Capítulo 28
O solar da amendoeira se erguia solitário entre o jardim imenso e escuro. Estava assim desde a sua fundação, em 1896, e talvez permaneceria por mais longos anos.
O edificio é assobradado, construido de pedras e cal, contendo um bloco único, com cobertura de telhas de barro. O solar abrigou várias gerações dos Pereira Guimarães, sendo o idoso Procópio Pereira o último descendente oficial.
A fachada possui uma arquitetura portuguesa, decorada com azulejos pintados a mão de mesma origem. Tanto as portas principais com duas aberturas, quantos as janelas possuem esquadrias em madeiras e detalhes em vidros verde e azul.
O acesso principal se faz através da grande varanda, que ocupa o terço central do pavimento térreo da fachada principal, formando um pórtico de acesso. Quatro colunas em ferro fundido sustentam a cobertura pelo bordo externo.
Júlio a observava enquanto entrava pelo portão principal, que o ferro rangia devido ao longo tempo que guardava a casa.
Em seu interior, o palacete parecía ter feito do tempo o seu cativo, mantendo a maioria das mobílias desde o século XIX. Um silêncio incômodo e uma frieza singular dominava a casa, mesmo que a estação vigente era o verão.
As lâmpadas acesas e alguns eletro domésticos davam uma pitada de modernidade a aquele ambiente arcaico.
Júlio parou para admirar o longo piano de calda feito de madeira escura no centro da sala. Sorriu ao imaginar Leandro sentado diante dele. Fechou os olhos, ouvindo o som da música em sua mente. Essa imagem o trouxe paz. Deslizou a mão sobre o instrumento, sentindo uma estranha sensação que um dia, o presentearia ao seu amado.
_ Pela vestes brancas suponho que seja o enfermeiro.
Júlio se assustou com a voz feminina que o despertou do seu devaneio. Era Marília, uma mulher de meia idade, pele morena, cabelos longos e negros, e que carregava na rosto as feições herdadas pelos seus antepassados indígenas.
Ela secou as mãos no seu avental e o cumprimentou, se apresentando.
_ A essa hora o seu Procópio já está descansando em seus aposentos. Ele costuma dormir com as galinhas, logo após a janta.
Júlio conteve a vontade de rir do nome antiquado do patrão.
Marília o mostrou com detalhes todo o casarão, instruindo que Júlio não circulasse em todos os cômodos, mas somente nos necessários para cuidar do patrão.
_ Ele é muito enjoado. Acha que todos são ladrões.
_ Esta casa é imensa. Ele vive aqui sozinho?
_ Depende.
_ Como assim?
_ Se você se refere sem família, sim. A mulher e o filho morreram num acidente de carro há mais de trinta anos. Desde então, seu Procópio nunca mais se casou. Agora, se você se refere a qualquer tipo de companhia humana, a resposta é não. Eu fico por aqui quando o seu Procópio está sem enfermeiro, o que sempre ocorre. Quase nenhum fica por muito tempo. É difícil lidar com o temperamento dele.
O uivo do vento ecoava pela casa, deixando Marília com a feição assustada. A mulher fez o sinal da cruz no rosto.
_ Ainda bem que você está aqui. Assim posso voltar para a minha casa. Este lugar me apavora._ a mulher mudou o tom de voz para sussurro._ creio que os fantasmas dos finados ainda habitam aqui.
Júlio ignorou as crendices da mulher, as julgando como tolas. Visualizava os quadros e as esculturas da casa, se perguntando se possuiam algum valor comercial.
O quarto onde ficaria hospedado destoava da casa por ser um dos únicos cômodos modestos do palacete. Com poucos metros quadrados, paredes tingidas de branco, uma janela grande que dava a visão dos fundos da casa, uma cama de solteiro sem graça, coberta por lençol bege e a fronha do travesseiro de mesma cor. Num canto, um armário mogdo de duas portas, onde coloria as suas roupas...nada atraente e deslumbrante como os outros cômodos da casa.
Dormiu bem na primeira noite.
Despertou as seis da manhã, tomou um banho antes de vestir o uniforme branco devidamente limpo e tomar café da manhã.
Na hora exata de medicar o patrão, Júlio bateu em sua porta, levando consigo um carrinho, contendo o farto café da manhã do idoso.
_ Entre._ ordenou seu Procópio, numa voz arrogante e irritada.
Júlio entrou sorrindo, fingindo ser simpático. Quis causar uma primeira boa impressão.
_ Bom dia, senhor.
Procópio era um homem de pele enrugada, cabelos alvos e bem alinhados, tinha expressões amargas, os lábios retorcidos e o nariz empinado. Olhava o enfermeiro como se visse um inseto repugnante.
Ficou a observa-lo em silêncio por alguns segundos.
Júlio se pôs diante do patrão, numa posição respeitosa, ergueu a mão para cumprimentá-lo , ao se apresentar.
_ Me chamo Júlio, sou o novo enfermeiro.
_ Estou vendo. Não sou cego.
A resposta grosseira e o fato de não retribuir o seu cumprimento, fez com Júlio abaixasse a mão, desfazendo, aos poucos, o sorriso.
_ Está na hora do seu remédio.
O enfermeiro virou de costa para o patrão, colocando as gotas do medicamento num copo com água. Não gostou nada da arrogância de Procópio, mas procurou pensar no salário que receberia.
