Adelle
Ano de 1922. O mundo inteiro passa por transformações, principalmente na área social e nos costumes.
As sequelas da primeira guerra mundial ainda assola a Europa. Em contrapartida, as mulheres ainda teriam que passar pela segunda guerra mundial e depois lutar suas próprias guerras para serem respeitadas e usufruírem de seus direitos. Muitas vitórias foram conquistadas e ainda há muito a conquistar.
No Brasil, as consequências não foram sentidas, afinal, sequer participou daquela guerra. Por outro lado, o evento Semana da Arte Moderna fez com que nossa cultura desse um salto e também influenciou nos costumes, pelo menos nos grandes centros, com o surgimento de nomes até hoje cultuados como precursoras da participação da mulher nas artes, algumas hoje esquecidas, como Anita Malfatti, Regina Graz, Zina Aita e outras que mantiveram seus nomes e obras conhecidas até os dias de hoje, como Tarsila do Amaral. Independente das injustiças e do gosto de cada um, ninguém pode negar que esse evento foi um divisor de águas no Brasil, no que se refere a nossa cultura.
Entre os inúmeros anônimos que se empolgaram, vibraram, ficaram assustados ou revoltados com as novidades, estava Adelle Demagnon, uma jovem mulher dezenove anos que vivia dividida entre o status de pertencer a uma família abastada enquanto sua experiência de vida e convívio até então fora apenas com pessoas da classe operária.
Essa incongruência era parte de sua história. Com doze anos de idade quando a guerra eclodiu na Europa, viu seu pai, Paul, se despedir de uma mãe lacrimosa depois de ser abraçada por ele e, como se adivinhasse que aquela seria a última vez que o veria, chorou dias sem parar. O sofrimento foi tamanho que, quando, meses depois, recebeu a notícia do desaparecimento do pai em campo de batalha não ficou inconsolável. Recebeu a notícia, guardou sua dor para si própria e tocou a vida em frente. Na verdade, era como se tivesse antecipado a morte do pai que, apesar de operário, trabalhava até quinze horas por dia a troco de um salário de fome.
A mãe de Adelle se chamava Ygraine, nome dado em homenagem a mãe do Rei Artur da lenda da espada mágica, por outro lado, era uma mulher ambiciosa. Inconformada com sua pouca sorte ao se casar por amor com Paul, amor esse logo soterrado pela infelicidade de ver seus sonhos de uma vida melhor cada vez mais distante e da ambição de tal forma que, não se passaram três meses para que ela se envolvesse com um empresário alemão que, de nome Jurgen, ao perceber a derrota iminente de seu país naquela guerra, fugiu para o Brasil onde, em menos de um ano, já conseguira se impor como um grande empresário e figura conhecida entre os principais políticos.
A vida de nova rica, pois essa era a exata definição da situação de Adelle, não se encaixava no seu novo status, o que ocasionou vários problemas para sua mãe. Trazendo consigo muito da rebeldia de seu pai, ela não conseguia se relacionar com as meninas da sua idade onde, além de tudo, era discriminada. Por esse motivo, ela cometia suas escapadelas da vigilância da mãe e se misturava com os filhos dos operários da empresa de seu padrasto, descobrindo que, apesar de sua condição de menina, e uma menina da década de 1910, praticava esportes que só eram permitidos aos homens e, não raro, entrava em lutas corporais com eles, sendo mais tarde castigada pela mãe por se apresentar em casa com roupas sujas, amarrotadas e até rasgadas e alguns hematomas pelo corpo e, para piorar ainda mais, ela usava as habilidades adquiridas nessas fugas e agredia as meninas da escola que se atreviam a ofendê-la.
Foi dessa forma que Adelle passou da adolescência para a fase adulta. Ignorada pelas colegas de escola que, com medo de serem agredidas passaram a evitá-la, vigiada pela mãe cujo critério usado na educação dela era apenas de ela se comportar para arrumar um marido rico enquanto não demonstrava nenhum afeto ou carinho e adorada por meninos e meninas da classe operária, pois era com eles que ela se sentia em casa.
