NARRADOR: CRISTIAN
****
Hoje cedo uma equipe do IBDT chegou na Vila de São Jorge. Eles queriam informações sobre um dos soldados desaparecidos. A equipe era pequena. Havia um homem de cara fechada e uma moça super simpática. Eles explicaram toda a história do helicóptero. O papai ficou com um pé atrás, mas queria conhecer mais sobre a instituição.
Um dos soldados foi encontrado nos destroços do avião, o outro continuava desaparecido, o seu nome, Arthur Soares. O homem mostrou a foto e eu fiquei em choque: era o Adam. Como assim, ele se chamava Arthur. Eu não conseguia acreditar.
O papai perguntou se precisavam de ajuda, mas a equipe afirmou que apenas o Adam poderia solucionar o problema, uma vez que era o único que tinha a noção de mexer em equipamentos de transmissão.
— Coronel Afonso, podemos deixar aqui um equipamento que funciona com energia solar. Assim que o Arthur ligar a torre poderemos entrar em contato. — explicou a moça, que insistia em chamar o Adam de Arthur.
— Claro. Aceitamos sim. — papai respondeu.
— A montagem é simples, mas precisamos de mais mãos. — ela afirmou.
— E porque a missão do Adam, digo, do Arthur é tão importante? — questionei chamando a atenção dos dois membros do IBDT.
Eles explicaram que uma nova ameaça estava pondo em risco os poucos sobreviventes do vírus L. A moça contou que uma equipe foi abatida por zumbis, que não se fundiram completamente à doença. Os novos monstros eram chamados de mesclados. Cara, quem inventa esses nomes? Deus.
A ideia era ligar a torre de transmissão para que as comunidades pudessem se comunicar de maneira mais efetiva, ainda mais com novos perigos surgindo. Na real, tudo isso é loucura. Eu não conseguia acreditar que o Adam seria enviado para uma missão suicida. Aproveito que eles vão montar o equipamento de comunicação e corro para arrumar meus pertences.
Se existe um risco do meu namorado ir para a torre de transmissão eu quero ir também. Nas últimas semanas, aprendi muitas maneiras de me defender. Agora subo com facilidade em estruturas altas, ou seja, posso ajudá-lo. Estou com o coração acelerado, não tenho ideia se vão me permitir ir junto, entretanto, não vou desistir tão fácil.
De repente, escuto o portão principal da vila ser aberto. Deixo a mochila em um lugar estratégico e retorno para saber quem chegou. Era o Adam. Ele ficou transtornado ao ver a equipe do IBDT. Trêmulo, o Adam fica de joelhos no chão e começa a gritar coisas desconexas. Eu tento me aproximar, mas o papai não deixa. Todos tomam uma distância dele. O que está acontecendo.
— Beatriz? — Adam questionou com uma expressão confusa.
— Fala, Arthur. Como você veio parar aqui? — questionou Biatriz, chegando perto de Adam e tocando no seu rosto. Um movimento que me deixou enciumado.
— Eu, eu, eu...
— Arthur? — soltei, chamando a atenção do Adam.
Caralho. Adam ou Arthur? Quem é essa pessoa na minha frente. O Arthur se aproximou, mas eu não queria conversar. Então, fiz a coisa mais estúpida do mundo: corri. Segui para o celeiro e sentei no chão. As coisas estão ficando complicadas. Mais do que eu gostaria.
Eu estava confuso, principalmente, pela forma que aquela mulher tocou nele. Aquele não foi um toque qualquer. Isso é ciúme? Eu não posso estar com ciúmes. Eu deveria estar feliz. O Arthur se aproxima de mim, em silêncio, e senta ao meu lado.
— Você tem algo com aquela mulher? — questiono, sem ter coragem de olhar para ele.
— Não. Ela é uma das minhas melhores amigas. Não existe nada entre nós. Eu sou gay, Cristian. Eu sou gay. — Arthur garante, pegando na minha mão.
— Quem é Adam?
— Adam é o meu irmão. Na verdade, fomos criados juntos nas instalações do IBDT. Eu ia pegar dispensa, Cris. Eu e ele. A ideia era ir para Arcadia. O Adam queria casar, ter filhos, ou seja, formar uma família. Eu queria encontrar o amor. Por isso, decidimos ir juntos. Porém, a última missão foi um fracasso. O Adam morreu. Eu perdi a memória. — o Adam começou a chorar.
Eu nunca havia visto o Adam tão vulnerável. Ele é um homem viril e não gosta de mostrar os seus sentimentos. Eu o abraço e o beijo no rosto. Eu quero consolá-lo. A nossa relação é baseada no companheirismo.
— Como eu devo te chamar? — pergunto e faço o Arthur rir.
— Arthur. Pode me chamar de Arthur. — ele responde, limpando às lágrimas.
— Cara, eu prefiro Adam, mas consigo me acostumar com Arthur. — garanto o beijando.
Conversamos por mais um tempo, entretanto, as obrigações nos chamam. Explico o pouco que pude absorver durante o bate-papo entre o papai e a equipe do IBDT. O Arthur achou melhor voltar para saber qual o plano para trazer a comunicação de volta.