_ Eu sei muito bem quem você é. Sempre procuro obter a ficha completa dos meus funcionários. Não ponho qualquer um dentro da minha casa.
Procópio esboçou um sorriso irritantemente sarcástico.
_ Você é um..._ Procópio abaixou a munheca, com o cotovelo apoiado no braço da cadeira de rodas.
_ O senhor está insinuando alguma coisa?
_ Não estou insinuando nada. Estou a dizer a verdade. Você é um pederasta. É amigado com o filho do doutor Genaro Toledo. Conheço bem aquele tipo, é metido a progressista, a favor da imoralidade... Creio pra mim que é veado igual ao filho... só está no armário. Caso contrário, se fosse homem de verdade, não apoiaria esse tipo de coisa.
_ Aqui está o seu remédio._ Júlio entregou o copo ao idoso, com uma expressão brava.
_ Sabe que olhando assim pra você, nem parece que é veado. Se passa como homem sem ninguém suspeitar. O que é bom pra você. Eu soube disso antes de te contratar. Eu não ia gostar nada nada de ter uma bichinha saltitando pela casa.
Júlio serviu o café da manhã calado. Engolia a sua raiva pelos comentários homofóbicos de Procópio. Se não precisasse tanto do salário, arrumaria as suas coisas e partiria naquele mesmo instante.
Após auxiliá-lo no banho e pôr a cadeira no jardim, Júlio perguntou se o paciente precisava de mais alguma coisa.
_ Sabe tocar piano?
_ Não, senhor.
_ É um inútil, como todos os outros.
_ O senhor gostaria de...
_ Eu não gostaria de nada! Saia da minha frente!_ Procópio gritou irritado, a presença de Júlio o incomodava muito.
Júlio saiu depressa. Foi para a cozinha, tomar um copo d'água para ajudar a engolir a raiva.
....
Os dias na casa pareciam não ter fim. A convivência com Procópio estava a cada dia mais insuportável. Júlio sempre recolhia em silêncio as injúrias que recebia, sempre acompanhadas de agressões verbais e morais feitas com crueldade.
Procópio quase nunca sorria, era sempre rabugento e bufava, como se estivesse cansado da vida. Reclamava da comida de Marília, acusando a cozinheira de incompetência culinária.
_ Ele está cada vez mais insuportável! Eu não aguento mais!_ Júlio confessou a Marília, enquanto fumavam no jardim, depois do almoço.
_ Pelo visto você será como os outros. Não ficará por aqui por muito tempo.
_ Velho nojento! Como pode ser tão infeliz sendo tão rico?! Ninguém o suporta. Nem amigos aquela praga tem. Estou aqui há quase um mês e ninguém nunca o visitou.
_ Ele só recebe a visita da Irene. Quando o dinheiro acabar, ela aparecerá por aqui com o menino.
_ Quem é essa?
_ É uma ex empregada e ex amante do seu Procópio. Eles tiveram uma noite de... você sabe. A mulher engravidou, aí o seu Procópio a dar uma razoável mesada para se manter calada. Ele não quis assumir o menino.
Júlio não estava interessado na história, retirou do bolso uma foto de Leandro e ficou a observando em silêncio.
_ Posso ver?
_ Claro._ Júlio concordou, entregando a fotografia a Marília.
_ Nossa! É um rapaz muito bonito! Parece até aqueles atores de filmes estrangeiros. Ele é o seu amante?
_ Ele é lindo mesmo. O mais bonito que já vi na vida._ Júlio respondeu sorrindo orgulhoso._ Mas não é meu amante, é meu noivo.
_ Você também é muito bonito. Vocês formam um belo par.
_ É por ele que aturo tudo isso. Esse dinheiro vai ser muito útil para começarmos a nossa vida.
_ Então, você o ama mesmo. Porque aturar o seu Procópio é um fardo.
_ E como é.
O vento gélido da madrugada fazia com que os galhos batessem na janela do quarto de Júlio, proporcionando um barulho como de arranhões. O som desagradável o fez despertar.
Abriu os olhos aos poucos, e pulou da cama assustado com os olhos brilhantes como de um gato sobre ele. Procópio o observava sério e inexpressivo.
_ Que susto!_ Júlio exclamou ofegante, com a mão sobre o peito nu._ O senhor deseja alguma coisa?
Procópio abriu a boca, mas fechou em seguida, morrendo em seus lábios algo que seu coração queria libertar, mas a falta de coragem o impediu.
Virou-se de costa, e saiu do quarto apoiado na bengala.
_ Eu hein! Sujeito estranho!_ Júlio comentou, antes de se aconchegar na cama e dormir novamente.
No dia seguinte, passou por Marília como um furacão, bufava bravo, subindo as escadas indo em direção ao quarto de Procópio. Júlio carregava algo na mão, que Marília não conseguiu identificar do que se tratava.
Entrou no quarto do idoso como um furacão, batendo a porta, gritando:
_ Com que direito entra no meu quarto, mexe nas minhas coisas e destrói o que é meu?
Júlio jogou sobre a cama os restos picados da fotografia de Leandro.
_ O senhor não tinha esse direito!
Procópio nada respondeu, o que deixou Júlio ainda mais irritado.
_ Eu já estou farto do senhor, da sua arrogância, mas conseguia suportar. Agora isso é demais.
_ Traga o meu café da manhã. E nada de café gelado. Peça para aquela inútil para não salgar os ovos.
