Não fomos muito longe, algumas ruas para baixo, num campo deserto perto do córrego da parte baixa da cidade. Meu pai encostou e disse:
-Vamos conversar fora do carro.
Eu desci bem curioso, depois do que Léia me contou, ainda tinha mais o que saber? Pensei.
-Não vou enrolar, porque não é do meu feitio, mas há coisas do meu passado que agora você precisa saber.
Achei estranho ele querer contar logo a mim, mas o deixei falar.
-Eu ouvi essa história de você e a menina lá, a Léia, vão se encontrar hoje mesmo?
-Sim, mas por que a pergunta?
-Bem, como eu disse há coisas que já estavam esquecidas, mas sou obrigado a lembrar. Hoje, a nossa cidade tem o quê? Sete mil habitantes, sete e meio, mas há 25, 30 anos, isso aqui era um vilarejo, não chegava a três mil quinhentos. Quase todo mundo se conhecia e houve um momento em minha vida...Que...Bem...Eu me envolvi com uma mulher casada, eu também já era casado com a sua mãe, tínhamos o Alexandre. Ocorre que essa mulher casada se separou por uns tempos do marido, porque ele nos flagrou na cama deles e eu acabei engravidando minha amante quase que no mesmo tempo que sua mãe engravidou da Helena (minha irmã que é mais nova que Alexandre e mais velha que eu).
Eu escutava tudo atônito, pois apesar de um completo idiota e bruto comigo, nunca soube que meu pai era do tipo mulherengo, questionei-o quem era a mulher e sem pestanejar, ele disse:
-A Isabel, mãe da Léia!
Minha cara caiu de vez, eu sabia que eles se conheciam de vista, “Bom dia, Boa tarde” como todos os moradores mais antigos, mas as bombas estavam só começando.
-Você sabe que ela tem três filhas, Vanessa, Vivian e Valéria, que sei lá por que todo mundo chama de Léia, pois bem, a Vivian é minha filha e sua meia-irmã.
-Puta que pariu! Mas isso é certeza?
-Sim, nós ficamos meses juntos, ela engravidou de mim, o marido nem estava com ela, tinha se separado como falei após nos pegar na cama, mas tem mais.
-Mais?
-A Vivian, que é a filha do meio, certeza que é minha e tem grandes chances que a Léia também seja.
Nessa hora, eu senti tudo rodar, se meu pai não estivesse mentindo, Léia, a garota que namorei por onze meses e a única por quem realmente me apaixonei, era minha irmã. Muito nervoso, perguntei:
-Explica melhor essa história, especialmente a parte da Léia.
-Bem, quando estava grávida da Vivian, Isabel, vendo que eu não largaria sua mãe, foi atrás do marido e ele assumiu a criança de papel passado e tudo e voltaram a morar juntos. Ocorre que depois de um ano...A gente foi sentindo vontade de ficar juntos de novo, acabamos voltando a ter um caso, só que agora ela me prensava toda dia que era para eu decidir, ou íamos embora: ela, eu e as duas meninas ou não teríamos mais nada. Ela chegou até a propor de deixar a mais velha com o pai e fugir só com a do meio que era nossa.
-E o que aconteceu depois?
-Eu queria ir, mas aí sua mãe veio com a notícia que estava grávida, ou seja, que estava esperando você. Se deixar uma mulher para trás com duas crianças já era pesado, grávida de mais uma, foi demais e acabei desistindo de ir com Isabel. Só que uns meses depois, ela me chamou e disse que também estava grávida da Léia, só que dessa vez, havia chances do marido dela ser o pai, mesmo assim, ela achava que era meu, quer dizer minha. Só que ficou por isso mesmo, seguimos a vida, nunca mais tivemos nada, até que você tinha que namorar justamente com a menina que pode ser minha filha, foi por isso que tivemos que agir.
Fiquei um bom tempo tentando absorver tantas revelações chocantes, depois perguntei:
-Como assim agir?
-Essa história para terminar o namoro de vocês, a Isabel é muito religiosa e quase enlouqueceu com a ideia de incesto entre você e Léia, ela demorou a descobrir esse namorinho, mas quando soube correu atrás de mim, que mesmo tendo feito minhas burradas, não poderia tapar os olhos para uma coisa dessas, irmão e irmã? Pensei num jeito e encontrei.
-O que você fez? – A essa altura eu estava sentindo náuseas, no sentindo literal.
