Nos primeiros parágrafos deste capítulo, terei que contar alguns fatos leves, mas que são relevantes para entenderem as mudanças, porém ainda nesse capítulo, ocorrerá uma revelação que dará início uma guinada gigantesca em toda trama.
O último ano da faculdade estava acabando, meus blogs estavam fazendo um relativo sucesso, isso numa época que a internet ainda não era tomada por youtubers e “influencers”. Certo dia, recebo um e-mail de uma associação renomada de Psicologia que ficava sediada em São Paulo, um diretor de nome Castilho, disse-me que tinha lido alguns artigos meus e gostaria de ver se eu tinha mais para mostra-lo. Enviei algumas coisas acadêmicas que produzi e ele demorou uns dias para responder. Na verdade, foi buscar informações com professores meus, que me contaram depois. Após um tempo, Castilho me ligou e disse:
-Se você morasse mais próximo, te chamaria para uma reunião, mas como está longe, vou te fazer uma proposta por aqui mesmo. Gostaríamos que você viesse fazer uma espécie de teste, um período de experiência na nossa associação, o salário não é nada astronômico, mas para quem está começando, creio que é justo. Além disso, vendo seus textos mais voltados para o público leigo, mostrei-os a editora de uma revista de variedades e pode ser que ela queira que você escreva uma coluna semanal, o que já seria um dinheiro a mais. Você tem interesse em vir morar em São Paulo?
Claro que eu tinha, conversei mais com ele e acertei de assim que me formasse, iria procura-lo.
Conclui o curso e na minha formatura, como já esperado, meu pai inventou uma dor de cabeça e disse que não iria, claro que todos disfarçaram fingindo acreditar para não estragar meu dia, mas fiz questão de dizer na cara dele, que era melhor que não fosse mesmo, pois entre ter um pai tóxico presente e não ter, optaria sempre pela segunda hipótese. O idiota se espantou vendo que eu estava cagando e andando não só para as muitas palavras negativas que disse para mim ao longo da vida, como para a sua própria presença. Não pensem que antes ou depois dessa conversa houve um simples parabéns, um aperto de mãos, muito menos um abraço.
Alexandre foi, mas mesmo disfarçando, notei que estava sem graça. Marianne, que há tempos vinha de cara amarrada comigo, me deu um forte abraço. Depois, fui curtir com os amigos, numa noite de muita bagunça e sexo.
Tentei uma última conversa com Marianne para pedir-lhe desculpas, mas havia muita mágoa da parte dela. Aquilo me dava uma tristeza grande, era o único senão daquele momento de alegria que estava começando a viver. Não nego que se ela não fosse casada com meu irmão, talvez eu desse uma chance para nós, pois sexo melhor do que o que fiz com ela, dificilmente teria, mas, para azar nosso, logo no começo de nossa história, ela foi se envolver com Alexandre.
Fui para São Paulo, encarar a cidade grande não foi fácil. Nesse primeiro ano, eu não ganhava muito, mas dava para ter um “apertamento” alugado, pagar as contas e ainda poder curtir a noite paulistana.
Comecei a fazer o mestrado duas vezes por semana, o que exigiu de mim um grande esforço. Ia para minha cidade em alguns feriados e sempre via Marianne, mas não tínhamos mais nada, pois apesar dela estar ainda mais gostosa, não queria recomeçar aquela loucura, mas tínhamos nossos olhares de desejo. Soube que durante esse meu primeiro ano fora, Alexandre e ela terminaram e reataram uma meia-dúzia de vezes.
Saber que bastava eu querer para poder transar com aquela morena maravilhosa que num simples andar já me deixava excitado, era uma tortura, mas procurei resistir.
De vez em quando, nesses feriados, eu via Leia, que também ia visitar sua família. Ela estava terminando o curso de Odontologia, além de linda, agora se vestia de maneira elegante. De vez em quando, vinha com o seu noivo, um cara que pelo que soube era engenheiro. Quase sete anos depois de nosso término, ainda me doía vê-la.
É nesse ponto que devo contar ao (à) amigo (a) leitor (a), a armação sem pé nem cabeça que fizeram para terminar nosso namoro.
Era muito difícil poder me encontrar para namorar Léia especialmente à noite, seus pais, principalmente a mãe, marcavam em cima, mesmo assim nos encontrávamos à tarde e às vezes à noite, sempre em locais com pouca movimentação. Quando nos viam no clube ou na praça estávamos só conversando sem nos beijar, deixávamos isso, como citei, para os cantinhos
Conseguimos esconder o namoro de sua mãe por quase dez meses, mas quando ela descobriu, moveu mundos e fundos para nos afastar. Como viu que não conseguiria, pois Léia me amava, a coroa decidiu armar algo digno de novela mexicana e para isso teve uma ajuda inusitada.
