YURI
Tudo bem. Começamos com o pé esquerdo em Manaus. O acidente no aeroporto não definiria o início da nova etapa das nossas vidas. Como resolver um problema desse calibre? Comida. A comida sempre me confortou, então, faria uso dela para unir a família do Zedu. Liguei para a Teodora e marquei um jantar, mas convidei apenas ela e o Fred.
— Passos de bebê. — pensei comigo.
— Irmão! — gritou Giovanna, aparecendo do nada no meu quarto. — Eu soube que vai fazer um jantar? Eu posso trazer o Sérgio?
— O teu namorado bombado? Acho que sim. Falando nisso, como estão as coisas?
— Estamos bem. Só estou no aguardo do anel. O Sérgio é muito lento, tadinho. Até o Santino vai casar e eu vou ficar para a titia. — contou Giovanna sentando ao meu lado na cama.
— Caramba, todo mundo está crescendo, né? Eu fiquei tão triste que não pude acompanhar o noivado do Santino, mas o Kleber arrasou.
O Kleber e o Santino são dois jovens, que conhecemos através da Giovanna. Assim como eu, o Santino é gordo e passou por muitas coisas ruins para se aceitar. No ano passado, rolou um pedido de casamento na praia, inclusive, virou notícia em alguns sites de Manaus. Por causa do Zedu, a minha participação foi online. Na foto oficial, eu estou parecendo o Zordon de Power Ranger.
— Falando no Santino, fiquei de tomar um café para contar as novidades. — lembrei, ligando o celular. — Siri, lembra de ligar para o Santino às 14h.
— E o senhor barraqueiro? Menino, sorte que o Richard gravou a confusão. — disse Giovanna, me fazendo lembrar da confusão da última noite.
— Siri, lembrar de jogar o celular do Richard na piscina. — brinquei. — Ah, mana, o Zedu finge que está bem, eu finjo que acredito. É complicado. Ainda mais agora com esse emprego novo.
— Sabe, Yuri. Eu amo o Zedu, amo mesmo. Porém, você não pode viver a sua vida em função dele. — a Giovanna usou um tom que me assustou. Ela foi séria e quase nunca me tratou assim.
— Eu sei. Só que, — mostrando o anel para a Giovanna. — eu fiz um compromisso com o Zedu, Giovanna. As coisas não são tão fáceis assim. Talvez, morando em Manaus, as coisas mudem.
— Quer saber, esse final de semana vamos beber. Por minha conta, afinal, você é o desempregado da família.
— Fuleira. — rebati.
— Eu sei. Eu pago para você, maninho. Estou muito generosa esses dias.
— Eu te odeio! — pulei em cima da Giovanna e comecei a fazer cócegas.
— Para, Yuri! Para! — implorou Giovanna tendo um acesso de riso.
Eu amo esses momentos. Amo estar com meus irmãos. A gente sofreu muito com a morte dos nossos pais, mas, aos poucos, fomos colocando as coisas nos eixos. Eu sou muito grato por ter nascido nessa família.
ZEDU
Eu odeio o meu irmão. Desde o início, o JL me tratava de maneira diferente. As coisas pioraram quando ele soube que eu era gay. O desgraçado até tentou me separar do Yuri. Quando os seus planos de merda não deram certo, ele partiu para o plano mirabolante de nos matar.
MANAUS - ALGUNS ANOS ATRÁS
Eu tive uma ótima tarde com o Yuri. Nós assistimos a um filme, na verdade, ele assistiu, pois eu dormi em todas as cenas. Já estava ficando tarde, então decidi ir para casa. O Yuri me deixou no portão e prometemos nos ver no dia seguinte. Caminhei pela rua pensando em como era sortudo de encontrar alguém que me fizesse tão feliz.
A casa do Yuri não é tão distante da minha, por esse motivo, a reflexão não foi profunda. Antes de abrir o portão encontrei o JL. Ele estava alterado, parecia fora de si. Ele pegou pelo meu braço e me ordenou a entrar no carro. Eu otário obedeci. Foi quando percebi que a mamãe e o Fred estavam no interior do veículo.
— Que merda tú fez? — perguntei, tentando me afastar.
— Vou unir a família que você despedaçou. — JL me imobilizou e colocou um pano no meu rosto.
Aos poucos perdi os sentidos. O JL me segurou e me colocou dentro do carro. Eu consegui ouvir a voz do Yuri. Comecei a chorar, porque não queria que ele se machucasse. Infelizmente, eu apaguei.