-Tinha que separar vocês, mas não dava para contar para os dois, pois viraria tudo de cabeça para baixo, tanto para Isabel quanto para mim, seria um escândalo nas duas famílias. Quebrei a cabeça e me lembrei de uma foto sua dormindo feito um bobalhão de boca aberta e uma perdida qualquer sentada no seu colo rindo. O Alexandre estava desfilando com essa foto para lá e para cá, mexi nas coisas dele, encontrei e aí dei a ideia para Isabel mostrar a Léia, mas ela disse que além da foto precisava de algo maior e ficou de pensar. Uns dias depois, Isabel me disse que a moça da foto aceitaria confirmar que estava transando com você se lhe dessem uma grana, a Isabel deu um pouco, mas disse que eu também tinha que dar, eu tirei um pouco que tinha na minha conta sem sua mãe notar e dei, mas foi para te ajudar e ajudar a Léia.
Juro que se não fosse meu pai, teria dado tanta porrada e depois o deixado ali jogado. Coloquei a mão na testa, não acreditava que tudo aquilo pudesse ser verdade. Vendo que eu não falava nada, ele questionou:
-Como é? Não vai falar nada? Entendeu por que eu fiz isso?
-Você fez isso porque é um verme safado que não soube ser homem lá atrás e veio querer enterrar a cagada da pior maneira possível. Eu sofri para caralho por causa dessas mentiras. Você tinha que ter contado a verdade assim que soube e assumir a bronca que viesse.
-Do que adiantaria? Meus quatro filhos perderiam o respeito por mim! Por erros do passado! Foderia a vida da Isabel também, pensa nas duas filhas dela sabendo àquela altura que o homem a quem chamavam de pai não era nada delas.
-Era o preço que vocês tinham que pagar, dois safados e curiosamente metidos a cagadores de regras.
-Meça suas palavras ou...
-Ou o quê? Vai me bater como fazia quando eu era pequeno por qualquer coisa, mas passava a mão na cabeça do Alexandre quando fazia coisa mais séria? Tenta a sorte, porque estou me segurando aqui. Só me tire uma dúvida, e minha mãe nessa história toda?
-Ela sabe.
-Sabe tudo? Até do plano que vocês fizeram para me afastar de Léia?
-Não...Ela sabe que Isabel e eu tivemos um caso, desconfia que a Vivian seja minha filha, mas da Léia e do que fizemos, nem sonha.
Menos mal, porque meu pai estava morrendo para mim ali e se minha mãe estivesse no meio da sujeira também morreria.
-O Alexandre, a Helena ou a Gleice sabem de algo?
-Não e nem podem, por isso te peço que não faça isso, o Alexandre vai ficar...
-Puta que pariu! Você é muito mais canalha do que eu imaginava, você acaba de revelar o quanto fodeu com a vida de um filho, mas está preocupado com o que o outro filho vai pensar caso saiba? Quer saber de uma coisa? A partir de hoje, você nunca mais vai falar comigo mesmo que viva mais cinquenta anos e não é só pelo que fez hoje não, por todo conjunto da obra desses 22 anos.
-Você é quem sabe! Se eu deixasse vocês ficarem juntos e lá na frente descobrissem que deixei meu filho e minha filha viverem como um casal, aí sim, eu seria um canalha, fiz isso para ajudar, mas essa é a paga.
Eu comecei a voltar a pé para casa, disposto a pegar minhas coisas e ir embora, mas após alguns passos, tive um estalo e voltei:
-Só me confirma uma coisa que pensei aqui, você disse que estava disposto a fugir com a Isabel e largar a minha mãe, Alexandre e Helena para trás, não é isso?
-Sim, disse.
-Mas quando minha mãe engravidou de mim, mesmo apaixonado pela Isabel, decidiu não ir mais?
-Exato.
-Então está explicado.
-Explicado o quê?
-Você ficou a contragosto, mas viu no filho que ia nascer, no caso eu, o obstáculo que o impediu de ser feliz com a amante. Todos os seus planos de uma vida diferente foram sepultados e por isso você canalizou sua raiva para mim, mesmo que sem perceber por todos esses anos.
-Quer saber? Deve ser mesmo isso! Você não é o estudado? O bam bam bam? Então faz as suas análises aí. Se você não tivesse nascido, talvez as coisas fossem melhores na minha vida!
