- E eu nunca vou esquecer! - Disse enquanto analisava suas palavras, algumas contraditórias.
Ela me encarou por um momento como que esperando algum tipo de palavra ou apoio. Eu a olhava, mas não conseguia enxergar minha esposa, a minha Nanda. O doutor Galeano provavelmente concluiu pelo meu silêncio ou pela minha linguagem corporal que alguma coisa não estava certa:
- Mark. - Disse chamando minha atenção: - Quer compartilhar alguma coisa?
- Sinceramente, doutor. Eu acho que pra mim já deu, por enquanto. Estou querendo almoçar.
Era claro meu desconforto e foi a única desculpa que encontrei naquela hora. Nanda o olhou sem saber o que responder:
- Acho que a ideia é boa! Afinal, ninguém consegue pensar direito com fome, não é? Se me permitem a sugestão, quando estiverem saindo do consultório, virando à esquerda, seguindo por duas quadras há um restaurante muito bom. Comida muito boa a “lá carte” ou “self service”. Acho que vocês podem gostar. - Falou e ainda pediu: - Depois gostaria de continuar nossa sessão…
- Doutor, eu preciso voltar para o escritório e acredito que o senhor deva ter outros pacientes também. - Falei.
- Pacientes, sim vários outros, mas hoje tirei o dia para ajudá-los. Então, se você não tiver nada muito urgente, eu adoraria voltar a conversar com vocês. - Insistiu.
- Eu… Bom. Vou almoçar com a Nanda agora, dou uma analisada na minha agenda, converso com ela e depois passamos aqui para te posicionar. Pode ser? - Perguntei.
- Claro, meus amigos! Por volta das 13:30 já os estarei esperando. Bom apetite.
Despedimo-nos dele e saímos na direção indicada à busca do restaurante. Nanda quis segurar minha mão e eu permiti, mas sabem quando você segura um cabo de guarda-chuva, ninguém gosta, mas faz por pode ser útil num momento de tempestade, então mais ou menos como eu me sentia. Chegamos ao local indicado. Era um restaurante simples, estilo familiar, mas bem espaçoso e aconchegante. Havia um expositor bem grande com vários tipos de pratos quentes e frios:
- Poxa! E eu pensando em fazer regime… - Disse Nanda.
- Então… Deixa pra começar amanhã. - Respondi.
Nos servimos e ela realmente estava com fome. Fez um belo prato, acho que até maior que o meu. “Parece que ter falado fez bem para ela”, pensei. Comemos, mas fora algumas poucas conversas fúteis e comentários sobre o sabor da comida, nos mantivemos num silêncio que, para mim, estava até incômodo. Sei lá, parece que alguma coisa estava faltando entre a gente:
- Você quer continuar a sessão? - Perguntei para ela.
- Você não quer? - Ela rebateu.
- É falta de educação responder uma pergunta com outra… - Disse a encarando.
- Ah, sei lá. Eu acho que eu quero. Gostaria de resolver tudo de uma vez.
- Tudo o quê?
- Não sei. Essa angústia, essa dor ou culpa que te consome…
- Então… Eu não entendo muito bem, não é minha área de atuação. Mas será que é proveitoso ficarmos o dia inteiro conversando com ele? Não seria melhor fazer isso em mais sessões? Sei lá, dar um tempo para a gente pensar em tudo o que conversa?
- Uai! A gente não ia voltar lá de qualquer forma? A gente pergunta pra ele e decide se continua hoje ou outro dia.
- É. Eu acho melhor assim…
Voltamos um pouco antes do combinado e ficamos aguardando na sala de espera. Mal sentamos e a filha do doutor Galeano apareceu na antessala para pedir algo para a atendente. Ela nos cumprimentou com um movimento de cabeça. Eu sentia que precisava lhe pedir desculpas então me levantei:
- Doutora Camila, posso lhe falar por um minuto? - Disse de uma forma mais séria do que precisava.
Ela me olhou surpresa, até parecia temerosa, e Nanda se levantou vindo para o meu lado:
- Mark… - Falou, me segurando pelo braço, com uma cara de “deixa disso”.