Esse foi o início de um pesadelo. O pesadelo que eu vivo nos últimos anos. Tenho medo de perder todos aqueles que eu amo. Perdi minha avó e meu pai. Eu não quero mais perder ninguém, principalmente, para o JL.
MANAUS - DIAS ATUAIS
Estava tão obcecado pelo JL, que nem prestei atenção no motorista. Ele chamou várias vezes o meu nome. Sai do carro de maneira desengonçada, quase caí. O primeiro rosto que vejo é de Camille. Ela está usando um vestido florido amarelo, algo que realça a sua pele preta. Os cabelos estão amarrados em uma trança. Sim, ela parece uma mulher manauara usando todos os recursos para fugir do calor.
A agência dava os primeiros passos em Manaus com chave de ouro. Fizemos um evento para a imprensa manauara e tudo ocorreu bem. Graças ao esforço dos novos funcionários. O seu Hernando participou do evento interno de inauguração. Ele aprovou cada detalhe da estrutura.
— Pena que não vou poder participar do evento de inauguração oficial. Mas, Zedu, você está de parabéns. O evento para a imprensa foi formidável. A empresa tem muito futuro nas suas mãos. — afirmou seu Hernando com um lenço na mão para limpar o suor do rosto.
— Obrigado. Estou muito feliz com tudo isso. Sério. O senhor não vai se arrepender. — disse, aliviado pelo sucesso do evento.
Planilhas, reuniões e milhares de ligações. A vida de um líder não é fácil. A Camille também está enrolada com os novos processos do seu setor. O que me aliviava a tensão eram as mensagens de encorajamento do Yuri. Ele descobriu um aplicativo para fazer figurinhas. O meu noivo é um verdadeiro artista.
Eu não aguento mais assinar documentos. Foram 150 para ser mais exato. Preciso assinar até a nota do bebedouro. Esse é um dos ônus de ser um líder, né? Acho que posso sobreviver. Recebi uma mensagem da minha mãe. Ela quer conversar. Senhor, por favor, espero que não seja sobre o JL. A mamãe é muito sentimental, uma versão feminina do Yuri. Na vida, eu sou mais parecido com a Olivia, uma pessoa direta e racional.
***
Tereza <3:
Filho, precisamos conversar, por favor.
Zedu Filho:
Se for sobre o que aconteceu no aeroporto, eu prefiro passar. Mamãe, entenda, estou em um momento importante da minha carreira. Estou gerindo uma empresa. Eu preciso ficar em paz.
Tereza <3:
Tudo bem, filho. Te vejo à noite no jantar.
Zedu Filho:
Tudo bem.
***
Que belo filho, Dona Tereza. Acho que nenhuma perspectiva da minha vida agrada a senhora. Primeiro, sou gay. Agora, arrumei confusão com o meu irmão. Bem, antes, o idiota tentou nos matar e quase conseguiu. Desculpa, mãe, se eu não tenho o seu coração e a bondade do Fred. As coisas não funcionam assim comigo. É uma perda de tempo.
Passei quase 20 horas trabalhando. Deixei algumas funções para as coordenadoras e fui para casa. Ainda não havia comprado um carro. Convidei o Brutus para ir comigo, mas ele tinha algumas aulas pendentes. Então, combinamos de ir na sexta-feira.
Se tem uma coisa que eu odeio é o trânsito de Manaus. Em Canela, levava 10 minutos para chegar em casa, em um dia ruim, nos dias bons, quatro minutos. O carro servia mais para viagens. Adorava conhecer novos lugares com o Yuri. Conhecemos todo o Sul do Brasil.
Em nossas andanças, já percorremos quase o Brasil todo. A primeira viagem internacional que fizemos foi para a Europa. Criamos um grupo para comemorar a formatura da Giovanna, que época boa. Comemos, bebemos e nos divertimos. Inclusive, nesta viagem que eu e o Yuri participamos de um ménage à trois (sexo à três). Os italianos são os melhores.
YURI
Amo os italianos. Cara, eles criaram uma gastronomia incrível. Para o jantar, preparei uma lasanha, a preferida da mãe do Zedu. Ela sempre cozinhava essa receita quando almoçávamos lá. Indiretamente, deve agradar o paladar do Zedu e Fred. Faz tempo que não nos reunimos assim.