Júlio o olhava atónito, odiou ser ignorado.
_ Vá, moleque! Vá agora! Não me olhe assim! Vá!
Irritado, Procópio atirou em direção a Júlio um vaso de porcelana, que ficava sobre a mesa da sua cabeceira. Por pouco, o objeto não o feriu, Júlio desviou e o vaso fez em cacos, batendo na porta.
_ Velho louco! Louco e cruel! Eu não fico nem mais um segundo nesta casa!
Júlio saiu correndo do quarto. Ao descer as escadas cruzou com Marília, que o olhava aflita.
_ O que aconteceu, menino?
_ Aquilo não é um ser humano! É um demônio!
Correu para o seu quarto, arrumou as malas, com ódio.
Ouviu a voz rouca de Procópio ecoar pela casa como um trovão, chamava por Marília.
Alguns minutos depois, com muita dificuldade, Procópio entrou no quarto de Júlio, com o auxílio de Marília e da bengala.
Encontrou Júlio sentado na beira da cama, bufando, com a mão no peito e a cabeça erguida, ofegante. Minutos antes, Júlio havia gastado as energias socando a cama, para aliviar a raiva, enquanto gritava.
Procópio se desculpou, pela primeira vez, com a intonação de gentileza na voz. Pediu para que Júlio ficasse.
_ Não precisa se irritar com as rabujices de um velho. Podemos relevar, Júlio. Estou nas últimas. Não hei de viver muito. Esta casa é o ensaio da minha cova. Em breve você irá ao meu velório. Você irá. E ainda mandará rezar uma missa por mim, mesmo sendo ateu.
É burro o suficiente para não acreditar em deus, e será surpreendido quando eu for visitar o seu quarto e puxar o seu pé. Terá tanto medo, que o seu ateísmo fugirá pela janela._ Procópio brincou sorrindo.
_ O senhor acha que sabe muito ao meu respeito.
_ Sei mais do que imagina. Peço que fique. De todos os enfermeiros você foi o melhor, o mais atencioso e até agora não me roubou nada.
_ Não sou seu capacho. Me recuso a ficar.
Procópio sentou ao lado de Júlio na cama e ordenou que Marília fosse buscar no seu escritório o seu talão de cheques, um livro capa dura e uma caneta tinteiro.
A mulher o obedeceu, trazendo os objetos solicitados en pouco tempo.
Mesmo com as mãos trêmulas, Procópio assinou um cheque e entregou a Júlio.
_ O que significa isso?
_ Este é o novo valor do seu salário. Se ficar, pagarei o triplo do combinado. Então, aceita ficar?
Marília o olhou com espanto. Era a primeira vez que via o patrão fazer questão da presença de algum enfermeiro.
Diante da oferta, a raiva de Júlio evaporou, imaginando o quanto o novo salário seria útil para a sua vida com Leandro. Aceitou ficar, sem demonstrar entusiasmo, querendo preservar um pouco da sua dignidade que restou.
_ Eu sabia que você não era tão burro assim. Tudo tem um preço... até que você é bem barato, Júlio.
Procópio se retirou do quarto sorrindo satisfeito. Se nas pazes humilhava o enfermeiro, na guerra era pior.
Júlio nunca mais fora agredido fisicamente. No entanto, as injúrias não cessaram, pelo contrário, aumentaram. Era burro para lá, asno para cá, pederasta, boiola, veado e etc. Procópio não economizava em nada o seu léxico homofóbico para se referir ao enfermeiro.
Júlio os suportava em silêncio. Cada vez que o salário batia na conta, se sentia mais fortalecido em aguentar. Afinal era por pouco tempo, as férias estavam chegando ao fim. Em breve retornaria ao campus e para a sua casa, gozando nos braços do amado Leandro, isso era o que o motivava e o fazia suportar toda aquela situação.
....
Depois do almoço de domingo, Júlio foi descansar no seu quarto, deitado na cama e lendo um livro que Leandro o havia enviado de presente, via correio. Anexo com uma carta de amor. Leandro declarava a saudade do amado.
Ambos trocavam mensagens todos os dias por SMS, em que Leandro relatava o seu cotidiano. Enquanto, Júlio ocultava do namorado todo assédio moral que sofria, mentindo que tudo estava bem.
O enfermeiro acabou adormecendo na leitura dos contos de Machado de Assis.
Quando despertou, já havia anoitecido.
_ Que merda! O velho desgraçado deve estar louco de ódio com o meu sumiço.
Levantou apressado, se ajeitando.
Percebeu que da sala principal vinha um som de piano, dando vida a aquele palacete fúnebre. Lembrou de Leandro, desejando que fosse as suas suaves mãos que estivessem produzindo som no velho instrumento musical.
Ao chegar na sala, viu um menino de pernas finas e pele branca sentado em frente ao piano. Tinha os cabelos negros como fiapos de noite e duas esmeraldas brilhantes como olhos.
Ao ver Júlio, o menino sorriu encantado. Sentiu o coração bater mais forte, aquecido e um arrepio dominar o seu corpo. Era a primeira vez que sentiu o efeito do amor.
Júlio sorriu de volta, acariciando os seus cabelos, o cumprimentando. Mas não correspondia aos sentimentos do garoto. Para ele era repugnante que algum adulto se sentisse atraído por uma criança.