Quando tomou conhecimento da realização da Semana da Arte Moderna, Adelle resolveu que não deixaria de participar por nada desse mundo. A princípio sua tentativa foi a de encontrar algum tipo de trabalho, o que era quase impossível por sua condição de mulher e, as duas vezes que foi aceita, as pessoas que a contrataram mudaram de ideia nos dias seguintes, fazendo com que ela desconfiasse que, a pedido da mãe, Jurgen tinha se movimentado no sentido de aconselhar ao seu empregador que não era boa ideia ter Adelle entre seus contratados.
Essa foi a primeira vez que Adelle percebeu que o confronto direto com sua mãe não era uma boa ideia. Aquela era uma verdadeira guerra, porém, nunca havia um vencedor, pois tudo se resumia a rotina de sua mãe boicotar seus desejos e projetos e ela imediatamente se dedicar a outro projeto, projetos esses sempre contrários àquilo que a mãe entendia ser desaconselhável para uma mocinha que deveria estar se preparando para entrar na sociedade. E foi nesse anseio da mãe que Adelle se firmou para conquistar sua primeira grande vitória.
Adelle então se aproximou mais do Jurgen que era um homem que possuía uma cultura acima da média, tentando tirar dele o máximo de informação que desejava, porém, sua conquista foi além do objetivo inicial, pois além dele demonstrar grande satisfação em orientá-la sempre que procurado, ainda permitiu que ela enxergasse que, apesar de ser um homem enérgico, ambicioso e muitas vezes até cruel na condução de seus negócios, havia uma pessoa que a tratava com respeito e carinho, sem nunca ultrapassar, em qualquer sentido, a barreira que deve haver nas relações entre filhas e padrastos. Aproveitando disso, ela não vacilou em sondar o interesse dele com relação à Semana da Arte Moderna, descobrindo que ele, não só tinha grande interesse, como até contribuíra para a realização da mesma. Então, vendo o interesse da enteada, ele a incentivou a comparecer e isso foi o suficiente para que sua mãe não colocasse nenhum obstáculo.
A Semana da Arte Moderna aconteceu entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922, porém, por dia 13 ser uma segunda-feira, apenas na quarta-feira foi possível para Adelle fazer sua primeira visita e isso porque sua mãe concordou que ela fosse, entretanto, só em companhia de Jurgen e, como ele tinha compromissos marcados para o início da semana, esse foi o dia em que se tornou possível a realização do sonho de Adelle.
Eufórica, ela percorria os corredores do Teatro Municipal de São Paulo como uma sonâmbula, não querendo despertar a realização de um sonho. Tudo era diferente. Tudo era novo. As transformações que o mundo estava passando em virtude da grande guerra e da Revolução Russa pareciam querer saltar das pinturas, eram ouvidas nas entrelinhas das músicas e muitas vezes explícitas em livros e poemas. A arquitetura também estava presente, porém, esse era um ramo da arte que Adelle não entendia e, mesmo assim, não se cansava de admirar as novas formas que iriam se fazer presente na engenharia a partir daquele evento. E ela tinha o dia inteiro para admirar aquele mundo maravilhoso, pois Jurgen, depois de tratar de assuntos comerciais com os organizadores, veio até ela dizendo que já iriam embora. Sem esconder o desapontamento e engolindo a revolta, pois ela sabia que só tinha a ganhar se tratasse bem o padrasto, disse:
– Embora já? Precisa de dias para ver tudo e o senhor quer ir embora depois de meia hora?
O homem sentiu que o sentimento de Adelle era real e entendia a importância de viver aquele momento, pois era um admirador das artes. Pensou por alguns segundos e depois fez uma proposta para Adelle:
– Se você prometer não contar para sua mãe, eu deixo você aqui e venho te buscar à tarde.
– Lógico que não conto nada. Seria burrice da minha parte, afinal, você vai ter que dar um jeito de me trazer amanhã de novo. – Disse Adelle esperançosa
– Isso eu não posso prometer. Melhor você aproveitar o máximo hoje. – Respondeu seu Jurgen.
Adelle concordou, porém, sem prometer nada com relação aos outros dias. Então se padrasto sacou algum dinheiro da carteira e entregou a ela:
– Pegue esse dinheiro para você se alimentar quando sentir fome.
