[...]
- Veremos lá na hora, Nanda. Veremos…
Foi um dia como qualquer outro. Eu no trabalho, filhas na escola, Nanda na casa, nós almoçando juntos, não necessariamente nessa ordem, tudo meio junto e misturado. No meio do dia, Nanda me liga e pergunta se poderia vir até o escritório para conversarmos. Claro que permiti, não havia motivo para não fazê-lo. Meia hora depois ela entrava em minha sala, naturalmente sem ser anunciada:
- Oi, “Mor”.
- Boa tarde, madame. Como pretende ferrar o seu marido hoje? - Respondi, sorrindo.
- Credo! Eu só queria te ver. Bateu saudade… - Falou e rodeou minha mesa, vindo me beijar.
- Só isso?
- Não. Não é só… - Disse e rodeou a mesa novamente, indo fechar a porta de minha sala e se sentou numa cadeira à frente da minha mesa: - Eu não tô a fim de levar essa aventura adiante.
Aquela informação me pegou de surpresa porque, até então, ela parecia bastante decidida e interessada naquele encontro, mas até que me deixou aliviado, porque eu não estava me sentindo bem com a possibilidade de, enfim, ter um concorrente a minha altura, aliás, até aparentemente superior. Preferi deixá-la falar:
- Eu sei que você não está confortável com o encontro e tô cansada da gente se desentender por conta dessas aventuras. Eu até queria te pedir para gente dar um tempo nesse meio. Só até a gente colocar a cabeça no lugar, sei lá…
Agora eu fiquei realmente surpreso. Pensei que estivéssemos de acordo em continuar, apenas redobrando os cuidados para evitar os riscos inerentes ao envolvimento com terceiros. Não aguentei e decidi assuntar:
- Se você quiser dar um tempo, a gente dá. Sem problemas. Só não entendi o porquê disso agora. Não é só por minha causa que você tomou essa decisão, não é? Tem alguma coisa mais que você não está querendo me contar.
- Olha, depois que vi que você ficou chateado e principalmente quando eu comentei que o Marcos parecia um “outro você”, fiquei pensando o porquê de sua reação. - Ela estava estranhamente séria, mas era honesta nas palavras: - Eu não quero colocar nosso casamento em risco. Talvez você tenha sentido alguma coisa que eu não consegui sentir ainda e aquele frio na barriga, aquele arrepio, aquele tesão, começou a dar lugar a um medo.
- Medo?
- É. Medo de ter perder. Sei lá… Medo da gente se perder um do outro. - Seus olhos marejaram: - Eu não quero isso.
- Poxa, Nanda. Eu nem sei o que falar…
- Eu também não sei de nada. Se você quiser me falar alguma coisa, qualquer coisa que possa me ajudar a entender o que está se passando, eu vou te agradecer, mas agora, por enquanto, eu não queria sair para jantar.
- Não. Eu discordo. - Falei, encarando-a com a cara mais séria possível: - Nós vamos sair para jantar, sim.
- Mas você não parecia querer que eu me envolvesse com o Marcos e agora eu é que não sei se quero. - Falou, sem entender minha reação.
- Não precisamos sair com ele, sua boba. Vamos jantar só nós dois. Hoje é dia de deixar as meninas nos meus pais mesmo. - Falei, agora sorrindo.
Ela me encarou e agora já esboçava um tímido sorriso. Assim que ela se recobrou, passamos a conversar amenidades e, quando demos por nós, já era hora de buscar as meninas no colégio. Assim fizemos. Em casa elas arrumaram sua “mudança” e rumamos para deixá-las na casa de meus pais. A novidade é que não voltamos sós: junto de nós quatro dúvidas de ovos chacoalhavam numa vasilha, fruto de umas galinhas compradas por meus pais e cuja produção não estavam dando conta de consumir:
- Caramba, teus pais, viu! - Ela falou, tentando equilibrá-los em seu colo.
- Vai reclamar de um presentão desse? Você já viu o preço da dúzia no supermercado? - Falei, rindo: - Benza Deus a farta produção dessas galináceas.
- Nossa! Que homem mais mão de vaca fui arrumar. - Falou e riu gostoso.
Chegamos em casa e ela foi para o banho, afinal mulheres demoram um pouco mais para se arrumar. Já havia passado meia hora aproximadamente e também fui para a suíte, tomar um banho e me arrumar enquanto ela se aprontava. Ela cantarolava feliz no banheiro enquanto secava seus cabelos:
- Vai demorar? - Perguntei.
