PARTE 10 – CLAUDIO
Véspera de natal.
Acordo sozinho na cama. Quando cheguei em casa na noite anterior, Marcelo ainda estava na rua, eu estava tão cansado que logo dormir e nem esperei ele chegar.
Levanto preocupado com meu amigo, mas o encontro dormindo na sala. Por que ele não foi para o seu quarto?
Vou para a cozinha preparar o café e tento não fazer barulho para não acordar-lo, coloco tudo numa bandeja e levo para sala, deixo em cima da mesa de centro e sento no sofá.
- Celo? - Eu chamo o acordando, fazendo carinho no seu braço - Bom dia.
Ele se mexe um pouco e abrem os olhos, ele me olha por alguns segundos e volta a fechar, gemendo.
- Acorda, daqui a pouco o Hugo chega, trouxe o café.
Pego a bandeja e coloco no meu colo. Marcelo se mexe no sofá e senta, sem realmente se levantar.
- Bom dia - Ele me responde e olha para a bandeja, tinha suco, café, sanduíches e alguns biscoitos.
Marcelo olha para aquilo, meio perdido nos pensamentos, ou apenas com sono, não sei.
- Como foi sua noite?
- Boa... - ele pega um sanduíche e da uma mordida
Fico o vendo mastigar e espero que ele diga mais alguma coisa, mas ele não diz, então comemos em silêncio.
Isso me faz pensar no Bocão, será que ele já comeu? Queria que ele fosse para o sitio passar o natal com a gente, mas sabia que não era possível.
Droga, eu estava me apegando muito a ele.
De repente, percebo que Marcelo esta concentrado me olhando.
- O que foi?
- Nada. - Dou um sorriso e continuo comendo.
Mais tarde Hugo vem nos buscar. Ele estava falante e sempre rindo, não que Hugo fosse uma pessoa triste, longe disso, mas esses dias que ele passou no sitio fez bem para ele, Hugo estava ainda mais feliz do que o normal.
- O Guga me ligou, disse que tem novidades - Hugo.
- Serio?
- Ele me falou isso também - Marcelo diz.
- Ele não falou nada para mim - reclamo.
- Vai ver ele tentou e não conseguiu. Você não anda muito acessível no momento. - Marcelo me diz e fica olhando para fora do carro.
Que porra foi essa? De onde veio toda essa agressividade?
- Bem... De todo modo, ele não me disse o que era - Hugo continuou.
- Parar mim também não, disse que só falaria quando a gente voltasse, ao menos não é nenhum pedido de casamento. Isso aqui mudou.
Marcelo aponta pela janela para uma casa que dá ultima vez que fomos para o sitio não estava aqui.
- É a casa do Elias.
- Quem?
- Elias, meu amigo, você se lembra dele.
- Ah sim, filho de um funcionário do sitio, lembro que levava vocês dois para aula as vezes.
- isso mesmo.
- Dois pirralho - Marcelo diz e ri lembrando de como ele chamava Hugo quando o primo era pequeno, o primeiro riso desde que entrou no carro.
- Eu não sou pirralho - Hugo responde também com um sorriso do rosto.
No sitio sou recebido pelos melhores beijos e abraços de todos. Malu ao nos ver descendo do carro corre em nossa direção.
Eu a pego no colo e beijo seu rosto, Marcelo se aproxima e ela coloca o braço no ombro dele, sem sair do meu colo, ela puxa o pai para um abraço, prendendo nós dois nos bracinhos dela.
Sinto a respiração de Marcelo perto do meu rosto e eu fecho os olhos, pensando estar no melhor lugar do mundo..
- Saudade papai - Malu fala e nos solta do seu abraço.
Marcelo se afasta um pouco e faz carinho no rosto dela depois a beija. Então vamos falar com as outras pessoas da casa.
O resto do dia é uma correria só, Dona Cida e suas ajudantes preparando a ceia de natal enquanto a gente arrumava o lugar com enfeites.
Na hora da Ceia não esta só a família, mas também alguns funcionários. Tem cantoria em volta da fogueira e trocas de presentes e muita, muita comida.
O pai do Marcelo se veste de papai Noel e distribui presentes para as crianças, corre atrás dele enquanto grita pelo papai Noel. Malu estava perdida entre os presentes que ganhou dos tios, dos avós, de alguns funcionários alem dos nossos.
Olho para Marcelo e vejo sua felicidade, nossos primeiros natais no Rio eram apenas nós dois, eu não queria voltar para cidade que tanto me fez sofrer e ele não queria me deixar sozinho.
Depois chegou Marina, Malu, Hugo, Guga e quando vimos éramos uma família. Agora tem o Bocão, como eu queria que ele fosse meu irmão e viesse fazer parte dessa família.
O garoto estava abandonado, praticamente sozinho a própria sorte, mas ainda assim mantinha uma inocência que muitos que sofreram menos que ele, já teriam perdido.
Pensar nisso, me faz lembrar dos meus pais. Minha mãe e meu pai eram muito apaixonados, eles eram almas gêmeas e quando minha mãe morreu, meu pai morreu junto, ele se entregou totalmente a bebida.
Só a cachaça o fazia esquecer a dor da perda. Ele me deixou completamente abandonado e se não fosse Marcelo e sua família, eu estaria perdido.
Por muito tempo, eu perdi o contato com meu pai, principalmente depois que ele me expulsou de casa quando eu falei que era bissexual. Porem antes de ele morrer, a gente conversou e se perdoou. Meu pai esta sóbrio há algum tempo e ficou muito feliz quando descobriu que eu seria pai.
Naquele momento de despedida, eu tinha meu pai de volta, o pai que amava minha mãe e a mim. Eu gostaria que o Bocão tivesse conhecido esse pai... Droga, eu já estou tomando como certo que ele é meu irmão, não devia pensar assim.