- Calma, vocês duas. Não quero brigar. Quero na verdade me desculpar pelo que aconteceu mais cedo. Sei que a senhora só queria fazer o seu trabalho, mas, sei lá, acho que toda a situação, todo o estresse, acabou me fazendo falar impropriamente e mais do que deveria. Realmente queria te pedir desculpas.
Ela ficou surpresa e a Nanda feliz com minhas palavras. Nesse momento, o doutor Galeano chegou e, ao nos ver conversando, se aproximou em silêncio:
- Na verdade, acho que eu é que tenho que te pedir desculpas, para vocês dois, na verdade. Eu… Eu não posso imaginar a dor pelo que estão passando e depois que sua esposa me contou o que havia acontecido, acho que fiquei dolorida também. Espero que também possam me perdoar. - Disse respirando fundo: - E, Fernanda, fique tranquila que a notificação já foi rasgada.
- Obrigada, doutora. - Ela respondeu.
O doutor Galeano era só sorriso. Deu um beijo na testa de sua filha e emendou:
- Viram!? Eu não falei que ela era uma boa pessoa?
- Nunca duvidei disso, doutor. Foi só o estresse do momento, eu acho. Não que isso justifique… - Insisti.
- Justifica e muito, meu rapaz.
Ela então esticou sua mão para mim:
- Amigos, então?
- Claro, amigos. - Disse apertando sua mão.
Aliás, que mãozinha suave, sedosa, típica de alguém que não tinha tempo para as lidas domésticas. Nesse momento e somente agora reparei um pouco melhor naquela mulher, pequena, magrinha, branquinha com bochechas rosadas, me lembrava uma boneca de porcelana. Quando tentei soltá-la notei que ela ainda me segurou um pouco mais e, não sei se para disfarçar, deu dois tapinhas com sua outra mão em cima da minha. Se houve algum exagero, ninguém falou.
Entramos na sala do doutor Galeano, sentando em nossas poltronas e ele já veio falando:
- Bem. Então vamos continuar…
- Então, doutor… - Eu disse, já o interrompendo: - Estivemos conversando e não sabemos se seria proveitoso continuar a sessão hoje. Não seria melhor, talvez, deixarmos para um outro dia?
- Claro! Eu entendo perfeitamente. Se vocês estiverem seguros, tranquilos e em paz, podemos deixar para outro dia. Eu preciso do comprometimento de vocês que não se deixarão levar por emoções repentinas ou intenções que possam causar algum dano a um, ambos ou até mesmo a sua família como um todo. - Disse e perguntou: - Querem marcar para amanhã ou na outra semana?
- Posso falar? - Nanda perguntou.
- Claro, Fernanda. Diga.
- Meu único receio é que o Mark ainda queira se vingar do Bruno. Ele até havia prometido para mim que não faria nada enquanto estivéssemos fazendo a terapia. Mas depois de ontem, eu fiquei com medo novamente.
- Porra, Fernanda! Eu nem estava lembrando mais disso. Caramba…
- Ah, sim. O que aconteceu ontem… - Contemporizou Galeano: - Talvez pudéssemos conversar só um pouquinho sobre isso para evitar mal entendidos, Mark.
- Olha, gente, vou ser sincero. Realmente não estava pensando nisso e tenho medo de acabar “falando merda” se começarmos a conversar sobre isso. Não sei se eu quero. - Falei abertamente para entenderem que eu me incomodei com a lembrança.
- Ah, Mark. Eu já te pedi desculpas.
- Para, Fernanda! - Pedi novamente: - Não comece!
- Tá vendo, doutor? Ele está bravo comigo. Ele nunca me chama de Fernanda!