Uma mulher morena, magra e de cabelos curtos e negros viera da varanda em direção ao menino. Ela vestia um vestido escarlate decotado e caminhava em cima dos saltos finos, exalando vulgaridade. Entre os dedos com a unhas pintadas de vermelho, trazia um cigarro aceso.
_ Boa noite, senhora.
_ Boa noite._ a mulher respondeu sorrindo e Júlio pode perceber que o menino herdou dela o belo par de olhos verdes.
_ Querido, você está tocando muito bem. Lembre-se que um dia, este piano será seu._ a mulher disse com gentileza, apoiando as mãos nos ombros do filho e o beijando a cabeça.
_ Você pode trazer um whisky para nós, por favor?
Júlio não gostou do pedido da mulher, odiou ser tratado como um serviçal pela desconhecida.
_ Claro.
_ Obrigada, meu bem._ ela o agradeceu, mandando um beijo e retornando á varanda.
_ Quem é aquela gente?_ Júlio perguntou a Marília, assim que entrou na cozinha para pegar os copos, já que não estavam mais no bar da sala, pois Marília os levou á cozinha para lavar.
_ É a dita cuja... a Irene e o seu filho. Hoje é dia de ela pegar o._ Marília fez um sinal com os dedos simulando dinheiro.
_ Ela é meio arrogante. Não fui com a cara dela.
_ Ih, aquela ali sempre se achou. Agora tá mais ainda. Sabe que o velho está nas últimas e tem esperança que o seu filho herde tudo.
_ É o que vai acontecer. O moleque não é filho dele?
_ Pode ser que sim. Mas o seu Procópio já não está tão rico quanto antes. Agora não passa de um classe média com pose de Fidalgo.
_ Como assim? E está casa? Nenhum classe média tem uma casa dessas.
_ É pose, Júlio. A conta bancária não está tão farta quanto antes. É claro que ele não é um pobretão como nós, mas não é mais nenhum milionário.
_ Entendi. Deixe eu ir lá. E além do mais tenho que dar remédio ao Freddy Krueger.
_ Você não é mole._ Marília disse sorrindo, balançando a cabeça num sinal negativo.
_ Aproveite e leve nesta bandeja. Assim você leva o whisky para a metida e um copo de suco para menino e o outro para o seu Procópio.
Quando Júlio entrou na sala principal, Procópio estava sentado na cadeira de rodas, em frente ao piano, ouvindo com atenção o menino tocar Noturno, de Chopin.
_ Veja Procópio, o seu filho está tocando cada vez melhor.
_ É o mínimo que deva fazer, já pago caro na escola de piano.
Irene abaixou a cabeça frustrada por não ter despertado a admiração de Procópio.
_ Percebo que você está muito melhor do que dá última vez que estive aqui.
Júlio se aproximou, servindo os copos.
_ Obrigada, querido. Pelo visto você está cuidando muito bem do Procópio. Ele está até mais corado.
_ Sim. O seu Procópio tem reagido bem aos medicamentos.
Depois de servi-los, Júlio apoiou a bandeja sobre uma das mesas e sentou em uma das cadeiras, que estava próxima á varanda.
Viajou ao som do piano, hipnotizado pela música. O vento balançava as cortinas, trazendo um clima agradável naquela noite azulada de lua cheia.
Todos na sala estavam em silêncio, somente o som do piano imperava no solar.
O enfermeiro relaxou, cerrando as pálpebras, se deixando guiar pela música agradável. Apesar de nunca ter interesse em tocar o instrumento, adorava a sua musicalidade. Durante os anos do seu casamento, sempre pedia para que Leandro tocasse para ele.
Ao abrir os olhos e percebeu que estava sendo observado por Procópio. Não com o olhar raivoso que recebia diariamente. Pode perceber uma chama de desejo em seu velho olhar. Fitava Júlio como se esse fosse uma de suas obras de arte.
Desviou de imediato ao perceber que Júlio abrira os olhos.
O enfermeiro sentiu-se incomodado com a situação, se retirando da sala, para a insatisfação do pequeno pianista.
....
Fevereiro já se aproximava do fim, e Júlio contava os dias para deixar o solar e retornar para os braços de Leandro.
Certa tarde de carnaval, enquanto o país inteiro caía na folia, Júlio se via entendiado naquele solar escuro, frio e silencioso, na companhia desagradável de Procópio.
Foi até o quarto do idoso dar-lhe os medicamentos da tarde.
_ Desejo falar com o senhor.
_ O que é?_ perguntou Procópio em tom de grosseria.
_ Eu quero me certificar de que o senhor já conseguiu um enfermeiro efetivo, o que irá me substituir.
Procópio o olhou com espanto. Não gostou do que ouviu.
_ Ninguém irá te substituir. Você vai permanecer aqui até o meu último suspiro.
Júlio respirou fundo, tentando manter a calma.
_ Não foi esse o nosso combinado.
_ Que vá pro Diabo o combinado! Eu estou te pagando mais do que o combinado. Isso a bichinha não reclama.
_ Eu espero que o senhor consiga um substituto até a próxima semana. De qualquer maneira vou ter que ir embora.
_ Está com saudades do macho? Boiola!
_ Eu não o devo satisfações. Sim. Tenho saudades do meu namorado sim. E peço que me respeite.
_ Se quisesse respeito, se comportaria como um homem. Honraria o que deus lhe deu entre as pernas, faria uso dele. E sim, foi Deus que te deu a vida! Essa coisa de ateísmo é ridícula.
