ZEDU
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— JL, eu não vou perguntar outra vez, o que você está fazendo aqui?
— A Isabella. A mãe dela morreu. Teve uma overdose, eu não sei. — explicou JL, andando de um lado para o outro.
— Overdose? Verdade, a mamãe contou que ela era dependente. E o que tem a Isabella?
— A avó dela quer mandá-la para o interior. A minha filha precisa ficar em Manaus. Eu não sei o que fazer, por favor. — implorou meu irmão, quase chorando.
— Olha, JL. Eu não posso fazer muita coisa e...
— Zedu, a Isabella é tudo o que eu tenho. De todas as coisas que eu fiz, a minha filha é a mais preciosa. Não estou pedindo por mim, mas pelo nosso pai. Você tem os recursos. Me ajuda, pelo amor de Deus.
Eu tenho os recursos. Agora o jogo virou. O JL está quase implorando de joelhos. Ele não é mais aquela figura ameaçadora que amedrontava os meus sonhos. O meu irmão era um cara fraco, perdido na vida e sem dinheiro. Afinal, quem vai querer contratar um ex-presidiário?
Respirei fundo. Eu precisava ajudar a minha sobrinha. Mesmo que isso representasse ter o meu irmão de volta ao meu convívio. Peguei o telefone e liguei para o Carlos. Expliquei toda a situação. Não demorou muito e o marido da Olívia chegou para um bate-papo com o JL.
Os levei para uma das salas de reunião da agência. Eles ficaram conversando por um bom tempo. Enquanto isso, aproveitei para revisar uns documentos, mas confesso que não foi uma missão fácil, uma vez que a Isabella não saia da minha cabeça. O seu sorriso, idêntico ao do meu pai, eu precisava ver aquilo outras vezes.
No fim da tarde, o JL apareceu no escritório. Acho que era hora de enfrentar os traumas do meu passado e o convidei para uma cerveja. Escolhi um barzinho perto da casa da mamãe. O local era simples, porém bonito e não tinha muitos clientes no início da noite.
Não vou mentir. Estar perto do JL me deixava desconfortável. Parecia que a qualquer momento o meu irmão me atacaria ou tentaria contra a minha vida. A garçonete que nos atendeu ficou nos paquerando. Tadinha, mal sabe ela que o meu namorado é um urso gostoso. Talvez, o JL tenha chances, se ela não se importar com psicopatas familiares.
— Olha, JL. Obrigado. O Carlos me explicou muitas coisas. Eu consegui um emprego na Tech Land.
— Indicação do Yuri? — questionei, cortando o JL.
— Sim, mas não briga com ele. O Yuri só está tentando me ajudar. Mesmo...
— Mesmo depois de nos ameaçar e me lançar contra uma sacada. Que porra, JL. Eu sou o teu irmão, caralho. — desembuchei, antes de tomar um gole de cerveja e colocar na mesa de maneira violenta. — Eu sou o teu irmão mais novo. — diminui o meu tom para não chamar a atenção. — Eu te amava. Eu esperava acolhimento. Esperava que você estendesse a mão. — uma lágrima escorreu pelo meu rosto.
— Eu não sei o que te falar. Eu estava fora de mim. No fundo, eu tinha inveja de você, mas as coisas acabaram se misturando na minha cabeça. Naquele dia, quando fui preso. Eles me trataram como um animal. Ainda mais quando as informações vazaram para a imprensa. No dia seguinte, acordei na delegacia e não lembrava das coisas que tinha feito. Eu, eu não lembro. — JL começou a chorar também. — Eu vi pelo noticiário que o Fred havia levado um tiro de mim. Em seguida, a polícia liberou as imagens de um drone. Eu não me reconheci naquelas imagens, Zedu. Eu havia feito mal para a minha própria família e nem me lembrava. Graças aos médicos do presídio, descobri que sofria de depressão e ansiedade. Agora estou me medicando e cuidando da saúde. Nada do que eu falar pode apagar aquele dia, mas eu quero mudar. As pessoas merecem uma segunda chance, certo?
— Eu mudei toda a minha vida por tua causa. Estudei longe de Manaus. Batalhei para pegar trabalho em outros Estados. Todas as noites, eu sonhava contigo. Sonhava com você me agredindo e me perseguindo. — revelei, respirando fundo e tomando outro gole de cerveja, um longo gole de cerveja. — No fundo, isso me ajudou a chegar onde estou. Eu consegui ser alguém na vida, mesmo tendo dentro de mim, você me dizendo aquelas coisas horríveis. Dizendo que eu nunca seria ninguém, que o meu amor relacionamento nunca seria reconhecido ou que eu morreria de AIDS.
— Perdão, Zedu. — implorou JL aos prantos.
— O perdão pode ser trabalhado aos poucos, irmão. Essa conversa já é um início. — limpei as lágrimas e estendi o copo. — Vamos brindar pelo novo início.
— Ok. — limpando às lágrimas com as mãos e pegando o copo. — Novos inícios. — levantando o copo e brincando comigo.
— Agora estou mais tranquilo. — afirmei tomando cerveja.
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YURI
Estou desesperado. Eu não sabia que preparar um casamento dava tanto trabalho. Eu entendo o desespero do George e Jonas. Anos atrás, os meus amigos casaram em uma praia e quase enlouqueceram no processo do casamento. Ainda bem que eu contava com a Giovanna. Sério, se a minha irmã não fosse designer, ela seria uma ótima cerimonialista, apesar do jeito maluco e megalomaníaco dela.
400 mil flores? 500 convidados? Um bolo de nove andares? Eu risquei metade dos itens da lista que a Giovanna fez. Ela ficou revoltada, mas o noivo era eu, certo? Meu casamento, minhas regras. Limitei o número de convites para 60 e solicitei um bolo de 3 andares nas cores da bandeira ursina, afinal, é um casamento de urso com chaser.