- Mark, nós conversamos um pouco sobre isso agora há pouco. Eu te mostrei que existe uma explicação para o que aconteceu…
Nessa hora, levantei minha mão esquerda, fazendo sinal para que ele parasse a conversa:
- Mark, sei que está chateado, talvez machucado, mas eu não sou seu filho para você me mandar parar. Na condição de terapeuta, quero que você me veja como um amigo ou mesmo um pai que está tentando intermediar uma compreensão de assuntos que fogem de sua esfera de conhecimento. - Ainda insistia o doutor Galeano..
- Por favor, não comecem. Eu vou acabar ofendendo vocês. Eu preciso ir para casa, pensar em tudo o que aconteceu e no que ouvi para tentar entender. Não estou querendo fugir, mas eu preciso pensar. - Pedi.
Nanda me olhava aflita do outro lado. Então pegou minha mão e disse:
- Você me deu a mão, seu apoio, quando eu precisava falar e não tive coragem. Eu falei e foi bom mesmo. Pelo amor de Deus, fala! Põe pra fora! É melhor você explodir aqui do que ficar guardando isso dentro de você. Está te fazendo mal e com isso me faz mal também porque eu não gosto de te ver sofrendo.
- Mark, só queremos te ajudar, rapaz. Converse com a gente. Tenho certeza de que a Fernanda não se ofenderá com nada que você disser, porque sabe o tamanho do amor que une vocês. Palavras vem e vão… - Ele insistiu.
Mas eu, como advogado, sabia a força de uma palavra mal colocada. Sabia como uma ofensa podia doer mais que uma facada. Respirei fundo e olhei para o teto da sala. Depois voltei a olhar para Nanda e pedi:
- Vamos embora.
- Não! Quero que você fale comigo. Chora, me xinga, me bate, mas põe essa dor pra fora. - Insistiu.
Não aguentei aquela pressão e me levantei da poltrona, soltando de sua mão que ainda tentou me segurar. Fui em direção a porta, mas antes de tocar a maçaneta, algo me fez permanecer, talvez um senso de Justiça por eu me sentir injustiçado com toda aquela situação em que a havia envolvido e me deixei envolver. Me voltei e eles me olhavam em silêncio; ela já tinha os olhos marejados. Fui então até uma janela da sala, tentando encontrar uma saída honrosa, mas nada me ocorria. Ouvi quando o doutor Galeano disse “espera!” para a Fernanda. Olhei para eles e a tensão era nítida no rosto dela. Ele, profissional, demonstrava um autocontrole invejável:
- Certo. Você quer ficar na sala, Fernanda? - Perguntei.
- Você quer que eu saia? - Rebateu.
- Eu não sei se você vai entender ou gostar do meu ponto de vista. - Respondi, chateado por ter sido encurralado.
Ela novamente tentou se levantar, sendo novamente interrompida pelo doutor Galeano, mas dessa vez não se deixou controlar:
- Para, doutor! Vou falar com meu marido. Me deixa! - Respondeu até que rispidamente.
Veio em minha direção, segurou em minha mão que eu mantinha fechada e me disse olhando nos olhos:
- Eu te amo e nada do que você disser irá mudar isso, porque eu sei que você só está confuso e sofrendo, e parece que muito mais do que eu. Agora, vem. Senta e fala tudo o que está te incomodando.
Me sentei e fiquei com o pensamento perdido. Não sabia como começar. Não sabia se deveria falar. Eles me olhavam, aguardando. Os minutos passavam:
- Mark… - Disse Nanda, baixinho.
- Para, Fernanda! Que saco… Quer saber mesmo, eu não sei se você foi estuprada ou se quis transar. - Eles arregalaram os olhos e eu continuei: - Porra, quando você me contou tudo disse que havia gozado. Até aí tudo bem porque eu pensei que pudesse ser um efeito da droga, mas você nunca me disse que tinha gostado.
- Mark…
- Para, doutor! Queria que eu falasse, agora eu vou falar. Não me interrompa: - Disse eu o interrompendo: - Daí, você me disse que eles tinham praticamente fodido sua boca no sofá; aqui você já deu a entender que praticou por vontade própria. E a coisa só piora, porque para mim você disse que tinha sido segurada por um dos barbudos para que o Brunão te comesse, e aqui você nem mencionou nada disso. Naquele dia, eu até tive a impressão que você estava transando por vontade própria. Eu fiquei na dúvida mesmo. Só parti pra cima dele depois que me lembrei da ameaça, por ter ouvido alguém da banda mencionar que você estava drogada e porque quando eu arrebentei a porta você disse meu nome gemendo, só que agora não sei se era de dor ou prazer.