Coisa de dois meses antes, eu havia ido a uma festa de amigos do meu irmão, havia poucos moleques da minha faixa etária. Os mais velhos começaram a desafiar meu amigo Sidnei e eu a bebermos e para não passarmos por bobinhos, aceitamos. Fiquei muito mal e ele também, acabei apagando sentado no sofá e aí a bagunça continuou. Num dado momento, desafiaram Susana ( uma tranqueira que aos 19 anos já tinha dois filhos e nem tinha ideia de quem eram os pais e tinha o apelido de “Zóio de peixe” de tão bonita que era) a dançar pelada e ela topou. Meu irmão andava com uma daquelas máquinas fotográficas que tinha que colocar um rolo de filme de 24 ou 36 poses e tirou fotos dela nua. Então, alguém teve a ideia de mandar Susana se sentar em meu colo nua e tiraram duas fotos assim. Só fui ficar sabendo quando Alexandre me mostrou-as e para dizer a verdade, no momento, eu dei risada e comentei. “Esses caras são foda, pior que não vi nada”. Naquele tempo (final dos anos 90) não havia medo de uma foto cari na internet, então achei que foi uma zoeira e nem me lembrei mais.
O problema é que o álbum de fotos passou pelas mãos de várias pessoas e alguém pegou uma das que Susana estava comigo e “estranhamente” essa foto chegou até Isabel, a mãe de Léia. Mas para a farsa ser mais convincente, a coroa convenceu a “Zóio de peixe” a contar à filha que transávamos sempre, há mais de um ano até.
Em posse da foto e com o relato presencial de Susana, Léia, em sua ingenuidade de adolescente, acreditou em tudo e cometeu um erro que me magoou por muitos anos, o de não ouvir minha versão, mesmo eu tentando por meses, chegando até, como citei no primeiro capítulo a receber a visita da polícia em minha casa para que me afastasse dela.
Suzana teve que dar uma de Mister M por uns tempos, pois sabia que eu queria encontrá-la e por isso se escondeu na casa de parentes em outra cidade, esperando a poeira baixar.
O resto os leitores já sabem, meses e meses de sofrimento, envolvimento com drogas etc. Mas agora, vários anos depois, eu acordo num sábado de feriado no meu antigo quartinho e pouco depois do café, estou sentado na varanda, quando vejo um carro encostando, era Léia. Eu nem conseguia imaginar o que ela poderia querer em minha casa a essa altura. Ela desceu do carro e se encaminhou para a porta, mas ao me ver já na varanda, ficou um tanto sem graça e disse:
-Oi, Diego, desculpe por vir sem avisar, mas gostaria muito de falar com você. Podemos ter uma conversa?
Apesar de todo meu equilíbrio como profissional, ouvindo pessoas, gaguejei como um garoto tímido.
-Sim...Sim...Que...Que...entrar?
-Acho melhor irmos para outro local, se você puder, claro.
-Sim, claro..
Nos cumprimentamos na porta de maneira estranha, eu não sabia se só dava a mão ou beijava-a no rosto, ela também ficou confusa após tantos anos sem trocarmos uma palavra. Léia tinha adquirido um corpo bonito, não ao estilo grandão como o de Marianne, mas mediano com seios e bumbum médios, pernas e braços bem torneados, apenas o rosto e o cabelo se mantinham iguais, um corte channel, os olhos castanhos lindos, as faces levemente coradas, boca e nariz pequenos.
Ela pediu que fôssemos em seu carro. No caminho, eu ainda anão acreditava no que estava ocorrendo, Léia só adiantou que ficou sabendo ontem, não conseguiu dormir direito e se viu na obrigação de me contar.
Paramos atrás da pequena biblioteca da cidade, por um instante tive um déjá-vu, pois naquele murinho, tínhamos nos beijado muitas vezes. Sem delongas, mas um tanto sem graça, Léia entrou no assunto:
-O motivo de eu te procurar após tantos anos é que ontem aquela Susana veio me procurar.
Na hora meu sangue ferveu só de me lembrar daquela praga.
-O que ela queria, inventar agora que sou pai de uns três filhos dela?
-Não...Ela veio desmentir tudo o que me disse...
Na hora, eu me levantei do murinho.
-Como é que é?
-Vou te contar com calma. A Susana me viu no mercado, eu tinha acabado de chegar para passar o feriado e fui comprar algumas coisas, aí ela veio falar comigo. Educadamente, a cortei, mas ela disse que precisava pedir perdão porque havia mentido sobre você. Contou que tinha se tornado religiosa e que viu o mal que fez para nós dois, mas que tinha feito isso porque a minha mãe a chamou um dia e lhe ofereceu um belo dinheiro para contar na minha frente que transava com você antes mesmo de começarmos a namorar. Ela teria dito à minha mãe que eu nunca acreditaria, mas minha mãe estava com aquela foto da Susana pelada em seu colo, então com a foto e a palavra dela contando tudo, eu acreditaria. Elas devem ter ensaiado muito bem, porque eu não era tão bobinha assim, mas a Susana descreveu locais como embaixo da ponte no riozinho, casas abandonadas, o vestiário do clube que não tinha tranca...