Você é um enfermeiro... aliás técnico, nem ensino superior tem... é um fracassado.
_ Não tenho diploma de ensino superior por enquanto. Mas em breve serei advogado. Já que sabe tanto sobre mim. Deveria saber que curso Direito na melhor universidade desse país. Eu até poderia dizer que o senhor ouvirá falar de mim, mas isso não vai acontecer, já que está quase dentro da cova.
Procópio gargalhou alto.
_ Você? Advogado? Será um merda, nunca vai chegar a ser ninguém na vida. Por mais que se esforce, sempre será um Zé ninguém, pobre, um mero serviçal. Aceite a sua natureza, veado. Conforme-se com o esgoto que está destinado.
"Até os seus sogros sabem disso."
Nessa hora, Júlio o olhou com ódio.
_ E esse seu amante, hein? Uma bichinha rica e metida a rebelde. Se envolveu com o filho da empregada só para fazer birra para os pais. A idade vai chegar para ela. A "mocinha" vai se cansar dessa brincadeira e vai te dar um bom pé na bunda!
Júlio não aguentou as duras palavras de Procópio, e saiu do quarto, deixando a porta aberta.
Correu para o jardim com o coração acelerado. Sentia o peito doer e o ódio dominar cada veia do seu corpo, gritando latente por liberdade.
Gritou abrindo os botões da blusa branca, como fera raivosa. Proferia xingamentos e palavras amaldiçoadoras.
_ Eu não o suporto mais! Não suporto!
Caiu de joelhos em prantos, trêmulo, soluçando de tanto chorar.
O ódio o consumia como a chama de um fogarel. Ódio por Procópio, por Angela, por Genaro e por todos que o humilharam durante a sua vida.
Desejou voltar para o quarto e retirar a vida de Procópio com as próprias mãos. Mas Conteve-se, indo para o seu quarto, onde ficou trancado até o amanhecer do dia seguinte.
Marília chegou no solar pela manhã. Encontrou Júlio na cozinha, sentado a mesa mastigando um pedaço de pão com manteiga e tomando café com leite num copo de vidro.
_ Bom dia, querido.
_ Bom dia._ Júlio respondeu seco. Marília reparou que ele não vestia mais o uniforme e presumiu que tinha a intenção de partir.
_ É um absurdo ter que comer esta porcaria. Tantas coisas boas na geladeira e o velho é um avarento desgraçado.
_ Você já deveria estar acostumado. Você sabe que empregados não comem as mesmas coisas que os patrões.
_ Isso vai mudar pra mim. Depois que eu enriquecer, nunca mais vou comer essas merdas.
_ Que deus te ouça...mesmo que você não acredite nele. Aliás, Júlio, você não vai trabalhar hoje? Não está usando o uniforme.
_ Vou sim. Mas tenho que ir á cidade comprar os remédios do desgraçado. Volto antes do almoço.
Júlio levantou da mesa, levou o copo á pia e o lavou antes de sair.
Conforme o prometido, Júlio retornou antes do almoço. No entanto, estava muito diferente de quando saiu. O seu humor havia melhorado. Estava sorrindo e assobiando.
_ Nossa! Que coisa boa o aconteceu para voltar feliz desse jeito?
_ Marília, sair desta casa é como tirar um peso nas costas.
Júlio saiu sorridente, indo em direção ao seu quarto.
Sentado na cama, abriu o pacote com vários comprimidos placebos. Sorriu olhando para eles. Retirou os verdadeiros comprimidos e jogou na lixeira, pondo os placebos em seus lugares.
Daquele dia em diante, Júlio passou a poder desfrutar de momentos de paz. Na falta dos verdadeiros medicamentos, Procópio adoecia cada vez e o coração batia enfraquecido.
Não conseguia mais levantar da cama, e quase nunca falava, só convalecia a cada dia.
Quando foi visitá-lo, Irene estranhou a piora de Procópio e comentou com Marília, quando esteve só com ela na cozinha.
_ Estranho. Até há alguns dias atrás, Procópio estava ótimo! Agora está nas últimas.
_ Só Deus mesmo por ele. Tenho rezado bastante pelo velho, para que Deus tenha piedade de sua alma pecadora.
Júlio entrou na cozinha sorrindo e cantarolando. Cumprimentou as mulheres e saiu quando terminou de beber água.
_ Sei lá. Eu não confio nesse rapaz._ Irene comentou baixinho.
_ Por que não?
_ Não sei... É estranha essa felicidade repentina dele e a piora de Procópio. Tenho para mim que isso tem ligação.
_ Que nada. Júlio é tratado como um lixo por seu Procópio. É normal que se alegre pela piora dele.
_ Essa não é uma atitude cristã.
_ Júlio é ateu.
_ Tá explicado a ausência de deus em seu coração.
Júlio se deleitava com a enfermidade de Procópio. Sentia prazer em vê-lo no leito, com lábios entre abertos, respiração fraca e olhar perdido. Amava saborear a vingança dia a dia.
Inconformada com a situação de Procópio, Irene decidiu levar o médico do idoso para visitá-lo. O que surpreendeu a Júlio, que não gostou da intromissão da mulher.
_ Procópio, você precisa vir comigo ao hospital. Temos que realizar alguns exames. O seu estado de saúde tem piorado muito.
_ Eu não vou a lugar algum. Odeio hospitais. Se tiver de morrer, que seja aqui, nesta casa.