- / Usa o das visitaaasss / - Cantarolou incrivelmente desafinada para mim.
Ri e aceitei a sugestão, mas não sem antes dar-lhe um cheirada no pescoço, afinal adoro seu cheiro e ali, de banho tomado e enrolada numa toalha, a tentação foi forte demais:
- Sai, Mark! Só depois. Vai se arrumar, “Mor”. Vai, vai. - Falou, sorrindo, mas não conseguindo esconder o arrepio que lhe percorreu o corpo todo.
- Beijo primeiro, saio depois. - Impus, autoritário.
Ela sorriu, deixou sua toalha cair, simulando uma surpresa, “Ops!!”, e eu a agarrei num beijo forte. Nem sei quanto tempo ficamos ali, mas se ela não tivesse despertado e me colocado para fora do banheiro, juro que a teria abatido ali mesmo, no chão frio, inclusive:
- Nanda!? - Falei, colocando a cabeça para dentro do banheiro novamente.
- Sai daqui, Mark. Sai. - Ela falou com um sorriso mais que malicioso no rosto: - Não encosta em mim.
- Só quero pegar minha toalha. - Falei e claro, na saída, ao passar por trás dela, corri meu indicador esquerdo por sua coluna, iniciando na altura do cóccix até o meio de suas costas, fazendo-a arrebitar instintivamente sua bunda para mim e perguntei: - Quer mesmo que eu saia?
- Mark, sai! - Falou autoritária para terminar quase implorando: - Por favor…
Saí rindo do banheiro, porque a noite prometia. Tudo ia bem. Nossa conexão estava em altíssima velocidade e tudo indicava que seria uma daquelas noitadas memoráveis. Entrei no chuveiro e tomava meu banho tranquilamente, quando ela entrou:
- O que foi? Quer toalha também? - Falei, piscando para ela: - Ou quer tomar outra ducha?
Seu semblante não era mais animado como antes e vi que ela trazia seu celular na mão:
- Que aconteceu, Nanda? - Perguntei, desligando o chuveiro e já me preparando para alguma bomba, insistindo: - O Marcos ligou e você bambeou?
- Não, “Mor”. Ele até mandou mensagem, sim, mas não é isso. O Bernardo sofreu um acidente de carro e está no hospital agora. A Bia acabou de me ligar. - Respondeu bastante abalada.
- É tão sério assim? - Perguntei, saindo do box.
- Não sei. Ela mais chorou que falou comigo. - A preocupação era aparente em seu semblante agora.
- Calma! Deixa eu me secar e vou ligar para ela, ou para os pais dela. Sei lá… - Falei.
Assim que me sequei, saímos do banheiro e tentei ligar para a Bia. Seu telefone chamou uma, duas vezes e a ligação caiu na caixa postal. Procurei o contato dos pais da Bia, mas não tinha, nem a Nanda. Lembrei-me do telefone do Bernardo e arrisquei uma ligação, sendo atendido por um policial que não quis entrar em detalhes, mas confirmou que o acidente havia sido bastante grave e as vítimas já haviam sido socorridas. Nanda estava com olhos marejados:
- Se arruma. A gente dá um pulo no apartamento dos pais da Bia ou até mesmo no hospital. Depois a gente come alguma coisa. - Falei.
Nós vestimos e saímos em direção a cidade dos pais da Bia. No caminho me lembrei que ela havia comentado sobre o contato do Marcos e perguntei:
- Nanda, sei que não é a melhor hora, mas você disse que o Marcos também te mandou mensagem?
- Foi. E acabei me esquecendo de respondê-la. - Disse, sacando seu celular da bolsa.
Vi que ela abriu o aplicativo e teclou alguma coisa, mas como eu estava no volante, naturalmente acabei não lendo o conteúdo. Num dado momento, a escuto mandar uma mensagem de áudio:
“- Para, Marcos. Hoje, eu não tô legal mesmo. Nós seríamos padrinhos de casamento deles.” - Falou, choramingando.
Logo depois ela recebe uma mensagem de áudio:
“- Nossa, Fernanda. Mil perdões! Pensei que fosse só uma desculpa sua para me dar um fora, mas, pelo seu tom de voz, já vi que não é. Me perdoe, por favor.” - Seu tom de voz parecia sincero.
“- Tá tudo bem.” - Ela retornou.
