A “baleia” é como Jonas e todos os seus conhecidos, chegados, amigos e íntimos chamam o apartamento dele, na verdade um enorme espaço, que ocupa todo o quinto andar (o último) de um prédio antigo, mas muito bem conservado, no centro da cidade. Apesar de ser um lugar arrumado (mesmo com a rotatividade de visitantes), não há um estilo definido – nele se misturam tendências e gostos de quem o frequenta, gente que tem alguma ligação LGBTQIAP+. Há quartos, com camas confortáveis e lençóis sempre limpos, mas almofadas e colchões e redes espalham-se por todo canto que o usuário deseja estar.
Foi para lá que Jonas me convidou, após uma palestra sua a que assisti, e enquanto me preparava para ocupar um hotel que reservara. A porta do antigo e amplo elevador se abriu, me colocando no vão, em frente a uma porta muito estranha, louca e colorida. Jonas atendeu a campainha (estava lindo, numa apenas bermuda folgada), iluminou seu rosto num sorriso e me deu um abraço mais apertado e demorado do que aquele com que me cumprimentara, quando nos conhecemos, horas antes. Eu me entreguei todo nesse abraço, antevendo as delícias que poderiam vir depois.
Por isso minha surpresa, quando, ao ser introduzido na sala, percebi que não estávamos sozinhos – constatei a presença de umas quatro pessoas, algumas conversando, outras se acarinhando, outras se beijando; não havia uniformidade nas vestimentas – uns mais “compostos”, outros mais à vontade... Todos pararam para me cumprimentar efusivamente, com abraços e cheiros, após Jonas falar quem eu era e que ficaria por ali. Após os cumprimentos, cada um voltou a fazer o que estava fazendo.
Naturalmente, ele percebeu meu desconcerto e me levou a um recanto da sala, sentamo-nos sobre confortáveis almofadas, e ele me passou toda a ficha do lugar:
“Moro neste apartamento sozinho, mas nunca estou sozinho. Aqui é um local em que recebo todos que queiram conhecer gente legal, trocar ideias, carinhos ou o que rolar. Existem espaços em se pode ter privacidade, mas a maioria prefere a liberdade e a descontração de estar com todos. Ninguém se sente constrangido com nada, porque não existe qualquer tipo de censura ou impedimento, a não ser o que possa desagradar, magoar ou machucar o outro.
Não sou rico, meu único bem é esse apartamento, herança de minha avó. Então quem vem pra cá geralmente traz alguma coisa, comida ou bebida e coloca na despensa – que está sempre cheia, mas a gente não tem ideia de quem trouxe o quê, tudo é de todos. Também não existe uma administração, todo mundo faz parte de tudo; se alguém percebe que está faltando algo, por exemplo, vai lá e traz ou se junta com mais alguém e providenciam...
É um lugar de passagem para forasteiros e/ou turistas, que não têm um lugar para ficar, e não querem ou não podem ir para hotel; mas também recebe pessoas que moram na cidade, e que desejam passar horas agradáveis, felizes, com gente que tem a ver consigo. A “baleia” está sempre aberta para novos visitantes, que sempre são trazidos por quem já frequenta. E aceitamos todas as letras da sigla, ou mesmo héteros – bastam vir para somar, para acrescentar, para trazer felicidade e carinho para todos.
É um céu? Não! É uma baleia. Pode rolar alguma treta, algum inconveniente, mas há sempre alguém disposto a conversar e chamar à razão quem não está sabendo conviver em harmonia com o ambiente. E, se mesmo assim não resolver, o dissidente é gentilmente colocado no respiradouro da baleia e ejetado para bem longe – mas muito raramente se chega a esse extremo. As pessoas curtem ser legais, agradáveis, gentis, e ser tratadas assim.
Aqui não rola esse lance de ciúme ou possessividade, porque a gente acredita que esses sentimentos apenas trazem mal estar a quem os experimenta, e termina por dominar a pessoa e machucar e fazer mal ao outro e a si mesmo. É a causa da imensa maioria dos crimes, brigas, desentendimentos e agressões. Não existe, neste ambiente, exclusividade para estar com alguém, seja simplesmente conversando seja transando – basta os envolvidos estarem a fim.
Mas este não é um inferninho, que as pessoas vêm só para foder umas com as outras, porque isso também não contempla o bem estar que almejamos. Todo mundo vem aqui para se conhecer, conversar, aprender umas com as outras, se carinhar, e, eventualmente, pode rolar sexo, mas não necessariamente.”
Eu estava no mais completo êxtase! Então existia um lugar assim, pessoas que pensavam e agiam dessa forma, como eu sempre sonhei, na vida, encontrar, vivenciar! Porque eu sempre acreditei nesses ideais todos que Jonas me descreveu, mas minha introspecção me impedia de procurar por gente que poderia pensar dessa maneira, ou por lugares onde gente assim se encontrasse. Eu achava mais fácil creditar isso a delírio meu, a utopia, e somente lamentar não existir realmente. E desse jeito vivi um imenso pedaço de vida, na verdade toda a minha vida até agora. Até ver e sentir, materializada em minha frente, essa realidade.
