Acho que dormi umas duas ou três horas. Quando acordei vi que minha esposa já estava acordada, sentada com as pernas encolhidas, recostada na cabeceira da cama e mordendo a unha do dedão de sua mão esquerda. Seu olhar se dirigia para uma parede em branco, focava o nada. Parecia tensa. Sem nenhuma pretensão acariciei o pé que estava mais próximo de mim:
- Ahhhh! - Gritou: - Pelo amor de Deus, Mark. Você me mata do coração!
- Está tudo bem? - Perguntei.
Ela voltou a olhar para a parede e colocou novamente o dedo na boca, reforçando os indícios de que alguma coisa não a agradava:
- O que que foi? Fala comigo. - Insisti.
Seus olhos marejaram imediatamente e tive a certeza de que algo não estava bem. Eu me levantei, sentando de frente para ela e continuei tocando seu pé. Era uma forma de manter um contato físico com ela. Ela abaixou seus olhos e ficou olhando minha mão:
- Ah, Mark... - Começou a chorar.
- Mas o que que aconteceu? Fala comigo. - Pedi.
Ela se encolheu mais ainda e escondeu o rosto nos joelhos. Chorava feito uma criança, chegava a soluçar. Eu já não sabia mais o que fazer e preferi ficar ali ao seu lado, apenas mantendo um contato físico mínimo, esperando que ela se acalmasse e me contasse o que a afligia:
- Não sei o que está acontecendo. - Eu disse, apesar de imaginar que seriam as suas inseguranças: - Mas eu estou aqui e vou continuar aqui do seu lado até você se sentir bem e à vontade para me contar.
Ela chorava e soluçava. Chegava a dar dó:
- Se você não quiser me contar nada agora, eu também vou entender e esperarei o seu tempo. - Disse da forma mais paternal possível: - Quer que eu saia? Quer que eu te abrace?
Ela não dizia nada, só chorava, mas nessa hora ela se jogou pra frente e me abraçou:
- Ô mulher complicada, meu Deus!... - Disse baixinho e rindo, tentando ainda encontrar alguma ironia que pudesse fazê-la sorrir.
Ela ainda ficou um tempo chorando em meu ombro até começar a se acalmar. Foi parando, lentamente, “chupando” o nariz (o tesão já tinha passado mesmo) e depois de um tempo me soltou de forma que ficássemos frente a frente. Então, começou a sorrir também, ainda timidamente:
- Quer conversar? - Perguntei uma vez mais.
- Eu sou uma boba, não sou? - Respondeu, numa pergunta.
- É pra eu responder mesmo? - Brinquei: - O que aconteceu?
- Não sei. Foi tudo tão gostoso... Mas depois vi você dormindo aqui do meu lado, tão gostoso, realizado, leve, parecia um bebê rechonchudo e foi me dando uma agonia, uma medo de te perder... - Falou, já soluçando novamente.
- Rechonchudo?! - Falei, rindo e segui: - Mas de onde você tirou que vai me perder, criatura?
- Eu não sei... - Começou a chorar e rir ao mesmo tempo.
- Deus! Eu nunca vou entender o que se passa na cabeça de uma mulher. - Falei, rindo: - E o pior é que tem três aqui em casa...
Ela chorava e ria nesse momento, numa clássica crise de insegurança do nada:
- Para! Para! Pelo amor de Deus, para! - Pedi: - Não tem motivo nenhum para você ficar assim!
- A Laura é muito mais gostosa que eu!
“Pronto, fodeu!”, pensei. Se eu concordasse ela ia me xingar; se eu discordasse, ela diria que eu estava mentindo. Era uma daquelas clássicas perguntas femininas que não têm uma resposta certa. Teria que fugir pela tangente. Preferi ficar quieto e continuar ouvindo:
- Ela trepa como se o mundo fosse acabar... - Me olhou e continuou: - Eu não chego nem nos pés dela.
Realmente ela trepava demais, mas eu não podia falar isso agora. Aliás, qualquer comentário que eu fizesse seria motivo para discussão mesmo, então decidi optar pela ironia, com pitadas de depreciação, porque o riso sempre alivia a tensão ou facilita uma contra argumentação depois:
- Olha... Primeiro, se eu falar que ela não é gostosa, estaria mentindo. - Ela já ia fechando a cara, então continuei: - Só que ela é claramente uma fisiculturista, já está até meio masculinizada; enquanto você malha mas se mantém extremamente feminina, do jeitinho que eu gosto. E você sabe disso.
Ela já sorria:
- Segundo, ela mete pra caralho mesmo! - Aqui acho que exagerei na entonação, porque ela cruzou os braços e me encarou novamente: - Mas ela aparenta ter muito mais experiência de vida que você, talvez até mesmo que eu, ou vai me dizer que não notou o tamanho dos “buraquinhos” dela, além de toda aquela desinibição e técnicas? Ela estava parecendo um treinador dando aula.
Dei uma respirada, uma rápida analisada na situação e continuei:
- Você é diferente dela. Você é meiga, delicada, sensual, feminina... – Fui me aproximando: - Você tem um cheiro que me deixa louco. Só por estar perto de você fico tentado. Além disso, nossa química é única e você sabe disso: não podemos dar uma esfregada que logo já estamos nos atracando...