“- Tem alguma coisa que eu possa fazer? Vocês estão precisando de alguma coisa? Ajuda? Qualquer coisa!?” - Ele insistiu.
“- Não. Obrigada. A gente ainda está indo para lá saber do estado dele. Vamos torcer e rezar para que não seja nada grave.” - E desandou a chorar.
Vendo que ela não iria conseguir falar mais nada naquele momento, eu peguei seu celular e mandei um áudio para ele:
“- Marcos, ela está chorando e realmente não vai conseguir continuar conversando agora. Qualquer coisa, a gente volta a te chamar.”
Pouco depois, uma nova mensagem de áudio chega:
“- Tudo bem, meu amigo. Desculpe a intimidade contigo, pois, apesar de não nos conhecermos ainda, já tenho o maior respeito por você. Venham com calma na rodovia e torço para que dê tudo certo com o amigo de vocês. De qualquer forma, fico à disposição de vocês. Se precisarem de qualquer coisa, me liguem.” - Sua voz transparecia sinceridade.
Devolvi o celular para a Nanda que o guardou em sua bolsa. Ela então recostou a cabeça no apoio de seu assento e continuou choramingando até quase a entrada da cidade:
- Nanda, eu sei que não é fácil, mas eles já devem estar super emotivos. Seria bom você tentar se segurar um pouco para darmos apoio a eles. - Orientei.
- Você está certo. - Respondeu, enxugando suas lágrimas e dando aquela sonora assoada de nariz para se livrar da secreção.
Eu a olhei, naturalmente enojado, mas ainda tentando achar graça naquilo e ela me rebateu com um olhar triste, pedindo desculpas.
Chegamos no apartamento dos pais da Bia e fomos informados pelo porteiro que eles não estavam. Então nos apresentei como amigos da família e futuros padrinho e madrinha de casamento dela e do Bernardo. Ele reconheceu Nanda na hora e nos disse que eles estavam todos no hospital da cidade, para onde rumamos após pegar o endereço. Lá nos encontramos com uma Bia que nunca imaginaríamos conhecer: toda descabelada, chorosa, abatida, como dizia o ditado “estava só o pó da rabiola”.
Fomos até eles e lhes demos abraços de apoio, sendo agradecidos por termos nos deslocado de nossa cidade até ali. Nanda se fazia de forte e desempenhava bem o papel, mas quando foi até sua amiga e se abraçaram, as duas se desmancharam em lágrimas. Deixei-as chorando e me dirigi ao pai da Bia:
- Tem alguma notícia do Bernardo?
- Os médicos estão lá dentro com ele até agora, parece que estão tentando estabilizá-lo ou coisa do tipo, mas até agora ninguém veio conversar com a gente. - Respondeu, bastante abatido.
Fui até o balcão de atendimento e não quiseram me dar informações “por não ser da família”. Mostrei a família em prantos para a atendente, mas ela me ignorou. Como bom advogado, pedi o nome completo da atendente e fingi tirar uma foto dela:
- Para que isso, moço? - Me perguntou.
- Para eu não cometer um erro quando protocolar um pedido de sindicância administrativa contra você e também para qualificá-la melhor no processo de indenização que moverei contra o hospital. - Blefei.
- Moço, só estou seguindo ordens. - Ela insistiu.
- E eu só estou seguindo a lei. - Aumentei meu cacife no blefe.
Voltei para junto da família e instantes depois um senhor alto, aparentando entre sessenta e setenta anos, me pediu para acompanhá-lo até um canto da sala. Se apresentou como sendo o diretor do hospital, cujo nome não me lembro, e disse que a funcionária só estava seguindo ordens:
- Olhe o estado da família. - Indiquei o local onde estavam e continuei: - A menos que o senhor dê alguma informação, logo terá que internar pelo menos mais uns três por estafa ou infarte.
Ele os olhou por um momento, mordeu os lábios e me pediu que aguardasse ali por um instante. Entrou para dentro das dependências do hospital e cerca de cinco minutos depois retornou:
- Tenho notícias boas e más. - Falou para mim, longe dos demais.
- Fala, doutor, a boa primeiro. - Pedi.
- Ele está estabilizado. Ainda inconsciente, mas estabilizado.
- Mas essa é uma ótima notícia. - Falei alegre, mas um olhar bastante crítico dele me fez calar.
