Sinopse: Final de mais um ano letivo e o nosso professor é surpreendido por algo que o faz repensar sobre sua importante - e triste - decisão. De férias e ao lado dos pais ele se esforça para evitar pensar na sua doce aluna, não sendo bem sucedido.
E no último capítulo desta temporada eu pergunto: até aonde você seria capaz de ir em nome do verdadeiro amor?
***
Era início da noite de domingo quando terminei de arrumar tranquilamente o enorme bloco empilhado de provas corrigidas, as quais eu separei por turmas nos envelopes, e com isso desafoguei a minha mesa de trabalho obtendo mais espaço. No dia seguinte, eu iria até a faculdade e deixá-las no setor do Arquivo Geral. Com as provas das minhas três turmas do Ensino Médio eu faria o mesmo. Todas as notas dos alunos estavam lançadas no modo tradicional e virtual, mais um semestre se finalizava, eles entrariam de férias e eu também iria respirar e descansar.
Pus todos os envelopes dentro da minha mochila para enviá-los de uma vez e após fechar o zíper, deixando a embaixo da mesa, voltei a me sentar na cadeira, circulando meus ombros para trás e relaxei, apoiando os meus braços em cima da minha cabeça. Olhei na direção de algum ponto do teto, respirando fundo onde era evidente o cansaço.
Fisicamente eu teria um longo período de descanso, no entanto o mesmo eu não podia dizer emocionalmente.
Eu estava completamente fodido.
Ainda mirando para o alto, girei a cadeira para o lado na direção da minha estante de madeira escura, cujo tamanho era maior do que a minha altura, onde eu mantinha os meus livros e fitei em dois específicos.
Me levantei e fiquei de frente para o móvel, olhando na direção de onde estavam.
"Foram da turma sim, Gabi! Todos os presentes."
Observava as capas e o título, me lembrando da frase dita se referindo a eles. Mas eu sabia que não eram presentes da turma e sim, apenas dela pois o enredo dos pequenos volumes era dedicado à uma cidade francesa em específico, localizada quase ao Sul do país e que para mim se tornou normal ouvir sobre ela com maior frequência quando o período de férias se aproximava.
No dia do meu aniversário, ao chegar em casa tarde da noite, eu os deixei na estante posicionados em pé com as capas viradas para frente, mas desde então não abri e não li uma página nem ao menos por curiosidade. Manteria ambos fechados porque eu não teria o mínimo prazer em começar a leitura sem tê-la do meu lado, deitada na minha cama, envolvida nos meus braços.
Os livros ali seriam uma lembrança.
Soltei uma bufada de ar e fui para a minha cama, me deitando ao lado de outra lembrança dela que permanecia intacta bem no meio da cabeceira. Não tive coragem de fazer o que ela havia me pedido e todas as noites antes de ir dormir, olhar para aquela coelha de pelúcia cor de rosa me serviria de conforto em relembrar os poucos meses que ficamos juntos naquele ano. A gaveta do meu guarda-roupa com alguns objetos pessoais estava trancada sem nada ter sido mudado de lugar ou ter ido parar no lixo.
De fato, eu não gostaria que nada tivesse mudado.
Nívea e eu erramos muito em vários momentos pois a nossa diferença de idade foi um fator que pesou nesses erros, fazendo com que nossas perspectivas e visões de mundo não se encaixassem e assim começando a surgir os conflitos da nossa relação.
Eu precisava admitir que, para ela, o aumento da minha rotina de trabalho, afetando nosso tempo em que ficávamos juntos e a relação de irmãos que eu possuía com a Luciana foram coisas difíceis de lidar e eu não consegui encontrar uma forma de contornar o sentimento de insegurança que fincou com força no seu coração puro e tão cheio de amor.
E mesmo ela errando, mostrando ser imatura e agindo feito uma menina mimada, culminando na nossa briga na faculdade, o que mais me entristeceu foi ela não reconhecer o quanto que havia errado e eu não ter paciência o bastante para me manter no controle da situação, conversar e apontar onde estavam estes erros.
Nosso combinado em confiarmos um no outro e dizer sempre a verdade poderiam ser lindas rosas que exalavam o nosso amor. Entretanto, essas diferentes perspectivas e erros dos dois lados eram os espinhos que nos machucaram aos poucos e foram cruciais para o nosso rompimento.
O distanciamento que comecei a manter da Nívea, após a noite do aniversário de casamento dos seus pais e por exigência dela, teve resultados. A prova disso era que depois de várias semanas voltei a ter acesso às suas redes sociais que apareciam bloqueadas para o meu perfil. Me mantive quieto, não interagindo em nada. Sua última postagem foi a foto de toda a turma no dia da festa surpresa que os alunos realizaram para mim, mas durante o período desta tática em que lhe dei um "gelo", tratá-la com total desprezo dois dias atrás me arrebentou totalmente por dentro. Seus olhos azuis me encaravam repletos de tristeza e mágoa, mas me mantive firme me despedindo dela e dos pais desejando que fizessem uma boa viagem de férias e tivessem uma ótima comemoração de Natal e Ano Novo.
***
Eu já estava deitado, conectado no Instagram e visualizando as fotos daquele perfil que eu mais amava com o intuito de driblar a saudade quando recebi uma notificação do meu aplicativo do banco informando um depósito via Pix no valor de pouco mais de mil reais.
- Tô te vendo online ô manézão! Conecta o Skype aí que o pai e a mãe querem falar com vc! - era a mensagem do meu irmão segundos depois.
Nem respondi de volta, deixando o aparelho de lado e, dando um salto da cama quase até a minha mesa, liguei o notebook. Enquanto ele ligava, peguei os fones de ouvido na minha mochila e vesti uma camiseta regata que estava pendurada na grade da cabeceira da cama. Conectei os fones e o Skype, ajeitei a webcam e minutos depois a tela abriu, mostrando os meus pais juntos.
- Mãe! Pai! Boa noite!
- Gute Nacht, Sohn!
- Aconteceu alguma coisa? Vocês estão bem?
- Estamos bem sim, meu filho. Não se preocupe e desculpe pela hora.
- Não tem problema.
- Recebeu a mensagem agora?
- Recebi sim, que dinheiro é esse?
- É uma parte do presente de Natal meu e da sua mãe. Para que não precise gastar do seu dinheiro com as passagens aéreas quando estiver vindo para cá.
- Pai, não precisava fazer isso...
- Aceite filho, será um assunto a menos para se preocupar.
- Sabemos que você não está nada bem, Eric. - meu pai falou firme - Você e o Thomas conversaram durante esses últimos meses e ele comentou conosco.
- Quando eu chegar aí nós conversamos melhor.
- É claro. Ficaremos lhe esperando.
- Sabe quando virá para Lages?
- Talvez mais cedo do que eu imagine. Vou finalizar algumas coisas na Universidade e depois irei no colégio para... - respirei fundo e massageei a nuca pois pensar naquela difícil decisão ainda me incomodava - Enfim, creio que vocês sabem.
- Ja e estou totalmente de acordo. É o melhor a ser feito.
- Eu fico tranquila, meu querido, que você voltará a ter um dia a mais na semana para descansar.
- Sim, vai ser bom. - afirmei, mesmo sabendo que no fundo não seria tão bom assim.
- Era isso. Queríamos falar com você para que não se assustasse com esse dinheiro que apareceu.
- Tudo bem pai, eu agradeço.
- Se cuida, meu filho. Vamos ficar te esperando.
- Obrigado, mãe. Vocês também se cuidem. Um beijo e um abraço em vocês. - enviei um beijo com a mão na direção da tela e desconectei a chamada.
Mesmo que eu tivesse responsabilidade desde jovem com as minhas finanças, não poderia negar que aquele dinheiro a mais veio em uma boa hora.
Eu não estava no clima para participar das confraternizações de fim de ano, então quanto mais tempo eu ficasse longe de tudo que poderia me lembrar a Nívea, mais fácil seria começar o processo em arrancá-la de dentro de mim.
***
- Animado para as férias, professor? - uma das funcionárias me perguntou amigavelmente enquanto eu lhe entregava os envelopes com as provas.
- É sempre bom dormir até um pouco mais tarde.
- Isso com certeza! - ela recolhia um a um, colocando os pacotes na parte de baixo do balcão do setor em que trabalhava - As provas são apenas deste semestre?
- São sim.
- Certo. - ela pegou uma folha de papel e uma caneta - Só preciso que assine aqui junto com o número da sua matrícula para que eu possa registrar no sistema.
- Claro - Fiz o que me pediu e pousei a caneta em cima da folha lhe devolvendo - Obrigado. Sabe me dizer se a cantina está funcionando? - perguntei enquanto pegava a minha mochila que deixei no chão, por entre as minhas pernas, e a coloquei nas minhas costas, ajeitando as duas alças nos ombros.
- Está sim, normalmente. São nove horas, acho que você ainda consegue pegar um café fresco - e sorriu.
- Ótimo. É só isso?
- Sim. Agora é com a gente aqui.
- Certo, obrigado. - e deixei o Arquivo Geral indo até a cantina.
Caminhei por alguns corredores e a maioria das salas estavam vazias e quando cheguei na cantina, não foi diferente. Havia poucas pessoas sentadas nas mesas lanchando e conversando. Realmente era possível sentir o cheiro de café no ambiente e o ruído do liquidificador ligado vindo da direção da cozinha no fundo da cantina.
Observei todos ali com discrição e não a encontrei. Peguei meu celular do bolso e desbloqueei, digitando nos contatos as três primeiras letras do seu nome. Fiz a chamada e esperei até ela atender.
- Fala!
- Tá no Campus?
- Não, tô em casa. Só devo ir para faculdade depois do almoço.
- Hum... Pensei de te encontrar agora de manhã. Deixei as minhas provas no Arquivo e tô aqui na cantina.
- Se você tivesse me ligado ontem combinando, a gente se encontrava.
- Não, tudo bem, eu decidi ontem de noite mesmo. Me conformo em tomar café sem companhia. Terminando aqui eu vou até a sala dos professores e tirar as minhas coisas de lá do meu armário.
- Entendi. Almoça comigo então. Uma hora lá no restaurante de sempre, pode ser?
- Tudo bem.
- Show. Te encontro lá. Beijão.
- Outro.
***
- Fiquei chateada em não ter ido ao menos dar um abraço no Felipe - Luciana lamentava sentada de frente pra mim enquanto cortava seu pedaço de frango à parmegiana, colocando-o na boca e mastigando, voltando a falar após engolir - Foram três defesas de monografia para assistir e a última só foi acabar depois das dez da noite. Eu só queria a minha cama de tão cansada que eu estava.
- Eu também fui falar com ele rapidamente apenas para dar os parabéns, depois que terminei de passar a prova pra minha última turma - suspirei - Ele mereceu essa conquista, se esforçou demais o ano todo.
- Sei... - ela passou a me fitar deixando os talheres no prato - E o que mais?
- Que mais o quê?
- Você e a Nívea se encontraram?
- Ela estava com os pais, nos falamos pouco...
- Entendi... - ela continuava a me observar me deixando desconfortável - Sinto que aconteceu mais alguma coisa maaas não vou insistir, afinal você está disposto a virar esta página.
Continuei calado e depois de terminar o mesmo frango com algumas batatas fritas, dei um último gole na minha coca-cola com gelo e limão. Eu não estava com muita fome e não comi quase nada. A última coisa que precisava era ouvir mais um de seus sermões se eu contasse como havia tratado a Nívea naquela noite.
- Quando você vai conversar com a Jacqueline?
- Vou esperar ela entrar em contato. Seria bom se fosse hoje, quanto antes melhor.
- Foi uma boa experiência pra você.
- É... Foi. - Encarei o meu prato vazio - Luciana...
- O quê?
- Quando você começa a montar a grade de horários de cada semestre?
- Logo depois da reunião da coordenação com os professores marcada pela reitoria, geralmente na última semana de Janeiro como sempre. Por quê?
- Se você puder, coloque outro professor no meu lugar no turno da noite. O meu objetivo perdeu todo o sentido pra mim. Não vale mais a pena.
- Tem certeza? E se você mudar de ideia?
- Não vou mudar.
- Tá, na dúvida vou manter o seu nome no período noturno. Caso você queira sair mesmo do horário, eu encaixo algum professor que concluiu o Mestrado.
- Tudo bem.
E mais uma vez os meus pensamentos se fixaram nela.
Será que a Nívea havia feito uma boa viagem? Que estava bem? Era algo maior dentro de mim que eu não conseguia controlar.
Definitivamente sair do colégio era o mais correto a se fazer.
***
Encarava o meu reflexo no espelho do armário do banheiro enquanto eu escovava os meus dentes. Me preparando para ir dormir e usando apenas uma cueca boxer preta, terminei o que fazia e lavei o meu rosto, pegando a pequena toalha no aro de metal preso à parede, para secar os pêlos úmidos da minha barba. Paralisei com a toalha no rosto ao ouvir a porta bater.
Quem poderia ser aquela hora? O vizinho do andar de baixo com quem eu quase nunca falo?
- Já vai!
Ajeitei tudo na pia, vesti uma bermuda qualquer que estava pendurada em um canto e deixei o banheiro, indo até a porta.
Quando abri, era ela. Estava diante de mim.
A dona daqueles olhos azuis perfeitos e inchados de tantas lágrimas que deveria ter derramado, usando apenas um vestido amarelo de tecido fino marcando os seus seios e sua mochila cujas alças ela segurava com força.
- Ní-Nívea? - a encarei dos pés à cabeça ainda sem acreditar - Você não viajou??
E me abraçou apertado pela minha cintura, colando o seu rosto no meu peitoral, chorosa e soluçando.
- Me perdoa, Eric... Por favor!
Embora nos últimos meses eu tenha me blindado contra ela, odiava desde sempre ver a Nívea chorando daquele jeito. Como continuaria sendo frio vendo a assim? Triste e fragilizada.
Correspondi ao abraço e apertei ainda mais o seu corpo junto do meu, deixando um beijo nos seus cabelos.
- Fica calma, não chora... - pedi sussurrando, alisando os fios tão macios - Como você veio...
- Não fala nada! - ela me encarou ainda abraçada - Só faz amor comigo! - implorou.
- Eric...
Aquela doce voz gemia baixinho o meu nome em meio aos beijos e chupões que eu deixava na sua bochecha e na boca. Sua pele macia estava quente, úmida e eu podia sentir suas pequenas mãos deslizando e arranhando lentamente pelas minhas costas enquanto eu enlouquecia de tesão, enfiado no meio das suas pernas. Era tão apertada como se fosse sempre a primeira vez.
- Fala que você é só minha, ma petite... Fala...
- Sou sua...
E eu sorria ao ouvir o que tinha lhe pedido, acariciando o meu rosto no seu, buscando pela sua boca para um beijo lento e cálido. Nossas línguas dançavam e brincavam, minhas mãos se emaranhavam pelos seus cabelos e sabia que não iria demorar muito tempo até gozar dentro dela.
Deixei seus cabelos e os meus toques passearam pela lateral do seu corpo até chegar nas suas coxas, fechando em torno da minha cintura e me enterrei o quanto pude, sentindo meu pau sendo esmagado. Ela também iria gozar a qualquer momento e que fosse antes de mim porque tudo o que eu mais amava nos nossos momentos de intimidade era vê-la se entregando ao prazer do seu jeito tímido, mas verdadeiro.
O som de uma buzina escandalosa de algum carro na rua causou um estalo no meu cérebro e me acordou me fazendo piscar os olhos com o susto. Meu coração batia acelerado e, com a respiração ofegante, permaneci totalmente enrijecido deitado na cama.
Era um sonho. A porra de um maldito sonho.
Que deixou o meu pau duro e dolorido de tesão embaixo do lençol implorando por alívio e tudo o que eu podia fazer era agir feito um adolescente, correr até o chuveiro e gozar para o ralo. Foi o que eu fiz.