A garota olhou assustada para a quantia que tinha em mãos. Nunca em sua vida tivera algum dinheiro em seu poder e, mesmo sabendo que não era nenhuma importância significativa, ter algum dinheiro para gastar no que quisesse era algo totalmente novo para ela.
O homem se retirou e Adelle se sentiu perdida no paraíso. Sua ansiedade em ver as coisas era tanta que ela ficava alternando entre uma ala e outra a todo o momento, até que se deu conta que assim não apreciaria devidamente as obras de arte ali expostas e se controlou. E não era só, pois além da arte, ela ainda podia reparar nas roupas, penteados e maquiagem das mulheres presentes e tentava fazer uma comparação com ela mesma.
Adelle, apesar de ter sido na infância e adolescência um problema quanto a comportamento, pois agia mais como um menino, o que deixava sua mãe desesperada, entendia um pouco de moda. Impossível não entender, pois esse assunto, na escola de ricos que estudava, recebia mais atenção do que matemática e física, entre outras, o que era considerado normal no início da década de 20, uma vez que as moçoilas tinham que ser educadas no intuito de serem esposas e donas de casa. Assim, ela sabia que estava na moda com seu cabelo pretos e curtos, ao estilo Chanel e as roupas que, embora larga como ditava a moda, não escondiam seu corpo bem delineado, com pernas grossas e bumbum que chamava a atenção, lamentando porém, o fato de ter os seios um pouco maior que a média, o que fazia com que o colar de pérolas não tivesse o caimento perfeito como acontecia nas outras mulheres. Sua maquiagem era bem discreta, ao contrário da maioria, destacando-se apenas o batom de um vermelho vivo que emprestava à sua boca de lábios carnudos ainda mais sensualidade. Seus olhos verdes poderiam receber maior destaque através de maquiagem, porém, mesmo sem esse recurso, se destacava com seu brilho característico. Pela primeira vez na vida Adelle se sentiu bonita e ficou exultante, principalmente ao notar que essa descoberta lhe emprestava uma maior desenvoltura, o que lhe permitia dar sua opinião em discussões a respeito de uma ou outra obra.
Estava ela diante da obra Amigos (boêmios) de Di Cavalcanti, quando uma trupe de mulheres se postaram ao seu lado e, diante da obra, começaram a fazer comentários jocosos a respeito. Adelle olhou de soslaio para as mulheres pensando:
“Essas riquinhas vêm em um lugar como esse para mostrar suas jóias e vestidos. Está na cara que não entendem nada de arte”.
Porém, quando uma comentou que um dos homens que aparece no quadro sequer tinha boca, ela não resistiu e se virou para reclamar. Entretanto, antes que pudesse dizer qualquer coisa, seu olhar foi aprisionado, a voz sumiu na garganta que secara e sentiu suas narinas se dilatando como se o ar que respirava fosse insuficiente para manter seu coração batendo.
Eram quatro mulheres sendo que, três delas riam com o comentário idiota que acabara de ser dito, mas a quarta permanecia calada e sua expressão demonstrava que não comungava com a opinião das demais, porém, ao sentir os olhos de Adelle presa ao seu, seu rosto se descontraiu e um belo sorriso, mostrando duas fileiras de dentes alvos e perfeitos surgiu em sua boca. Foi um momento mágico. Um daqueles momentos em que parece que o tempo para, as vozes confusas da multidão se transformam em poesia de ritmo e métrica perfeita e as nuvens jamais voltariam a cobrir a luz do sol e nem da lua. É nesse momento que se tem a impressão de que a força da gravidade nunca existiu e o que te mantém nesse mundo é a gravidade emanada por aquelas duas pessoas. Adelle sentiu mais. Sentiu que era o tipo de momento em que descobriu que iria orbitar por toda a eternidade ao redor daquele olhar negro e profundo que não se separava do seu. A sensação de necessidade de falar com a mulher era tanta que sentiu fraqueza nas pernas, o que a obrigou a procurar um apoio na parede mais próxima, lamentando pelo fato de que, esse seu gesto, quebrara o encanto. Então ouvi a voz que soou como o trinado do pássaro mais canoro do mundo a lhe dizer:
– Você está se sentindo bem, senhorita? Posso lhe ajudar?