- Ele precisa ser transferido para um hospital de maior porte o quanto antes. Terá que ser submetido a uma cirurgia que não temos como realizar aqui. Já entramos em contato com o plano de saúde dele para solicitar uma UTI móvel ou apoio aéreo, mas isso pode levar algum tempo e tempo é tudo o que ele não tem.
- Quanto tempo o plano costuma levar para responder?
Ele me encarou preocupado e pelo semblante o tempo do plano não era o mesmo que o Bernardo dispunha. Me dirigi até a família e dei as notícias, boa no início e má no final. Apesar de tudo, receberam bem as duas, o que me aliviou. Nessa hora o pai do Bernardo chegava e também foi inteirado das notícias. Saiu quase que no mesmo instante, com o pai da Bia, para tentarem uma transferência aérea:
- Que cirurgia será que é essa que ele não pode fazer aqui? - Me perguntou Nanda.
- Não sei. O doutor “esqueci o nome” não me falou. Só disse que aqui eles não conseguem fazer. - Respondi.
Nanda foi até o banheiro e na volta disse que traria um café para tomarmos, porque a noite prometia ser longa e no pior sentido possível da palavra. Voltou em menos de cinco minutos:
- “Mor”... - Me olhou quase que desesperada: - Eu não sei se você vai gostar, mas eu posso ter tido uma ideia.
- Que foi, Nanda? - Perguntei sem entender o porquê de seu semblante, afinal, se a ideia fosse boa, poderia ajudar o Bernardo.
- Será que o Marcos, sendo juiz, não pode ajudar de alguma forma?
Por mais que eu não quisesse assumir, a ideia dela poderia ser boa mesmo. Afinal juízes costumam manter contato com autoridades que poderiam viabilizar contatos em rede para solucionar o problema. Mas era só uma possibilidade, não uma certeza:
- Não sei, Nanda, mas não custa tentar. - Falei.
Ela saiu para fora da sala de espera e voltou em alguns minutos, me chamando para explicar a situação, porque ela não estava conseguindo se expressar direito. Contei para ele tudo o que sabíamos e ele nos pediu uns minutos para fazer umas ligações, mas sem prometer nada, afinal não dependia só dele. Quinze minutos depois o diretor do hospital veio até nós e nos informou que o Comando do Corpo de Bombeiros havia entrado em contato para perguntar o tamanho e se o estacionamento do hospital estava liberado para pouso de um helicóptero. Todos se assombraram com a novidade, mas ficaram radiantes, querendo entender como a empresa do plano de saúde havia aprovada a transferência tão rápida assim:
- Não foi o plano de saúde. Eles nem retornaram nossas ligações ainda. O mérito é do doutor Mark e sua esposa. - Disse o diretor do hospital.
Ficamos surpresos, mas sabíamos quem merecia os méritos por ter conseguido realizar aquele verdadeiro “milagre”. Foram aprontar Bernardo para a transferência e, trinta minutos depois, um helicóptero pousava no estacionamento do hospital que, em cidade interiorana de Minas Gerais, virou um acontecimento público. Enquanto acomodavam o Bernardo, um dos tripulantes veio até nós perguntando por mim:
- Quem é o doutor Mark?
- Sou eu. - Respondi, estranhando ter me chamado.
- Já estamos quase prontos. O senhor já está de posse dos documentos da transferência? - Insistiu.
- Eu!? Mas porque eu? - Perguntei.
- De acordo com nosso contato, o senhor foi indicado como o acompanhante e responsável pela transferência do paciente.
Olhei para Nanda sem nada entender, afinal eu não havia me oferecido para acompanhá-lo e achava que nem poderia ser responsável por não ser da família. Ela também me encarou sem nada entender:
- Se algum outro parente quiser ir em seu lugar, não haverá problema, desde que seja parente próximo. - Ele agora orientou.
Infelizmente os pais do Bernardo haviam saído justamente para tratar da transferência e não haviam mais conseguido falar com eles. A mãe de Bia e ela própria não pareciam estar em condições, então acabei sendo a única opção viável naquele momento:
- Terei que ir com eles, Nanda. - Falei, me conformando: - Pegue o carro e fique na casa da Bia hoje. Amanhã te ligo e decidimos o que fazer.
Nesse momento, voltei para dentro do hospital para finalizar alguns procedimentos da transferência e Nanda saiu de perto de mim para logo em seguida voltar acompanhada por um cara alto, forte, simpático, parecendo ator de televisão:
- “Mor”, esse aqui é o Marcos. - Nanda o trouxe pela mão e me apresentou, trocando sua mão pela minha enquanto completava: - Marcos, esse é o Mark, meu marido.