Eu ouvi tudo chocado, num dado momento, perguntei:
-Mas e a foto, como foi parar nas mãos da sua mãe?
-Isso nem a Susana soube dizer, ontem mesmo tive uma briga com minha mãe até altas horas, ela negou tudo, mas percebi que estava mentindo, percebi também que ela tem uma raiva grande de você e não sei por quê.
-Isso eu sei de longa data! Pagar para nos separar? Isso chega a ser doentio. Sua mãe já me provocou em diversas ocasiões, fazia cara de nojo quando me via, dizia alto que jamais permitiria que uma de suas filhas se envolvesse com um lixo mequetrefe, acho que ela só parou quando você finalmente foi morar fora.
-Eu sinto muito por tudo.
-Eu ainda estou em choque, mas preciso ser sincero, a minha mágoa maior foi você nunca ter me dado a chance de cinco minutos de conversa, cinco minutos de conversa não mataria ninguém e te mostraria que era tudo mentira.
-Você tem toda razão, mas na época, eu acreditei cegamente no que ouvi e no que vi naquela foto, então imaginei que nada do que você me dissesse seria verdade, sei que não serve de consolo, mas sofri muito, perdi peso, foram meses terríveis.
-Eu comecei a usar drogas para ver se te esquecia...
-Meu Deus? Como foi isso? – Questionou-me aflita.
- Com você, eu era o adolescente mais feliz dessa cidade, aí um dia acordo e vejo que a vida virou uma grande merda, além de uma dor terrível e de uma vontade de só ficar deitado, passei a ter umas coisas estranhas, que hoje sei eram crises de ansiedade, então, comecei a fumar maconha por uns meses com aquela turminha do rock da Vila Alta e aí ficava meio adormecido, mas sofri para cacete por algo que não fiz.
Léia ficou com os olhos marejados e chegou a derrubar umas lágrimas, eu também fiquei muito mal. Ela disse que esperava que um dia eu pudesse perdoá-la, fiz questão de dizer que éramos vítimas, mas que seria impossível desculpar a mãe dela e a Susana.
-O que mais me espanta, é que minha mãe me viu definhando ali, sofrendo e ainda vinha e falava mais alguma coisa ruim de você, era como cutucar uma ferida aberta.
-Os poucos que sabiam que a gente namorava, diziam que éramos um casal perfeito e que um dia eu seria prefeito e você primeira-dama da cidade.
-Sim, a gente se dava muito bem e as pessoas notavam.
Ficamos um bom tempo tentando ali sentados tentando assimilar aquela trapaça da vida que nos armaram. Convidei Léia para tomarmos um café na padaria e falarmos sobre nossas vidas, ela me contou que estava terminando o seu curso e que estava noiva, falei um pouco sobre minha vida também e fiquei surpreso por ela ser uma leitora dos artigos que escrevia para uma revista de variedades.
-A Silvia, amiga nossa da escola, me contou e comecei a ler. Nossa! Você escreve bem, umas reflexões profundas, acompanho toda semana. Te imaginei sendo um monte de coisas, até jogador de futebol, porque você era doido por bola, mas nessa área, foi uma grande surpresa.
De repente nossa conversa começou a fluir e parecia que a grande nuvem negra da descoberta da farsa tinha passado. Rimos bastante lembrando de professores, colegas e fatos que marcaram nossa infância e adolescência. No final, após pedir novamente desculpas a mim, trocamos nossos números de celular. Ela quis me levar para casa, mas disse que ia aproveitar para ver uns amigos. Nos despedimos, mas quando estávamos saindo, Léia me chamou e disse:
-Para provar mesmo que não existe mais ressentimentos, aceite meu convite e vamos comer uma pizza hoje como amigos?
Pensei um pouco e disse:
-Claro. Onde?
-Pizza boa aqui na nossa cidade natal só mesmo no Casarão, que tal umas 21h?
-Fechado, mas quem chegar primeiro segura uma mesa, porque lá sempre lota.
Eu estava com a mão na porta do carro. Léia respirou fundo e colocou a mão dela sobre minha, suspirou e disse:
-Espero mesmo que possamos ser amigos.
Mais tarde, chamei minhas irmãs e minha mãe e falei tudo o que Léia me contou, o choque e a revolta delas foram enormes, mas o que mais me chamou a atenção foi meu pai, que estava distraído arrumando uma torneira, mas quando comecei a falar, demonstrou nervosismo e chegou a atacar uma ferramenta na pia com força.
Duas horas depois, ele me chamou e disse:
-Entra no meu carro.
-Não estou com vontade de ir a lugar nenhum com você.
-Você não quer saber mais sobre essa história de Léia? Entra porque o que vou te contar é urgente e não dá para ficar fazendo charminho.
Imaginei que meu pai pudesse saber algo a mais, quem sabe teria sido Alexandre quem ajudou a me foder? Mesmo ressabiado, entrei no carro e partimos. O que eu ouviria ali, além de me remoer o estômago, foderia completamente com a minha vida.