Aquelas foras as últimas palavras que ouvi dele ainda considerando-o como pai, pois a partir dali independentemente do tempo que levasse ou de arrependimento no leito de morte, ele não contaria com meu perdão ou mesmo com um simples apertar de mãos. Virei as costas e voltei a pé sem dizer mais nada. Cheguei em casa transtornado, vontade de contar tudo à minha família, não me faltou, mas decidi esperar, em virtude do fato de minha mãe já saber que ele teve uma amante, talvez isso a ferisse, pois preferia que os filhos não soubessem da humilhação pela qual passou e com a cabeça fervendo, não era hora de colocar tudo na mesa, mas, certamente, no futuro, pelo menos meus irmãos saberiam quem era o canalha que eles chamavam de pai.
Avisei minha mãe que iria embora porque havia discutido com meu pai e mesmo com sua insistência, foi impossível ficar ali. Fui para a cidade vizinha onde me hospedei em um hotel, pois não tinha cabeça para voltar dirigindo para São Paulo.
Passei o final de tarde, incrédulo. Irmão de Léia? Era muito para a cabeça de qualquer um. Está certo que em cidades pequenas, esse tipo de coisa ocorreu muito no passado, mas isso bem lá atrás, um homem tinha caso com várias mulheres e acabava sendo pai de crianças que quando se tornavam adultas poderiam se envolver sem saberem que irmãos, mas jamais imaginaria isso.
Entretanto, pelo que meu pai disse, no caso de Vivian, ele e sua amante, a pilantra moralista da Isabel, tinham certeza de que era a moça era fruto da infidelidade de ambos, já no caso de Léia, havia chances grandes, pois os dois safados estavam se encontrando, mas ela também transava com o marido.
Refleti muito se deveria contar a Léia, meu instinto primitivo dizia que sim para que soubesse o quão safada era sua mãe, mas havia dois motivos que me faziam recuar: nós não tínhamos mais nada, então saber ou não de nada adiantaria, se ainda estivéssemos namorando, certamente seria melhor desfazer essa dúvida. Porém o motivo maior, ainda que tolo para muitos, foi o de preservar Léia dessa sujeira, pois as revelações foderiam sua cabeça, uma vez que ela amava muito o homem que achava que era seu pai e ainda teria que viver com o assombro de ter se envolvido romanticamente com o irmão, se eu contasse tudo, seriam dois sofrendo. Analisei muito e em nome de um amor puro do passado, decidi poupá-la da verdade. O melhor era eu me afastar, afinal de contas, ficamos quase sete anos sem nos falar, que seguíssemos assim.
Lembrei-me do nosso encontro na pizzaria às 21h. Quando me dei conta, já eram 20h40. Sai do jeito que estava, mas no meio do caminho, percebi que não teria coragem de encará-la e dizer para que nos afastássemos, mesmo assim fui até próximo do Casarão. Do lado externo da pizzaria, havia um grande espaço com árvores e para os carros dos clientes, deixei o meu do outro lado da rua e fui a pé me esgueirando por esse espaço, olhando pelas janelas, até que avistei a mesa em que Léia me aguardava. Ela estava super produzida, bem mais do que se fosse para um encontro com um amigo, linda demais, porém seu olhar para a porta principal demonstrava certa aflição com a minha demora, aquilo foi de cortar o coração, pois conforme os minutos passavam, mais triste ficava seu semblante.
Decidido a encerrar aquela agonia, mas sem contar o que de fato houve, fui para o meu carro e mandei-lhe um SMS que era moda naquela época. “Desculpe-me, Léia, pensei com calma e acho que não estou preparado para ser seu amigo. Tenha uma vida feliz”.
Minutos depois, vejo-a saindo com o carro do estacionamento. Esmurrei o volante ironicamente ao som de Sharing The Night Together (Compartilhar a noite juntos). Depois disso, chorei ali, pois talvez aquela fosse a chance de eu fazer as pazes com o passado e voltar a ser feliz com a única pessoa que realmente tinha me apaixonado. Só após um longo tempo, voltei para o hotel. No dia seguinte, retornei a São Paulo, tentando colar meus cacos.
Mergulhei em me aperfeiçoar ainda mais em minha área, mas nas horas vagas, comecei a transar cada vez mais como que buscando uma droga para me fazer esquecer de Léia, de meu caso Marianne e de quase tudo do meu passado.
No futuro, esses fatos ainda ressurgiriam, mas por ora, eu só queria não pensar.