- Tudo bem contigo, Mark? - Perguntou.
- Vou bem, obrigado. E você? - Completei.
- Vou bem também.
- Marcos, acredito que a transferência tenha um ou dois dedos seus. Estou certo? - Perguntei.
- Eu fiz algumas ligações para uns conhecidos e acho que, no final, acabou dando tudo certo, não é? - Falou.
- Sim. Por acaso, você me indicou como responsável pela transferência? - Insisti.
- Espero não ter te causado nenhum constrangimento com isso, mas eu não sabia o nome de mais ninguém além do seu e da Fernanda. Então, achei mais lógico indicar o seu. Mas sei que um familiar próximo pode ocupar seu lugar, se for o caso. - Respondeu me encarando.
Fui chamado pela mãe da Bia no balcão para ajudá-la a preencher algum documento qualquer que agora não me lembro qual e deixei Nanda conversando com o Marcos. Resolvi os últimos detalhes da transferência e, antes de subir no helicóptero, me despedi da Nanda:
- Fica esperta com esse Marcos. - Disse e lhe dei meu último beijo.
[...]
“Ficar esperta com o Marcos? Porque ele me diria isso?”, pensei, enquanto via o helicóptero decolar rumo à capital. Bia estava a meu lado e me pediu licença para ir até sua mãe ver se ainda faltava alguma coisa para resolverem ali no hospital. Nisso, Marcos chegou de meu lado:
- Você está bem, Fernanda? - Perguntou.
- Difícil estar bem nesse momento, Marcos, mas pelo menos o Bernardo está estável e indo para um hospital com melhores condições de ajudá-lo. - Disse e então o encarei, com a voz embargada e olhos marejados: - Queria muito agradecer sua ajuda pela transferência. Se não fosse você, não sei se teríamos conseguido…
Ele então me envolveu com seus braços, mas não achei aquele contato apropriado, e o Mark nem precisaria ter me pedido para ficar “alerta”. Coloquei minhas mãos em seu peito e o empurrei gentilmente, dando a entender que não queria o abraço e ele me soltou:
- Desculpe. Só quis te apoiar. - Ele falou.
- Está tudo bem. Só não quero que as pessoas comecem a comentar sobre algo que não existe.
- Mas eu adoraria se pudesse existir… - Ele falou com uma voz suavemente sedutora.
- Marcos, não! Nem tenta. Meu marido não está aqui e hoje não há a menor possibilidade de rolar nada. Por favor… - Pedi.
- Tudo bem, Fernanda. Desculpa. Fica tranquila.
Nesse momento, os pais da Bia e do Bernardo chegaram ao hospital e fui até eles para atualizá-los da transferência. Ficaram muito felizes com a notícia e o pai do Bernardo até grato pelo Mark ter tomado a frente e acompanhado o filho no voo. Marcos se aproximou nesse momento e eu o apresentei a todos, dizendo que ele era um amigo e o verdadeiro responsável pelo helicóptero. Todos o agradeceram:
- Por favor, gente. O mérito é todo da Fernanda e do Mark. Eu só fico feliz em ter conseguido ajudá-los e, por consequência, aos seus amigos. - Falou.
- Vou até a casa do Bernardo fazer uma mala de roupas e saio logo em seguida rumo à capital. - Falou, agora esperançoso, o pai de Bernardo.
- Não acho uma boa ideia. - Disse Marcos: - Está muito tarde, o senhor ainda está nervoso e certamente cansado. O aconselho a descansar e sair amanhã de manhã. Seu filho está bem acompanhado no hospital. Não acho que o risco se justifique.
Todos lhe deram razão e então se despediram, cada um tomando um rumo: o pai de Bernardo até a casa dele, a Bia e seus pais para a casa deles. Antes de sair, Bia se lembrou de mim e voltou:
- Nanda, você não está pensando em pegar a rodovia agora, está? Você vai ficar em casa, não vai?
- Se não tiver problema para você, Bia… - Respondi.
- Claro que não, menina. Vou com você, então. Só vou avisar meus pais. - Disse e voltou até eles.
Marcos me encarou então e perguntou:
- Vocês já comeram alguma coisa?
- Sabe que nem tive tempo de ficar com fome. - Respondi: - Acho que ela também não.