A cozinha de casa estava uma loucura. A Giovanna encasquetou em colocar queijo de búfala em uma parte da lasanha. Para completar a bagunça, o meu priminho, o Carlos Júnior, estava correndo para todos os lados. Esse moleque está crescendo muito rápido e se tornando uma espécie de Richard. Espero que não se apaixone por cobras. O pai dele vai morrer.
O Zedu chegou atrasado. Ele teve um encontro estranho com a mãe e o irmão. Eu respirei fundo, porque sabia que teria uma longa noite pela frente. Jantamos todos juntos, até mesmo o Ned, namorado do Richard. Eles teriam um trabalho de biologia, mas sabia qual seria a vertente da biologia que os dois estudariam naquela noite.
Começamos a nos organizar para a inauguração da Agência. Seria um evento para os familiares dos funcionários. A Giovanna bem que tentou, mas o Zedu já havia contratado uma equipe para organizar o evento. Teria até uma missa para abençoar os trabalhadores.
A Tereza e o Fred estavam diferentes. Mais felizes. Antes, eles pareciam carregar uma culpa, mas agora havia uma aura diferente neles. Inclusive, o Fred contou que estava pensando em fazer um intercâmbio.
— Cara, eu tenho vários para te indicar. — disse Zedu, animado pela primeira vez. — São para pessoas com uma certa idade. — imitando a voz de um velho.
— O tempo está correndo para você também, maninho. — respondeu Fred rindo.
— E existe intercâmbio para velhos? — questionou Carlos para o desespero da tia Olívia. — Eu sempre quis fazer intercâmbio.
— Aí, Carlos. Já pensou, você está fazendo o High School em uma escola no Texas? Vai ser tudo!! — ironizou Giovanna, que fez toda a mesa rir.
— Acho que eu ia ser popular entre os estudantes. Fui um aluno muito descolado. — Carlos respondeu dando um sorriso para a minha irmã.
— Inclusive, Carlos. Queria te agradecer por ter ajudado o...
— Aaah, esqueci que temos sobremesa. — intervi, porque sabia o que a Teresa ia falar.
— Pera aí. — falou Zedu se levantando. — O Carlos ajudou o JL?
Puta merda! Eu esqueci de falar com a Teresa que o Zedu não sabia sobre esse detalhe. Olhei para a tia Olívia em pânico. O coitado do Fred murchou na cadeira. O Zedu ficou esperando uma resposta, então, voltou a atenção para mim.
— Xi, deu ruim. — sussurrou a Giovanna para o Richard. — Gente, acho que vou levar o Júnior para o quarto. Vem Richard e Ned. — levantando e pegando o Júnior no colo.
— Vem, amor. — Ned levantou e pegou no ombro do Richard.
— Eu tô de boa. — garantiu Richard, querendo ver o circo pegar fogo.
— Vem! — Giovanna meio que deu um grito calado e puxou Richard pela orelha.
O clima estava tenso. Eu sabia a verdade. A Teresa pediu auxílio do Carlos para ajudar em alguns trâmites do presídio, porém, eu não fazia ideia de que o JL conseguiria a liberdade.
— Amor, eu sabia. Escuta, você está com a cabeça quente e...
— Eu estou com a cabeça quente, Yuri? Eu. — andando de um lado para o outro. — Agora, o JL conseguiu um fã-clube é isso? Vamos subir uma hashtag no Twitter. #freeJL. — fazendo uma hashtag com os dedos. — Vocês são demais. — saindo da sala de jantar.
Eu demorei a reagir. Levei quase um minuto. Lamentei o ocorrido com todos. Pedi para a titia cuidar da Teresa, enquanto eu subia para verificar o Zedu. Ele havia trocado de roupa e se preparava para dormir.
— Zedu, eu...
— Dentre todas as pessoas, Yuri. — se cobrindo. — Você não tem ideia de como é difícil agir dessa maneira.
— Realmente, eu não sei, Zedu. Puxa, faz tempo que você não vê a sua mãe. Ela foi embora tão triste. — me esforcei para não aumentar o tom de voz. — Para ela, a situação é tão difícil quanto para você. Ela é a mãe.
— Estou com sono, Yuri. Eu só quero dormir. A minha cabeça está uma pilha. — Zedu se cobriu da cabeça aos pés.
— Ok. Eu vou organizar as coisas lá embaixo. Boa noite, amor.
— Boa noite. — ele respondeu.