- Onde você esta? - Marcelo pergunta sentando ao meu lado.
- Aqui.
- O corpo sim, mas a cabeça...
- Você esta com raiva de mim?
- Não... Só um pouco chateado.
- O que eu fiz?
- Eu não quero falar sobre isso, eu não estava chateado só com você, mas comigo também.
- Ainda esta?
- Não mais - Marcelo me responde olhando para o fogo.
E eu olho também. Ficamos encarando as chamas por algum tempo.
- Levanta, vem comigo - Marcelo levanta e estende a mão.
- Pra onde?
- Só vem.
Eu não digo nada, apenas levanto e o sigo para dentro de casa. Marcelo me leva para o quarto onde estão nossas coisas.
- Não acredito que você me tirou da festa para transar.
- Ate que não seria uma má idéia, mas não foi para isso.
Marcelo vai ate a sua mochila e tira um envelope.
- O que é isso? - Eu pergunto quando ele me entrega - não acredito, é o teste?
- Sim
- Por que você não me deu isso antes?
- Porque independente do resultado, nossas vidas vão mudar depois que você abrir.
- Como assim?
- Não sei, mas parece que eu estou perdendo meu lugar.
- Isso nunca.
- Serio? Porque você já falou algumas vezes que se o Bocão fosse seu irmão, você não estaria mais sozinho. Só que eu nunca, em momento algum te deixei sozinho, e eu achava que você soubesse disso.
- Eu sei disso, porra - digo me aproximando dele e segurando seu rosto - sempre fomos nós dois.
- E isso não basta?
- Você quer que eu abra mão de descobrir a verdade sobre o Bocão?
- Caralho, claro que não, eu estou atrás dessa verdade com você o tempo todo.
- Então?
- Então nada, Claudio, eu só to com medo, e eu nunca tenho medo. Porra - ele fica andando de um lado para o outro, passando a mão pelo seu cabelo - Abre logo esse envelope.
Eu deixo o envelope de lado e vou ate ele.
- Tudo bem ter medo, eu às vezes tenho, e você esta sempre ao meu lado. Eu também vou estar ao seu. - Eu abraço forte ele - Você sabe que eu te amo né
- Eu sei - ele me responde e abre um sorriso meio triste.
- E você sabe que nós dois somos únicos, certo? Não existe nome para a ligação que temos.
Ele confirmar com a cabeça.
- Somos amigos, somos irmãos, somos amantes, somos tudo o que precisamos ser um para o outro.
- isso foi muito brega, isso sim.
Eu dou uma risada e beijo sua boca.
- Tudo bem ser brega às vezes - eu volto a beijá-lo. – Eu te amo.
Eu sei disso – ele diz rindo – E eu também te amo.
- Eu sei disso.
Marcelo me beija de volta, sua boca é faminta. Sinto seu desejo em seus braços e no volume da sua calça que esta colada na minha.
Eu o empurro para cama e lá continuamos nos beijando. Marcelo me segura em cima dele. Nossas línguas brigavam entre si, num beijo delicioso e ate um pouco violento.
Parecia que a gente queria engolir um ao outro. A coisa estava ficando quente e eu queria que esquentasse ainda mais.
Mas a casa estava cheia, o barulho do lado de fora, lembrava que não seria uma boa idéia. Ficamos apenas nos beijos, o que não era pouca coisa, aquela boca era o paraíso.
Nós nos afastamos um pouco para tomar ar. Marcelo levanta, nossos paus estavam muito duros. Eu sorrio para cena, ele percebe para onde estou olhando e ri também.
- Tarado.
Marcelo pega o envelope e me olha.
- Abre o envelope - ele diz me entregando.
Eu pego e começo a abrir, minhas mãos tremem e eu entrego para ele.
- Abre pra mim, eu to nervoso.
Marcelo pega e rasga a ponta do envelope e tira o papel de dentro, desdobra e olha. Depois me entrega.
- Positivo - Ele diz antes que eu realmente veja as palavras.
- Ele é meu irmão.
- Sim - ele me responde, mesmo eu não tendo feito uma pergunta.
- E agora?
- Agora é à hora de nos apresentarmos ao tio dele e dizer que queremos a guarda do Bocão.
- Serio?
- Você não quer?
- Claro.
- Então - Marcelo se levanta e volta para a mochila e pega outro envelope.
- Talvez isso ajude.
- Outro envelope? Quantos desses você tem guardado
- Esse é o ultimo. Alex me deu junto com o teste, é uma pesquisa sobre o tio dele.
Ele me entrega o envelope e eu começo a folhear os papeis. As coisas seriam difíceis
- Esse cara é podre
- Afinal, qual é o nome dele. - Marcelo me pergunta.
- Deixa eu ver se encontro aqui. - Digo procurando nas folhas.
- Claudio?
- Que? - pergunto olhando para o Marcelo, ele senta ao meu lado na cama.
- Ontem eu passei a noite na casa da Clara e a gente se beijou.
Porra...
Por que o meu peito estava doendo?
Ele tinha beijado ela, ok.
Ok? Ok era o caralho...
- Por que esta me contando isso? - Eu pergunto.
- Porque não escondemos nada um do outro.
Lembro da ligação de Clara, aquela que ele não me disse. Eu volto a folhear as folhas.
- Você acha que ainda gosta dela? - eu pergunto sem tirar os olhos do papel.
Marcelo não me responde e eu encontro um nome na folha.
- Fábio.
FIM DA 2ª PARTE
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Obs.1: Esste conto é uma continuação direta dos contos "Na Web" e "Antes da Web" e seria bom se fosse lido da ordem.
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