Me levantei da cama, me livrando da minha cueca e, nu, caminhei a passos largos para o box, abrindo o registro com uma das mãos, deixando a água cair bem em cima de mim enquanto a outra segurava o meu membro rígido. Iniciando uma punheta lenta, que aos poucos foram ficando ligeiras, na minha mente eu imaginava aquela boquinha perfeita com lábios vermelhos e macios me sugando sem pressa.
- Aaaahh, Nívea... - ergui minha cabeça e me encostei na parede fria de azulejos, sentindo o meu corpo inteiro reagir até sentir os jatos de esperma se misturarem com a água escorrendo pelo ralo.
Nos últimos meses bater punheta era o que me restava, sempre que lembrava e sonhava com as nossas transas.
Saí do banheiro com uma toalha branca enrolada na cintura, ainda me sentindo um pouco zonzo. Me joguei na cama com o corpo molhado e fui relaxando aos poucos.
"A verdade é que eu não tenho ninguém. E se eu não tenho ninguém, eu estou livre pra me esfregar e abrir as minhas pernas para o Frederik e para quem eu quiser! Você não é mais nada meu! Não é meu dono, entendeu? Apenas o professor em sala de aula."
Depois do sonho que eu tive, aquelas duras palavras cresceram na minha cabeça e pareciam badalos de sino que não tinham outra função a não ser me torturar. Pensar na Nívea permitindo que outro cara encostasse nela era o suficiente para que eu perdesse o meu juízo. Eu amei cada parte daquele corpo e jurava mentalmente que o amaria até o meu último suspiro em todas as vezes que eu a possuía, gemendo debaixo de mim.
Felizmente aquele momento durou pouco porque o meu celular começou a tocar na minha mesa.
Fiquei com os cotovelos apoiados na cama e continuei a fitar o aparelho que vibrava e tocava sem parar. Antes que ele parasse, me levantei rapidamente para atendê-lo. Ao ver de quem se tratava, suspirei de alívio. ''Ótimo'', pensei lendo o nome. Aceitei a ligação de imediato.
- Alô?
- Bom dia, professor. Como vai?
- Bom dia Jacqueline, vou bem obrigado.
- Que bom. Podemos ter nossa reunião hoje?
- Claro, que horas?
- Venha no último horário, às cinco, pode ser?
- Pode sim, sem problemas.
- Ótimo. Está marcado.
Em poucas horas, eu iria fechar um ciclo na minha vida. E restariam apenas as memórias das segundas-feiras ao lado de uma turma a qual aprendi a ter um enorme carinho por serem tão dedicados.
***
Cheguei no colégio minutos antes do horário combinado. Usando uma roupa adequada para a ocasião, sapato, blusa e calça social, eu aguardava sentado na antesala da direção onde as duas secretárias trabalhavam concentradas e à elas entreguei as provas das minhas turmas assim que fui atendido falando sobre a minha reunião marcada com a Diretora.
Eu estava decidido e, por mais que estivesse também entristecido, não iria voltar atrás.
- Professeur? - Jacqueline apareceu na porta da sua sala sorrindo e me levantei de prontidão - Venha, espero que não tenha esperado muito. Eu estava em uma ligação importante com a embaixada da Bélgica.
- De jeito nenhum! - segui até onde estava e entrei. Ela deu a volta, sentando-se em sua enorme cadeira de couro e fiz o mesmo, me sentando em frente à sua mesa.
- Aceita uma água ou café?
- Não, obrigado.
- E então? - ela se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa e cruzando os braços - Mais um ano letivo finalizado.
- Pois é... Foi gratificante como sempre.
- Gratificante a ponto de continuar por mais um?
- Bom... - abaixei a cabeça e achei melhor não procurar por palavras - A reunião com você também foi por esse motivo. Eu gostaria de pedir o meu desligamento do colégio. - falei de forma direta.
- Entendo... - ela suspirou, mantendo o seu semblante inalterado e me observando - E qual o motivo para querer deixar de trabalhar conosco? Você teve algum aborrecimento?
- Não, absolutamente! - neguei com a cabeça - A minha sobrecarga de trabalho na Universidade aumentou esse ano e isso começou a refletir na minha saúde. Então me vi obrigado a fazer determinadas escolhas. - não era totalmente mentira.
- Certo... - ela assentiu com a cabeça e a sua calma diante das minhas justificativas me deixaram intrigado - Eu iria lhe oferecer um reajuste de salário maior mas percebo que a questão não é o dinheiro.
- Não Jacqueline, não se trata de dinheiro. É algo pessoal.
- Não há nada que poderia fazer você mudar de ideia? Eu estou muito satisfeita com o seu trabalho e a postura amigável que adotou em sala de aula parece que deu resultado pois até uma festa surpresa de aniversário você ganhou.
- Eles me surpreenderam naquele dia e fiquei muito grato. Mas essa minha decisão eu já venho amadurecendo há alguns meses bem antes da festa.
Ela se acomodou na cadeira continuando a me fitar.
- E se eu te mostrar algo que poderia te fazer repensar essa decisão?
- Como assim? - franzi o cenho sem entender.
Ainda sentada, ela se inclinou até a sua gaveta mais abaixo da mesa e eu ouvi um ruído que parecia ser um clique de uma chave. Em suas mãos havia uma pasta transparente com apenas uma folha dentro. Seus olhos percorreram o conteúdo por alguns segundos e em seguida voltaram-se para mim.
- Leia isso. - e me entregou.
Custei a acreditar do que se tratava o documento enquanto lia o que estava escrito.
- Isso é.
- Um abaixo-assinado feito pela turma 2A pedindo para que continue a dar aula aqui. Você confidenciou apenas a eles sobre a sua saída depois que terminaram a prova final.
Eu desabei no encosto da cadeira lendo cada detalhe do que eles estavam pedindo e logo abaixo do parágrafo principal, a assinatura de todos os alunos da turma. Incluindo a assinatura dela. O nome completo de uma verdadeira princesa, me forçando a engolir em seco.
- Eu leio e ainda não consigo acreditar - ri, apoiando o meu cotovelo no descanso da cadeira onde estava sentado, massageando minha testa de lado e passeando com os olhos pelas assinaturas.
- Frederik e Patrick vieram até a minha sala dois dias depois e me entregaram o documento - ela explicou - Confesso que fiquei muito comovida com o gesto pois, nestes anos todos que dirijo este colégio, nunca vi algo parecido dedicado a um professor.
Permaneci calado, sentindo minha cabeça dar um nó. Eu já estava com a decisão tomada e não podia negar que fiquei balançado com aquela demonstração de carinho.
- Eu não sei o que fazer... - balancei a cabeça ainda assimilando o que estava diante dos meus olhos.
- Posso te dar no máximo dez dias para que pense a respeito. Estamos no dia sete e o colégio encerrará as atividades administrativas no fim deste prazo, retornando em Janeiro no dia dois.
- Sim, eu entendo. - suspirei e lhe entreguei o documento de volta - Mas vou precisar menos do que isso.
- Está certo. - ela sorriu - Eles não cansam de te surpreender, não é mesmo?
- É...
- Pense com calma e retorne, mas caso mantenha a sua decisão eu vou respeitar. Apenas ficarei triste pensando nos vinte alunos que querem muito que você os veja se formarem no próximo ano.
- Eu volto aqui na sexta-feira neste mesmo horário.
- Perfeito. Está marcado.
Me levantei da cadeira, lhe estendendo a mão e ela retribuiu o cumprimento. Deixei a sala da Diretoria distraído, processando mais aquela surpresa dos meus alunos.
Me vi obrigado a repensar no que havia decidido e desta vez colocando um pedido tão especial naquela equação.
Ainda no carro e dentro do estacionamento do colégio, antes de dar a partida, fiquei pensando por alguns minutos no que deveria fazer. Meu celular vibrou dentro do bolso e aceitei a ligação pois já sabia que era ela.
- Oi.
- E aí, como foi?
- Você não vai acreditar no que aconteceu...
- Mudança de planos?
- É... Pode se dizer que sim.
- Tá legal, eu não moro em Gotham e o Charada nunca foi o meu personagem favorito, então vem aqui pra casa e me conta tudo.
- Tô saindo do colégio agora.
- Beleza. Vou ficar te esperando.
E desligamos.
***
Recostada, usando mais um dos seus blusões de mangas curtas quase do tamanho de vestidos e com as pernas esticadas em seu sofá cinza convertido em cama, Luciana me observava com uma tranquilidade perturbadora. Após ter contado à ela tudo o que aconteceu na reunião, eu fazia o mesmo esperando dela por uma resposta, um conselho ou até mesmo uma possível bronca.
Nada. Ela permanecia em silêncio abraçada a uma pequena almofada redonda da mesma cor do sofá.
- Você não tem nada pra me falar?
- Eu não tive um relacionamento amoroso com um aluno, Schneider...
- Isso não tem nada a ver com a Nívea!
- Sério mesmo que tu vai meter essa? Pra cima de mim? - mantendo o seu semblante sereno, ela disparou de forma ácida e eu bufei, tirando os meus óculos e esfregando os meus olhos em seguida - Se você está balançado por esse lindo gesto que os seus alunos fizeram, tudo bem, eu acredito. Agora fazer com que eu acredite que é APENAS por isso que você cogita voltar atrás é querer me tirar como idiota, né?
- Ela assinou o documento...
- Claro que assinou. Se não assinasse, ficaria feio pra ela perante a turma.
- É, eu também pensei nisso.
- Tudo bem, vamos lá - ela se ajeitou no sofá, ficando sentada em posição de borboleta ainda segurando a almofada - Vocês ficaram esse semestre inteiro separados, se vendo apenas em sala de aula e em ocasiões especiais entre os amigos em comum e os pais dela, certo?
- Certo.
- E está disposto a continuar assim por mais um ano letivo inteiro? Faça essa pergunta a si mesmo.
- Eu não consigo mais enxergar a Nívea apenas como minha aluna.
- Então admita o óbvio. Que você a ama e vai assinar a renovação do contrato por mais um ano, pensando nos seus alunos e nela.
- E ficar tão próximo sem poder tocá-la?
- Não se pode ter tudo, não é mesmo? Coloque um peso a mais nessa balança que são os seus alunos. Que o querem como professor deles principalmente por ser o ano da formatura. E estando consciente de que a Nívea fará parte disso.
Fiquei calado e refletindo por alguns minutos chegando à conclusão de que eu não poderia menosprezar o que os meus alunos fizeram após a minha conversa com eles sobre encerrar os trabalhos no colégio.
Nossas aulas se tornaram mais descontraídas depois do fim da postura que eu havia adotado no primeiro ano, eles se esforçaram e estudaram para tirarem excelentes notas nas provas... Por fim, me surpreenderam no dia que completei 36 anos e dias depois realizaram um pedido formal para que eu continuasse.
- Não acredito que vou voltar atrás em uma decisão - recostei minha cabeça no sofá, pensativo e olhando para o alto.
- Sempre tem uma primeira vez.
- E vou me preparando melhor pro dia em que eu irei vê-la pela última vez.
- Pense como uma forma de alento. Apenas ficar perto da Nívea.
- Não posso negar que também estou fazendo isso por ela...
- Não, não pode. - Luciana continuou a me olhar, negando com a cabeça, eu a encarei e acabamos por rir juntos.
Descobri que amar a Nívea também significava torcer para que, sendo minha aluna, ela fizesse um último ano escolar incrível e repleto de conquistas. Perto de mim fisicamente, porém, me via obrigado a deixar de lado o que eu sentia. Testemunhar a sua formatura seria o mínimo o qual o meu amor por ela teria o direito de receber.
***
- Fico feliz que tenha decidido continuar conosco, professor, mesmo que o próximo ano seja o seu último. Os alunos ficarão felizes.
Jacqueline e eu caminhávamos pelo corredor do colégio até a portaria onde o marido já a aguardava dentro do carro estacionado na calçada. A rua estava deserta e a maioria dos funcionários já tinha ido embora.
- Foi por causa deles que decidi continuar.
- E que tal se fosse a nossa vez em fazer uma surpresa? - segurando a sua bolsa, ela me propôs essa ideia - Vamos deixar para que eles descubram quando receberem os horários.
- Concordo. Vai ser divertido.
- Uma pena que este ano não estará no nosso almoço. Mas entendo que queira passar mais tempo perto da família.
- Consegui comprar as passagens para amanhã, então... Preciso aproveitar. - Paramos na calçada. - Mas volto na primeira semana de Janeiro.
- Aproveite bem! Nossa reunião será na primeira semana de Fevereiro, não se preocupe.
- Isso é ótimo.
- Mais uma vez eu agradeço. E como não vamos mais nos ver esse ano, lhe desejo um Feliz Natal e um Ano Novo de muitas conquistas.
- Obrigado. Eu desejo o mesmo a você.
Nos despedimos e esperei até ela entrar no carro e vê-lo descer a ladeira. Mesmo dirigindo aquele colégio com punhos de ferro, Jacqueline era uma boa mulher. E enquanto seguia para o meu carro no estacionamento fiquei me questionando como ela iria reagir se descobrisse que eu me relacionei com uma de suas alunas. No início, Luciana foi enfática dizendo que não perdoaria. Mas daquele dia em diante, eu não vivia em meio ao perigo porque não havia mais romance.
Suspirei e fui para casa. Precisava terminar de arrumar a minha bagagem e tentar dormir bem pois no dia seguinte eu teria uma motorista especial para me levar até o aeroporto.
***
A movimentação no saguão estava tranquila. Meu vôo estava programado para as onze e dez da manhã e, após despachar minha mala, Luciana e eu tomamos nosso café em uma das lanchonetes.
- Combinei com o Thomas que iria comprar os presentes de Natal em Florianópolis antes de pegarmos a estrada até Lages. - expliquei após dar um gole no meu achocolatado - Almoçamos por lá e fazemos tudo de uma vez.
- Isso é bom. Vou dar uma geral no seu apartamento antes do dia 24 - ela mordeu o seu sanduíche de atum e pôs a mão na boca enquanto mastigava - Combinei um valor com a minha faxineira e ela aceitou ir comigo pra me ajudar.
- Não quer mesmo o meu reembolso?
- Se perguntar isso mais uma vez, eu vou me ofender sério com você. Aceite como um presente a mais de Natal além daquele que já vou deixar embrulhado na sua mesa.
- E o meu presente, você vai receber em casa. Só te peço para ter cuidado com os meus livros e... - fiz uma pausa - Com a pelúcia em cima da cama.
- Eu sei. A coelha cor de rosa intocável.
- Foi o único presente que dei à Nívea até hoje...
- Tenta não pensar tanto nela. Eu sei que é difícil, mas todos esses dias ao lado dos seus pais e do seu irmão serão bons pra você.
- Eles pensam que eu me demiti do colégio.
- Não contou pra eles?
- Não.
- Uau... - ela arregalou os olhos e respirou fundo.
- Não temo pela reação mas sei que eles não vão gostar.
- Entendo... Bom. - ela olhou na tela do seu celular - São dez e meia, vamos?
- Vamos.
Terminamos de comer, pedimos a conta e fui para a área de embarque.
Havia uma fila de passageiros grande o suficiente para dar tempo de me despedir.
- Me promete que vai descansar? - Luciana me pediu abraçada à mim pelo pescoço.
- Prometo - mantive o abraço, acariciando a sua coluna e nos afastamos para então encaramos um ao outro.
- E que vai comer direitinho?
- Sim, Frau Marjorie - debochei, adotando o idioma da terra natal do meu pai.
- Seu bobo! - ela me deu um tapa no braço - Eu me preocupo com você, só isso!
- Eu sei. Pode não ser a minha mãe mas é a irmã mais velha que eu não tive.
- Exatamente. Quando desembarcar me avisa.
- Aviso sim. E obrigado por tudo.
- Serei grata se conseguir descansar. E nem pense que vai se livrar de mim totalmente, ouviu bem? Vou te ligar no Natal e no Ano Novo.
- Vou ficar esperando.
Dei um beijo no topo da sua cabeça e entrei na fila de embarque. Antes de passar pelo detector de metais, acenamos um para o outro uma última vez e pus minha mochila na mesa ao lado para vistoria. Não havia muita coisa, apenas o meu notebook, a bateria e um casaco de frio. Além é claro, da bateria do meu celular pois hoje em dia ninguém mais vive sem.