- Então, faço questão de levá-las para comerem alguma coisa. - Propôs: - Eu as acompanho até a casa dela, você deixa seu carro lá e depois saímos os três.
- Agradeço, Marcos, mas hoje não. Acho melhor irmos direto para a casa dos pais da Bia. Lá faremos um lanchinho. - Falei sem ânimo algum.
- Ah, vamos lá, Fernanda, só um lanche sem qualquer terceiras intenções. - Insistiu, colocando sua mão em minha cintura.
Bem nessa hora, Bia voltava e ouviu a proposta dele. Então, se pôs de meu lado, segurando meu braço e me olhou como que cobrando uma posição. Acho que ela compreendeu que eu não estava confortável com o convite:
- Gente, peguei a conversa pela metade, mas meus pais disseram que vamos lanchar em casa, Nanda. Então, se você quiser nos acompanhar, Marcos, será bem vindo. - Falou.
- Bia, não é? - Perguntou Marcos, recebendo uma confirmação dela: - Eu não quero incomodar vocês. Sei que o momento é delicado e não sei se seria apropriado. O que você acha, Fernanda?
- Marcos, sou convidada dela, nem tenho direito de dar uma opinião dessas. - Falei, constrangida: - Mas se ela te convidou é porque deve estar tudo bem. Eu acho…
- Bom, se não tiver problema algum, então. Eu acho que aceito. - Falou e completou: - Acompanharei o carro de vocês.
Fomos então até o meu carro, um sedan médio nacional, nem tão simples assim. Mas quando vimos o carro em que o Marcos chegou, um Kia Optima preto que brilhava como um espelho, meu carro ficou bastante tímido e muito simples:
- Carrão, hein, Nanda? - Falou Bia, impressionada.
- É. - Respondi.
- Ele está dando em cima de você, não está? - Insistiu.
- O que você acha, Bia!? Ele chegou a me convidar para jantar hoje. Antes de sabermos do acidente, é claro. - Falei.
- Poxa! Estragamos seus planos. - Ela lamentou.
- Nada a ver, Bia. Eu já havia recusado. O Mark não ficou à vontade com ele. Acho que ele ficou meio assustado… - Falei e reclamei em seguida: - Você bem que podia ter evitado de convidá-lo, poxa!? O Mark não tá aqui…
- Quer que eu desconvide ele? - Perguntou.
- Desconvidar o cara que conseguiu a transferência do Bernardo, Bia? Melhor não, né… Vai ficar chato demais! - Falei.
- Então, vamos fazer o seguinte: vou grudar em você enquanto ele estiver em casa, nem mijar você vai conseguir sem eu estar junto. Assim, fica melhor? - Ela me perguntou, aparentemente entendendo o meu lado.
- Eu ia te pedir isso e outra coisa mais: como seu pai será o único homem na casa, pede para ele dar atenção direto para o Marcos. Assim, ele não terá espaço para nada. - Pedi.
- Pode deixar.
Chegamos na casa dos pais da Bia em aproximadamente dez minutos e ele logo em seguida. Subimos os três juntos no elevador. Bia estava grudada em meu braço e ele de frente para nós, nos encarando. Um constrangedor silêncio dominava o ambiente. Chegamos no apartamento e Bia anunciou o convidado que foi muito bem recebido por seus pais. Bia cumpriu o combinado e não me largou, a não ser num momento em que foi conversar alguma coisa com seus pais e depois numa ligação com seu futuro sogro, mas neste momento seu pai já fazia companhia ao Marcos e sua mãe veio ficar comigo:
- A Bia me falou que você está meio constrangida por seu marido não estar aqui, querida. Não fique. Estou aqui com você para o que precisar. - Falou para mim.
Marcos até que tentou ficar mais próximo de mim, mas quando conseguia se aproximar, ou eu, ou ele estávamos acompanhado de alguém. Não sei depois de quanto tempo, recebi uma vídeo chamada do Mark que avisei a todos e atendi:
- Mark, como o Bê está? - Perguntou Bia, se colocando na chamada comigo.
- Oi, Bia, Nanda. - Começou a falar: - Já estamos aqui no hospital há algum tempo e o Bernardo já foi encaminhado para um grupo de avaliação. Estão só confirmando alguns exames para fazerem a cirurgia dele, mas ele está bem. Inclusive, ficou consciente e chegamos a conversar um pouco. Está com dor, mas está bem.