_ Não seja teimoso, Procópio._ recriminou o médico.
_ Já disse que não vou!_ Procópio gritou tossindo.
Júlio se prontificou para ajudá-lo, sentando-o na cama.
_ Eu preciso é de um advogado! Chame o doutor Peçanha. Tenho que cuidar do meu testamento.
Irene se prontificou empolgada. Foi até o escritório ligar para o advogado solicitando a sua visita. Não queria assumir para si mesma que desejava a morte de Procópio, mas no fundo, estava feliz por finalmente o seu filho herdar os bens do pai.
Na sala de estar, o doutor entregou a Júlio uma nova receita de medicamentos.
_ Infelizmente, eu não posso obrigar Procópio a ir um hospital. Mas vou aumentar a dosagem dos remédios. Talvez isso faça com que melhore a sua saúde. Você é o responsável pela compra?
_ Sim, senhor.
_ Cuide bem do seu paciente. Peço que tenha paciência também. Ele não viverá por muito tempo._ o médico o aconselhou, pondo a mão no seu ombro. Despediu-se, partindo em seguida.
Júlio pôs a receita na gaveta da escrivaninha do seu quarto, de onde ela nunca mais saiuProcópio se surpreendeu com a entrada de Rubens em seu quarto. A visão do jovem advogado negro, vestindo um terno amarelo não o agradou em nada, e fez questão de demonstrar isso, permanecendo com a cara amarrada.
Primeira atitude tomada foi perguntar pelo seu advogado, o doutor Gustavo Peçanha, que Rubens respondeu que estava doente e o mandou em seu lugar.
O jeito afeminado e seguro de Rubens o irritou ainda mais. Contudo, Júlio simpatizou de primeira com o advogado.
Procópio o aceitou por falta de opção, já que tinha pressa em fazer o seu testamento. Ordenou que Júlio se retirasse do quarto.
Rubens chegou na sala alguns minutos depois.
_ Gente, que homem grosso!_ comentou Rubens com Júlio.
_ Você ainda não viu nada.
Os dois conversaram por uma hora e trocaram números de telefone.
Rubens ligou no dia seguinte, convidando Júlio para ir a um bar LGBT.
A noite começou com um copo de whisky. Era a primeira vez que Júlio experimentou a bebida.
_ Hum! Isso é muito bom!
_ Já pode se acostumando com a bebida boa. Logo logo essa fará parte da sua rotina._ Rubens disse piscando um dos olhos.
A noite terminou num motel, onde se entregaram ao sexo selvagem e quente. E também nascia uma amizade entre os dois.
No dia seguinte, no café da manhã, Procópio comentou sobre o seu descontentamento com a presença de Rubens.
_ O doutor Gustavo deveria ter mandado um advogado apresentável. Aquele neguinho afeminado me deu nojo. Marília, se certifique se alguma coisa foi roubada.
Júlio sentia uma onde de ódio invadir o seu corpo, o coração bateu acelerado e face esquentava. Não conseguiu conter a indignação.
_ Seu racista desgraçado! Como você me dar nojo!
Saiu do quarto bufando, para não perder ainda mais o controle. Racismo era algo que ele abominava com força.
Ao fim da tarde, as nuvens negras dominavam o céu, e a escuridão ofuscava a luz do dia.
_ É...pelo visto vai cair uma tempestade esta noite._ Marília comentou olhando pela janela.
_ Vai sim. Acho melhor você se apressar para não pegar chuva no meio do caminho.
_ O pior é que tenho que escolher os grãos de feijões e pôr de molho.
_ Não se preocupe. Eu faço por você.
_ Ah, obrigada, querido.
A tempestade desabava com força na cidade, e a ventania balançava as árvores de um jeito assustador. Os trovões estrondavam.
O fornecimento de energia elétrica foi interrompido, deixando o solar mergulhado em trevas.
Procópio gritava assustado, pedindo para que Júlio permanecesse ao seu lado, durante a tempestade.
O enfermeiro acendeu algumas velas pelo quarto, sentou numa poltrona próxima á cama e começou a ler um livro, que estava apoiado nas suas pernas cruzadas.
O coração de Procópio estava cada mais enfraquecido, a saúde evaporava como fumaça no ar. A falta dos medicamentos o matava aos poucos.
Respirava com dificuldade, mirando a tempestade pela janela. Sentiu uma dor profunda no peito, pondo a mão enrugada sobre ele. Lançou sobre Júlio um olhar suplicante.
_ Me ajude! Preciso dos meus remédios._ disse com dificuldade, quase como um sussurro.
O idoso se contorcia na cama, gemendo de dor. Ouvia os passos da morte se aproximar do seu quarto e isso o apavorava.
_ Por favor...os meus remédios!
Júlio correu para o banheiro e voltou com o frasco. Procópio estendeu a mão trêmula para pegá-lo. Mas Júlio jogou o frasco no chão e pisou sobre os medicamentos.
Procópio o olhou assustado.
_ Tão arrogante, tão machão e tá implorando pela ajuda de um veadinho? Nossa, que decadência, hein desgraçado!
"Tá com medo de morrer, cretino? Mas isso que vai acontecer! Você vai penar e penar até morrer! E eu vou ficar bem aqui._ Júlio sentou na poltrona._ Assistindo a sua queda."