Ela já sorria às minhas palavras e meu contato já a deixava mais tranquila, mas decidi não tentar nada sexual ainda. Ela então se entregou a um beijo tranquilo, conciliador e depois me abraçou forte:
- Obrigada, “Mor”. - Disse, já respirando tranquilamente: - Mas eu falei sério que te capo se você me trair com ela.
- Mas foi você que colocou ela na nossa cama, criatura!
Olhei para ela então e caímos, os dois, em uma gargalhada gostosa:
- Posso te falar uma coisa? – Ela perguntou.
- Claro! Manda.
- Não entendi nada daquela estória de você ter entrado bravo aqui, falando alto comigo e com ela. Você sabia que eu ia brincar hoje, não sabia?
- Sim, mas nosso combinado não era você se atracar com uma mulher e sim com o Marcos. Você também sabia disso, não sabia?
- Sim, mas como ele não veio, não vi problema em brincar com ela, ainda mais depois que surgiu um clima...
- Olha, eu já te liberei há tempos, você sabe disso. Só acho que quando combinamos uma regra ou uma pessoa fazemos isso para garantir segurança e discrição, tanto para você como para mim e nossas filhas.
Ela me olhava séria, mas recebia tranquilamente o “puxão de orelha”:
- Pensa bem. Você mal conhecia essa mulher, não sabia nada dela. E se fosse uma fofoqueira? E se fosse violenta? E se tivesse um doença ou coisa parecida? Todo cuidado é pouco nos dias de hoje, não é? Acho que você esqueceu daquele rolo com o Caio, lá na praia, né!? - Falei.
- Nem me fala...
- Então, por sorte não deu nada nos exames que você fez depois, mas e se tivesse dado? - Conclui.
- Graças a Deus! Mas eu já conhecia ela da academia. Ela é gente boa, divertida. Tem aquele jeitão dela mesmo. Eu até imaginava que ela fosse lésbica... - Ela falou: - Por conhecê-la de lá achei que não teria tanto risco assim.
- Você não fez isso tudo de caso pensado não, né? - Perguntei, após uma luz de “atenção” se acender.
- Não, não! Pelo amor de Deus. É claro que não. - Ela foi enfática: - Você sabe que estava tudo combinado com o Marcos. Foi você até que combinou com ele. Eu estava esperando ele. Quando ela chegou foi uma surpresa e tanto. Daí ela me explicou que ele teve um imprevisto com a noiva dele ou coisa parecida e que ele havia pedido para ela vir substitui-lo e como ela já me conhecia, topou.
- E porque que você não me ligou antes de começar tudo? Podia ter me falado que tinha uma surpresa para mim...
- Você não estava me assistindo? Eu imaginei que você iria curtir um pouco o show e depois iria vir correndo...
- Então... Quando eu vi que o Marcos não tinha vindo e mandado uma mulher, imaginei que não iria rolar mais nada e fui cuidar de uns trabalhinhos que estavam pendentes. Afinal, já estava no escritório mesmo. - Comecei: - Daí quando fui dar uma olhada no sistema de câmeras, vi vocês duas se atracando e derrubei um café que havia comprado em tudo por lá. Acertei mesa, computador, celular. Meu computador apagou na hora e quando fui pegar meu celular, ele começou a dar defeito.
Ela me olhava com um “ar de riso” no rosto:
- Então, você não chegou a assistir a gente? - Ela, já ria.
- Meu celular acho que foi pro espaço... e não vai voltar. Já o computador até voltou a funcionar depois e consegui assistir alguma coisa. - Falei e ela ria mais ainda: - Aí me lembrei de um celular velho que tinha lá, troquei meu chip e te liguei. Só que você inventou aquela estória no telefone de que eu teria um almoço com um cliente e só voltaria as 14:00, nessa hora eu pensei que você estivesse tentando me tirar da jogada para ficar sozinha com a Laura.
- Não tem nada disso! Eu só falei aquilo pra ela ficar mais tranquila, porque ela estava receosa que você pudesse voltar a qualquer momento. - Retrucou.
- Mas se vocês estavam se conhecendo melhor para eu participar de uma festinha a três, porque que ela teria receio de eu chegar? - Insisti.
- Uai! Sei lá! Talvez receio de você não gostar. Vai saber...
- Ainda acho que você podia ter pedido licença para ela em algum momento e ter me ligado escondido...
- Nem pensei nisso no calor do momento. Aliás, não pensei em nada...
- Então, tá. Resolvido? Acabaram suas dúvidas? Já tá mais tranquila?
Ela só sorriu. Enxugando uma última lágrima no rosto, mas essa já parecia por ter rido bastante. Resolvi então cutucar a onça:
- E aí? Já combinou algo com a Laurona pra hoje à noite? – Disse enquanto me levantava da cama e ia em direção à porta, não sem antes tomar uma travesseirada na nuca.
- Safado! Vem aqui. Vem... - Ela falou.
Saí gargalhando, mas esperançoso que ela pudesse mesmo querer brincar mais à noite.