Eu estava feliz demais... E isso deveria estar evidente no brilho dos meus olhos, na satisfação do meu semblante, no meu permanente sorriso pregado na minha cara, porque Jonas parou de falar, ao concluir as informações, e um imenso silêncio se fez, durante o qual parece que a conversa continuava, através dos nossos olhos e de uma energia indescritível que nos envolvia.
Eu não sabia o que dizer... Passeei meu olhar por aquele ambiente aconchegante (na sala rolava uma transa entre dois caras que se beijavam quando cheguei; de um dos banheiros saía uma garota de cabelos cor-de-rosa, nua, apenas enxugando os cabelos...), senti meus olhos umedecerem, e um filete líquido descer pela minha face. Eu era só emoção. Olhei para Jonas, seus olhos também nadavam, e ele sorria. E nos jogamos nos braços um do outro, num abraço em que senti toda a suavidade e intensidade daquele corpo negro.
Nossas bocas se encontraram e nossas lágrimas se misturaram em nossas faces. Eu sentia a dureza de seu membro, no estreitar do nosso abraço – agora ambos deitados sobre as almofadas –, mas eu nem pensava mais com a obsessão de antes, em ser penetrado por ele; antes, queria sentir toda a completude de seu beijo, o calor daquele corpo que se misturava com o meu, o carinho que nos fazia tão desejosos um do outro.
A mulher do cabelo cor de rosa passou a dois passos de nós, toalha enrolada na cabeça, e ainda nua – passou com a mesma sem-cerimônia com que saíra pelada do banheiro e atravessava o salão, sem nem tomar conhecimento que, no seu caminho, dois homens se devoravam avidamente. Apenas notei-lhe o sorriso de serena satisfação e o complacente olhar sobre nossos corpos.
Em segundos eu estava com a rola de Jonas em minha boca, e a sugava com um carinho imenso, sem alvoroço nem ansiedade, mas com a tranquilidade de quem aproveita cada momento daquela relação. Ele estava de olhos fechados e parecia usufruir de cada mínimo prazer que minha boca lhe proporcionava.
Mas meu cu ansiava por também receber aquele falo negro. Aproveitei um momento em que ele estava sentado e fui me encaixando, sentando sobre seu mastro pulsante. Sentia-o entrando em mim, suavemente, sob meu controle de movimentos, e cada centímetro do meu corpo experimentava uma sensação intensa. Eu sentia meus mamilos endurecidos, ao toque mágico de seus dedos; minha rola, roçando na barriga de Jonas, parecia querer explodir de prazer; e o rosto do meu amigo demonstrava uma paz tão plena, enquanto me comia, como não havia percebido antes em homem algum.
Nos meus movimentos de cavalgada, colhi seus lábios e os senti ainda mais ávidos, sua boca mais suculenta, sua língua mais deliciosa a se envolver com a minha. Até que percebi suas sobrancelhas se arquearem ligeiramente, enquanto um gemido gutural invadia nosso beijo, e aquele macho de ébano explodia toda a sua felicidade em mim. Eu podia sentir cada jato expelido por aquele vulcão negro em erupção dentro do meu corpo, e eu era o homem mais feliz do universo, naquele momento.
Após o orgasmo, sua respiração sôfrega entrecortava sua voz, mas não interferia no seu sorriso maravilhoso, sempre estampado no seu rosto. Nós nos abraçamos com mais força, sentindo o ritmo dos nossos corações em uníssono; tombamos delicadamente nossos corpos sobre as almofadas e ali permanecemos, agarrados e cansados, entregando-nos a um delicioso torpor que tomava conta de nós.
Dormi um pouco – não sei se Jonas também. Quando abri os olhos, seu rosto estava a milímetros do meu; eu podia sentir sua respiração sobre mim, e o sempre sorriso. Ele falou, com fofura, que eu estava lindo dormindo, e queria ficar tomando conta de mim por muito mais tempo... Dizia essas coisas, enquanto trocávamos selinhos. Eu pressentia que terminava por ali nosso encontro e colei minha boca a sua, com toda a avidez de uma última vez, ao que ele correspondeu com vigor.
Ao separarmos nossos lábios, ele sorriu, disse para eu ficar à vontade, quanto tempo e do jeito que eu desejasse. Que, literalmente, a casa era minha. E, entre beijinhos, levantou-se e dirigiu-se ao banheiro, com a bermuda na mão. Encontrou um trans (lindo) no caminho, parou, abraçou-o com enorme carinho e o beijou intensamente. E a simplicidade com que aquilo era feito me deixava tão feliz, que novamente meus olhos marejaram, e os fechei, permanecendo assim durante algum tempo – até quando senti uma presença perto de mim, abri os olhos e ali estava a garota do cabelo cor de rosa, ainda nua, sentada a minha frente, de pernas cruzadas, sorrindo e olhando para mim...