O idoso implorava por ajuda, mas Júlio o olhava com frieza, sem dizer uma palavra, se deliciando com o sofrimento do patrão.
Procópio soltou o último grito. Morreu olhando para o teto com a boca aberta e a mão sobre o peito.
Júlio se levantou e se aproximou do leito se certificando de que ali já não havia mais um ser humano e sim um corpo sem vida.
Ligou para a ambulância, fingindo nervosismo.
Partiu no dia seguinte, prometendo a si mesmo que nunca mais voltaria a aquele solar.
....
Ao pôr os pés em casa, Júlio abraçou Leandro com força. Ao sentir o calor do corpo do namorado, se sentiu seguro.
_ É tão bom estar em casa e ao seu lado. Nesses últimos meses, eu vivi a pior experiência da minha vida.
_ Sério, meu amor? O que foi que aconteceu?
Júlio se negou a relatar, dizendo que nunca mais gostaria de tocar no assunto. E Leandro respeitou a sua vontade, mesmo estando muito curioso.
Alguns dias depois do sepultamento de Procópio, Júlio recebeu uma ligação de Rubens o solicitando para a leitura do testamento.
_ Como assim? Eu nem sou da família!
_ Mas é o único herdeiro, bicha.
Tanto Leandro quanto Dirce se viram preocupados, diante da expressão de espanto de Júlio ao desligar o telefone.
_ O que aconteceu, meu filho? Alguma outra tragédia?
Júlio sentou no sofá para não perder o equilíbrio das pernas.
_ O seu Procópio deixou toda a herança para mim.
_ Como assim?! Por que ele faria isso?_ Leandro perguntou.
_ Eu não faço a mínima ideia.
Dona Dirce deu um sorriso, levantou as mãos para o céu agradecendo a Deus.
_ Deus seja louvado! Vou mandar acender uma outra vela para o seu Procópio... aliás vamos mandar rezar uma missa para a alma dele.
_ Eu não entendo...ele me odiava. Me tratava feito um lixo...por que deixaria a fortuna para mim?
_ Na certa porque era solitário e você foi a única pessoa que cuidou dele, meu amor. Ele quis retribuir._ Leandro respondeu o abraçando.
Júlio não conseguia comemorar a herança que recebeu. Sentia a conciencia pesar por ter causado a morte do paciente.
Nem mesmo a possibilidade de mudar de vida e realizar os seus sonhos o animava.
_ Eu não disse que a sua vida iria mudar?_ Rubens o recordou. _ O seu Procópio deixou uma carta escrita para você. Aqui está.
Júlio recebeu um envelope num papel pardo.
Iniciou a leitura, quando esteve só em seu quarto.
"
Querido, Júlio,
Sei que no momento em que estiver lendo esta carta eu não estarei mais neste mundo. Mas, quero que saiba o verdeiro motivo por fazê-lo meu único herdeiro.
Desde a primeira vez que o vi, no meu coração reacendeu a chama do amor, que adormecia durante muitos anos.
Isso mesmo! Você não leu errado. Eu o amo com toda a minha alma!
Durante toda a minha vida, por medo de repressões, tive que oprimir a minha verdadeira sexualidade, tendo que me esconder num casamento de fachada, a qual fui muito infeliz e também fiz com que a minha esposa também compartilhasse da mesma infelicidade. Com isso, o meu coração se endureceu em amargura e me tornei este homem rude que sou.
Tive que viver nas sombras da hipocrisia para poder ter alguns momentos de prazer nos braços de algum amante querido, mas nunca me foi permitido amar nenhum.
Você, Júlio, despertou em mim um sentimento arrebatador, eu me vi louco de paixão, desejoso por ti. Os seus lábios me encantam, o teu olhar me extremesse e o seu cheiro me faz arder de paixão.
Sei que não tenho nenhuma chance de ser correspondido nesse amor, já que não tenho mais nem a beleza e nem a virilidade que possui na juventude, e isso me entristece muito.
Sinto ódio pelo tempo, que me fez um velho fraco e repugnante, enquanto a ti um jovem encantador. Nunca mais serei como o seu amado Leandro, sendo por esse motivo que não consegui me controlar, e num ataque de fúria, destrui a sua fotografia. Ah, como o odeio por ser ele o dono do seu coração e não eu!
A cada dia que passa o meu amor por você só aumenta. Maltrato-te porque sei que nunca me corresponderá. Tenho medo que saiba disso enquanto eu ainda respirar. Seria doloroso demais que me desprezasse ou risse de mim.
Contento-me com os meus devaneios, onde me perco no seu corpo entre carícias e beijos ardentes, onde sou seu e você corresponde aos meus sentimentos.
Espero que seja feliz. Que a minha herança sirva para que realize os seus sonhos e que desfrute dela ao máximo possível.
Amo-te em vida e se houver vida após a morte, seguirei te amando.
Ass: Procópio."
Júlio terminou de ler sentindo-se enojado, classificando Procópio como horrendo, repugnante e louco.
Passado alguns dias, no seu coração não havia mais nenhum resigno de remorsos. Procurou se concentrar em como administraria a seu favor o dinheiro e bens herdados.
Procópio já não era mais um homem muito rico como fora na sua juventude, mas possuía uma boa quantia no banco, um carro modelo do ano vigentee o solar.
Júlio resolveu vender o imóvel, mesmo Leandro tendo uma opinião contrária. O jovem amou o local histórico.