“Lógico que pode”, pensou Adelle, mas disse em voz alta: – Obrigada, não preciso. Foi só uma pequena tontura. Já estou bem, obrigada.
– Pode ser falta de fraqueza por fome. Você já se alimentou hoje? – Perguntou a mulher, agora menos preocupada.
– Não. É tanta beleza que não tem como sentir fome. – Respondeu Adelle olhando fixamente nos olhos negros de sua interlocutora desejando que ela entendesse que o sentido da palavra beleza, naquele momento, não era a respeito das obras de arte.
– Eu te acompanho até um restaurante. Quer dizer, se você permitir, claro.
“Permito sim. Pode me levar onde quiser, só não pare de cantar no meu ouvido ``. – A voz da mulher, para Adelle era pura música, então ela conseguiu gaguejar: – A... A... cei... to sim. Obrigada.
A mulher a fitou calada por alguns instantes, o que fez que Adelle orasse para que ela parasse com isso, pois temia que a qualquer momento perderia os sentidos. Depois, sem dizer uma palavra, a mulher pegou na mão de Adelle que saiu andando a reboque enquanto observava a perfeição daquele corpo. Loira, com cabelos também curtos como era a moda na época, o que deixava seu pescoço exposto dando a Adelle um desejo enorme de encostar sua boca naquela pele morena e suave e passar o resto dos dias lhe dando beijos. O vestido apresentava um decote generoso que deixava exposta grande parte da pele brilhante de sua costa e com um andar sinuoso sobre saltos altos continuava a caminhar sem olhar para a garota que, ainda presa pela mão, a seguia como se fosse um ser automatizado.
A mão de Adelle só ficou livre da prisão macia e cálida da mão da outra quando essa interrompeu a caminhada para pegar um casaco na saída e o vestir, fazendo com que a garota soltasse um pequeno gemido lamentando a ocultação daquela beleza. A mulher ouviu o gemido, olhou para Adelle e sorriu um sorriso que fez com que as pernas da garota se transformassem em geleia e ela tivesse que se apoiar novamente, dessa vez no balcão.
– Nossa garota, você não está nada bem. Acho que é melhor te encaminhar para um hospital. – Disse a mulher com voz séria.
– Não, por favor. Acho que é só fome mesmo. – Respondeu Adelle desesperada para que a mulher acreditasse e não se separasse dela.
A mulher pensou por um momento antes de voltar a pegar na mão de Adelle e sair andando em direção à saída do Teatro. Logo encontraram um restaurante que, diante do avançado da hora, pois já passava das duas, já estava encerrando o atendimento, porém, bastou a mulher se apresentar para um dos garçons que elas passaram a ser atendidas.
Depois de tomar um copo de água e já mais calma, Adelle pode acompanhar a mulher para que tivessem uma conversa normal, quando então ela passou por um interrogatório e não se absteve em satisfazer a curiosidade da outra que, antes do término da refeição, já tinha o conhecimento de praticamente toda a vida de Adelle. Quando não tinha mais o que perguntar, ela começou a falar sobre si mesma.
Seu nome era Laura. Casada com um famoso empresário do mundo do teatro, cujo casamento fracassou fragorosamente em menos de um ano, fazendo com que ela se tornasse uma das raras mulheres desquitadas em todo o Brasil daquela época. Antes de casar, tinha tentado a sorte como atriz, descobrindo logo que, apesar de saber interpretar, não possuía outros quesitos necessários para atingir o estrelato, explicando depois que esses quesitos se referiam a ser uma mulher que fazia de tudo em busca da fama, inclusive, aceitar os assédios e entregar-se a homens por quem não sentia a menor simpatia.