Todos ficaram felizes com as informações e começaram a comemorar as boas notícias. Após se acalmarem um pouco, começaram a pedir maiores informações sobre a cirurgia, as acomodações, etc. e o Mark pediu que eu virasse o celular para poder responder as perguntas. Quando fiz isso, tenho certeza de que ele viu o Marcos na mesa, mas foi extremamente cordial, atencioso e respondeu a todas as perguntas. Então, o pai da Bia disse que eu também deveria estar querendo falar com ele, o que agradeci:
- “Mor”, o pai do Bernardo vai para aí amanhã de manhã. - Falei, enquanto me levantava para conversar com ele a sós na varanda do apartamento.
- Isso é bom. Acho que um parente seria melhor como responsável aqui… - Me respondeu aparentemente desapontado.
- Mark… Não fui eu que o convidei. Eu juro. - Já me adiantei: - A Bia fez isso no hospital porque ele havia nos convidado para tomar um lanche os três, mas ela viu que eu não estava confortável e aqui na casa dos pais dela, ele não teria espaço para tentar nada.
- Tá bom. - Respondeu: - Eu vou desligar agora. Depois a gente se fala.
- Mark!... Não faz assim! - Pedi.
- O que você quer que eu faça, Nanda? Tá na cara que ele está te cercando e eu não estou por perto… - Falou e, se calou por um instante, para continuar: - Desculpa. Eu devo estar cansado da viagem. Você sabe que não gosto de voar e, de helicóptero, eu odiei!
- Só isso mesmo? - Perguntei, sabendo que não era tudo.
- Ah, Nanda, você sabe que não é só isso! - Falou, chateado: - Mas eu tenho que confiar em você. Só tome cuidado aí, por favor. Eu te amo, se lembre disso.
- Eu também te amo muito. Não se preocupa. - Falei e já emendei: - E como eu faço? Te espero aqui ou vou pra casa amanhã?
- Deixa o pai do Bernardo chegar que aí eu te ligo e aviso.
- Tá bom, então. Vê descansa um pouco e não se preocupa. Juro que não vou fazer nada para te decepcionar. Eu te amo muito, muito, muito, amor, meu “Mor”! - Falei, mandando-lhe um beijo.
- Também te amo. Beijão.
Desliguei e voltei à mesa, onde apenas o Marcos estava no momento, mexendo no celular. Ao me ver pediu que ficasse com ele. Perguntei dos outros: ele me disse que Bia e sua mãe estavam na cozinha e o pai havia ido até o banheiro. Me sentei de frente para ele e ele se mudou para uma cadeira ao meu lado:
- Você está fugindo de mim, Fernanda? - Me perguntou.
- Por favor, Marcos. Estamos na casa dos pais da minha amiga e estou sem meu marido. Não quero que pensem mal de mim ou de você. - Pedi.
- Não foi isso que eu te perguntei. Se quiser que eu vá embora, eu vou. É só falar. - Insistiu.
- Marcos… - Falei, olhei ao nosso redor, e tentando não ser grosseira, mas honesta, disse: - Apesar de eu ser liberal, só mantenho contato na presença, com o conhecimento ou concordância do meu marido.
- Nossa! Nanda…
- Entenda uma coisa de uma vez por todas: quer ser meu amigo, me conquiste; quer ser meu amante, conquiste o meu marido. Como isso não é possível atualmente, não daremos mais nenhum passo, ok!? - Falei, seriamente, encarando-o nos olhos.
Nisso o pai da Bia voltou para a mesa e lhes pedi licença para ir até a cozinha. Lá chegando, Bia já notou meu semblante:
- Desculpa, Nanda. Ele não fez nada, fez? - Perguntou e sua mãe já nos encarou com uma expressão bastante séria.
- Não, gente. Não aconteceu nada. Tá tudo bem. - Respondi e me coloquei a ajudá-las com as louças e talheres.
Pouco depois o Marcos veio até a cozinha acompanhado do pai da Bia e disse que precisava ir embora. O acompanhamos até a porta e nos despedimos dele. Ele ainda fez questão de, quando se despedia de mim ao me beijar a face, se aproximar de meu ouvido e dizer que estava a minha disposição, quando e como eu precisasse. O pai da Bia acompanhou o Marcos até a portaria enquanto ficamos no apartamento. O clima ficou estranho e eu não sabia onde colocar a cara, mas sabia que aquilo não terminaria ali.