_ Meu amor, eu pretendo investir o dinheiro da venda no meu escritório de advocacia. É o primeiro passo. Depois vou trabalhar a afinco para torná-lo um dos maiores do país. Com o dinheiro que herdei do banco, vou comprar um cantinho para nós dois e ajudar a minha tia a quitar algumas dividas.
Leandro olhou para o solar lamentando.
_ É... você tem razão. Por mais que me gostei do lugar, temos que pensarmos no nosso futuro.
Júlio o abraçou por trás e apoiou o queixo sobre o seu ombro.
_ Coração, eu ainda vou ser muito rico. Vou poder te dar quantos solares desejar.
_ Eu não duvido da sua competência, meu amor. Você é foda._ Leandro disse sorrindo, e o beijou.
Júlio olhou para o piano e disse:
_ Ele é seu.
_ Meu?
_ Sim! É seu, meu amor! Vai ser uma honra te ouvir tocar.
Leandro se atirou em seus braços, agradecido.
...
Genaro não pode mais esconder da esposa a sua situação financeira, o que a deixou furiosa. A mulher detestava a possibilidade de voltar a ser pobre.
Eles tiveram que engolir o orgulho e aceitar vender o escritório para Júlio, que comprou com gosto por mostrar aos sogros que estava por cima.
Fez questão de contratar Genaro para ser um dos seus funcionários, revertendo a situação.
A relação entre os pais de Leandro com Júlio mudou por completo. Genaro passou a bajula-lo e Angela a fingir que tolerava.
Por ainda ser um universitário, Júlio contratou Rubens para que ficasse a frente do negócio, o representando até que estivesse o diploma em mãos.
Com o passar dos anos, Júlio se dedicou com esmero fazendo a empresa prosperar cada vez mais e se tornou um jovem advogado competente.
Certo dia, se surpreendeu com a visita de Irene no seu escritório. A mulher implorava para falar com Júlio.
_ Eu preciso de ajuda. Desde que Procópio faleceu eu e meu filho estamos passando necessidade. Tive que tira-lo da escola particular e o menino precisa de remédios.
_ O que eu tenho a ver com isso?_ Júlio perguntou irritado.
_ Ora, você herdou toda a fortuna que era do pai dele. Creio que deva ser um homem generoso e...
_ Eu não sou nenhuma instituição de caridade. Se o velho não assumiu a paternidade do filho isso não é problema meu.
_ Júlio, por favor, eu...
_ Faça o favor de ir embora daqui. Não quero mais que volte a me perturbar. Vá procurar um trabalho!
Irene saiu do escritório se sentindo humilhada. Seu ódio por Júlio nascia naquele momento.
....
Luciano entrou em casa depois de mais um dia exaustivo de trabalho. Trazia em mãos um pacote de pães franceses, que pôs sobre a mesa do cozinha.
Há anos residia naquela casinha simples, situada numa vila no subúrbio do Rio de Janeiro.
A casa não estava em boa condições, ela implorava por reformas e os móveis de péssima qualidade estavam se deteriorando com o tempo.
Encontrou a mãe sentada, cochilando no sofá da sala, em frente a TV de tubo que exibia o RJ TV. Deu um beijo em sua bochecha, a despertando.
_Já chegou, meu amor?
_ Acabei de chegar._ Luciano disse sorrindo._ Eu trouxe pães. Tomou os remédios, mamãe?
_ Tomei sim. Eu pensei que você iria á casa dele de novo.
_ Hoje o Júlio me dispensou. Vai passar a noite com a filha e ela não gosta de mim.
_ Você precisa conquistar essa garota. Ela pode atrapalhar os nossos planos...mas me diga uma coisa, como é a casa dele?
Luciano deitou a cabeça no colo da mãe e respirou fundo. Recebeu carinho.
_ É linda, mamãe! Uma cobertura muito luxuosa. A piscina é imensa, tem academia particular e até sala de cinema!
_ Só de pensar que tudo isso deveria era seu por direito. Eu tenho pra mim que aquele desgraçado matou o seu pai e antes o obrigou a mudar o testamento para que ele herdasse tudo.
_ Será, mamãe? O papai não morreu de infarto?
_ Luciano, o seu pai estava bem. Estava se recuperando. Foi só aquele homem ir trabalhar como enfermeiro para que ele piorasse. Tenho pra mim, que Júlio foi o responsável por isso. Não houve motivos para Procópio deixar tudo para ele.
"Mas e aí? Ele tá apaixonado por você? Tá fazendo direitinho, como a mamãe te ensinou?"
_ Mãe, ele nunca vai se apaixonar por mim. Júlio ama o Leandro._ Luciano disse com tristeza.
_ E por que você está com essa cara? Ele quem deve se apaixonar por você e não o contrário.
Você não pode esquecer do mal que aquele homem nos fez. Por culpa dele que passamos fome. Você precisa se vingar, entendeu Luciano?
Luciano a olhou, fazendo um sinal positivo com a cabeça.
Notas do autor
Bom chegamos ao fim da sequência de flashback e retornaremos aos dias atuais da nossa história.
Galera, eu odeio fazer o pidão, mas dá um trabalho danado escrever os capítulos. Se vcs puderem ajudar ou com um votinho ou um comentário por aqui, ou na dm do meu Instagram (@arthurmiguel5203) eu agradeço. O engajamento de vcs nos incentiva muito como escritores.
Beijos a todes.