Laura era alta e esguia. Sua altura de um metro e setenta e cinco e seus sessenta e dois quilos podia não indicar a beleza de seu corpo curvilíneo. Seus seios pequenos mal eram notados por baixo do vestido decotado que usava e, agora que deixara novamente o casaco na chapelaria do restaurante, porém, sua cintura fina se alargava um pouco, porém, Adelle já reparara que ela tinha um bumbum maior que o seu e que, em seu caminhar insinuante, parecia ainda maior. Seus olhos eram negros como a noite e ela não usava praticamente nenhuma maquiagem, o que não lhe tirava a beleza do rosto, pois sua pele morena mostrava não ter necessidade desse recurso. Nos olhos também não usava nada e, para não dizer que estava sem maquiagem nenhuma, usava um batom clarinho em seus lábios grossos, o que lhe dava uma aparência ainda mais sensual. Sua voz era pouca coisa mais grave que o normal e ela tinha o costume de enfatizar tudo o que falava com suas mãos bem tratadas. Mas eram os olhos que prendiam a atenção de Adelle que tinha que ficar se lembrando a todo o momento que era um costume humano piscar até três vezes por minuto, pois ela só piscava quando sentia a ardência característica de quando se tenta permanecer com os olhos abertos.
Durante a refeição o tempo foi gasto em se conhecerem. Informações foram prestadas de ambos os lados e Laura não se absteve nem mesmo em informar sua ascendência africana citando algum antepassado seu que se libertara do cativeiro, tornando-se um dos raros negros a terem atividade econômica durante o período colonial. Adelle também não escondeu nada e divertiu muito Laura com suas aventuras de adolescente, onde saía no braço com os meninos em condições de igualdade. A gargalhada de Laura chegou a causar mal estar entre os poucos clientes ainda presentes, pois não era de bom tom uma mulher rir tanto em público naquela época.
Voltaram ao Teatro e se deliciaram trocando impressões sobre as obras. Laura, apesar de demonstrar que era uma exímia conhecedora de arte, principalmente de pintura, escutava sempre a opinião de Adelle antes de dar a sua e, enquanto Adelle falava, ela se limitava a ficar admirando a beleza da garota que agora, totalmente a vontade, mostrava ser um companhia deliciosamente agradável. Quando Adelle parava de falar, ela apenas ressaltava os pontos importantes nos acertos da opinião dela sobre a arte em discussão e, raramente, fazia alguma correção. Houve um momento em que, admirada pela opinião da garota coincidir de tal forma com a dela que não se conteve e falou:
– Nossa! Além de linda, ainda tem toda essa cultura!
– Não faz isso. Você me deixa embaraçada. – Respondeu Adelle abaixando a cabeça numa tentativa de esconder o rubor que lhe cobria a face.
– Bobinha. Não seja modesta. Você é linda.
Assim continuaram pelo resto do dia, até que Jurgen chegou para se encontrar com Adelle que fez questão de apresentar seu padrasto à sua nova amiga. Educado como era, Jurgen se viu na obrigação de gastar alguns minutos conversando com Laura que, durante a conversa, perguntou para Adelle se ela viria no outro dia. Adelle olhou para seu padrasto que acenou a cabeça em negação. Laura viu isso e interviu:
– É uma pena. Ela deveria vir. Afinal, um dia só para ver tudo o que temos aqui é quase nada.
– O problema é que ela não tem com quem vir. Amanhã vou ter um dia corrido e a mãe dela não vai permitir que ela venha sozinha.
Laura já sabia que estava informada que a mãe de Adelle não poderia saber sequer que ele não permanecera ao lado dela durante o dia, resolveu jogar com isso e disse:
– Bom. Aqui ela não ficará sozinha. Prometo que tomo conta dela. É só o senhor dizer que vai estar aqui também e repetir o mesmo esquema de hoje.
– Até poderia, mas, e a mãe dela?
– Só se você contar, porque eu não vou. Você vai Adelle?
A forma engraçada de Laura falar deixou Jurgen mais a vontade. Então ele prometeu pensar no assunto e se despediram, com a mulher prometendo a Adelle que, caso ela viesse, estaria esperando para ela na frente da galeria onde estava exposta a obra de Di Cavalcanti, ou seja, a mesma onde elas se viram pela primeira vez.
A noite foi uma tortura para Adelle. No início ela ficava sondando o padrasto tentando descobrir se ele já falara alguma coisa com a mãe e quando chegou o momento de se recolherem, ela já estava a beira de um ataque de nervos, porém, teve que se resignar em ir dormir sem ter o conhecimento se no dia seguinte poderia retornar ao Teatro. Ficou acordada até altas horas, imaginando-se caminhando entre as obras e de repente sua mente se alterava e Laura estava ao seu lado, segurando sua mão e as duas conversavam, com o rosto próximo uma da outra, sobre as obras diante delas.