O vôo até Florianópolis foi tranquilo como sempre. Desembarquei bem na hora do almoço e meu irmão já me aguardava. Era sempre uma alegria reencontrá-lo.
Enviei uma mensagem para a Luciana dizendo que havia chegado e telefonei para os meus pais para avisar do desembarque e que estaria com eles em poucas horas. Escolhemos por comer no Macarronada Italiana, um restaurante localizado no centro da cidade. Mesmo estando cheio, conseguimos uma mesa e fizemos nossos pedidos.
- Vou querer espaguete ao molho branco - Thomas pediu e o garçom anotava - E um suco de abacaxi. Pode ser Eric?
- Pode. Te acompanho no suco e também vou de espaguete mas com o molho à bolonhesa.
- Certo - ele terminou de anotar - Com licença - E saiu. Meu irmão começou a me fitar com atenção.
- Não vai contar para eles? Sobre ter decidido ficar no colégio?
- Ainda não. Por enquanto...
- Papai não vai gostar nada em saber.
- Decidi continuar, pensando nos meus alunos também, Thomas.
- Eu sei, irmão, vendo por este lado eu não te condeno, foi louvável mas... Vai ser uma tortura pra você.
- Me conformo em ficar perto dela.
- Ela já viajou, não é?
- Sim, logo depois que as provas acabaram. Mas eu não quero pensar muito nisso.
- Faz bem - ele sorriu - Até porque você vai enfrentar o nariz torto do Herr Manfred. Se for mesmo contar.
- Vou esperar por alguns dias. Mas então? Como você e a Fernanda estão?
- Estamos bem. Juntando dinheiro e vendo sem pressa algumas casas pela cidade.
- Vão mesmo ficar em Lages?
- Vai ser melhor. Pra mim e pra ela.
- Que bom.
Não demorou muito até os nossos pedidos chegarem e o aroma das duas massas despertou a minha fome pois o café da manhã que eu tomei antes do embarque fora bem simples. Continuamos a comer e a conversar outros assuntos. Thomas me falava sobre o seu trabalho e uma possível chance de promoção no próximo ano.
Se acontecesse, o casamento dele aconteceria mais cedo do que o previsto.
Terminamos de comer e logo que deixamos o restaurante, fomos direto comprar os presentes. A capital já estava em clima natalino e dar um passeio por ela serviu para matar a saudade de quando éramos crianças e nossos pais nos levavam para a praia no Verão.
***
Era quase início da noite quando finalmente cheguei e fui recebido pelos meus pais. Ainda que estivesse cansado após quatro horas de estrada até a serra, procurei dar atenção a eles falando sobre a capital.
- Que bom que ficará mais tempo aqui, meu filho! - minha mãe não conseguia conter a alegria.
- Vai ser bom pra você, Sohn - meu pai sorrindo, do seu jeito contido de ser, concordava com uma das mãos no meu ombro - E depois de todos esses dias aqui, voltará para o Rio e tudo será como antes.
- É... - eu e o meu irmão nos entreolhamos rapidamente - Vai sim, Vati... Bom, vou desfazer a minha mala.
Peguei minha bagagem e fui para o meu quarto que estava limpo e arrumado. Dona Marjorie, como toda mãe, sempre pensando em tudo. Comecei a desfazê-la, colocando as roupas no armário. Só então quando terminei e relaxei, me deitando na cama, senti o quanto realmente estava cansado da viagem.
- Posso entrar, filho? - ouvi a voz da minha mãe junto das batidas na porta.
- Claro mãe, entra.
Ao me ver deitado, não conseguiu conter o sorriso de satisfação.
- Precisa de alguma coisa? - perguntou, se sentando na beira da minha cama.
- Não, obrigado. Estou bem.
- Seu pai e o seu irmão saíram e vão aproveitar para comprarem pizzas para o lanche agora de noite. Mas não vão demorar.
- Legal. Tô tentando me alimentar melhor mas por hoje eu aceito.
- Está mais tranquilo? - ela pegou na minha mão, fazendo um leve carinho e seus olhos azuis me fitavam com ternura.
- Pretendo ficar.
Mesmo quieta após ouvir minha resposta, tinha certeza de que a minha mãe queria perguntar algo sobre a Nívea mas talvez para me poupar, preferiu o silêncio sobre o assunto.
- Já sabe onde vamos passar as festas de fim de ano, não sabe?
- Na casa da Tia Mirtes como sempre.
- Exato! Já compramos alguns presentes.
- Eu comprei apenas o de vocês três mas depois eu compro o dela e o das minhas primas.
- Agora você tem tempo de sobra. - ela se levantou - Quando eles chegarem, eu te aviso.
- Quer ajuda na cozinha?
- Não, meu querido, obrigada. - e saiu, me deixando sozinho novamente - Apenas descanse.
A tranquilidade de passar os dias em uma cidade pequena possuía vantagens. Me dei a chance de me desligar de tudo o que podia lembrar da minha vida no Rio e isso incluia ficar pouco conectado no celular, mesmo tendo acesso à internet na casa dos meus pais.
Com uma semana naquela que seria para sempre a minha casa, além do descanso, procurei ocupar minha cabeça com outras coisas. Visitei parentes, comprei o restante dos presentes, passeava pelo centro da cidade e ajudava minha mãe com as tarefas domésticas. Tudo isso tendo a trilha sonora do cantor Eric Clapton no período da tarde. Isso me fez lembrar com saudade da minha vida antes de ir morar fora.
- Terminei de podar os arbustos no quintal - avisei entrando na cozinha pelos fundos da casa, com o corpo levemente suado, mesmo a temperatura daquela manhã estando agradável - Thomas está terminando de aparar o gramado.
- Tome um banho que o almoço já vai sair - minha mãe pediu enquanto estava atenta no fogão.
Fui direto para o banheiro e me livrei das minhas roupas, entrando debaixo do chuveiro morno.
Era impossível nesses instantes em que eu estava a sós comigo mesmo, não pensar na Nívea. Seriam dias e mais dias para me preparar em lidar com ela somente em sala de aula no próximo ano. Embora arriscada, foi uma boa decisão permanecer perto dela, mesmo que fosse uma vez na semana. O mais difícil seria saber e flagrá-la namorando com outra pessoa. Sentindo a água cair, bati de leve com a cabeça na parede para que aquela possibilidade saísse de dentro dela.
Não estávamos mais juntos. A partir de fevereiro ela será apenas a minha aluna e vou prepará-la para o vestibular.
Era esse o pensamento que eu precisava converter em um muro de proteção para o meu emocional.
Terminei o meu banho e, ao sair do banheiro enrolado na toalha, meu irmão entrou em seguida. Depois de trocar de roupa e voltar para a cozinha, meu pai já estava sentado à mesa esperando o almoço. Com os pratos, copos e talheres já postos, o aroma da comida chamou minha atenção.
- Com esse cheiro tão bom, os meus planos para o próximo ano de voltar a me alimentar bem, serão mais fáceis de se executar - brinquei ao puxar uma cadeira para me sentar.
- A costela assada com batatas sempre foi uma especialidade da sua mãe.
- Combina perfeitamente com o domingo, meus queridos. - ela pôs uma travessa de arroz no meio da mesa e logo em seguida uma menor com farofa - Thomas iria com a Fernanda para a casa da avó dela mas preferiu almoçar primeiro antes de ir encontrá-la.
- Ela podia ter almoçado aqui com a gente - comentei.
- É o aniversário da avó, Sohn.
- Ah sim. Faz sentido.
- Depois que almoçarmos eles vão se encontrar.
- Voltei, família! - meu irmão apareceu na cozinha com os cabelos molhados e enfim, se juntando a nós - Pode servir, mãe.
- Só estava esperando você.
Todos comiam tranquilamente. A comida da minha mãe estava tão deliciosa que fiz algo que não costumava fazer que era repetir o prato.
O comentário feito logo que me sentei à mesa seria uma resolução para o próximo ano: voltar a me alimentar melhor. Em toda essa rotina puxada de trabalho que adquiri, acabei me descuidando da alimentação e com o término do namoro com a Nívea ficou tudo ainda pior.
- Estava ótimo, mãe. - elogiei após deixar o garfo no prato vazio - Se eu repetir a terceira vez, vou passar mal.
- Sabia que iria gostar.
- Deixei a sobremesa no freezer, mãe. - Thomas comentou enquanto terminava de comer.
- Vou esperar vocês terminarem e trago pra cá.
Me levantei e tirei o meu prato, indo até a cozinha para lavá-lo. Não demorou muito e meus pais e meu irmão também terminaram e ajudaram a minha mãe a retirar a mesa, deixando espaço para a sobremesa. Me distraí enquanto Thomas trazia os potes e colheres para sobremesa e tomei um susto quando aquele pote quase retangular de sorvete de flocos congelado foi posto na minha frente.
- Aproveitei que o sorvete estava na promoção e comprei logo dois potes de dois litros.
Suspirei fundo, observando e me lembrando que aquele era o sorvete favorito da Nívea. Depois que reatamos após a nossa crise no início do ano, fazia questão de ter sempre no meu pequeno congelador.
Nas nossas noites de sábado juntos, era esse sorvete que adoçava ainda mais o nosso amor. Seja tomando juntos após algum lanche ou até mesmo lambuzando ainda mais os seus doces lábios antes de beijá-los.
- Não vai comer?
- O quê? - a voz do meu irmão fez com que as minhas lembranças com ela evaporassem - Vou sim - E comecei a me servir com a concha.
- Você ficou sério de repente...
- Impressão sua, mãe.
Me servi com duas bolas e comecei a comer me mantendo sério.
- Esse é o sabor de sorvete que ela gostava?
Não respondi à pergunta do meu irmão. O meu silêncio era a resposta.
- Ah, Eric, eu sinto muito... - a mão da minha mãe acariciou o meu pulso.
- Apenas me lembrei dela, só isso.
- Claro! - meu pai começou a se servir e entrou na conversa - Mas isso logo passa. Você teve várias namoradas, filho. Essa mocinha foi só mais uma.
- A Nívea não foi só mais uma, vati! - soltei o pote na mesa, sentindo o meu sangue ferver de raiva com aquele comentário - Não fale mais dela desse jeito. Estou te pedindo.
- Bom, até onde sabemos, foi ela quem terminou, não foi? Apesar de nova, ela teve sensatez e colocou um fim em algo que não tinha futuro.
- Manfred, por favor...
- O senhor não pensava assim no ano passado quando revelei pra vocês o meu namoro com ela. Seus receios eram sobre o risco de ela ser minha aluna.
- Digamos que as coisas mudaram.
- E o que mudou?
- Filho, não importa.
- Não, mãe! - rebati - Agora eu quero saber - olhava firme para ele. Meu irmão permanecia calado - O que mudou? Você fala como se a conhecesse.
- Conheço o suficiente para saber que jamais dariam certo. Ou será que mesmo sendo um homem adulto e estabilizado profissionalmente, você teria condições de pagar por todas aquelas viagens que essa jovem já fez pela Europa?
- É o quê? - o fitava incrédulo - Como sabe disso??
- Eu mostrei o Instagram dela para os nossos pais, Eric... - Thomas tomou a palavra - Perfil aberto de rede social... Não foi difícil... - E deu de ombros.
- E daí? Só porque a Nívea é rica, acha que ela é apegada a essas futilidades? Ou ela tem alguma culpa de ser bem nascida?
- Não, nenhuma. Apenas digo que ela jamais conseguiria viver ao seu lado depois de uma vida rodeada de viagens, luxo e conforto.
- O senhor não sabe o que está dizendo...
- Estou dizendo o que eu sei, a partir de tudo o que eu vi. E com certeza você também viu e de perto, frequentando a casa da família no papel de professor. O valor da mensalidade daquele colégio, o seu irmão havia comentado comigo e com a sua mãe. É praticamente uma faculdade particular de Medicina. Admita Eric, que você nunca iria conseguir dar à ela o mesmo que os pais são capazes de dar.
Tudo o que pude fazer foi ficar mudo após todas aquelas duras verdades que meu pai havia despejado. A primeira impressão de que a Nívea poderia ser uma patricinha fútil fora completamente descartada depois que eu conheci o seu jeito tão meigo e doce. Seu coração era tomado pela bondade.
No entanto, mesmo sendo de mundos diferentes, o nosso amor era tão intenso e verdadeiro que não havia espaço para esse tipo de questionamento entre nós. Nívea nunca se importou com o lugar onde eu vivia, com a profissão que escolhi... Muito pelo contrário. Se eu não tivesse aceito a proposta de trabalhar naquele colégio, jamais a teria conhecido. Era grato ao meu trabalho por ele ter a colocado no meu caminho.
- Não concordo com a dureza das palavras mas eu não tiro a razão do seu pai, filho.
- Você também? - encarei a minha mãe - Acha que a Nívea e eu não daríamos certo? - questionei e ela soltou um suspiro.
- Ela é uma jovem muito bonita, isso é inegável. Mas esse relacionamento foi uma insensatez.
- É óbvio que foi. - meu pai continuou com o sermão - Mas isso está devidamente corrigido. Eric não vai mais encontrá-la.
Thomas soltou um riso abafado.
- Acho melhor contar logo.
- Contar o quê? - meu pai olhava para nós dois.
- Vou continuar a dar aula no colégio.
- Como???
- Meu Deus...
- É isso mesmo o que vocês dois ouviram. Eu tive as minhas razões para continuar.
- Foi por uma boa causa, acreditem - meu irmão justificou, saindo em minha defesa - A turma da Nívea criou um abaixo-assinado pedindo para que o digníssimo filho de vocês continuasse a dar aula no próximo ano.
- Não acredito... - o semblante tenso da minha mãe se amenizou - É sério?
- É, mãe. E eu não podia deixar de retribuir o que eles fizeram.
- Eu gostei - meu irmão sorriu na árdua tentativa de afastar a nuvem negra que estava instaurada naquele fim de almoço.
- E você acha que foi uma boa ideia? - meu pai me perguntou firme mas sem o tom autoritário de minutos atrás.
- Pensei nos meus alunos.
- E isso inclui ela.
- Que seja.
- Se pensa mesmo em esquecer essa jovem, nós sabemos muito bem se isso foi ou não uma boa ideia, mas você é adulto... Saberá lidar com as consequências disso.
Olhei para algum ponto da mesa e senti a minha garganta e o meu peito apertarem. O aperto se transformou em lágrimas que rolaram pelo meu rosto sem que eu pudesse controlar. Era um choro que estava gritando para sair de dentro de mim há tempos. Me permiti chorar porque não estava aguentando mais. Ainda que eu estivesse longe, ao lado da minha família, era estúpido pensar que eu a esqueceria em um estalar de dedos.
Minha mãe se levantou vindo até mim e me abraçou, repousando o seu queixo no topo da minha cabeça deixando um beijo em seguida. Meu pai e Thomas apenas me observavam. Não havia nada a ser dito. A minha reação diante de toda aquela tensão já dizia tudo.
Mesmo com o término, eu nunca amaria outra mulher como amei a Nívea.
***
Com a porta aberta, o vento frio da manhã entrava pela cozinha enquanto eu terminava de fazer o café, colocando-o na garrafa térmica e deixando em cima da mesa. Era cedo o bastante para perceber o quanto que eu havia dormido pouco e não adiantaria muita coisa ficar rolando na cama por mais que não tivesse a necessidade em acordar cedo.
Ouvi uma movimentação na casa mas preferi ignorar. Fui para o quintal respirar o ar puro que há muito tempo não sentia, uma vez que morava em uma grande cidade.
- Não dormiu?
A voz do meu pai quebrou aquele silêncio matinal misturada à neblina.
- Dormi pouco. - respondi seco sem me virar - Como sempre.
- Deu pra notar. Ainda não são nem seis horas.
O silêncio novamente se manifestou até sentir sua mão no meu ombro me fazendo virar e o olhar em seus olhos.
Era como se eu estivesse me vendo daqui uns anos.