Nanda colocou as mãos na boca e antes que o doutor Galeano falasse alguma coisa, decidi vomitar o restante que me amargurava:
- Porra! Eu já tava me sentido um lixo por não ter te protegido e na nossa primeira transa você me chama pelo nome dele. Já nem sei se você queria ser protegida. O que que você quer que eu pense? Pra mim parece que você até não quis começar a transar, mas depois se conformou ou passou a querer e ainda ficou frustrada por não ter terminado o que começou.
Parei, fechei os olhos, respirei fundo, não tinha coragem de encará-la. O silêncio incomodava a todos. Acredito que o próprio doutor Galeano viu que forçar a conversa não tinha sido a melhor escolha. Eu não chorei; ela não chorou. Acho que ambos estávamos em choque. Doutor Galeano foi o primeiro a falar:
- Mark, obrigado por compartilhar conosco seus medos e frustrações. - Ele media as palavras: - Vocês dois foram vítimas. Vocês precisam interpretar, com muita calma, todos os fatos para entenderem isso. Eu vou ajudá-los e faremos isso ainda hoje. Pelo menos, vamos encaminhar isso. Não posso deixá-los sair daqui com essa ferida aberta.
Antes que ele continuasse, Nanda atacou:
- Você acha que eu sou uma puta, né? Mas foi você que me colocou nesse meio. Eu nunca me imaginei transando com outros, somente com meu marido. Se eu sou uma puta hoje, a culpa é sua. Se eu aprendi a deixar outro homem me comer na tua frente, foi porque você quis, porque você gosta, e a culpa é sua. Se eu aprendi a gozar no pau de outro homem, a culpa é sua…
- Fernanda, por favor... - Tentou interrompê-la, doutor Galeano.
- Não! Ele falou o que quis, agora eu quero falar. Sabe porque eu não queria fazer terapia? Porque eu cheguei a me perguntar se eu não teria facilitado tudo aquilo por querer mesmo. Talvez você esteja certo, talvez eu quisesse no fundo, mas fiz isso porque você me ensinou a ser assim. Se sou um monstro foi você que me criou. Se sou um lixo foi você que comeu todo o conteúdo e deixou sobrar só a embalagem.
- Por favor, gente. Vamos respirar fundo. - Falou novamente o doutor Galeano.
- Beleza, então, Fernanda. Quer falar? Então me responde com toda sinceridade: você quis ou não transar com eles? - Perguntei.
Ela me olhou com um semblante sério:
- AGORA EU JÁ NÃO SEI! - Disse quase gritando e depois, se dando conta do excesso, voltou a falar mais baixo: - Desculpa! Quando eles me dedaram e chuparam, eu não queria, mas deixei rolar. Não era nada demais. Acabei gostando e gozei. Caramba, Mark, você me ensinou a gostar de sexo e eu pensava que você havia me deixado lá. Você gostava de assistir, então acabei supondo que era uma brincadeira montada por você.
- Certo. E depois?
- Quando eu chupei os barbudos, fiz, mas não gostei exatamente. Você sabe que eu não gosto de pelos. O primeiro deles, o mais peludo, me forçou mesmo e eu não curti e agora, pensando bem, acho que ele gozou na minha boca, porque me lembro de ter afogado. Daí como o segundo me deixou à vontade para fazer do meu jeito, eu fiz, mas acho que para não ser obrigada novamente como antes. Mas este eu sei que não gozou.
- Certo. E depois?
- Depois o Bruno me comeu de quatro, boceta e cu, você já sabe.
- Você foi forçada, quis ou deixou rolar?