Nessa confusão de imagens alternas, pinturas, obras de literatura e de repente o rosto moreno, lindo e perfeito de Laura, custou a dormir e foi despertada com sua mãe entrando no seu quarto, abrindo as cortina e perguntando ao mesmo tempo:
– Você não quer mais ir na exposição? Vai querer dormir o dia inteiro?
– Exposição? Que exposição? – Perguntou Adelle assim que conseguiu concatenar o raciocínio e entender do que a mãe falara.
– A que você foi ontem. O Jurgen disse que se você não se apressar, hoje ele vai sem você.
Foi o suficiente para espantar o sono para longe e em um átimo de segundo Adelle estava em pé e se movimentando. Sua mãe chegou até a comentar quando a viu pronta para sair, que nunca na vida a filha se vestira com tanta rapidez. Sem ter se alimentado direito, Adelle ainda precisou aguardar por Jurgen.
Quando chegaram em frente ao Teatro Jurgen pegou a carteira, mas quando foi entregar o dinheiro para Adelle ela recusou agradecendo, dizendo que não gastara nada no dia anterior. Ele estranhou, mas quando ela explicou que Laura pagara toda a despesa do restaurante, ele insistiu para que ela pegasse, com o argumento de que, por cortesia, hoje deveria ser ela a arcar com a despesa de alimentação, tanto dela como de Laura. Ela entendeu o argumento dele e aceitou, descendo do carro e correndo para o Teatro, sob o olhar divertido de seu padrasto que sorria com o interesse demonstrado pela garota com aquele evento.
Adelle entrou no Teatro se dirigindo diretamente para o local combinado com Laura e lá estava ela. Em pé, trajando um vestido vermelho, um pouco mais de maquiagem que no dia anterior e um batom de um vermelho vivo e, sobre a cabeça, um chapéu que se assemelhava a um arranjo de flores e que a deixava ainda mais linda. Aproximaram-se, cada uma andando a metade do caminho e se viram frente a frente, com os olhos se encarando, o sorriso sedutor e o desejo de se atirar uma nos braços da outra, com Laura, mais experiente, contendo seu impulso e, pegando na mão de Adelle a conduziu em direção a uma parte do Teatro que elas não haviam visitado no dia anterior, enquanto explicava:
– Hoje vamos visitar a ala de arquitetura. Vamos ver o que você entende disso.
Adelle então foi presenteada com um verdadeiro curso de arquitetura. Ela jamais poderia imaginar que aquela mulher pudesse possuir um conhecimento tão vasto. Ela falou das novidades e também das influências sobre cada uma delas, citava autores sem precisar consultar as informações que estavam presas em cada uma das maquetes, explicou sobre a combinação de cores e estilos e assim consumiram a manhã inteira, até que Laura alegou que estava com fome e que fez Adelle se lembrar que mal tocara no seu desjejum e também sentia um buraco no estômago a fazendo aceitar a sugestão, porém, fez a ressalva de que só aceitaria o convite para almoçarem juntas se a conta ficasse ao encargo dela. Com muito custo e só depois de descobrir que Adelle estava irredutível, a mulher aceitou essas condições, porém, fez questão de a levar a um restaurante um pouco mais modesto que aquele em que almoçaram no dia anterior, o que não deixou de ser notado pela garota, que também notou o cuidado que Laura tinha ao escolher os pratos que não fossem muito caro.
Almoçaram e resolveram caminhar um pouco. Logo estavam na Praça Ramos de Azevedo onde ocuparam um banco e curtiram um pouco do sol de verão em seus corpos. Laura contava histórias de sua tentativa de ser atriz, procurando sempre colocar uma pitada de humor, o que fazia Adelle rir muito. Até que, houve um momento em que a garota balançou a cabeça desarrumando seu cabelo, fazendo com que uma mecha dele lhe cobrisse os olhos e, antes que ela mesma retirasse o cabelos dos olhos, sentiu a mão de Laura tocando em sua face e fazendo isso por ela. Adelle sentiu o toque da mão macia da mulher em seu rosto que, no mesmo instante, ardeu como se estivesse em brasa, porém, quando foi fazer o movimento costumeiro que era o de abaixar a cabeça para ocultar o seu rubor, Laura segurou firmemente o queixo dela e forçou para que elas se encarassem e, com os olhos fixos nos dela, como se houvesse ali uma atração impossível de resistir, ela falou com sua voz ainda mais rouca por ter baixado o volume:
– Não faça assim. Não tente esconder tanta beleza de mim. Afinal, estamos em plena Semana da Arte e não vi nenhuma obra que se comparasse a sua beleza.