- Eu não deveria ter falado aquelas coisas. Eu sinto muito.
- Você não mentiu em nada, pai.
- Eu não conheço a jovem, você está certo.
- E tudo o que viu sobre a vida dela é verdade. Por fotos e vídeos, mas real.
- Eu me preocupo com você, mesmo não sendo mais nenhuma criança. E fiquei mais preocupado ainda nesses últimos meses.
- Eu sei - esbocei meio sorriso - Não vai ser fácil pra mim revê-la em sala de aula mas... Os meus alunos querem que eu continue.
- Foi um bonito gesto da parte deles. Mostra que você é bom no que faz - trocamos um profundo abraço - Que tal darmos uma caminhada? Sua mãe e o Thomas ainda estão dormindo.
- Boa ideia.
O clima daquela época do ano era de paz e harmonia então não havia motivo para que surgisse ressentimento entre eu e o meu pai. O que ele fez foi me trazer de volta à uma realidade que me rondava todo o tempo e que eu me recusava a enxergar porque estava ocupado demais desfrutando do paraíso ao lado de um anjo perfeito.
***
Na casa da irmã da minha mãe, tudo correu tranquilamente como sempre. A mesa da ceia de Natal estava repleta e o que chamou a minha atenção foram os queijos franceses geralmente servidos após os pratos principais. Vinhos, sobremesas... Meia noite a ceia fora servida e trocamos os presentes em seguida, deixando-os em volta da árvore de Natal que ficou abarrotada... Era um ambiente familiar incomum para alguém como eu que vivia sozinho há anos. Mas não me sentia mal por isso.
- Decidi estudar Nutrição, primo! - Maria Clara me contava feliz sobre a sua escolha acadêmica - Vou ter um ano inteiro para me preparar melhor e aí sim farei o vestibular.
- Isso é muito bom - assenti com a cabeça dando um meio sorriso - Que você tenha muita sorte.
Eu e ela estávamos sentados na varanda da casa toda enfeitada com pisca-piscas com vista para o enorme quintal cujo clima frio da noite nos obrigou a se proteger com casacos e blusas de manga longa.
A minha prima caçula estava deitada na rede perto de nós sem se importar com a conversa pois o que devia ter no seu celular era algo bem mais interessante.
- E você, Beatriz? Já pensou no que pretende estudar?
- Ainda acho cedo - Ela me respondeu com os olhos na tela - Vou começar o primeiro ano.
- Claro.
- Ela não tem nada na cabeça - a irmã sussurrou baixinho debochando - Só vive nesse celular.
- Normal. Meus alunos do ensino médio também são assim.
Após aquele considerável tempo de convivência em sala de aula, lidar com adolescentes não era mais um filme de terror pra mim.
- Quer sobremesa? - a mais velha se levantou - Vou pegar rocambole com aquela calda de chocolate.
- Não, prima, obrigado.
- Tá legal. - e seguiu em direção à mesa na sala de jantar.
Observei com certa curiosidade a minha mãe e o meu irmão vindo na direção do portão principal de madeira da casa, conversando algo, de braços dados e sorrindo.
- Por que não vai lá fora, filho? Tem uma pessoa que quer muito rever e falar com você. - podia ver um certo brilho nos olhos da minha mãe que me fez estreitar o olhar.
- Quem?
- Uma amiga da nossa família que se tornou Pediatra - Thomas respondeu - Não é difícil de adivinhar. Esqueceu que os pais dela moram aqui perto da nossa tia?
- Isabela está aqui?
- Seu pai está conversando com ela. Vai lá e não se espante quando vê-la.
- Por que?
- Vai logo! - meu irmão me puxou pelo braço no que eu me levantei - E para de fazer perguntas.
Segui caminhando pelo gramado úmido causado pelo orvalho da noite, sentindo o vento congelante cortando o meu rosto, sem acreditar que iria revê-la após tantos anos. Ao puxar o portão de madeira na minha direção, ela estava ali. Usando um vestido verde escuro de mangas longas, coberto por um poncho em tricô da mesma cor e meia calça preta com sapatos fechados sem salto algum. Embora tivesse a minha idade, o rosto e os belos traços da Isabela não haviam mudado tanto desde a nossa última vez juntos.
Quando nos despedimos dias antes da minha mudança para a França.
Após isso, nosso contato se limitou através das redes sociais. Pude acompanhar de longe por emails e fotos, sua aprovação na faculdade de Medicina que ela tanto sonhava, a formatura e também os momentos de sua vida pessoal.
- Eric? - seus olhos verdes vibrantes se voltaram na minha direção, interrompendo a conversa que estava tendo com o meu pai - Meu Deus... - ela sorria emocionada.
- Vou deixá-los à sós - meu pai me deu um leve tapinha no ombro, voltando para dentro da casa.
Foi impossível conter o sorriso ao vê-la tão radiante. Me aproximei e com certa dificuldade trocamos um longo abraço. O perfume em seus cabelos loiros e lisos, um pouco acima dos ombros, era o mesmo.
- Já tem muito tempo... - depositei um beijo nos fios e nos afastamos para que eu pudesse vê-la melhor, ainda que fosse noite.
- Pois é - ela riu - Tempo demais - Pôs a mão na própria barriga e acabei não resistindo, repetindo o gesto por cima.
Isabela estava grávida. Era a razão para a escolha das roupas tão aparentemente confortáveis que usava.
- Quando nasce? - perguntei mantendo minha mão por cima da dela.
- Em Abril. Descobrimos o sexo no início do mês. Outra menina mas ainda não escolhemos o nome.
- Fernando deve estar contente. A sua filha mais velha também.
- Ah, a Bianca está amando! Entra todo o dia no quarto da irmã querendo saber e ver se compramos algo novo pra decoração.
Ela e o marido se conheceram ainda na faculdade quando estudavam Medicina. Depois de formados, eles se casaram e um tempo depois ela engravidou da filha mais velha, hoje com seis anos.
- Tomei um susto quando descobri a gravidez pois como acontece na maioria das vezes não foi planejada.
- Não vi fotos suas, por isso estou surpreso.
- É, vou postar agora na virada do ano. A minha família e a do Nando e alguns amigos nossos já sabem, por isso evitei fazer alarde em rede social.
- Fez muito bem.
- Mas e você?
- Estou indo. Na medida do possível.
- Meu contato com o Thomas ainda é bastante próximo. Meu consultório fica no mesmo bairro onde ele trabalha.
- Lamento por isso. - rimos - Não bastava ele perturbar a nós dois quando você ia lá para casa e agora também.
- Ele sempre foi mais bem humorado do que você, é diferente.
- Claro, os caçulas sempre são os melhores em tudo - falei em tom de deboche.
- Mas não foi por uma personalidade bem humorada a qual eu me apaixonei aos catorze anos.
- Porque você sempre teve muito bom gosto.
- É, e pelo visto você não mudou nada.
- Acredite, eu mudei. Nesses últimos tempos fiz coisas que jamais pensei que faria. Quebrei tabus.
- Eu sei. Seu irmão conversou comigo.
- E pelo visto as notícias correm rápido.
- Eric, você apenas seguiu o seu coração. Mas um relacionamento nos moldes que viveu está exposto a muitos riscos. E eu sei que já deve ter ouvido o mesmo que está ouvindo agora.
- Um bocado.
- Entretanto, não se arrependeu de nada do que viveu, tenho certeza. Como não se arrependeu de seguir em frente para chegar à Sorbonne, desistindo de nós dois.
- E eu muito menos de te fazer desistir da tão sonhada aprovação na Universidade Federal do estado e ir comigo para a França.
Ela deu de ombros e sorriu.
Éramos adolescentes vivendo um sentimento novo que, apesar de intenso, era imaturo. Quando chegamos na reta final do Ensino Médio, nos vimos diante de caminhos diferentes a serem feitos e que nos levaram a pôr um fim no namoro, sem brigas e ressentimentos.
- Ano Novo vai passar aqui?
- Vou para a casa dos meus sogros. Eles moram em Camboriú e vamos ver a queima de fogos de frente para a praia.
- Mais perfeito impossível.
Vi um homem da minha mesma altura se aproximando de nós e eu o reconheci na hora.
- Como vai, Eric? - ele me cumprimentou com um aperto de mão firme e fiz o mesmo.
- Vou bem Fernando, obrigado.
- Aproveitei que a Bia dormiu e vim te buscar - ele encarou a esposa colocando uma mecha do seu cabelo atrás da orelha.
- Obrigada - ela lhe deu um selinho e se voltou para mim - Preciso ir. Minha vez de descansar.
- Concordo.
- Foi um imenso prazer revê-lo.
- O prazer foi todo meu.
- E caso queira resolver assuntos do coração, converse com este cardiologista aqui - cutucou o marido e nós três rimos - Quem sabe ele te ajuda?
- Na forma física sem dúvidas.
Troquei um último abraço com ela junto de bons votos de virada de Ano e observei os dois indo embora de mãos dadas, virando a esquina.
Um sentimento de bem estar cresceu dentro de mim em saber o quanto ela estava feliz e realizada na vida profissional e pessoal.
Infelizmente eu não desfrutava de tamanha e total felicidade.
***
Eram duas da manhã e de dentro do meu quarto, deitado na cama eu ainda podia ouvir o barulho da queima de fogos de artifício. Alguns mais próximos, outros nem tanto.
Passei a virada de ano no centro da cidade ao lado da minha família vendo o espetáculo dos fogos mas não virei a madrugada pelas ruas.
"Feliz Ano Novo, amigos!"
"Um Ano Novo repleto de realizações para todos vocês!"
"Desejo um novo ano repleto de muita Paz e saúde para todos nós!"
Somente quando voltei para casa que eu finalmente parei para ler por alto todas as mensagens em forma de textos, imagens e gifs coloridos nos grupos da faculdade e do colégio além de outras de modo privado.
Consegui realmente ficar longe de internet por vários dias somente enviando mensagens de Natal para todos de modo geral e fiz o mesmo no Ano Novo entrando em contato direto apenas com a Luciana.
- Feliz Ano Novo Dona Chata! - brinquei no mesmo instante em que ela atendeu e riu.
- Pra você também, meu amigo! Amei o meu presente de Natal, recebi no dia 22. Falei que ia te perturbar mas achei melhor te deixar quietinho. Quase não te via online.
- É, achei melhor.
- Como você está?
- Tô bem, já estou em casa. Descansando como você me pediu.
- Que bom ouvir isso. Você nem imagina, a casa aqui em Búzios tá uma loucura. Dez amigos conseguem fazer uma bagunça das boas.
- Você está se divertindo, isso é o que importa.
- Já estamos planejando voltar para cá no Carnaval, quer se juntar com a gente?
- Pode ser. Vou pensar até lá.
- A casa aqui é boa, muito bem estruturada. Você vai gostar.
- Vamos ver.
- Deixa eu ir lá, tô aqui no meu quarto e vou descer. Tô ouvindo daqui a galera se jogando na piscina.
- Tá bom. Só te liguei pra te desejar o mesmo de sempre entre dois bons amigos. Um Feliz Ano Novo.
- Obrigada. Te desejo o mesmo. Um beijo super apertado nesse seu rosto barbudo - e como sempre me fazendo rir.
- Outro pra você.
Continuei a ler as mensagens e o incômodo aperto no peito já conhecido surgiu. Acabei não resistindo e fui em determinado perfil. Nívea postara uma foto ao lado de toda a sua família na França na noite de Natal e, nos destaques novos, momentos dela em Lyon em especial no Festival das Luzes que sempre acontece no início do mês de Dezembro na cidade. Foram as suas últimas atualizações. Na foto, os avós e a priminha caçula estavam sentados no sofá, seus pais e seus tios em pé atrás deles e ela ao lado dos dois primos sentados no chão. Ao fundo a árvore de Natal grande e repleta de luzes pisca-pisca. Tipicamente uma família no estilo do filme "Esqueceram de Mim."
Tão linda como sempre com o seu sorriso fechado cujos lábios macios e vermelhos sempre se mostravam em evidência. Ela parecia feliz ao lado da família.
Minimizei a tela e busquei o contato do Felipe no Whatsapp. Assim como a maioria, ele estava online.
- Feliz Ano Novo, rapaz!
Imediatamente meu telefone tocou. Era ele me retornando e aceitei a ligação na hora.
- Alô.
- E aí, Eric? Tudo bom? Feliz Ano Novo pra você também!
- Obrigado. Você tá aonde?
- Tô aqui em Curitiba, né. Natal e Ano Novo é de lei passar as festas na casa da irmã da minha madrasta.
- Do meu lado então. Tô na casa dos meus pais em Santa Catarina.
- Legal, cara.
- Você ou a Melissa falaram com a Nívea? - definitivamente eu era um completo imbecil em perguntar tão diretamente. Fiquei parecendo um desesperado atrás de notícias dela.
- Ah, então... Ela... Ela fez uma vídeo chamada pra gente no início da noite do dia 24. Lance de fuso você sabe né? Era meia noite na França.
- Aham, sei como é. Eu vi a foto que ela postou com a família.
- É...
Senti sua voz hesitante após esse meu comentário e um pequeno silêncio constrangedor se formou na ligação.
- Tá tudo bem, Felipe?
- O quê? Tá, tá tudo bem sim! Agora na virada foi a mesma coisa. Também falamos com ela.
- Que bom. Então ela está bem?
- Tá sim... Você volta quando pro Rio?
- Volto no domingo dia nove.
- Ah... Que bom... Quando você voltar, vamos combinar de fazer alguma coisa. Pode ser aquela pizza de sempre lá em Ipanema.
- Claro, combinado.
Mais uma vez se fez o silêncio.
- Está tudo bem mesmo? Você parece estranho...
- Eu tô legal - ele riu - Acho que o champagne meio que tá fazendo efeito.
- Entendi...
- A Mel tá aqui mas não quer falar com você. Tá te desejando um Feliz Ano Novo só não quer falar diretamente.
- Desejo o mesmo pra ela e para os seus pais também.
- Ela também tá falando que por mais que tenha sido estúpido com a Nívea, não consegue sentir raiva de você.
- Fala pra ela que o coração gigante que ela possui impede isso.
- Eu falo, sim. Mas aí é isso. Chegando no Rio, tu me avisa.
- Aviso, pode deixar.
Nos despedimos e encerramos a ligação.
***
Fiquei quase um mês com a minha família. Sem o Thomas em casa, trabalhando e após as festas de fim de ano a rotina se mostrava ainda mais tranquila. Tranquilidade essa que começava a me deixar um pouco incomodado, sinalizando que chegava a hora de voltar para o Rio.
- Não vou te pedir pois sei que não vai ficar mais tempo conosco - minha mãe comentava e me observava enquanto eu colocava algumas roupas na minha mala, adiantando deixá-la pronta antes de embarcar no domingo.
- O ar puro da serra me fez bem, mas já estou sentindo saudade do Rio.
- Eu te entendo. Amanhã é sábado, podíamos sair nós quatro pra jantar como despedida, que tal?
- Como você quiser. - sorri.
- Vou falar com o seu pai - ela me deu um beijo no rosto e saiu do quarto.
Ouvi meu celular tocar e vibrar em cima do meu gaveteiro de madeira e parei o que fazia para ir atender. Fiquei surpreso por ver o nome da Luciana na tela.
- Você disse que ia me deixar quieto - falei com sarcasmo assim que atendi.
- Schneider, desculpa, mas desta vez é sério - a voz dela estava alterada e acelerada - Quando você volta??
- No domingo.
- Tem certeza??
- A passagem está comprada e guardada na minha mochila - respondi calmamente - O quê que você tem? Tá nervosa?
- Graças a Deus você volta a tempo. Recebi o e-mail e o comunicado da Reitoria no grupo. A reunião do semestre foi adiantada pra segunda-feira.
- Sério? Mas não ia ser na última semana do mês?
- Exato! Eu não sei o que deu na cabeça do Reitor pra adiantar. Tá um quebra pau aqui no segundo grupo dos coordenadores, sem ele e o vice-reitor. Pessoal tá cuspindo fogo de ódio. E no nosso grupo da equipe de professores, nem preciso falar nada.