- Eu disse que só faria sexo quando você chegasse. Eu me lembro que aí eu fui presa pelo barbudo que eu estava chupando, tanto que ele me pediu desculpas antes de tudo. Depois o Bruno me penetrou na boceta e eu… - Parou como que pensando.
- E você?
- E eu não me lembro direito se ele estava me segurando quando penetrou me cu…
- Essa foi a minha impressão quando arrombei a porta, porque você parecia estar deitada com o pau do barbudo na cara, não sei se chupando ou não, enquanto o Bruno te comia.
- Eu não sei. Não me lembro direito… - Disse enquanto parecia pensar: - Mas porque você quer saber se eu quis ou não? Que diferença isso faz agora?
- Quero saber de tudo. Quero entender. - Disse enquanto a confrontava novamente: - E se você tivesse plena consciência, teria transado com eles? - Insisti.
- Se você estivesse junto comigo para realizar uma aventura nossa, de comum acordo, como já fizemos tantas outras vezes? Sim, eu teria topado.
- Porra, hein! Para três? - Falei incrédulo.
- Ah, qual é, Mark? Para com esse puritanismo que nós sabemos que não combina com você? Quem dá pra um, dá pra dois, dá pra três. Desde que estejamos de acordo, vale tudo. Foi você que me ensinou isso.
- Uma última pergunta, você gostou de transar com o Bruno, não gostou? Se não, que motivo você teria para ter me chamado pelo nome dele.
- Eu não sei. Acho que não e ao mesmo tempo às vezes acho que sim. Não sei mesmo. Eu gosto de sexo, você me ensinou a gostar, curtir, gozar. Eu aprendi a me liberar com você. Ainda não curto muito o anal e você sabe disso também, mas de resto eu curto muito. Mas se te serve de consolo, apesar deles o chamarem de Brunão, o pau dele era de pequeno pra médio, o seu é muito maior e melhor.
- Realmente, agora estou me sentindo muito melhor. - Ridicularizei aquela observação: - Falei que era a última, mas tenho outra pergunta: você gostaria de terminar aquela transa?
Um silêncio surgiu na sala. Ninguém ousava abrir a boca. Depois de não sei quantos minutos, ela falou com raiva:
- Você está louco?
- Responde! - Insisti.
- É claro que não. A gente transa por prazer. Olha o transtorno, o sofrimento que aquilo nos causou. Eu nem sei se a gente vai conseguir seguir juntos…
- Fernanda, ninguém está falando em divórcio. Por favor, vamos manter a calma… - Falou doutor Galeano depois de muito tempo calado.
- E agora? Como ficamos? - Perguntou-me a Nanda.
- Eu não acredito que você teve coragem de falar tudo isso que você acabou de me falar. Não acredito mesmo. Mas te agradeço por ter sido sincera comigo. - Falei a encarando.
- Sim. Realmente as revelações que vocês fizeram aqui hoje normalmente demanda uma quantidade imensa de sessões. Eu estou surpreso com tudo o que conseguiram falar. Agora precisamos trabalhar as informações para solucionar as dores de vocês. - Disse Galeano.
Eu o ignorei:
- Você disse lá atrás que me amava e que nada que eu dissesse mudaria isso. Continua pensando dessa forma depois de tudo o que eu disse?
- Sim. Você é o grande amor da minha vida. Talvez o único. Mesmo que a gente se divorcie, isso não vai mudar, mas eu já não sei se sou a pessoa ideal para te fazer feliz. Parece que a gente só faz cagada, junto ou separado, desde que entrou nesse meio, Mark. Você precisa de uma mulher mais esperta, mais vivida… A Valkíria! A Valkíria é a tua cara.
- Poxa! Obrigado por compartilhar isso comigo. Acho que vou ligar pra ela agora mesmo. - Disse com desdém.