Adelle manteve o rosto erguido e sustentou o olhar de Laura e sua única reação foi sorrir timidamente. Laura então comentou:
– Como você é linda. É difícil resistir em beijar essa sua boca sensual e esse seu rosto perfeito.
– Não faz assim comigo. – A voz de Adelle foi entrecortada, revelando o seu estado de excitação naquele momento.
– Desculpe. Não quis te ofender. – Disse Laura triste e soltando o rosto da garota.
– Não... Você não entendeu direito. É que... É que... – Adelle hesitou.
– Então me explique, por favor. O que eu não entendi direito. – Laura voltou com a tocar o rosto de Adelle usando apenas as pontas do dedo e observou a pele dela ficar arrepiada.
– Eu quis dizer que você me faz sentir uma coisa que me deixa meio perdida. E quando você falou em me beijar fiquei perto de perder o controle. Não estou nem entendendo o que está acontecendo comigo.
– Você já beijou uma mulher? – Perguntou Laura da forma coloquial.
– Nunca beijei nem homem. – Confessou Adelle.
– E você quer que eu te beije?
– Não sei Laura. Não sei o que estou sentindo.
Laura ficou em silêncio, estudando as reações de Adelle, avaliando o quanto desejava beijar aquela garota linda. Na verdade, ela também jamais beijara uma mulher e sempre tivera relações heterossexuais com os homens que conhecia e agora se sentia perdida naqueles olhos verdes, na boca sensual e no rosto de simetria perfeita. Ficou impressionada que, com seus trinta e quatro anos, quase o dobro daquela garota, também não saberia dar a ela qualquer explicação sobre os seus sentimentos. Então tomou a decisão que, mesmo sabendo das implicações, também sabia que não conseguiria avisar. Simplesmente se levantou segurando a mão de Adelle a obrigando a levantar-se e saiu andando com ela em direção ao teatro.
Chegando ao seu destino, andou direto até a toalete e foi ocupando uma cabine juntamente com Adelle que não reagia a nada, apenas a seguia. Mal a porta se fechou ela segurou o rosto da garota com as duas mão, aproximou seu rosto ao dela se abaixando para isso e percebendo que Adelle se colocava na ponta dos pés e seus lábios se encontraram em um ligeiro selinho e se afastaram olhando-se nos olhos.
Para as duas, o tempo ali havia parado, então repetiram o movimento e dessa vez o selinho foi mais demorado. Na terceira vez que suas bocas se encontraram, como se tivessem combinado antes, os lábios das duas se entreabriu e surgiu um beijo cálido e pleno de desejos. Foi o suficiente para que suas línguas passassem a explorar uma a boca da outra. Primeiro os lábios foram lambidos e depois a boca invadida pela língua, se alternando na tarefa de explorar uma a boca da outra algumas vezes e em outras tendo a língua presa entre os lábios e sugada com energia pela outra.
De repente eram as mãos que se movimentavam na tentativa de explorar. O objetivo de atingir os pontos sensíveis uma da outra era claro e a aceitação e entrega completa. Os seios foram amassados e, mesmo por sobre as roupas, as sensações causadas eram incríveis. Não demorou para que Adelle começasse a gemer alto e, percebendo que não tinha mais nenhum controle sobre seu equilíbrio, permitiu que Laura a amparasse e fosse abaixando seu corpo até que conseguisse sentar-se sobre a tampa do vaso. Adelle acabara de ter seu primeiro orgasmo que, por força das circunstâncias, foi silencioso, porém, não menos intenso e, o suco de sua buceta escorrendo por suas pernas não lhe causavam nenhum constrangimento, pois sentia apenas o júbilo de ter sentindo um prazer que jamais imaginaria ser algo tão arrebatador.