porque eu não gostei nem um pouco do amigo do Eduardo, porém não vou me opor a fazer esse jantar, afinal quero que o Edward coma da minha comida... Ele sim é um homem que realmente vale a pena agradar.
Continua...