O apartamento de Jonas, no centro da cidade, é o Shangri-Lá de todas as letras do LGBTQIAP+. Conheci-o numa palestra que proferiu, num evento sobre homofobia. Comunicativo e didático para o público, comunicativo e agradável no trato individual.
No intervalo do evento, enquanto os mais diversos tipos circulavam, conversavam, riam ou brincavam, eu – tímido como sempre – ocupei a mais distante e inexpressiva mesa da cantina, habituado que sou com minha solidão, minha introspecção, meu emimesmamento (existirá essa palavra?!). Envolto em minha quietude e sufocado pelos meus quase sessenta anos, julgava-me deslocado em meio a tantos jovens “descolados”, descontraídos...
Jonas flutuava entre os grupos, falava e brincava com todos, abraçava um e outro, sempre sorrindo, sempre com uma frase para cada um, uma resposta na ponta da língua para cada abordagem... Eu admirava demais tal desenvoltura e lamentava não ter sido assim um dia, porque sabia que as chances de sê-lo, no futuro, resumiam-se cada vez mais.
Qual não foi minha surpresa ao perceber que se dirigia a meu afastado retiro. Eu já me preparava para palavras triviais, um ou outro elogio sobre a palestra, quando ele chega, me cumprimenta e pergunta se pode sentar. Quase tive um treco. Puta que pariu! Onde caralho vou buscar assunto para mais do que que dois minutos de conversa?
Logo constatei que sua habilidade comunicativa no palco não era algo programado, mas natural, pois também assim se colocava para mim, naquela mesa. Desde os corriqueiros assuntos introdutórios, até a abordagem mais aprofundada sugerida por algum destes temas, Jonas me deixou completamente à vontade. Falava fluentemente, mas prestava atenção a cada palavra que eu dizia. Em pouco, embrenhávamo-nos em tópicos sugeridos mas não desenvolvidos na palestra.
Eu estava encantado. Que agradável! E que homem bonito, cheiroso! Meu corpo já dava sinais de que o queria dentro de mim, embora o cérebro me trouxesse de volta à realidade a cada segundo, mostrando-me a completa impossibilidade de algo além daquela conversa.
Não vi o tempo passar e o intervalo acabou. Ele pediu meu celular, ao mesmo tempo que me entregou o seu, para que puséssemos nossos números, e disse para não perdermos o contato, pois tinha muito fiapo de conversa em nossa conversa, que tinha ficado por puxar. Achei linda a construção da frase. Levantamo-nos, nos abraçamos e senti um beijo em meu pescoço – teria ele percebido minha rigidez?
O restante do evento foi somente para perder-me em sua voz, seus gestos, sua fala, seu sorriso. Imaginar seu corpo sem aquela roupa elegante que vestia. Pensar ser penetrado por aquele membro que parecia tão delicioso, meio que decalcado sob a calça de linho. Sua participação se esvaiu rapidamente, o relógio fez-se ventilador, e o ruído dos aplausos despertou-me do transe. Fiquei de pé, como toda a plateia, aplaudindo aquele jovem gênio.
A tietagem alvoroçada avançou para o palco, rodeando-o, abraçando-o, tirando milhões de selfies, cumprimentando-o efusivamente pelo belíssimo trabalho. Eu jamais iria concorrer com toda aquela jovialidade de corpos. Sorri pra mim mesmo, e fui me retirando, pela lateral, acompanhado de minha já consagrada solidão.
Jantava num restaurante perto do hotel que eu reservara, mas que ainda não ocupara, pois não queria pagar uma diária a mais, chegando pela manhã. E agora o estômago fez-se prioridade, e resolvi primeiro me alimentar, para somente depois me recolher de vez.
O sinal de mensagem no whatsapp chamou minha atenção, por não ser de nenhum dos meus contatos. Parei a refeição para ler: “E aí, podemos continuar a puxar os fiapos agora à noite?” Quase tive um troço novamente. Adicionei-o para ter a certeza fotográfica que eu já tinha, e respondi, meio trêmulo. “Beleza!” – Não me cobrem originalidade em meio a nervosismo tão adolescente...
“Quais seus planos para esta noite?” – perguntou. “Estou terminando de jantar e depois iria para o hotel...” “Já fez check-in?” “Não” “Então não faça. Gostaria de recebe-lo em minha baleia”. Sim, também fiquei confuso por instantes, mas, ao ligar seu nome ao animal, entendi a referência irônica.
Ainda bem que a conversa era pelo zap. Eu deveria estar com a maior cara de idiota do universo. Ao receber a localização da “baleia”, no celular, decidi apagar a recusa que eu já começara a digitar. Estaria lá em uma hora, no máximo. O emoji de coraçõezinhos piscando encerrou a conversa.
Durante o restante do jantar eu fiquei em estado de semi-êxtase, tentando entender o que estava acontecendo. O que diabos poderia querer comigo, um velho “B”, antipático e introspectivo, um jovem e talentoso palestrante, com metade da minha idade e, com certeza, com mais do que o dobro da minha experiência?
Obviamente, não consegui atinar com uma resposta satisfatória, por mais hipóteses que aventasse. Precisava esperar, chegar à “baleia”, e ver o que rolaria... E você, leitor, também vai precisar esperar eu concluir a refeição, porque somente depois, num outro texto, eu conto tudo que aconteceu naquela noite e desde então.