- Eu silenciei os grupos por esses dias por isso não li e não soube. Que merda... Mas eu vou chegar a tempo.
- Ótimo! Entrei em contato com você pra saber e agora fico mais tranquila. A parte boa é que os coordenadores imploraram e ele aceitou marcar as reuniões entre cada coordenação e equipe para três horas da tarde. E vai ser bom porque teremos mais dias pra montar a grade de horários com calma.
- Isso é verdade.
- Era isso. Desculpa te ligar assim mas era importante.
- Sem problemas.
- Tranquilo por aí?
- Até demais. Já estou sentindo falta do Rio.
- Com certeza - Ela começou a rir - Tá ótimo então. Nos vemos segunda-feira no Campus.
- Tá bom, abração.
Despedidas, mais tempo juntos em família incluindo o jantar na noite de sábado. Foi assim os meus dois últimos dias antes de embarcar de volta, chegando em casa pouco depois de uma hora da tarde de domingo.
Sabia que a Luciana havia estado no meu apartamento não apenas por causa do presente deixado na minha mesa mas porque o cheiro de limpeza parecia ser recente.
Deixei minha mochila no lugar de sempre e a minha bagagem pelo chão.
Abri o embrulho e me surpreendi ao ver As Flores do Mal de Baudelaire junto de um cartão de Natal. Era uma edição rara no idioma francês a qual eu já queria comprar há um bom tempo.
Cheguei na cozinha, tudo na mais perfeita ordem e vi um bilhete grudado na porta da geladeira.
Comida pronta no congelador para uns três dias. É só esquentar. Beijos.
Quando abri, eram seis as pequenas marmitas transparentes com saladas coloridas, carne e frango. Suspirei e sorri. Não precisaria ir ao mercado.
***
Cheguei pontualmente no horário e na sala de aula cuja reunião fora marcada. A equipe do curso de Letras era razoavelmente grande pois além de Literatura, englobava as licenciaturas em Inglês, Espanhol e Francês. Alguns professores já estavam presentes com uma expressão no rosto de praticamente nenhum amigo. Escolhi sentar em uma mesa bem no meio e foram vinte minutos de espera até a minha chefe entrar na sala no alto dos seus saltos, usando calça jeans clara e blusa preta.
- Boa tarde e desculpem o atraso! - Luciana entrou com a sua bolsa e uma pasta - Sei que nenhum de vocês queriam estar aqui. Acreditem, eu também não!
Um murmúrio de vozes começou na sala entre risos, comentários e queixas dos meus colegas de equipe. Fiquei quieto apenas esperando sobre as pautas que seriam discutidas para o semestre. Quanto mais rápido aquela reunião começasse, mais rápido ela iria terminar.
Ledo engano.
Foram inúmeros assuntos a serem discutidos mas felizmente eu tinha uma coordenadora que conseguia ter o poder em fazer com que a reunião não se tornasse um tédio. Tudo correu tão bem que eu não percebi que o relógio na tela do meu celular já marcava quase seis e meia da noite.
Continuei sentado, esperando todos saírem da sala e observando a Luciana finalmente se sentar após três intermináveis horas as quais ela ficou em pé em boa parte desse tempo.
- Ainda não foi? - me perguntou e deu um gole na sua garrafa de água mineral.
- Quero me ver livre de você igual aos meus colegas, a diferença é que eu sei disfarçar ficando aqui.
- Palhaço! - ela riu e sentada, se permitiu relaxar na cadeira - O que achou da reunião?
- Pelo tempo que ela durou, era no mínimo que tudo para o semestre tenha sido pautado. O que felizmente aconteceu.
- Poderia ter terminado mais cedo mas sempre tem aqueles que a cada pergunta feita toma mais tempo. Me acompanha até o estacionamento? - ela se levantou, recolhendo a pasta e colocando a bolsa no ombro - Essa hora no período de recesso costuma ser deserto por lá.
- Nem precisava pedir.
Deixamos o Campus e seguimos conversando até chegarmos no estacionamento. Já era noite quando o vigia de dentro da guarita acenou para nós com simpatia e fizemos o mesmo. Realmente não havia quase nenhum carro devido ao recesso do mês e Luciana havia estacionado o seu bem nos fundos. Caminhávamos pelo chão de pedrinhas devagar até avistarmos uma pessoa, cuja silhueta era conhecida, guardando algumas coisas no porta-malas do seu carro.
- Aquela ali não é a Helena? - paramos após ela questionar. Além dos cabelos lisos e pretos, os quadris os quais a Nívea herdou eram inconfundíveis. Com a saia justa que usava um pouco acima dos joelhos eles eram mais evidentes.
- É... - abaixei o olhar, respirando fundo e olhando de volta - É ela sim.
- Se você quiser, nós passamos direto e fingimos que não a vimos. - Luciana sugeriu, falando baixinho.
Fiquei parado observando sem que ela percebesse que estávamos apenas a poucos metros de distância. Poderíamos realmente passar direto sem cumprimentá-la, pois estava escuro. Ou do contrário, eu teria alguma notícia da Nívea por mais irrelevante que fosse.
- Vai, pensa rápido! - e me cutucou com o cotovelo.
- Continua andando.
Aliviado, passamos pelo meio do estacionamento sem que ela nos reconhecesse até ouvirmos a batida do porta-malas se fechando.
- Professor Schneider? Luciana?
Fechei os olhos, lamentando em pensamento, ao ouvi-la nos chamar.
- Bom meu amigo, nós tentamos...
Nos viramos de volta e Helena veio até nós caminhando de salto entre as pedrinhas com dificuldade, munida com as chaves do carro.
- Oi Helena. Aqui é um pouco escuro por isso não te reconheci.
- Imagina. Mas que bom ver vocês! - nos cumprimentou gentilmente - Como estão? Como foram de fim de ano?
- Eu fui bem, obrigado. Fui para a casa dos meus pais no Sul.
- E eu passei o Natal em família e depois viajei pra Búzios.
- Ah, que bom! Eu e Jacques voltamos da França no dia primeiro.
- E correu tudo bem? Eu vi a foto que a Senhorita Martin postou da família.
- Aquela foto ficou linda, meu cunhado vai revelar cópias e enviar uma pra nós. Nosso Natal e Ano Novo foram... - ela deu um meio sorriso ficando pensativa, mas de imediato tentou disfarçar o semblante que me pareceu entristecido - Maravilhosos!
- Que bom. E... Como ela está? - mesmo olhando para a Helena, eu podia ter certeza que a Luciana do meu lado havia revirado os olhos por dentro, me condenando pela pergunta.
- Nívea? Ela está bem... - ela afirmou. Mesmo assim continuei sentindo algo estranho naquelas palavras - Quero dizer mais ou menos...
- Ela está doente de novo? - meu coração começou a bater acelerado.
- Não, ela está bem de saúde graças a Deus. Bom... Você é o professor dela então eu posso falar.
- Aconteceu algo sério?
- A Nívea conversou comigo e com o pai em particular logo depois do Natal e... - ela suspirou - Disse que está pensando em ficar de vez na França.
- É o quê????
- Meu Deus... - senti a Luciana envolver o seu braço no meu, segurando-o e as suas unhas fincarem na minha pele pois ela sabia que eu poderia desabar - Por que isso?
- Eu não sei. Ela nos contou que já vinha pensando a respeito desde que chegamos em Lyon e esperou passar o Natal para conversar.
- Mas Helena... - senti minha garganta fechar - O colégio dela? Os amigos? Tem a formatura!
E eu, porra?
- Exatamente, tem isso tudo, mas ela vai nos dar a resposta até o fim de Janeiro.
- Ela explicou a razão? - Luciana fez a pergunta chave pois eu estava atordoado sem condições de conseguir falar.
- A Nívea sempre foi uma menina muito fechada, eu insisti um pouco mas ela não quis dizer. O Jacques acha que pode ser algum menino da idade dela, amigo do primo que ela conheceu. Eu não descartei, afinal é um motivo razoável.
- Que pena...
- Eu tô arrasada com essa possibilidade dela não voltar e me esforçando ao máximo para me concentrar no trabalho pois eu queria que ela terminasse o ensino médio aqui. Mesmo assim eu me adiantei e fui no colégio conversar com a Jacqueline na semana passada logo que voltamos.
- Aham, claro.
- Ela ficou triste mas disse que pode segurar a renovação da matrícula até o fim do mês.
Eu me sentia como se estivesse mergulhando em um abismo. Havia decidido continuar no colégio tendo a oportunidade em apenas estar perto dela e então recebo esse golpe que o meu coração já estilhaçado não seria capaz de aguentar.
Ficarmos longe um do outro.
Em um rompante eu nunca mais iria apreciar discretamente a beleza daquele rosto tão perfeito, ouvir a doçura da sua voz em sala de aula, embora ela falasse pouco. Estava sendo desesperador pra mim essa enxurrada de possibilidades na minha cabeça.
- Ela pode voltar atrás?
- Eu vou torcer para que reconsidere e volte para casa, Luciana. Mas eu não vi isso nos olhos dela.
- Posso perceber a sua tristeza...
- Eu estou. Mas Nívea é a minha filha, tenho que respeitar a vontade dela.
Como se você e o seu marido não fizessem outra coisa além disso! Enchendo de vontades, deixando uma menina de quinze anos frequentar boates!
Meu desespero era tão grande que eu comecei a pensar um monte de merda em relação à duas pessoas tão boas.
- Por que vocês não continuam a conversar? Ela pode mudar de ideia.
- Estamos fazendo isso. Mas eu não quero fazer pressão, entendem?
- Entendemos sim.
O cacete que eu entendia!
- Bom, me desculpem pelo desabafo. Mas vou ficar triste se o Professor Schneider perder a sua melhor aluna. - e sorriu - E fiquem despreocupados pois não vou contar à Nívea que encontrei vocês para não deixá-la ainda mais chateada. Acho que já passa das sete horas. Preciso ir.
- Claro... - Consegui sorrir forçado em meio ao curto circuito que a minha cabeça estava sofrendo.
- Foi um prazer encontrá-los, como sempre.
- Igualmente Helena. Apesar dessa triste notícia, te desejo um ótimo ano novo.
- Obrigada. Desejo o mesmo para vocês.
Nos despedimos e quando ela saiu com o carro, encostei no outro que estava do lado assimilando tudo o que tinha ouvido.
- A Nívea não pode fazer isso...
- Ei! - suas mãos seguraram o meu rosto - Olha pra mim! Olha!
- Ela não pode me deixar!
- Vocês não estão mais juntos!
- E acha que o meu amor por ela virou fumaça por causa disso???? ME FALA! - esbravejei - Eu sei... Eu sei que ela estava se arrependendo de tudo o que me disse naquela noite na festa dos pais!
- Sim e tentou se reaproximar. Você conversou comigo a respeito.
- Me mantive frio e distante dela...
- Exatamente. Mas não ao ponto da Nívea tomar uma decisão tão radical como essa. Schneider, o quê que aconteceu? Foi na formatura do Felipe, não foi? O que você fez pra ela?
- O quê? Como assim, "quem é Eric?"
- Eu ainda sou o seu professor. Pelo menos até a meia noite de hoje.
- Eu sei.
- Ótimo. Portanto é assim que você deve me chamar. Exatamente como era em sala de aula.
Fiquei com o semblante sério e endurecido ao me lembrar da forma como eu a tratei na última vez que nos vimos.
- Fui um estúpido.
- Outra sequência de patadas?
- Eu estava fazendo o que ela exigiu de mim!
- Mas é claro, sem levar em conta a montanha-russa de emoções que é uma adolescente da idade dela. Eu não sei como perco o meu tempo te aconselhando! Acho que vai ser bom mesmo ela não voltar e vocês nunca mais se verem!
- O Felipe.
- Quê que tem ele?
- Ele sabe - tirei o meu celular do bolso e busquei o contato, discando na mesma hora em meio ao nervosismo.
- Se acalma.
- Eu não vou me acalmar!!! - rebati com o aparelho no ouvido.
- Oi Eric, chegou hoje no Rio? - ouvi a pergunta do outro lado da linha.
- Você não ia me contar???? - cortei de imediato e ele ter ficado mudo alguns segundos na ligação era a certeza que eu precisava.
- Eu tô em Ipanema com a Mel. Vem pra cá que a gente conversa.
- Vocês iam mesmo esconder isso de mim??
- Pode ficar puto comigo à vontade. Estou te esperando. Tchau.
Olhei o aparelho com a ligação encerrada.
- Eu vou pro apartamento dele - e segui em direção ao meu carro.
- Nada disso! - Luciana me segurou pelo braço - Você não vai dirigir desse jeito. Vamos no meu carro.
***
Quinze minutos era o trajeto.
Mas eu estava tão desesperado para chegar que parecia uma viagem de duas horas. Com a cabeça recostada no assento, eu olhava para o lado de fora completamente disperso sendo que haviam outros carros na mesma situação que a nossa. Dia de semana, início de noite e tudo parado. De repente, ouço a Luciana rir do nada com as mãos no volante.
- Pode rir da minha cara, era tudo o que eu precisava - me virei na sua direção.
- Não estou rindo de você...
- Então qual é a graça??
- Acredita em destino?
- Quando ele conspira a meu favor, sim e não é o que está acontecendo agora. Ele está fodendo com a minha vida! - respondi irritado.
- Não está, não!
- Claro que está! Eu nunca mais vou ver a Nívea!
- Meu querido, isso nunca aconteceu antes. A reunião de semestre é sempre no fim do mês. E se ela não tivesse sido adiantada, você não iria ficar sabendo! - ela passou a marcha no freio de mão e avançamos lentamente no trânsito - Não estaríamos minutos atrás no estacionamento e muito menos nos encontrado com a Helena.
Olhava atento para a Luciana enquanto ela analisava a situação e paramos no sinal.
- Schneider, você só iria saber disso no primeiro dia de aula quando entrasse naquela sala e não dar de cara com a Nívea sentadinha no lugar de sempre.
- O Felipe e a Melissa guardariam segredo...
- Quem sabe - Ela deu de ombros - Os três são amigos.
Quando chegamos em Ipanema, expliquei qual era a rua e Luciana conseguiu estacionar em uma das praças principais do bairro e soltei dele no mesmo instante pois me sentia sufocado. Andava apressado e a minha amiga, mesmo de salto e com a alça da bolsa no ombro, conseguia me acompanhar. Foram minutos intermináveis até chegar onde o Felipe mantinha o seu apartamento. Não sabia se o clima estava abafado ou se era eu que estava com o suor escorrendo pela minha coluna. Pelo horário, a maioria das pessoas estavam em suas casas o que fazia com que as ruas estivessem tranquilas mas não totalmente desertas.
Ao anunciar meu nome no interfone, o porteiro já estava ciente da minha chegada e abriu o portão no que nós dois entramos. Passei feito um foguete e por sorte o elevador estava parado no térreo.
Nada conseguiria me acalmar. Eu caminhava pela sala indo parar na janela, sentindo o meu peito subir e descer e fazia o minúsculo caminho de volta sabendo que os olhares daquelas três pessoas estavam na minha direção. Melissa estava sentada no sofá com um pote de sorvete redondo em uma das mãos e segurando a colher pendurada na boca com a outra. Seus cabelos ruivos estavam presos em um coque no alto e seu rosto sardento estava rosa devido ao Sol e com certeza percebeu que o melhor era ficar quieta, o que para ela poderia ser uma tarefa impossível. Seus notáveis olhos verdes pareciam ainda mais verdes em contraste com a pele.
Felipe e Luciana permaneciam sentados à mesa redonda de jantar anexa à pequena sala, compartilhando do breve silêncio que foi quebrado por ele.
- Ela pediu segredo. Parece que nem a família dela na França sabe. Apenas os pais, eu e a Mel... Bom, e agora vocês. Eu não tinha como imaginar que iriam encontrar com a Helena.
- Quando aconteceu? - questionei respirando fundo e andando sem parar.
- A conversa? Foi na semana entre o Natal e o Ano Novo. Combinamos um horário e fizemos a vídeo chamada.