- Acho que deveria mesmo. - Rebateu de imediato: - Mas e a gente? Você prepara os papéis do divórcio? Eu não quero nada. Só a guarda compartilhada das meninas eu te peço. Não conseguiria ficar longe delas…
O doutor Galeano decidiu intervir:
- Mark! Não responda nada sobre isso. Quero que pense, aliás, quero que vocês pensem no seguinte: vocês tiveram uma coragem absurda de revelar fatos extremamente íntimos e dolorosos aqui hoje um para o outro. Suas dúvidas são coerentes com as experiências vividas. Mas principalmente nós, Mark, já conversamos sobre vários de seus temores e já te mostrei que existem outras formas de interpretá-los.
Eu o ouvia atentamente:
- Fernanda, você, querendo ou não, desejando ou não, teve sua vontade mitigada por uma quase certa droga que ingeriu através de bebida. Não sei o que era e nem sei se é importante saber. O que importa aqui é saber que você não estava em seu pleno discernimento quando tomou certas decisões, seja para aceitar que fizessem com você, seja por aceitar em fazer.
Ela o olhava com atenção também:
- Vocês tem uma maturidade inacreditável e uma cumplicidade que eu nunca vi antes. Eu tenho plena certeza que vocês conseguem superar esse episódio se continuarem se abrindo e aceitando a possibilidade de perdoar um ao outro por eventuais falhas que possam ter cometido. Então, o que sugiro é que…
Ele continuou falando e pra falar a verdade eu já nem dava bola. Já tinha decidido o que fazer e sabia, pelo menos para mim, que seria a melhor decisão para nós. Eu só dependeria da concordância dela:
- Tá, tá, tá, doutor. Chega! Nanda é o seguinte, esse com certeza foi o maior obstáculo que já enfrentamos, e ele vai mudar muita coisa sim. Você também pode ter certeza que é o amor da minha vida, mas, sei lá, chega um momento que…
Ela começou a soluçar sem me encarar, mas eu tinha começado e precisava concluir:
- Chega um momento que é preciso tomar uma decisão. - Coloquei minha mão sobre a dela e depois mudei a posição para deixar a mão dela entre as minhas: - Mas eu concordo com o doutor Galeano. Nós não estamos prontos para tomar qualquer decisão importante. Se você concordar, nós podemos continuar casados enquanto tentamos entender melhor tudo o que aconteceu e ver o que conseguimos salvar.
- Mas você vai querer continuar comigo depois de tudo o que eu falei? - Perguntou, soluçando.
- Eu também falei muita coisa pesada, forte, e você também terá que refletir sobre essa mesma pergunta. Nós temos uma família, filhas pequenas, e não podemos nos dar o luxo de tomar uma decisão precipitada.
- Já disse que não quero nada, só a guarda compartilhada delas…
- Para! Não estou fazendo isso somente por elas. Estou tentando nos dar uma chance também. É por nós, entende?
- Não quero que você fique comigo por pena. - Pediu.
- Eu quero ter uma chance de entender porque eu também te amo e não acho justo que a gente termine desse jeito. Só dê um tempo pra gente tentar entender e se reconectar. É tudo que eu peço. Eu te prometo que se eu achar que não vai dar certo, eu te falo, mas quero que você me prometa o mesmo. - Pedi agora.
- Ah, Mark… - Gemeu.
- Ah, Nanda! - Insisti.
- Tá bom. Eu prometo.
Ela me olhou com os olhos vermelhos, estava branca, parecia uma folha de papel:
- Posso só te pedir um abraço? - Me pediu.
- Ô, sua boba. É claro!
Me abraçou forte e chorou sentido, mas eu não sabia se de tristeza ou alegria por ainda ver uma chance de continuarmos juntos. Quando olhei de relance para o doutor Galeano, ele nos olhava e balançava positivamente a cabeça. Após ela se acalmar e se recompor, despedimo-nos dele, marcando uma nova consulta para a próxima semana, afinal havia arestas para serem aparadas e também os resultados dos exames dela. Voltamos para casa. Apesar de tudo, estávamos mais leves. Ainda teríamos dias difíceis, mas talvez juntos teríamos condição de superá-los. De qualquer forma, eu ainda tinha uma questão principal para resolver e, dessa solução, ela não precisaria fazer parte.