No meio da comunidade, eles instalaram um mecanismo de rádio. Haviam cinco placas direcionadas para o céu. O Arthur parecia familiarizado com aquela tecnologia. Ele, inclusive, reorganizou algumas placas para a captação de energia solar. Em seguida, o Coronel nos chamou para uma reunião. Fiquei surpreso por ser incluído no momento.
Tudo bem, que não entendi porcaria nenhuma. Eles usaram termos técnicos e inacessíveis a um zé ninguém como eu. Mas, basicamente, a ideia era para o Arthur escalar uma torre de 150 metros para restaurar os equipamentos danificados. Só que a área era protegida pela nova ordem de zumbis, que conheciam como ninguém o sistema de energia solar.
— Então, todos os nossos soldados foram derrotados? — quis saber Adam, que ficou chocado com a barbárie dos inimigos. — E o Capitão?
— Lutou bravamente. — explicou Beatriz, pegando na mão de Arthur e apertando. — Ele ficou muito triste com o acidente de vocês.
— Acidente? Ele nos obrigou a fazer aquilo. Usou a nossa liberdade contra nós. O Adam morreu, porra. — Adam gritou me deixando assustado.
— Eu entendo a sua raiva, Arthur. Eu mesma fui contra a missão. Mas, agora precisamos de ti. Você é o único que pode subir e consertar a torre. — explicou Beatriz, ainda com a mão sob a de Arthur.
— Eu vou com o Arthur. — digo, chamando a atenção de todos.
— Não. — Arthur e o Coronel Afanto falem em unisom.
— Eu vou. — bati o pé. — Eu sou o melhor arqueiro dessa vila e aprendi várias técnicas de defesa pessoal. Eu vou.
— Cristian, — Arthur se aproximou sem se importar com seus colegas. — isso é muito perigoso. Eu tenho medo do que possa acontecer contigo.
— E eu tenho medo do que possam fazer com você. — toquei no rosto dele, que aceitou o carinho e fechou os olhos. — Você foi a melhor coisa que aconteceu comigo, Arthur. Eu não vou abrir mão desse amor.
— O rapaz seria um bom apoio. Atacar a distância é primordial. — concordou a Beatriz, ganhando alguns pontos comigo.
Foram três dias de preparação. O papai ainda tentou argumentar várias vezes, porém, estava irredutível. A Beatriz nos ajudou em todos os passos. De início, fiquei nervoso, só que o Arthur estaria ao meu lado. A Lidiane preparou um kit de primeiros socorros, já a equipe da cozinha cozinhou algumas provisões que daria para duas semanas.
O carro da IBDT nos deixaria na metade do caminho. Em uma área costeira de Santa Catarina. Daí percorremos o resto do trajeto a pé. De acordo com Beatriz, a viagem até a torre de comunicação duraria três dias. Ela nos entregou um rádio para avisar sobre o sucesso do plano.
No caminho até o ponto de partida, eu dormi no ombro do Arthur. Eu não sei o que ele estava sentindo sobre a minha companhia, mas eu faria de tudo para auxiliá-lo na missão. Ele fez tanto por mim nas últimas semanas. Era uma forma de eu agradecê-lo. Foram 10 horas de viagem. Fizemos algumas paradas estratégicas para evitar hordas de zumbis, ainda mais quando um veículo chama a atenção dos mortos-vivos.
Finalmente, chegamos a uma praia. O frio estava intenso nessa região. A IBDT nos deu casacos confortáveis e quentinhos, além de alguns equipamentos militares, como por exemplo, coletes a prova de balas e coldres especiais para armas.
Havia uma casa na praia. A Beatriz nos avisou que dormiríamos ali. Ela deu as últimas coordenadas para o Arthur e nos desejou sorte. Entramos na casa e não encontramos nenhum móvel, apenas um colchão empoeirado. Deixamos as mochilas e nos organizamos para dormir. Após horas na estradas, eu só precisava descansar.
O colchão era pequeno, mas cabe nós dois. Usamos os sacos de dormir como cobertores. O vento fazia barulhos estranhos na casa, mas eu apaguei completamente. No dia seguinte, tomamos o café da manhã e seguimos o caminho indicado. A praia era enorme e caminhar sobre a areia fofa é complicado.
— Você está com raiva? — questionei ao perceber a quietude do Arthur.
— Com raiva de que?
— De eu ter vindo com você. Eu sinto que estou te incomodando. Essa não era a minha intenção. — garanti, andando ao lado do Arthur e sofrendo com o vento. — Você ficou tão quieto. Quase não conversamos.
— Desculpa, bebê. Eu queria ter vindo só. Eu sei que você evoluiu bastante, mas ainda me preocupo com você. Fora que estou tendo essas lembranças constantes. Da minha infância, juventude e anos servindo no IBDT. São muitas coisas para absorver. — ele revelou me deixando reflexivo.
— Tudo bem, amor. Eu entendo. Mas vamos lutar juntos. Eu e você.
— Eu e você. — ele me olhou e sorriu.