- E vocês não fizeram nada? Não tentaram convencer ela de voltar??
- Ela chorava muito, Eric. Dizia que você não a amava mais, que não iria continuar no colégio e com isso não fazia mais sentido ela voltar pro Brasil.
- Mas... Mas eu vou continuar, inferno!!!!! É o último ano e a Nívea precisa saber disso!!!
- Ué, então o abaixo-assinado deu resultado? - a irmã caçula entrou na conversa.
- Você sabia dele?
- Sabia desde o dia que ela chegou em casa chorando, dizendo para mim e o Fê que você ia se demitir.
Parei e encostei na janela, respirando fundo e passando a mão pelos meus cabelos sentindo a angústia me dominar.
- Eu sinto muito, cara - Felipe batia com os dedos na mesa - Mas não tem o que fazer agora. Apenas torcer para que ela mude de ideia pelos próximos dias.
- Vocês não podem fazer mas eu posso!
A solução que passou pela minha cabeça era o meu tudo ou nada.
- Vai entrar em contato com ela?
- Algo mais drástico que isso - olhei para os três, certo do que havia decidido - Eu vou à França.
Novamente o silêncio surgiu na sala e as expressões de espanto após esse anúncio foram quebradas pela gargalhada alta da Melissa. Me mantive sério, ignorando sua reação.
- Ai gente, desculpa - Ela continuava a rir, secando as lágrimas do rosto - Mas essa foi muito boa! Minha barriga tá até doendo, socorro...
Depois da troca de olhares entre eu e a Luciana, ela tomou a iniciativa.
- Felipe, posso usar o seu notebook? - ela pediu o aparelho que estava aberto em cima da mesa.
- Claro, à vontade - ele empurrou na sua direção - Vai fazer o quê?
- Você já vai saber - e começou a digitar rapidamente - Hoje é dia dez, certo?
- Certo...
- Vamos lá, vamos lá... Aqui, achei! Tem um vôo para Paris programado para o dia quinze, às nove da noite.
- E eu chegaria na tarde do dia dezesseis.
- Isso.
- E depois mais duas horas de trem até Lyon...
- Eric, espera...
Felipe interrompeu mas eu o ignorei.
- Preciso marcar a volta também.
- Sim, você acha que vai resolver isso em quantos dias?
- Não sei, uma semana talvez menos...
- Peraí, vocês estão falando sério? - a ruiva olhou para nós dois - Tu vai mesmo atrás dela? Mesmo depois de ter sido um ogro no fim da formatura? Eric, deixa ela em paz!
- A Nívea precisa saber que eu não vou deixar o colégio!!!
- Mas então espera ela voltar e aí vocês conversam!!!
- E você sendo a melhor amiga garante essa volta? - questionei, fazendo ela ficar muda por alguns segundos.
- Não... - ela abaixou a cabeça na direção do sorvete.
- Eu não posso contar com o milagre dela decidir voltar. E não dá pra ser uma conversa por telefone. Eu preciso estar diante dela, olhando nos olhos.
- Tem uma coisa que você não sabe.
- O quê eu não sei, Felipe?
- A Nívea não está em Lyon.
- Hã?
- Ih, é verdade! Ela contou pra gente que ia para os Alpes com os avós e só volta depois do dia vinte. - Melissa confirmou - Ela já estava falando disso desde o ano passado!
- Que ótimo! - falei com ironia - Vou ter que ir pro meio da neve. Sabem ao menos em qual cidade ela está?
- Essa informação eu vou ficar te devendo.
- Como assim? Tem mais de uma cidade nos Alpes?
- Tem sim, Melissa - foi a vez da minha chefe tomar a palavra - A região dos Alpes é muito grande com algo em torno de dez cidades nas proximidades. Vou dar um exemplo para você entender: Não temos a Região dos Lagos aqui no Rio?
- Temos.
- Pois então, existem os municípios para onde as pessoas viajam durante o carnaval e outros feriados. É algo rotineiro para nós, não é mesmo? Com os franceses em relação aos Alpes é a mesma coisa. É uma viagem bastante cara para nós aqui, mas para eles é algo absolutamente normal.
- Entendi... Legal.
- Por isso que o Schneider precisa saber em qual cidade a Nívea está. De que adiantaria se ele chegasse em Cabo Frio e descobrir que ela está em Búzios? Percebeu o tempo perdido?
- Isso é verdade.
- Nós precisamos descobrir para qual região ela foi!!!
- Posso entrar em contato com a Helena para saber mas vou precisar de um bom álibi. - Felipe disse com a mão no seu celular - Temos que pensar em algo antes de enviar o áudio pra ela perguntando, e sem que a Nívea não desconfie de nada quando entrar em contato com a mãe. A Helena pode comentar sobre essa minha conversa, entenderam?
- Entendi, faça o que você achar melhor!
- Tive uma ideia.
- Apenas entre em contato com a Helena, por favor! - pedi desesperado.
- Calma cara, o que você acha... De eu ir junto com você?
- O quê? Você ir comigo? E pra quê?
- Pensa bem. Se eu e você viajarmos juntos, tanto a Helena como a Nívea ficarão contentes em saber dessa minha ida e eu me encontrando com ela, não vamos perder tempo. Eu passo pra você exatamente onde ela está hospedada. Nem precisamos ficar no mesmo hotel pois assim você não corre o risco de ser visto.
Ouvi atentamente analisando a possibilidade.
- E eu ficaria escondido, até saber onde é o quarto dela.
- É isso aí!
- Ninguém pode saber que eu estou indo com você - orientei.
- Lógico que não, vai morrer aqui! Ouviu não é, Mel?
- Vai à merda! - a ruiva retrucou - Não vou falar nada!
- Luciana, você reservou as passagens?
- Ainda não. Estou apenas com a página do site da companhia aérea aberta aqui onde eu pesquisei.
- Me passa os seus dados - ele pediu ao virar o notebook - Eu vou usar o programa de milhas que eu tenho, compro as passagens no seu nome e tu me reembolsa. Eu venho acumulando desde a minha viagem de formatura do Ensino Médio quando fui para Nova York, presente do meu pai - ele riu sem jeito - Depois por causa da faculdade eu não viajei mais pra fora do país. São milhas o suficiente pra nós dois com um bom desconto no valor.
- Não Felipe, não precisa. Eu tenho uma reserva em dinheiro e não vejo problema de ir na classe econômica.
- Se tu vai encarar mais de dez horas de viagem dentro de um avião em nome de uma loucura por amor, então que seja minimamente confortável na classe executiva - rebateu com os olhos na tela - Vai, me passa o seu nome, CPF... E a data de nascimento por precaução.
Peguei minha carteira no bolso e fui até a mesa mostrando o meu RG, no que ele digitou em uma folha de Word.
- Tá certo, vou salvar aqui e agora vamos de encenação - pegou o seu celular que estava na mesa - O áudio para a Helena - deslizou o dedo na tela buscando o contato - Silêncio!
Ele enfim, pôs em prática o que lhe veio à mente .
▶️
Oi Helena boa noite, tudo bom? Queria te pedir uma ajuda. Um grupo de amigos meus da faculdade está indo esquiar nos Alpes na França e me convidaram. Eles embarcam no dia quinze. Aí eu queria ver se tinha uma chance de me encontrar com a Nívea por lá. Você poderia me passar a cidade e o hotel que ela está hospedada? Fico no aguardo aqui. Abraço.
Fiz o sinal de positivo pra ele.
- Agora é só esperar ela me retornar.
- Senta um pouco, Schneider. Eu tô ficando nervosa com você em pé!
- Acha que ela vai demorar pra te responder? - finalmente me sentei ficando de frente a ele.
- Vocês se encontraram naquela hora, ela deveria estar saindo da clínica. Pelo tempo já deve estar em casa.
- Você quer beber ou comer alguma coisa? - a ruiva se aproximou após ter ido na cozinha guardar o sorvete e juntou se a nós na mesa.
- Não, Melissa, obrigado - neguei com a cabeça - Não sinto fome.
- Você não quer ir com a gente, Mel?
- Nada, odeio lugar frio! Fiquem à vontade pra ir e se esbaldarem na neve.
- A última coisa que eu vou fazer lá é turismo.
- Aqui! A Helena me retornou! - O irmão anunciou ao olhar a tela - Pelo tempo de quase um minuto de áudio, vem coisa aí - ele clicou e nós ouvimos. Meu coração parecia saltar de dentro do peito.
▶️
Oi, Felipe! Eu não podia ouvir notícia mais maravilhosa que essa! Deixa eu te explicar. A Nívea está com os meus sogros em uma cidade chamada Chamonix Mont Blanc, é uma das mais conhecidas dos Alpes que fica na divisa com a Itália e a Suíça. Mas é o seguinte, você desembarcando em Paris vai ter que pegar um trem e a viagem é um pouco longa, algo em torno de seis horas pois é necessário fazer mais de uma conexão, entende? São poucos os trens até lá e o primeiro sai antes das sete da manhã. Ou você poderia ir até Lyon mas não faz sentido essa dupla jornada. Vou te passar direitinho os horários dos trens e os contatos do hotel onde ela está. Só um instante.
- Isso dos trens é o de menos. Já sei o principal que é a cidade.
▶️
Beleza. Vou ficar aguardando.
▶️
Posso dizer à Nívea que você está indo? Ela vai adorar saber!
- A Helena pode contar?
- Conta ué! Tem algum problema nisso? - Melissa questionou.
- Pode contar. - concordei - A Nívea ficando na expectativa com a sua ida não vai desconfiar de mim!
▶️
Pode falar sim, Helena. Ela deve tentar falar comigo.
- Se tudo sair como planejado, isso não vai levar mais do que três dias. Chegando em Paris no dia dezesseis, pegaremos o primeiro trem do dia dezessete chegando lá pela manhã - comecei a arquitetar tudo na minha cabeça - E na cidade, vou ter que ficar trancado onde a gente se hospedar.
- Eu te passo o hotel em que a Nívea está depois de passar o dia com ela.
- Você é louco, Eric... - a irmã me encarava sem acreditar que eu estava disposto a tudo.
- Vou enlouquecer se ela não voltar, Melissa, isso sim.
- Bom, rapazes. - se apoiando com as duas mãos na mesa, Luciana se levantou - Acho que temos metade de tudo resolvido. A outra metade será vocês embarcarem e chegarem lá.
- É... Por ora não tem mais nada o que se fazer... Acho que posso ir pra casa.
- Vou conversar com os meus pais e finalizo a compra das passagens ainda hoje.
- Obrigado, Felipe. De verdade.
- Que isso. E lá vou eu me aventurar na neve. - e riu.
Muitos diriam que era de fato uma loucura o que eu estava prestes a fazer pelos próximos dias. Mas não tentar e correr o risco de nunca mais vê-la seria desesperador.
Amar verdadeiramente como eu amava a Nívea implicava em estar de frente com ela mesmo que fosse em uma temperatura abaixo de zero.
A minha coragem era o combustível para me manter aquecido.
***
Era a primeira vez que eu retornava à Europa após quase doze anos, desde que voltei para o Brasil. Depois disso, minhas viagens se limitaram aos fins de semana com alguma namorada pelo estado do Rio de Janeiro ou como sempre para a casa dos meus pais.
Eu e Felipe desembarcamos no Charles de Gaulle no horário previsto e após toda a burocracia de passaporte e bagagens que não foram muitas, partimos direto para a estação Gare de Lyon onde pegamos o primeiro trem até Annecy, primeira e por sorte, a única parada de conexão.
Era início da manhã quando finalmente chegamos no nosso destino. Em cinco anos morando na França, nunca havia pisado nos Alpes pois turismo no país nunca esteve entre as minhas prioridades. Meu foco sempre fora o meu diploma de mestrado.
E então eu estava ali, com apenas uma bagagem para menos de uma semana, alguns euros na carteira e apenas pensando no que fazer e no que dizer quando estivesse cara a cara com ela. O frio e aquela cidade desconhecida de aparência medieval não me intimidaram.
Felipe havia reservado um hotel quatro estrelas mas com uma boa infraestrutura e parecia ser confortável. Ao entrarmos, a recepção era de aparência elegante com uma mesa de vidro no centro do local, um arranjo de flores gigante e alguns sofás de cor bege no canto para os visitantes que aguardavam algum hóspede. No teto, o lustre de cristal com a iluminação de tom amarelado. Após o check in na recepção e pegarmos a chave, um funcionário levou as nossas malas para o quarto que iríamos dividir.
No quarto que era espaçoso, haviam duas camas de solteiro bem grandes, uma televisão em frente à elas, um guarda roupa todo em madeira, uma mesa com duas cadeiras perto da janela e o banheiro com água quente tanto no chuveiro como na torneira. Após essa rápida inspeção, liguei o aquecedor e finalmente me deitei na cama cujo meu corpo começou a sentir os efeitos do cansaço de uma viagem tão longa.
- Sabe por que escolhi este hotel? - ele me perguntou sentado na sua cama.
- Não.
- Wifi disponível.
- Hoje em dia é necessário.
- Muito, o que faz com que eu envie uma mensagem para a sua petite.
- Não chama ela assim! - vociferei, me mantendo deitado - Só eu quem a chamo desse jeito!
- Você e o provável carinha com quem ela possa estar.
- Cala a boca! - joguei uma pequena almofada na sua direção e ele riu, tentando se esquivar.
- E sabe o que é ainda melhor?
- Não, cara. Não sei.
- Que podemos enviar mensagens para todos avisando que chegamos bem - ele fez uma pausa - E isso inclui o seu amor. Ela acabou de me responder.
- A Nívea está online? - me levantei ficando sentando e o encarei. A ansiedade me golpeou com força - Agora?
- Aham - ele sorriu - Perguntou como foi a viagem, todo aquele blá blá blá de sempre e está me convidando para ir almoçar com ela no hotel em que está hospedada com os avós. Quer me apresentar a eles. E depois de tarde, me levar para a estação de esqui.
- E você vai? - perguntei, sentindo o incômodo na garganta.
- Eu estou morto de cansaço mas até o almoço, ainda tem algumas horas e eu posso descansar. Ainda não confirmei com ela - ergueu o aparelho em uma das mãos - Você quer que eu vá ou não?
- Vai, vai sim - respirei fundo - Procura saber o quarto em que ela está.
- Beleza - ele digitava na tela - Você vai hoje?
- Não. Quero descansar o suficiente para enfrentar tudo isso - abaixei a cabeça, fazendo uma massagem na nuca - Vou deixar para amanhã.
- Tá certo. Vou tomar banho e tentar dormir um pouco.
- Vou pedir o café da manhã aqui no quarto.
Enquanto o Felipe entrava no chuveiro, liguei para a recepção pedindo o café da manhã para dois e depois desfiz a minha mala. Meia hora se passou e o funcionário chegou, deixando tudo na pequena mesa.
Ele esperou até que eu também tomasse o meu banho para comermos o nosso café juntos. O banho quente me ajudou a relaxar ainda mais, o que iria facilitar as minhas próximas horas de sono apesar do fuso.
Dormi tão profundamente que não cheguei a ver a hora em que o Felipe saiu.
Acordei com a televisão ligada no volume baixo, sintonizada em algo que parecia ser um filme de ficção científica qualquer, legendado em inglês, a luz apagada e quando olhei para o lado, Felipe estava deitado com os olhos na direção da tela.
- Que horas são? - ergui meu corpo, recostando ele no travesseiro.
- Agora são oito da noite.
- Eu dormi o dia inteiro??? - tomei um susto, ficando sentado na beira da cama - Podia ter me acordado, cara.
- Eu voltei do passeio e te vi dormindo igual uma pedra. Achei melhor não te acordar.
Esfreguei os olhos e senti que dormir todo aquele tempo me fez bem. O cansaço havia diminuído.
- E como foi? Encontrou com ela?
- Aham - ele pausou o filme e se sentou na cama igual a mim - Dormi aquelas horas pela manhã e almocei com ela e os avós onde estão hospedados. Hotel chique, bem melhor que o nosso.