— Credo, Yuri. Assim a minha alma de artista não pode criar. Agora vai me dizer que o casamento acontecerá aqui? — questionou Giovanna, deixando na minha cama.
— Claro. Giovanna, o Zedu encontrou uma casa perfeita, mas o nosso orçamento vai ficar apertado e...
— Pede da titia e do Carlos. Eles tem dinheiro. — soltou a minha irmã.
— Claro, — fiz uma careca. — que não, idiota. Eles já gastaram tanto conosco. Fora que o Zedu e eu estamos em uma ótima fase profissional. O nosso dinheiro vai ser mais que o suficiente, mas não podemos ter mais gastos extras. Será um casamento simples e significativo.
— Gays. Vai entender. — a Giovanna se deu por vencida e anotou todas as minhas solicitações.
Ficamos conversando por alguns minutos, até o José Eduardo entrar cambaleando no quarto. A minha irmã se despediu e saiu para nos dar privacidade. Ajudei o meu noivo a se despir. Ele contou que havia encontrado o irmão e juntos foram para um bar. Isso era visível.
O Zedu estava deitado na cama, só de cueca box. Coloquei suas roupas no cesto e deitei ao seu lado. Ele começou a chorar. Eu não falei nada, apenas fiquei ao seu lado. Eu imagino as barreiras que ele ultrapassou para beber com o JL. Isso me deixou feliz, porque só prova que o Zedu está buscando liberar o perdão.
— Eu te amo muito. — me declarei, virando de lado e fazendo carinho no peitoral do Zedu.
— Obrigado.
— Por que? — questionei.
— Eu não sou cego, Yuri. Eu sei que estudar em São Paulo não estava em seus planos. Muito menos, morar em Canela. Mas, você sempre apoiou as minhas ideias. Nunca soltou a minha mão. — ele revelou, ainda chorando. — Obrigado.
— Eu atravessaria o mundo ao seu lado, José Eduardo. Eu te amo desde o primeiro momento que eu vi. No dia em que ficamos na floresta, eu pensei que fosse um sonho. Pensa, o cara gordinho e desajeitado, ficando com o garoto mais popular do colégio. Parece até uma fanfic. — eu disse, tirando um sorriso tímido dele.
— Eu queria agradecer a quem escreve nossa fanfic. Como você acha que se chamaria? Amor de Ursino? — Zedu questionou, agora um pouco mais animado e virando na minha direção.
— Bem, o Santino quer fazer um quadrinho baseado em nossa história. O título é "Amor de Peso". Ele pediu a minha permissão e quer conversar para criar o roteiro. — revelei para o Zedu, com todos os últimos acontecimentos esqueci de contar esse detalhe. — Inclusive, ele pediu fotos nossas da escola.
— Medo. — brincou Zedu. — Mas, eu dou a minha permissão. Eu quero que todos saibam como o garoto mais lindo da escola. — tocando no meu rosto e me beijando. — Conquistou o cara mais confuso do mundo.
— Devo contar toda a verdade?
— Só omite que eu chorei quando o jacaré mordeu o meu pé. — Zedu revirou os olhos. — Diz que eu fui bravo e corajoso.
— Bobo. — respondi, levantando da cama e oferecendo a mão para o Zedu. — Vem, vamos tomar banho.
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ZEDU
Transar com o Yuri me renova. É uma coisa orgânica. Eu não me canso dele. Infelizmente, o trabalho exige muito de mim, então, temos que esperar o fim de semana para aproveitar a companhia um do outro. Ele também começou um trabalho novo e precisaria visitar algumas estruturas antigas da empresa, ou seja, o meu urso chegava cansado e sonolento.
Pelo menos, os bons frutos estavam sendo colhidos como, por exemplo, a compra da casa, que tanto sonhamos. O Yuri pagaria a parcela da entrada, eu ficaria pagando as primeiras parcelas fixas da casa. Em menos de 30 anos, o imóvel seria de fato nosso. Ninguém falou que ia ser fácil. O importante é ter saúde e continuar o bom trabalho para pagar as prestações.
No total, fizemos quatro visitas para decidir pela casa. Seria necessário pequenas reformas, mas não mexeríamos em muitas coisas. A residência ficava na mesma quadra da casa dos tios do Yuri. Eram dois pisos, quatro quartos, uma garagem ampla, piscina e um pequeno jardim.
— Gostou? — perguntei para a mamãe.
— Adorei filhote. É uma casa ampla. — garantiu a dona Teresa me abraçando. — Que orgulho do meu pequeno homem.
— Pequeno nada, boatos que o do Zedu é maior que o meu. — brincou Fred, deixando a mãe constrangida.
— Pode crer, mano. Deus não abençoou todos. — respondi, para o desespero da mamãe, que nos deu cascudos na cabeça. — Desculpa, desculpa.
— O Zedu que é pervertido, mamãe. — garantiu Fred.
— Mãe, falando sério. O Yuri e eu, queremos convidar a senhora para morar aqui. O seu quarto é amplo, aqui no condomínio temos vários serviços e vantagens. — eu a convidei.
— Sim, mãe. Eu vou estudar em Portugal e a senhora vai ficar sozinha. É uma ótima ideia. — Fred gostou da ideia e incentivou a nossa mãe.
— Filhos, tem o JL e...
— Ele pode ficar em um dos apartamentos. — sugeri. — Afinal, como um ex-presidiário, que busca a guarda da filha pega mal morar com a mãe.
— Vou pensar, querido. Eu juro. E onde vão ficar os quartos dos meus netos? — desconversou a dona Tereza.