Lembrei da tensa conversa com o meu pai e não podia deixar que a diferença social entre eu e ela dominasse a situação a ponto de me desencorajar.
- Tá mas e aí? Como ela está?
- Ela está bem, tranquila. Pensou da Mel também vir comigo e lamentou. Conheci os avós dela. Monsieur Jean Martin e sua esposa Amelie. Muito simpáticos.
- Mesmo?
- Demais. Foi divertido... Ficaram contentes em conhecer um amigo brasileiro da neta. E sabe o mais incrível de tudo?
- O quê?
- Eles falam o português perfeitamente bem.
- É sério? - me peguei levemente boquiaberto com a informação.
- Eles moraram em São Paulo por muitos anos - Felipe parou e me fitou com curiosidade - Você não sabia? Jacques nasceu no Brasil e tem dupla cidadania. A Nívea nunca te contou? Quero dizer... Quando estavam juntos.
- Não... - aquela informação era algo novo pra mim - O pai dela fala o português muito bem, eu reconheço, mas daí ele ser brasileiro também...
- Pois é... Os avós não entraram muito em detalhes e eu também não perguntei. Estávamos eu e a Nívea ansiosos para terminarmos de almoçar e irmos andar de teleférico até a estação de esqui.
- Claro... Ela perguntou por mim?
- Não e eu também não falei de você. Ela estava bem demais para ouvir falar no seu nome.
Soltei o ar e relaxei os ombros.
- Toma - ele enfiou a mão dentro do bolso da sua calça de moletom cinza e me entregou um pequeno cartão - O hotel onde ela está hospedada e atrás o número do quarto. Não fica longe daqui.
- QuartoIsso aí. Pedi dando a desculpa de ligar direto para o quarto dela e ela escreveu atrás. Tem certeza de que não quer ir hoje? Fiz a reserva para três dias e o primeiro já está terminando.
Segurei com força o cartão pensando se arriscaria ir até ela e resolver tudo de uma vez.
- Caso mude de ideia, vá bem empacotado com roupas de frio. Vi no celular que a previsão era de neve durante a noite. - ele apontou para a janela.
Olhei para o Felipe e depois novamente para o número do quarto escrito no cartão.
***
Os flocos de neve caíam suavemente pela calçada mas o que me chamava a atenção era a imponente fachada do hotel em que a Nívea estava hospedada. No meu volumoso casaco de frio eu segurava uma barra de chocolate dentro de um dos bolsos e fiquei atento, pensando em como iria passar pela recepção sem ser visto.
Cumprimentei o funcionário uniformizado e entrei pela porta giratória, chegando no Hall infinitamente maior e mais elegante que a do hotel onde eu fiquei hospedado. Abaixei o capuz do casaco cujos flocos de neve caíam no chão e tirei o excesso também dos braços. O lugar parecia cenário de filme.
O ambiente estava tranquilo pelo horário com pouquíssimas pessoas circulando e ninguém da recepção desconfiou da minha presença. Poderia ser facilmente confundido com um hóspede o que era bom. E também ruim pois se eu fosse algum maluco terrorista, um típico homem bomba, eu teria feito um estrago. Segurança ali não era o forte do local.
Ao lado do grande balcão da recepção, onde as funcionárias trabalhavam atentas sem me notarem, haviam três portas de elevadores e eu precisava ser rápido. De repente, um grupo de seis pessoas vinha na direção que parecia ser um corredor do lado oposto dos elevadores conversando animadamente e sorridentes. Eles passaram por mim e me juntei, ficando de frente em uma das portas.
Os minutos pareciam eternos até a porta do elevador abrir para que eu pudesse entrar ficando bem na frente parado no lado esquerdo. Pedi educadamente para a mulher loira do grupo que apertasse o número três para mim enquanto eles iriam para o quinto andar. Gentilmente ela atendeu o meu pedido e sorriu.
Ao abrir a porta, fui o primeiro a sair e então me vi sozinho diante de um corredor enorme com vários quartos e a temperatura mais agradável que do lado de fora. Nenhuma movimentação, tudo muito calmo e eu não fazia ideia da hora pois minhas mãos estavam confortavelmente aquecidas demais dentro dos bolsos do casaco para eu tirar o meu celular de dentro de um deles. O chão era todo coberto com carpete e as luzes amareladas. Haviam plantas ornamentadas em vasos decorando o local. Caminhei corredor à frente e precisava me manter calmo porque não saberia como Nívea iria reagir ao me ver. Passei em frente à primeira porta do quarto de número 301 e então me vi no caminho certo.
Quando cheguei no número do quarto dela, parei em frente a ele e um milhão de coisas passava pela minha cabeça. Pensava no que dizer à ela, poderia desistir e ir embora, voltando somente no outro dia... Mas foi tudo razoalmente tão fácil desde a viagem até chegar ali, que não podia agir feito um covarde.
A campainha era um simples interruptor na cor branca e hesitei antes de tocar, fechando a mão em punho e respirando fundo.
E então a toquei. Nada. Nem o som de uma voz vindo de dentro. Toquei novamente.
- C'est qui ?
(Quem é?)
Um sorriso se formou naturalmente no meu rosto ao ouvir aquela linda voz, ainda que abafada por causa da porta. Era ela.
- Si c'est un service de chambre, vous pouvez revenir demain matin. Merci. - disse sem abrir a porta.
(Se for serviço de quarto, pode voltar amanhã de manhã. Obrigada)
Sem dizer nada, toquei a campainha novamente deixando transparecer uma certa insistência. Na verdade eu estava totalmente tenso dos pés à cabeça. Ouvi o ruído da maçaneta por dentro e quando a porta se abriu por inteiro, me senti dentro de uma bolha diante dela. Aqueles olhos azuis se transformaram em dois faróis reluzentes pois a dona deles parecia não acreditar em me ver na frente dela.
Mais de um mês longe. E estar ali tão perto depois de tanto tempo fez com que uma corrente elétrica estivesse passando pelo meu corpo.
As meias cor de rosa que usava até abaixo do joelho e a camisola da mesma cor, com estampa de Sol era o que Nívea iria usar para dormir. O bico dos seus seios apontavam no tecido na minha direção o que fez o meu pau dar uma fisgada dentro da calça. Era o que faltava acontecer. Ficar excitado em um reencontro tão definitivo para nós dois.
- E-Eric...? - percebi sua respiração acelerada.
- Oi Nívea. - Apertei os lábios pois não havia o que se dizer em momentos assim. Mas sabia o que poderia acontecer e de fato aconteceu. No instante em que ela iria bater a porta na minha cara, meu instinto foi mais rápido e consegui segurá-la, me apoiando no batente - Espera, não faz isso! Me deixa entrar!
- Vai embora!!!! Sai daqui!!!
- Não, eu não vou!
Ela se afastou, andando de ré com o olhar fixo ainda sem acreditar. Entrei no quarto, fechei a porta atrás de mim e tirei o meu casaco pois a temperatura quente de dentro do quarto fez com que o calor me incomodasse. Seu corpo encostou na cama enorme de casal e ela se sentou, ainda me encarando como se estivesse vendo um fantasma. O cômodo espaçoso estava iluminado apenas por dois abajures nos criados-mudos ao lado da cama.
- Não podia ser de outro jeito. Eu precisava fazer isso.
- Como você conseguiu subir??? Eu vou ligar para a segurança do hotel! - e foi na direção do telefone em cima da mesa, segurando o aparelho nas mãos.
- Não quer nem ao menos saber o que eu vim fazer aqui?
- Não me interessa! Eu quero que você suma da minha frente! Eu vou chamar os meus avós e eles vão te tirar daqui!
- Ótimo! Faz isso mesmo! E diga a eles quem eu sou!
- Um tarado que passou pela segurança e veio me atacar. É isso que você é!
- Nívea... - eu precisava ter paciência - Por favor, me escuta...
- Eu não quero te escutar! Não quero saber o que você está fazendo aqui, vindo atrás de mim! Eu sou uma burra em acreditar que o Felipe veio apenas me visitar. Ele é um falso!
- A ideia de vir atrás de você foi minha. O Felipe veio apenas me acompanhando e serviu de ponte entre nós dois. Seria mais fácil pra te encontrar.
- Ah, agora vai ser assim? Ficar me perseguindo em todos os lugares?
- Não é perseguição - me aproximei dela, olhando nos seus olhos - Eu vim porque fiquei desesperado quando soube e quero que desista dessa loucura - me atrevi a passar o dedo indicador na pele do seu rosto perfeito - Volta pro Brasil... Estou te pedindo...
- Isso não é da sua conta!!!! - o vermelho de raiva tomou o seu rosto e senti o seu tapa na minha mão me fazendo recuar um passo. Imediatamente ela caminhou dando a volta pela cama, ficando do outro lado e distante de mim - Quem vai decidir isso sou eu com os meus pais! Melissa e Felipe são dois fofoqueiros!
- Eles não me contaram nada! Eu e a Luciana encontramos a sua mãe naquele estacionamento onde ficamos juntos e então ela me contou sobre você não querer voltar pra casa. - engoli em seco - Por que vai fazer isso?
- Não tenho mais nada lá que me faça voltar. Só sinto muito por ficar longe dos meus pais e dos meus amigos.
- Tem certeza?
- Tenho!
- Conheceu alguém aqui? - o ciúme estalava em mim junto de um aperto no peito - Esse é o motivo para você não querer voltar?
- Eu já disse que isso não é da sua conta, Eric! Para com isso!! Foi você que decidiu ficar longe de mim, não foi? Vai ser mais fácil se eu não voltar.
Não posso dizer à ela que eu voltei atrás e vou continuar no colégio. Isso seria manipular a situação ao meu favor e eu não quero isso... pensei enquanto continuava a admirar aquele rosto lindo e perfeito. Seu corpo ainda com as curvas que me deixavam sem rumo e eu não podia fazer outra coisa além de lembrar dos beijos que eu espalhava na sua pele tão perfumada.
- E se eu te disser... Fiz a mesma volta me aproximando - Que mesmo sendo frio com você naqueles dias, eu nunca deixei de pensar em nós dois? Que sentia sua falta todas as noites... Eu me afastei porque você me pediu, ma petite.
- Para de me chamar assim.
- Mas é o que você é pra mim, vai ser pra sempre...
Segurei em seu rosto com uma das mãos, sentindo e acariciando a sua bochecha rosada com o polegar. A pele tão macia... E me senti agoniado em ver esse mesmo rosto cujos olhos me fitavam com raiva.
- Volta pra mim, meu amor...
- E pra quê? - ela segurou no meu pulso, tirando a minha a mão daquele toque com rispidez - Pra você gritar comigo? Me magoar, me fazer chorar e ficar doente de novo? É pra isso?
- Não vai mais acontecer, eu te prometo.
Minha atenção e os meus olhos estavam na direção da sua boca e os lábios pareciam maiores quando ela ficava emburrada daquele jeitinho tão encantador. Foram tantos meses sem beijá-la que, em um ímpeto, segurei seu rosto e a trouxe para perto de mim em um beijo urgente e quase sufocante.
- Não, Eric... - ela tentava se esquivar, desviar o rosto do beijo socando e empurrando o meu peitoral na tentativa de que eu fosse parar - Me solta... Não quero...
Insisti de todas as maneiras, mantendo a minha boca colada à dela e aos poucos pude senti-la ceder a algo que nós dois sentíamos falta. O sabor daqueles lábios tão macios era a melhor coisa que eu já havia experimentado. Nossas línguas se juntaram em uma dança frenética e as mãos que antes me socavam foram se rendendo e envolvendo o meu pescoço em um sinal de que queria por mais, muito mais.
Agarrei a Nívea, erguendo o seu corpo tão macio e redondo e suas pernas se envolveram na minha cintura. Ainda aos beijos, me sentei na cama com ela no meu colo. Deslizei as mãos pelas suas coxas até perceber que estava sem calcinha por baixo da camisola o que deixou o meu pau desesperado para explorar e se perder naquele canal tão gostoso, apertado e úmido.
Ainda agarrada no meu pescoço e olhando nos meus olhos, Nívea se esfregava em mim implorando por algo que eu também queria. Subi aos poucos sua camisola e ela ergueu os braços para que eu a livrasse da peça e o fiz, jogando pelo chão. Fiz o mesmo com a minha blusa de moleton tirando rapidamente junto da outra blusa que usava por baixo.
- Eric...
Nívea se entregava ao prazer inclinando-se para trás, rebolando na minha calça e a agarrei com força no seu bumbum mudando rapidamente de posição fazendo ela se deitar na cama.
Se eu pudesse teria arrancado a minha calça de uma só vez mas era impossível. Depois de me livrar do meu par de coturnos, tirei ela e a cueca exibindo meu pau rígido e doendo de tanto tesão por aquele corpo.
- Vem... Me chupa... - ela implorou indo para o meio da cama - Me faz...
- O quê meu tesão... - me aproximei da cama apoiando um dos joelhos na beira - Só faço se eu ouvir o que você quer...
- Me faz gozar... Por favor...
Meu corpo inteiro reagiu àquele pedido e eu não podia gozar sem ser dentro dela como sempre fazíamos e gostávamos. Tanto tempo sem transar e eu precisava me entorpecer de amor de um jeito devagar, aproveitando cada segundo.
Ajoelhado na cama, afastei suas pernas o quanto eu pude e fui deixando beijos, lambidas e chupões por dentro das coxas até chegar onde ela pedia para ser saboreada. A ponta da minha língua deslizava lentamente em cada cantinho úmido de prazer e para deixá-la mais desesperada, segurei suas pernas ficando no controle.
Sugava, chupava e lambia seu grelinho inchado e a minha barba arranhava a sua virilha levemente junto de rastros de beijos causando arrepios pelo seu corpo. Nívea afundava a cabeça no colchão, as mãos se agarrando nos lençóis e seu corpo erguia da cama, empinando seus seios redondos e macios rebolando em desespero na minha boca.
Circulei e soquei devagar com a ponta da língua onde não demorou muito tempo até ela se entregar por inteiro ao que tanto queria. Seu corpo desabou na cama e continuei a me deliciar com aquele néctar quente. Ainda chupando, observei sua respiração pesada e sorri triunfante rastejando e deslizando a minha boca pelo seu corpo, sentindo o gosto da sua pele. O bico dos seus seios estava rígido e agarrei com as mãos querendo os dois na minha boca sugando quase que ao mesmo tempo.
- Não sei como eu não enlouqueci de saudades... - sussurrei no seu ouvido e chupando a sua bochecha até olhar nos seus olhos. Ambos estávamos ofegantes - Continua deliciosa... - sorri e mergulhei em mais um beijo que foi correspondido com as nossas mãos entrelaçadas no alto da sua cabeça.
Ansiava por me conectar à ela ao mesmo tempo que não queria parar de beijá-la. Minhas mãos exploraram os fios de cabelo e após o beijo, deixei vários outros pelo seu rosto.
Sentir sua entrada ensopada me deixou alucinado. Nívea não resistiu e, olhando nos seus olhos com nossas testas coladas, me enterrei por entre suas pernas e ela gemeu, agarrando o meu corpo me fazendo sentir suas unhas na minha pele.
Não era um sonho. Era real.
Poderia ser violento devido à raiva por não transar há meses mas fiz amor do modo mais apaixonado e paciente possível.
- Oh, Eric...
Tão pequena e delicada, seu corpo ainda estava refém do último gozo. As meias que usava a deixava mais confortável para circular os pés e as pernas em volta do meu corpo.
Ainda dentro dela, me afastei e me ergui para ter a visão completa daquela que se tornou mulher nos meus braços e eu não podia deixá-la longe de mim. Abri suas pernas, grudando ambas no colchão e continuei a bombar no meu ritmo. Nívea gemia e mordia os lábios para que eles não se tornassem altos, beirando o escândalo mas estava totalmente entregue ao nosso amor.
- Olha pra mim, ma petite... - pedi e ela o fez.
Apertei a parte de dentro de uma das coxas roliças e não demorou muito até me sentir rígido e o vai e vem acelerado despejou todo o meu gozo quente dentro dela. Massageei devagar o seu grelo com a ponta do meu dedo e ela novamente entregou o seu corpo ao orgasmo.
Esgotado, desabei por cima dela e nossas respirações estavam em descompasso. Com os corpos suados Meu rosto ficou de lado e permaneci ali calado, apenas observando o seu totalmente molhado de suor e vermelho pelo calor do quarto que parecia mais intenso. Meu dedo indicador deslizava pelo rosto e cheguei até o contorno dos seus lábios perfeitos, desenhando como se fosse a mais perfeita das pinturas.
Percebi que o meu corpo foi amolecendo devagar e me deixei levar pelo relaxamento e cansaço. Minhas pálpebras amoleceram e ainda grudado à ela, mantive minha mão no seu lindo rosto.
O perfume do seu corpo era um verdadeiro calmante pra mim.
***
Não soube dizer por quanto tempo fiquei adormecido. Quando abri os olhos lentamente, as luzes do quarto continuavam apagadas e meu corpo estava mais relaxado. Era uma sensação de bem estar que não me acompanhava há tempos. Não havia tensão, ansiedade, nada. Respirava profundamente encarando o teto mas senti o vazio do meu lado. Tateei a cama e ela não estava ali. Ao erguer o meu corpo, me apoiando com o cotovelo observei a neve caindo forte do lado de fora e o céu ainda escuro. No entanto, o que me chamou de fato a atenção foi o divã perto da porta de vidro que dava acesso à varanda.
- Nívea?
Ela estava ali, nua e sentada com o corpo encolhido em posição fetal olhando para os flocos que caíam conforme a direção do vento.
- Ainda está de noite... - foi o que se limitou a dizer em voz baixa, porém estranha.
Me levantei rapidamente e sentei ao lado dela. Peguei no seu queixo e puxei o seu rosto fazendo com que me encarasse. Não esperava vê-lo banhado em lágrimas.
- Você está chorando?
- Conseguiu o que queria. Sempre consegue! - disparou com a voz falha.
- Não estou te entendendo...
- Ainda é cínico! Faz o que quiser comigo e eu idiota acabo cedendo!
- O que foi que eu fiz? - me irritou o jeito como ela falou - Me fala! Porque se está se referindo ao que aconteceu naquela cama, você se entregou tanto como eu me entreguei.
- Veio até aqui só pra isso! Pra jogar na minha cara e mostrar que é você quem manda. Seria a mesma coisa se eu estivesse escondida em uma ilha deserta!
- Não Nívea, eu fiz essa loucura em atravessar o oceano para querer você de volta pra mim. E sim, se estivesse em uma ilha deserta eu iria atrás do mesmo jeito.
- Por que insiste? Vai tudo continuar a mesma coisa. Meu sentimento de insegurança, meus medos.
- E o nosso amor não é forte o suficiente para enfrentar tudo isso?
- Eu não sei...
- Vem aqui - Peguei em uma das suas mãos e me levantei, trazendo ela junto de volta para a cama.
Nos sentamos no meio dela e coloquei o seu corpo de frente para o meu, bem próximos com as suas coxas por cima das minhas, trazendo novamente o seu rosto na direção do meu.
- Eu e você erramos muito nesse ano que passou. A diferença é que eu estou disposto a consertar esses erros. E você? Também está disposta?
- Não vai adiantar nada. Eu não vou mais ver você esse ano, Eric...
- Por que tá dizendo isso?
- Você saiu do colégio! Ou já se esqueceu? Saiu por minha causa!
Dei um meio sorriso e continuei a encarar aqueles lindos olhos, colocando uma pequena mecha dos seus cabelos atrás da orelha.
- Verdade. Estava decidido a sair por sua causa, sim.
- Então pronto.
- Mas então um certo abaixo-assinado atropelou essa minha decisão.
- Você viu?
- E a assinatura mais linda estava entre as outras. - ela ia falar mas eu interrompi, colocando o dedo nos seus lábios - Sim, você assinou para não ficar feio.
- E não adiantou de nada.
- Acha que não adiantou? Qual foi o motivo que me fez realmente vir pro meio da neve atrás de você? Só pra te foder e ir embora? - questionei e ela ficou calada - Quer ficar aqui na França? Certo, então fica. Mas saiba que eu decidi continuar a dar aula para vocês após ver aquele abaixo-assinado. E precisava te dizer isso cara a cara.
- Eric... Tá falando sério?
- Estou.
Ela me olhava com o seu semblante sério, o olhar vermelho e inchado causado pelas lágrimas como se ainda assimilasse o que eu acabara de revelar.
- O melhor para mim seria me desligar do colégio para não te ver e tentar te esquecer mas esse gesto tão bonito da sua turma mexeu comigo. É a primeira vez que eu recebo isso.
- A turma aprendeu a gostar de você...
- É - sorri - eu também aprendi a gostar e lidar com adolescentes. Ainda que a maioria deles não tenham nada na cabeça.
Envolvi o seu corpo em um abraço apertado e demorado percebendo novamente que ela começava a chorar.
- Você quebra meu coração chorando desse jeito...
- Eu não sei como fazer... Não sei como me sentir segura...
- Primeira coisa - me afastei dela e segurei o seu rosto com as duas mãos - Você precisa saber e entender que o nosso amor é maior do que qualquer coisa que possa aparecer para te atingir. Qualquer coisa e qualquer pessoa. Eu sei, não vai ser fácil mas você precisa se esforçar pra isso. Me promete que vai fazer esse esforço?
- Prometo.
- Que bom.
- Posso te pedir uma coisa também?
- Pode.
- Mesmo sabendo que fica ocupado trabalhando, eu queria ficar mais tempo com você aos sábados, chegando cedo na sua casa. Só pra ficar perto de você!
- Você ficou triste com isso, não foi? - questionei e ela afirmou com a cabeça enxugando as lágrimas que insistiam em cair - Tá bom. A gente pode ver como faz. Vai ser uma delícia ficarmos juntos umas horas a mais durante a noite.
- Tem certeza?
- Tenho.
Ver aquele sorriso ainda tímido era um alívio para o meu coração. As coisas pareciam finalmente estar entrando nos eixos.
- Esse ano que está começando vai ser decisivo para nósEu não queria pensar nisso. Ainda não.
- Eu sei.
- Vai ficar quanto tempo aqui em Chamonix?
- Só mais dois dias.
- Por que tão pouco? - suas mãos pequenas e macias acariciavam a barba do meu rosto - Eu volto pra Lyon no próximo domingo. Não quer ficar lá e passear pela cidade?
- Eu não vim com muito dinheiro pra cá, ma petite... Trouxe apenas o suficiente para vir atrás de você.
- Eu ia te apresentar aos meus avós. Eles adoraram conhecer o Lipe e vão adorar conhecer o meu professor também!
- Não quero ser apresentado a eles como o seu professor.
- Hum...
- E agora eu quero mais uma coisa...
- O que?
- Continuar matando a saudade desse corpinho delicioso - enfiei minha cabeça entre o seu pescoço e o ombro, enchendo de beijos e fazendo ela rir e se arrepiar - Bati muita punheta no banho esse tempo todo longe de você sabia, mocinha?
- Porque quis! - ela se encolhia e ria - Você estava solteiro e eu também!
- Ah é? Não ia ligar se eu fosse pra cama com outra? - perguntei em tom de provocação e ela deu de ombros o que me deixou desconfiado - Você... Ficou com outro cara nesse tempo, Nívea???
- A gente estava separado um do outro, Eric... Ou acha que só você sentiu falta? Eu também senti, ué...
Quando eu pensei que tudo estava resolvido entre nós, recebi aquele coice doloroso em forma de palavras difíceis de suportar. Mais difícil ainda era imaginar a cena.
- Você teve coragem de fazer isso, Nívea? - meu coração parecia que iria parar a qualquer instante - Teve coragem de se entregar a outro cara?
- Não posso mentir pra você... - me disse séria - Eu estava com vontade...
Analisava cada detalhe em seu rosto me recusando a acreditar no que havia acabado de ouvir. Imediatamente ela soltou uma gargalhada e só então concluí que ela havia me feito de palhaço.
- Precisava ver a sua cara! - e continuava a rir sem parar.
- Isso não teve a menor graça!
- Teve sim - e se deitou na cama, rindo da brincadeira de mal gosto que havia feito.
- É mesmo? Vamos ver então quem vai rir agora! - virei o seu corpo de bruços e a fiz ficar de quatro pra mim onde eu tive a visão daquele bumbum tão apetitoso - Sabe muito bem o que eu quero e você me nega!
- Eric, não!!! - seu corpo enrijeceu por inteiro e segurei com força pelos seus quadris para que ela não escapasse - Desse jeito eu não quero!!!
- Fica quieta!!! - ordenei e empinei o seu corpo ainda mais, envolvendo ela pela cintura com uma das mãos enquanto a outra eu me punhetava para enfiar sem dó - Esse bumbum é só meu! Entendeu?
- Não faz, Eric! Você vai me machucar! Eu não quero, me soltaaa!!!
Coloquei a cabeça do meu pau na entrada da sua buceta, esfregando bem devagar até senti-la ficar úmida e o seu corpo relaxar com aquela brincadeira.
Nunca iria violentá-la com sexo anal por mais que desejasse me perder dentro daquele cuzinho tão apertado.
Nívea se agarrava nos lençóis reagindo àquela provocação tão gostosa e se insinuava, me querendo dentro dela. Enfiava pouco o que a estava deixando enlouquecida e me joguei por cima do seu corpo, afastando os seus cabelos para o lado e afundando minha boca no seu pescoço, sentindo seu cheiro doce misturado ao suor.
- Vai ficar me provocando de novo? - sussurrei no seu ouvido - Hein?
- Vou! - e apoiou sua cabeça no meu ombro - Se não fazer do jeito que eu gosto...
- Minha cadelinha... - me enterrei nela e agarrei os seus seios com as duas mãos, sentindo ser esmagado enquanto ela rebolava sem parar - Só minha...
- Sua...
Minhas mãos deixaram os seios e percorreram pela cintura até chegarem na sua virilha. Queria sentir ela gozar como sempre acontecia: sozinha sem que eu a tocasse.
- Eu vou... - sua voz saía fraca em meio aos gemidos - Eric...
- Goza, minha gostosa... Deixa o meu pau bem melado, vai...
Senti o seu gozo me lambuzar, me deixando louco. Afundei minhas mãos nos seus quadris e soquei com força, querendo chegar ao ápice o que não demorou muito. Meu pau chegou bem fundo dentro dela junto com o gozo que a lambuzou por inteira.
Desabamos juntos. Sorrindo feito dois bobos, buscando por ar.
- Não queria que essa noite acabasse - falei baixinho no seu ouvido.
- Eu também não...
Comecei a trilhar um caminho de beijos, passando pelo seu pescoço até a linha da coluna onde fiquei ali por um tempo, provando da sua pele macia. Nívea respirava profundamente se sentindo saciada. Seus cabelos estavam espalhados pelo travesseiro e pude ver que eles estavam totalmente úmidos.
O quarto exalava a sexo. Na sua forma mais quente e enlouquecida em contraste com a neve que ainda caía do lado de fora.
***
Tristeza e Excitação.
Sentimentos completamente distintos mas eram os quais me norteavam. Excitação porque fui acordado da melhor maneira que eu poderia desejar, ostentando um sorriso de satisfação ao sentir aquela boquinha tão quente e úmida sugando o meu pau sem nenhuma pressa.
- Vou querer essa boca me acordando assim todo dia, ouviu bem?
Ela continuou a me chupar, fazendo uma pressão deliciosa na ponta com os lábios e suas mãos acariciavam o meu abdômen.
Sua boca me engoliu por inteiro e a língua passeava por todos os lados me deixando alucinado.
- Tá delicioso mas eu não quero gozar, ma petite... Vem, encosta aqui no meu peito.
Nívea foi tirando sua boca aos poucos sem parar de sugar em nenhum instante até segurar pela base, deixando vários beijos na ponta.
Fez o que eu pedi e a abracei apertado fazendo um cafuné nos seus cabelos deixando um beijo lento nos fios.
- Você ficou triste?
- É, um pouco...
A tristeza era por olhar lá fora vendo que a noite inesquecível que eu tive havia ido embora junto com a neve. O que me lembrava o fato de que eu teria que ficar longe dela por mais alguns dias.
- Vou ter que ir embora, ma petite...
- Eu sei... - me abraçou com força pelo pescoço - Mas não queria que você fosse.
- Eu também não...
Nos olhamos e nos tocamos em cada detalhe dos nossos rostos como se quiséssemos gravar na memória. Beijos e mais beijos apertados sendo o último mais intenso e com o sabor doce do amor misturado com o amargo da saudade.
- Sabe que horas são?
- Eu vou ver - saiu de cima de mim e foi engatinhando até o criado mudo, abrindo a gaveta de onde tirou o seu celular - São seis e meia agora.
- E os seus avós?
- Eles acordam cedo mas como estão aqui para fugirem da agitação de Lyon, se permitem acordar mais tarde, lá pelas oito.
- Que bom - ela voltou para os meus braços com o aparelho nas mãos - Vou conversar com o Felipe e ver se tem algum problema em ir embora hoje.
- Tem certeza?
- Não faz sentido eu ficar aqui por mais dois dias sem você do meu lado. Então é melhor eu voltar para o Brasil.
- Verdade, até porque tem o aniversário de mais um aluno seu para você ir!
- Me peça qualquer coisa, menos isso!
- Eric, por favor! O Frederik te convidou, poxa! Vai ser no sábado.
- De que adianta eu ir se você não vai estar lá?
- Vai ter comida e bebida de graça, que tal?
- Você quer me convencer de ir usando essas duas desculpas?
- Talvez. Vai dizer que ainda sente ciúme dele?
- Ele é um bom rapaz, eu admito. - respirei fundo - Tá legal, eu vou pensar até lá.
A pontinha do seu nariz se esfregou na minha e ficamos ali deitados e grudados nos curtindo fazendo vários nadas por mais algum tempo.
- Agora eu preciso ir mesmo, meu amor...
- Quero que você veja uma coisa antes.
- O quê?
Nívea se levantou, ficando sentada em posição borboleta no meio da cama e me posicionei atrás dela, abraçando a sua cintura, trazendo seu corpo junto do meu.
- Tá fazendo o quê? - perguntei enquanto a observava digitar a senha na tela para desbloquear o aparelho e ir até o whatsapp enquanto lhe dava vários beijos na sua bochecha.
- Vou mandar uma mensagem para a minha mãe.
- Ainda é madrugada no Brasil.
- Eu sei. Quando ela acordar terá boas notícias.
- Ah é?
- Aham.
E na lista de conversas, ela abriu uma nova com a sua mãe, digitando a seguinte mensagem.
Mãe,
Pode ir conversar com a Dona Jacqueline. Eu volto para o Brasil no fim das férias.
Beijos.
Fim
(Desta temporada hahahaha)
É isso mesmo, meus queridos? Mais uma temporada finalizada? Olha, eu custo a acreditar viu?
Me faltam palavras para dizer o quanto eu estou feliz e aliviada por chegar até aqui e uma grande parte disso eu devo à todos vocês que chegaram junto comigo!
Cada mensagem, voto, comentário, surto na dm foram fundamentais para que eu continuasse a seguir em frente com esse romance o qual eu não esperava o "sucesso".
E sinceramente eu não sei se estou preparada para a próxima temporada porque a cada capítulo futuro concluído serão lágrimas derramadas, uma vez que ela será a última.
Mas antes de começarmos a sofrer por antecipação, a história sofrerá um hiato considerável para que a temporada seguinte possa fluir de forma organizada. Darei mais detalhes sobre isso no Instagram. Caso você não tenha perfil, me envie um email que explicarei tudo. E também criarei várias formas de interação por lá através dos stories e postagens como forma de suprir a saudade.
É isso, amores. Meus mais sinceros agradecimentos do fundo meu coração e por favor, não me abandonem! Sumirei mas eu volto!
Contato:
Instagram: /aescritora_
email: a_escritora@outlook.com